sábado, 14 de janeiro de 2012

Alguns comentários sobre a candidatura Tarso Genro


Texto publicado em 19 de agosto de 2005.
Quem acessou a página eletrônica do Partido dos Trabalhadores, às 23h44 do dia 18 de agosto, portanto faltando 30 dias para o primeiro turno do processo de eleição das direções partidárias (PED), não conseguiu localizar a plataforma da candidatura Tarso Genro.

Naquela página eletrônica encontra-se apenas a tese do "Campo majoritário", a mesma que já havia sido apresentada, em maio-junho de 2005.

Ou seja: sabemos quais as posições da tendência que hoje controla a direção do Partido, mas não sabemos quais as propostas do novo candidato a presidente nacional do PT, lançado em substituição a José Genoino.

A ausência de uma plataforma impede o filiado de cobrar, do seu candidato, caso eleito, o cumprimento dos "compromissos de campanha". Não se trata apenas, portanto, de uma lacuna formal, de um desrespeito ao regulamento do PED.

Isto se torna ainda mais grave, quando lembramos que Tarso Genro vem anunciando, por meio da imprensa, que sua candidatura mantém diferenças importantes com o grupo que o lançou. Afinal, que diferenças são estas, exatamente?

Aqui cabe lembrar o que dissemos a Tarso Genro, logo depois dele ter sido ungido presidente interino do PT (claro que sob nossos protestos e abstenção): o melhor que ele poderia fazer, para o nosso Partido, era manter-se como um magistrado do processo eleitoral; e, também, como um promotor dos processos éticos que afastariam, do convívio partidário, aqueles que organizaram um esquema de financiamento à margem de nossas instâncias democráticas.

Como sabemos, Tarso fez outra opção: abandonou a condição de magistrado e tornou-se parte interessada; abandonou a condição de promotor e tornou-se candidato do mesmo grupo a que pertencem os acusados de terem prejudicado o PT.

Embora lamentável, a decisão de Tarso não nos surpreendeu. Na verdade, foi uma opção coerente com sua trajetória política. Afinal, Tarso é um dos ideólogos da chamada "estratégia de centro-esquerda", linha política assumida pelo "Campo majoritário", cuja chapa ele integrava quando ainda era encabeçada por José Genoino.

Tampouco nos surpreende a insistência com que Tarso busca se diferenciar do "Campo majoritário". Aos olhos de muitos petistas, simpatizantes e eleitores, este grupo tornou-se uma espécie de "má companhia", para usar a expressão cunhada pelo grande governador Olívio Dutra.

Assim, é natural, embora bastante inusitado, que o candidato do "Campo majoritário" faça seguidas declarações anunciando, publicamente, que seu grupo "acabou"; que apresente propostas que são, logo a seguir, derrotadas por seus próprios apoiadores; que anuncie, publicamente, como condição para manter sua candidatura a presidente, que alguns de seus apoiadores renunciem a estar na sua própria chapa; e, até mesmo, que faça críticas à aspectos da política econômica, sendo repreendido publicamente por seus pares; mas que, mesmo assim, siga candidato do “Campo majoritário”.

Não queremos nos imiscuir nos problemas internos do "Campo majoritário". Afinal, desde 1993 combatemos as posições defendidas por José Dirceu, Antonio Palocci, José Genoino e Tarso Genro. Nesses doze anos de convivência, aprendemos a duras penas que as diferenças existentes no "Campo majoritário" nunca impediram que sua cúpula estivesse unida no fundamental, ou seja, em torno da estratégia de centro-esquerda e da férrea decisão de manter o controle do partido, a qualquer custo.

Por isso temos feito questão de tratar a cúpula do "Campo majoritário" como coletivamente responsável pelos problemas que estamos vivendo. Também por isso, temos feito questão de lembrar que, se os métodos de José Dirceu são condenáveis, os de Antonio Palocci também são. Ou, para usar uma imagem mais, digamos, rica de significados: se Marcos Valério incomoda muita gente, Henrique Meirelles incomoda muito mais gente.

Tarso Genro tenta desviar as atenções da responsabilidade coletiva do "Campo majoritário", concentrando suas críticas no chamado grupo de José Dirceu. Não deixa de ser uma posição conveniente, pois o ex-ministro caiu em desgraça na chamada opinião pública, bem como em grande parte da base partidária que, como nós, considera o ex-ministro como um dos  principais responsáveis pelo modus operandi do Campo Majoritário e, portanto, pela crise atual.

Conveniente ou não, Tarso faz bem em apoiar - mesmo que tardiamente - as propostas apresentadas por diferentes setores da esquerda do PT, de punição aos que conceberam e encabeçaram o esquema de financiamento operado por Marcos Valério e montado à revelia das instâncias partidárias.

Punir duramente e o mais rápido possível este grupo é uma das condições para superar a crise partidária. A outra condição é alterar a política do Partido e do governo.

