segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Resolução sobre conjuntura

Segue abaixo a resolução que a executiva nacional da AE aprovou, no dia 29 de outubro, para publicação no dia 30 de outubro de 2023.

 

Aproveitar o fim-de-ano para corrigir os rumos

 

Esta resolução é publicada no dia 30 de outubro de 2023, um ano depois do segundo turno que elegeu Lula para seu terceiro mandato presidencial.

Ao longo deste ano, a tendência petista Articulação de Esquerda lembrou por diversas vezes que 2023 não é 2003, que a situação atual é muito mais difícil, que não se deve subestimar a extrema-direita, que o tempo corre contra nós, que para reconstruir será preciso transformar.

Evidentemente, outros setores do Partido pensam o mesmo, inclusive destacadas lideranças do grupo hoje majoritário no Diretório Nacional.

Entretanto, quando observadas de conjunto, tanto a ação prática do Partido, quanto a ação prática dos movimentos sociais por nós influenciados, assim como a ação prática do governo, operam com uma lógica muito parecida com a predominante em 2003.

Há vários exemplos disto: o tímido reajuste do salário mínimo, a atitude do ministro da Educação frente ao chamado Novo Ensino Médio, a escolha dos ministros da Comunicação e da Defesa, a presença de bolsonaristas em diversos postos de governo, inclusive ministérios.

Mas o principal exemplo da confusão entre 2023 e 2003 talvez seja o chamado Novo Marco Fiscal, que reincidiu em várias das premissas da política adotada pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central, nos anos de 2003 e 2004. Não apenas reincidiu, como em certo sentido foi ainda mais radical, como se vê no objetivo de alcançar o “déficit zero em 2024”.

Apontamos desde o início que esta proposta, além de filosoficamente neoliberal, era de um voluntarismo totalmente descolado da realidade. Para atingir o déficit zero, seria necessário ampliar significativamente a arrecadação e/ou cortar significativamente o orçamento público.

Como sabemos, a arrecadação federal vem caindo e as mudanças tributárias aprovadas pelo Congresso – que alguns insistem em comemorar, apresentando focinho de porco como se tomada fosse – não contribuem para reverter o quadro. Como resultado da queda na arrecadação, já estão ocorrendo contingenciamentos e o Orçamento 2024 está sob pressão, inclusive com ameaças contra os pisos constitucionais da saúde e da educação. No caso da saúde, o governo não cumprirá o piso em 2023.

A situação das receitas é tal que o próprio presidente Lula afirmou, publicamente, na comemoração de seu aniversário, que a meta de déficit zero é inexequível, agregando que não pretende fazer cortes no Orçamento. Esperamos que Lula implemente esta decisão. Mas, caso faça isso e caso as receitas não cresçam substancialmente, as regras do Novo Arcabouço Fiscal imporão restrições ainda maiores sobre as contas públicas no ano de 2025.

Sendo assim, uma pergunta que não quer calar é: por qual motivo o governo apoiou a proposta de déficit zero, que está no NAF proposto pelo ministro Haddad? Terá acreditado na lenda segundo a qual a arrecadação cresceria substancialmente? Ou foi surpreendido por acontecimentos inesperados?

Em nossa opinião, o que ocorre é que o governo segue influenciado por duas idéias incorretas: primeiro, a de que vivemos tempos normais e, segundo, a de que a correlação de forças nos obriga a ceder sem disputar.

Acontece que não vivemos tempos normais, vivemos tempos de guerra. E ceder sem disputar só tem servido para piorar a correlação de forças junto ao povo, como demonstra pesquisa de opinião divulgada nos últimos dias. Cabendo acrescentar que as concessões feitas à direita – com direito a ministérios, entre outras coisas – não se traduziram, ao menos até agora, em uma postura distinta por parte do Congresso Nacional, como se viu em votações simbólicas como o Marco Temporal, a taxação de fundos e o piso da enfermagem. Além da recente rejeição do nome indicado por Lula para Defensor Geral da União.

