sábado, 14 de janeiro de 2012

Para além da crise

Texto divulgado em 22 de junho de 2005


A oposição de direita, aliada com alguns dos maiores meios de comunicação do país, desencadeou nas últimas semanas uma enorme ofensiva contra o PT e contra o governo Lula. As acusações do deputado Roberto Jefferson devem ser vistas neste contexto, bem como os trabalhos da CPMI dos Correios e da CPMI da Terra.
Esta ofensiva não é um raio em céu azul. Vem sendo planejada desde o dia em que Lula foi eleito. Teve seu ensaio geral no episódio “Waldomiro Diniz”, quando se utilizou um modus operandi semelhante ao atual. Teve prosseguimento nas derrotas que sofremos, tanto nas eleições municipais de 2004 quanto na eleição de Severino Cavalcanti, que coincidiu com o processo de reforma ministerial, também profundamente desgastante para o Partido.

É nesse contexto que surge a denúncia de corrupção nos Correios, a proposta de instalar uma CPMI para investigar o caso e os depoimentos do deputado Roberto Jefferson acerca do "mensalão", concedidos à Folha de S. Paulo e ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
As “acusações” do deputado têm uma motivação muito clara: desespero. Ao descobrir que nem o PT, nem o governo federal dariam guarida para a corrupção, Roberto Jefferson partiu para o ataque, acusando o PT de práticas que na verdade são suas.
Mas as “denúncias” do deputado não constituem apenas uma reação a atitude correta do PT e do governo. Na verdade, seu depoimento mostrou que ele é peça integrante de uma articulação maior, que visa desgastar o PT, o governo e o presidente da República.
Qual a reação do PT frente a isto? Por um lado, queremos cassar o mandato do deputado, réu confesso por quebra do decoro parlamentar. Queremos, também, refutar politicamente suas acusações (lamentavelmente, na política, ao contrário da Justiça, é ao acusado que cabe o ônus de comprovar sua inocência). Além disso, vamos assumir a vanguarda nas investigações acerca do suposto "mensalão" e das outras acusações feitas pelo deputado.
Não será fácil fazê-lo. Para além do controle que os partidos de centro-direita mantêm sobre o Congresso, a CPMI, a Corregedoria e o Conselho de Ética, há a postura abertamente oposicionista e golpista de setores da mídia. Não apenas a atitude da revista Veja e da Folha de S.Paulo, que estão em campanha aberta contra o governo, mas também a competição dos diversos meios em busca de "notícias" (mesmo que mentirosas), nos fazem prever que haverá uma CPI informal, desenvolvida pelos meios de comunicação, visando não a verdade, mas sim agredir o PT.
O PT não teme a verdade. Sempre repudiamos a compra e venda de votos, a corrupção, o fisiologismo e a promiscuidade entre os interesses públicos e privados. Durante o governo FHC, denunciamos a compra de votos que garantiu a aprovação da emenda da reeleição, assim como denunciamos o processo de privatizações. Agora, como antes, entendemos que todas as denúncias devam ser investigadas e os envolvidos devam ser punidos. Esta tem sido, aliás, a atitude do governo Lula. A ação da Polícia Federal, da Controladoria Geral da União e de outros órgãos públicos tem sido intensa. Qualquer que seja o partido dos envolvidos, o tratamento é o mesmo: investigação, punição e cadeia para os criminosos.
O PT vem empenhando-se, também, para que esta atitude implacável seja adotada pela Justiça e pelo Legislativo. A Operação Anaconda revelou a força da criminalidade no Poder Judiciário. Episódios como o ocorrido na Assembléia Legislativa de Rondônia, bem como a tentativa de manipular comissões parlamentares de inquérito para fazer achaques, mostram como é disseminado o envolvimento de parlamentares e partidos conservadores, com casos de corrupção, colocando muitas vezes sob suspeição e limitando a capacidade fiscalizadora do poder Legislativo. Neste sentido, não reconhecemos na oposição, nem no presidente do PTB, nenhuma autoridade moral para atacar o PT e o governo Lula.
Até porque os partidos de oposição, como o PSDB e o PFL, têm outros propósitos: querem transformar a CPMI em palanque para forjar denúncias, visando desmoralizar o Partido, paralisando ou até mesmo solicitando o impedimento do nosso governo.
Cresce a audácia dos que comparam Lula com Collor; parcelas conservadoras da chamada classe média aumentam seus protestos, marcados por enorme preconceito de classe; a cúpula do Poder Judiciário, a alta burocracia estatal e a maioria do Congresso, controlados pela direita, associados aos grandes meios de comunicação, implementam uma campanha aberta contra o PT, buscando associar mal-estar econômico e denúncias de corrupção.
O que está em curso é a antecipação da campanha eleitoral de 2006 e a exacerbação de uma operação de calúnias contra o PT, visando colar em nós o estigma da corrupção. Está em curso, também, uma operação bem mais perigosa, que visa destruir o PT, interditando por muitos anos a esquerda como alternativa programática, de governo e de poder para o Brasil.
Alguns setores da oposição de centro-direita defendem um "acordo por cima" entre a oposição e o governo, inclusive com a entrada do PSDB na base de apoio e no ministério, formando uma espécie de governo de união nacional.
Outros setores, também por enquanto ainda minoritários, mas muito influentes, defendem criar as condições para o impeachment de Lula. A tese do impeachment é descartada, no momento, pela maior parte da direita, não porque estes setores tenham compromissos democráticos, mas porque sabem que ela provocaria uma reação muito dura por parte de Lula, do governo, do PT e dos setores populares.
A maior parte da direita, entretanto, concentra seus esforços em desmoralizar o PT e o governo. Seu objetivo é dar prosseguimento à ofensiva conservadora até a eleição de 2006, onde pretendem eleger um presidente conservador ou, pelo menos, obter uma vitória nas eleições parlamentares e estaduais que inviabilize totalmente um segundo mandato Lula.