Afinal, sejamos francos: os problemas do Partido não se resumem aos métodos do “Campo Majoritário” e ou do “grupo de Dirceu”. Ademais, a origem dos problemas enfrentados pelo PT não está nos métodos, mas sim numa linha política equivocada, que para ser implementada teve que contar com o recurso de métodos condenáveis.

Infelizmente, sobre este tema central - a linha política implementada pelo "Campo majoritário" desde 1995 - não ouvimos de Tarso nenhuma opinião crítica, que se remeta ao âmago da estratégia adotada.

Para nós, não basta (embora seja necessário) punir indivíduos e mudar métodos de condução. É preciso mudar a linha política, aquela linha política da qual Tarso é um dos ideólogos e que tem no ministro Antonio Palocci um de seus mais fiéis seguidores.

Na verdade, ao polarizar com José Dirceu, Tarso tenta matar dois coelhos com uma só cajadada: deixar Palocci relativamente na sombra e hegemonizar, sob sua direção, todos aqueles que criticam os métodos de José Dirceu.

Esta tática, se bem-sucedida, não vai produzir uma renovação do Partido, mas sim uma renovação conservadora: algumas pessoas seriam trocadas, mas continuaria vigente a linha política que produziu Roberto Jefferson como aliado, Duda Mendonça como marqueteiro e Henrique Meirelles como presidente do Banco Central.

Aquilo que chamamos de renovação conservadora, Tarso Genro chama de "refundação". Talvez ele tenha escolhido a palavra para seduzir alguns esquerdistas simpáticos ao Refundação Comunista italiano. Mas seu objetivo é diametralmente oposto: transformar o PT numa espécie de Partido dos Democratas de Esquerda, cujo nome atual é simplesmente DS (Democratas de esquerda): um partido de centro-esquerda, pós-comunista e pós-social-democrata.

Estas são algumas das muitas razões pelas quais consideramos que a candidatura Tarso Genro é a pior alternativa para o PT. De um lado, porque sua eventual vitória significaria que o "Campo majoritário", mesmo ferido, travestido, maquiado, recauchutado e disfarçado, seguiria mandando no PT. O efeito prático disto, na população e no Partido dos Trabalhadores, seria um descrédito profundo na incapacidade do PT se reciclar, mesmo depois do dilúvio.

De outro lado, porque a eleição de Tarso implicaria numa ruptura com uma característica básica e inegociável para nós: que nosso Partido é um partido de classe, o partido dos trabalhadores. E não apenas nem principalmente um "partido de opinião", de "interlocução".

De nossa parte, estamos convencidos que a única solução virtuosa para a crise vivida, hoje, pelo Partido dos Trabalhadores, está na vitória da esquerda petista. Não de qualquer esquerda, mas da esquerda que acredita e defende o PT. E que está disposta a construir, após a vitória, uma nova maioria que reúna também o “centro” e setores do atual "Campo majoritário".

Uma nova maioria que não pode ser automática, não pode ser presumida, que assuma a democracia como uma prática fundamental no dia-a-dia da vida partidária. Uma nova maioria socialista, adepta de um partido militante, que preserve a autonomia do Partido frente ao governo federal, que defenda alianças com os movimentos sociais e com os partidos de esquerda, que trabalhe em favor de uma política econômica democrática e popular.

Uma nova maioria que, para ser vitoriosa, precisa dos votos de todos os petistas, inclusive dos filiados que, em 2001, votaram na chapa do "Campo majoritário".

A nova direção partidária, que será eleita nos dias 18 de setembro e 9 de outubro, terá como tarefa defender o PT, afastar do Partido o grupo responsável pela atual crise, ajudar a conclusão exitosa deste primeiro governo federal integrado por nós, trabalhar pela vitória da esquerda nas eleições de 2006 e por uma segunda gestão no governo federal, que faça as reformas que a primeira gestão não quis ou não conseguiu fazer.

A nova direção terá que convocar, para o início de 2007, o III Congresso Partidário, que altere o estatuto, que reveja o programa, que eventualmente eleja uma nova direção.

Estas são as nossas idéias. As idéias do Tarso militante do PRC, do Tarso prefeito, do Tarso candidato a governador, do Tarso ministro, estas nos conhecemos. São muitas e mutáveis. Mas, as idéias de Tarso candidato a presidente, estas ainda queremos conhecer.

Ocorre que ninguém sabe, ao certo, se Tarso manterá ou não sua candidatura à presidente do PT.

Talvez ache que consiga se eleger, apenas através da mídia, de seu prestígio pessoal e da lealdade do chamado "Campo majoritário".

Talvez pretenda renunciar, contentando-se com a presidência interina. Afinal, se ele quer mesmo mudanças nos rumos do Partido, não pode vencer, pois sua vitória seria a vitória do grupo que hoje controla o Diretório nacional.

Talvez, ao contrário, ele pretenda mudar seu discurso e conformar-se que, se quer disputar com alguma chance de vencer, precisa submeter-se aos grupos de Dirceu e de Palocci.

Em qualquer dos casos, fica claro o motivo pelo qual sua plataforma de candidato não está disponível. Talvez mude.

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