Tendo em vista o contraste entre a realidade e certas análises, somos obrigados a concluir que uma parte da esquerda parece viver numa bolha institucional, motivo pelo qual não se dá conta dos problemas crescentes que se avolumam. O resultado da eleição dos conselhos tutelares é um sinal disso. A pesquisa já citada, outro sinal. Se não houver uma mudança prática na conduta do governo, dos movimentos e do Partido, sofreremos uma derrota nas eleições municipais de 2024.

 

O genocídio na Palestina e a política brasileira

 

Como já foi dito, vivemos tempos de guerra. Um dos motivos disto é que a guerra é, neste tempo histórico, a principal arma com que conta o imperialismo para tentar reverter o declínio da hegemonia dos Estados Unidos. A tentativa de recuperar a hegemonia é a razão de fundo para as provocações contra a China em Taiwan, para o avanço da Otan até a fronteira da Rússia, bem como para o genocídio que Israel aprofunda, neste exato momento, contra o povo palestino.

No mundo inteiro, estão acontecendo imensas mobilizações contra o genocídio. No Brasil, até o momento em que aprovamos esta resolução, as mobilizações foram tímidas. Esperamos que a manifestação ocorrida em São Paulo capital, no dia 29 de outubro, possa ter sido um ponto de virada.

Há vários motivos que explicam a timidez das mobilizações, entre os quais destacamos dois: a pressão do sionismo sobre setores da esquerda brasileira e o fato de parte da esquerda estar descrente da importância das manifestações de rua.

A pressão do sionismo - corrente racista, surgida no século XIX e dominante entre os que governam o Estado de Israel – se exerce de várias formas. A principal delas é tratar como se fosse antisemitismo – portanto, análoga ao nazismo - qualquer crítica se faça ao Estado de Israel. A trágica e paradoxal verdade é o oposto disso: considerando que os palestinos também são semitas e considerando que contra eles se está conduzindo um extermínio étnico, a conclusão é que o sionismo é antisemita e o sionismo é análogo ao nazismo.

Mas a pressão do sionismo não é a única explicação para a timidez das manifestações realizadas no Brasil, em favor da Palestina, ao menos até este momento. Outra explicação é que cresceu, nas direções das principais organizações de massa do país, a começar pelo nosso Partido, uma ideia incorreta, segundo a qual a mobilização de rua é pouco efetiva, custa caro, dá trabalho, além de ser problemática, pois nas manifestações de rua podem ocorrer provocações de direita e de ultraesquerda etc.

É preciso mobilizar, em primeiro lugar exigindo que os bombardeios parem imediatamente e que se garanta a ajuda humanitária. O governo brasileiro e as Nações Unidas devem contribuir para construir uma solução para este conflito, solução que garanta a autodeterminação do povo palestino.

Em que termos isto se dará, é uma decisão que só o povo palestino poderá tomar. Inclusive por isso, discordamos dos que dividem o movimento de solidariedade e pela paz, a partir da polêmica acerca das táticas da resistência palestina e/ou das modalidades que assumirá a autodeterminação nacional. A nós cabe dar solidariedade à legítima luta pela libertação. Ao povo palestino cabem as demais decisões.

Reafirmamos que um povo ocupado tem o direito de resistir e lutar contra a ocupação. Nossa condenação contra qualquer ato de violência contra civis não implica, nunca, em esquecer a diferença qualitativa que existe entre a violência dos povos colonizados e oprimidos e a violência dos Estados e governos colonizadores e opressores.

O apoio ativo, o silêncio cúmplice e a “neutralidade” apregoada por muitos “progressistas”, “democratas” e, inclusive, setores de “esquerda”, frente aos atos terroristas que o Estado de Israel pratica, há décadas, contra o povo palestino devem ser caracterizados como o que são: colaboracionismo.