A oposição de direita terá sucesso em seus propósitos? Isso dependerá em grande medida da atitude do próprio PT e do governo. Mas é preciso reconhecer que a direita tem conseguido êxito em convencer parcela importante da população, de que exista algum tipo de envolvimento, por parte do PT e do governo. O êxito da direita decorre de algumas opções incorretas feitas por nós, em três terrenos: no financiamento das campanhas, na política de alianças e na política econômica.
O PT sempre criticou o financiamento privado de campanhas eleitorais, não apenas por gerar desigualdade entre os concorrentes, mas também por criar um ambiente que estimula a troca de favores entre os doadores e os futuros governantes. Por isso mesmo, defendemos o financiamento público das campanhas e a fixação de um limite bastante modesto de custo para as mesmas.
Entretanto, o crescimento eleitoral do PT também nos tornou beneficiários de crescentes contribuições empresariais. Embora estas contribuições sejam muito menores que as concedidas pelo grande empresariado aos partidos de direita, elas acabaram criando, em alguns setores da população, a impressão de que “todos são iguais”, de que todos mantêm relações promíscuas com o empresariado.
O fato do PT ter incluído, no seu arco de alianças, partidos com uma trajetória reconhecidamente fisiológica, como o PTB de Roberto Jefferson; e o fato do governo Lula ter incorporado, no ministério, pessoas indicadas por estes partidos, acabou nos comprometendo, mesmo que indiretamente com suas atitudes e práticas. A presunção de inocência – citada como motivo para a manutenção de Romero Jucá e Henrique Meirelles em seus cargos - não deveria servir de pretexto para cometer a ingenuidade de manter no governo pessoas contra as quais pesam não apenas graves acusações, mas também fortes indícios de irregularidades.
Temos que reconhecer que a política de alianças adotada para compor a base de apoio no Congresso Nacional foi marcada por concessões ao pragmatismo, pela convivência com partidos fisiológicos e conservadores, além de não levar em consideração a necessidade de buscar apoios na chamada sociedade civil e nos movimentos sociais. O estrago provocado pelo deputado Roberto Jefferson, chefe da tropa de choque collorida, mostra o preço que pagamos por alianças sem base programática.
O fato de o governo ter adotado, no âmbito do Banco Central, uma política de juros altos; e o fato de o Ministério da Fazenda executar um superávit primário escorchante, geram entre os apoiadores do governo dois tipos de atitude: por um lado, uma corrosão do apoio, devido aos efeitos econômicos e sociais decorrentes daquela política; por outro lado, faz com que alguns setores da população suponham que, se no âmbito da política econômica, militantes petistas estão contrariando princípios passados, nada impediria que no âmbito da ética não pudessem fazer o mesmo.
Para enfrentar a ofensiva da direita e retomar a iniciativa política, o PT e o governo precisam adotar cinco ações combinadas e imediatas: mudar a política econômica; reconstruir a base de apoio parlamentar e social do governo; assumir a vanguarda das investigações em curso no Parlamento; aprofundar as ações anticorrupção implementadas pelo governo, além de adotar maior rigor nas relações com o empresariado.
Destas ações, a principal é a mudança na política econômica, que pode ser sintetizada nas seguintes medidas:
a)Redução substancial nas metas de superávit primário.
b)Redução acelerada nas taxas de juros.
c)Alteração nas instituições de política econômica, democratizando a composição do Conselho Monetário Nacional, do Conselho de Política Monetária e do Banco Central.
d)Controle de capitais.
e)Ampliação dos investimentos públicos na infra-estrutura.
f)Plano emergencial de obras públicas nas grandes cidades.
g)Ampliação nos investimentos públicos nas áreas sociais.
h)Extinção da Desvinculação dos Recursos da União (DRU), tornando possível a ampliação dos investimentos nas áreas sociais.
i)Garantir os percentuais de aplicação de recursos orçamentários previstos na Constituição Federal para saúde e educação, e elevar o financiamento desta dos atuais 4% para 7% do PIB.
j)Execução da meta de reforma agrária, cumprindo até o final de 2006 a meta de assentar pelo menos 430 mil famílias.
k)Dobrar o valor real do salário mínimo e das aposentadorias.
l)Transformação da dívida pública dos Estados e municípios em investimentos sociais do governo federal.
Estas mudanças devem ser complementadas por um conjunto de iniciativas políticas, entre as quais destacamos:
a)aprovar, no Congresso Nacional, a regulamentação do plebiscito popular apresentada pela CNBB e pela OAB, através do qual o povo poderá decidir sobre questões fundamentais que lhe dizem respeito;
b)aprovar a mais ampla reforma política, que institua o financiamento público de campanha, coíba a influência do poder econômico no processo eleitoral e que garanta o respeito ao voto;
c)retomar o debate sobre a necessidade da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, que consolide uma institucionalidade jurídica e política compatível com um novo projeto de desenvolvimento nacional, de natureza democrática e popular;
d)democratizar o uso dos meios de comunicação de massa no país, revendo as concessões políticas e liberando o uso das rádios e tevês comunitárias;
e)aprovar no Congresso Nacional a Lei de Responsabilidade Social, que estabeleça o social como prioridade e puna exemplarmente os administradores que priorizam as dívidas financeiras, em detrimento das dívidas sociais. Esta Lei, quando entrar em vigor, deve substituir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A adoção destas medidas impulsionará a mobilização popular, essencial para derrotar a ofensiva da direita, vencer as eleições de 2006 e viabilizar um segundo mandato profundamente transformador.

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