segunda-feira, 22 de julho de 2024

Comentários acerca do “Sul Global”



Há um intenso debate acadêmico acerca da categoria “Sul Global”. Neste texto, vamos abordar a categoria de outro ângulo: o da política. Meu ponto de partida é uma constatação: hoje, o capitalismo é mais hegemônico do que nunca foi, em toda a sua história. Isto significa que as contradições do capitalismo são mais intensas, hoje, do que nunca foram. E estas contradições são múltiplas. Algumas se manifestam no terreno estritamente nacional. Outras têm abrangência internacional ou mundial. É o caso, por exemplo, da contradição entre o imperialismo e o restante do mundo.

A extração de riquezas produzidas em outras regiões do mundo não é uma novidade. Ela contribuiu para o surgimento do capitalismo. E continua sendo um fator importante, durante toda a história do capitalismo, desde a “acumulação primitiva” até os dias atuais.

Entretanto, o capitalismo mudou, o mundo mudou e a natureza desta extração também mudou. Entre essas mudanças, cito o surgimento dos monopólios, o surgimento do capital financeiro, a exportação de capitais e a decorrente expansão do capitalismo para todas as regiões do mundo.

Em decorrência destas mudanças, a expansão do “imperialismo” no início do século 20 foi qualitativamente distinta da expansão dos impérios coloniais nos séculos XV e posteriores.

Uma das decorrências da expansão do imperialismo foi empurrar o mundo para duas guerras mundiais (1914-1918, 1939-1945). Foi neste ambiente que surgiu o nazifascismo. E foi também nesse ambiente que ocorreram três grandes revoluções: a mexicana, a chinesa e a russa, sendo que as duas últimas deram início à transições socialistas.

Ao término da Segunda Guerra Mundial, o imperialismo seguiu existindo, mas de forma mais contida que antes, por três motivos fundamentais: a existência de um forte movimento socialista, a existência de uma onda de descolonização e a existência de uma onda desenvolvimentista.

A partir dos anos 1980, entretanto, o capitalismo desencadeou uma exitosa ofensiva econômica, política e ideológica contra todos os seus inimigos. E nos anos 1990, o socialismo soviético colapsou, a socialdemocracia liberalizou, o desenvolvimentismo e o pós-colonialismo regrediram.

O resultado global disto foi ampliar a exploração do trabalho, exploração cujos efeitos mais severos afetam a classe trabalhadora dos países periféricos (inclusive quando ela migrava para os países centrais). Além de ganhar maior intensidade, o imperialismo também assumiu outras características.

Entretanto, este “novo mundo imperialista” entrou em crise em 2008. A crise envolve múltiplas dimensões, da ambiental à militar. Do ponto de vista político, o centro da crise está nos Estados Unidos, mais exatamente no declínio da hegemonia dos Estados Unidos, vis a vis a ascensão da República Popular da China. Trata-se de uma crise que pode se estender por muito tempo ainda e os desfechos da crise estão em aberto.

Devemos lutar por uma solução para esta crise, uma solução que preserve a humanidade e que atenda às necessidades e interesses da maioria, ou seja, da classe trabalhadora. Do ponto de vista geopolítico, isto significa que o mundo não pode mais ser controlado pelo capitalismo, muito menos a partir de seu eixo anglosaxão.

Dito de outra forma: se a maioria dos habitantes da Terra quiser elevar substancialmente seu padrão e qualidade de vida, terão que impor uma derrota ao seu respectivo capitalismo, bem como impor uma derrota ao capitalismo imperialista. E se a maioria tiver êxito nisso, haverá tanto uma mudança em direção ao socialismo, quanto um deslocamento geopolítico, com uma redução da importância dos EUA e dos países da Europa; e uma ampliação da importância dos demais países. Há várias maneiras de denominar este conjunto de países, profundamente distintos entre si. Uma destas maneiras é agrupá-los sob a denominação “Sul Global”.

Evidentemente, termos de embocadura geográfica tem dificuldade para expressar determinações políticas, econômicas e sociais. O que precisamos é de uma aliança entre as classes trabalhadoras de todo o mundo, sob a direção política dos setores mais explorados. Estes mais explorados existem tanto no “Sul” quanto no “Norte”. Mas é óbvio que os mais explorados se encontram, principalmente, no “Sul”; assim como vieram do “Sul” os mais explorados que trabalham no “Norte”.

Por outro lado, esta aliança entre as classes trabalhadoras de todo o mundo inclui movimentos, partidos e também governos. E deve buscar alianças com governos que, embora não sejam da classe trabalhadora, estão em choque com o conjunto do imperialismo ou com alguma de suas manifestações. Alguns destes governos estão no “Norte” geográfico, mas a maioria deles encontra-se no “Sul” geográfico.

Portanto, o termo “Sul Global” pode e deve ser utilizado. Mas é preciso ter presente que este termo, assim como “Terceiro Mundo”, “países em desenvolvimento”, “periferia”, “não alinhados” e tantos outros, não são uma descrição científica.











Nenhum comentário:

Postar um comentário