Como todos os povos colonizados, algum dia a Palestina será livre. Nesse dia, os nazi-sionistas terão seu Tribunal de Nuremberg. E nessa hora ocorrerá, também, o julgamento dos que colaboraram, ativa ou passivamente, com o nazi-sionismo.

Conclamamos a militância petista a realizar – em conjunto com outros partidos de esquerda e movimentos sociais – atos de massa em favor da Palestina. Não apenas por dever político e moral, mas também por razões pragmáticas: afinal, a extrema-direita manipula o noticiário acerca do conflito, como parte da campanha deles contra a esquerda. As mobilizações de rua são parte importante da nossa batalha por explicar a verdade dos fatos.

É preciso continuar as manifestações individuais e coletivas nas chamadas redes sociais, convocar atos públicos, em locais fechados, mas principalmente nas ruas e praças. É preciso explicar, para toda a população, que a única maneira de acabar com a inaceitável violência, é acabando com a inaceitável ocupação. É preciso fazer crescer a mobilização em favor da paz.

Aos que se iludem com a ideia de que o genocídio em Gaza é assunto distante, que não afetará as eleições municipais, alertamos: a naturalização da violência e do extermínio, como está ocorrendo em Gaza, contribui para a política de insegurança pública defendida pela extrema-direita, que já é parte importante do debate político e eleitoral. Além disso, faz parte da batalha pelo fim ou pela continuidade da hegemonia estadunidense, batalha que influencia todas as demais disputas que ocorrem no planeta, a começar pelas eleitorais.

 

Eleições na Argentina e a política brasileira

 

Tempos de crise e de guerra, são tempos de polarização ideológica, social e política. Isso é visível na maioria das recentes eleições presidenciais ocorridas na América Latina e Caribe, com destaque para as recentes disputas presidenciais no Equador e na Argentina.

No Equador, a direita foi vitoriosa. Mas na Argentina, ao contrário do que muitos previam, a eleição na Argentina foi para o segundo turno, que será no dia 19 de novembro de 2023. Também ao contrário do que muitos previam, o segundo turno não será disputado entre duas candidaturas de direita. E, igualmente contra certas previsões, a candidatura da extrema-direita não foi a mais votada no primeiro turno. Tendo em vista estes antecedentes, é possível vencer o segundo turno e fazer do peronista Sérgio Massa o próximo presidente argentino.

Passada a eleição, caberá extrair algumas lições da situação argentina, onde tivemos um governo peronista que optou por uma política econômica moderada. Um dos resultados disto foi que o atual presidente Alberto Fernandez, não disputou a reeleição, ao mesmo tempo que a direita e a extrema-direita se fortaleceram.

Mesmo que – como esperamos ocorra - vençamos as eleições, a polarização prosseguirá e os problemas estruturais também, restando saber como serão enfrentados pelo futuro presidente.

A ameaça da extrema-direita, como vimos no caso brasileiro, não se encerra com a vitória eleitoral das forças democráticas. E na base desta ameaça, está a piora das condições de vida de amplas massas do povo. Piora relacionada com a política econômica. Neste sentido, a experiência argentina nos alerta para vários dos riscos que corremos. É decisivo julgar, condenar e prender os criminosos do 8 de janeiro, a começar pelos criminosos fardados e seu então comandante em chefe; mas é tão decisivo quanto melhorar rapidamente a vida do povo e orientar o desenvolvimento nacional no sentido oposto à primário-exportação e ao rentismo financeiro.

 

A entrega da CEF para Arthur Lira: é preciso dar um freio de arrumação

 

No Brasil, apesar do golpe de 2016 e de tudo o que ocorreu depois, seguimos aplicando uma variante da “estratégia de centro-esquerda”, aplicada em nossos períodos anteriores na presidência da República.

Uma das materializações práticas disto é a ampliação do espaço ocupado, no governo federal, pelos partidos de direita que apoiaram o bolsonarismo. Destacamos as entregas dos ministérios dos Esportes e dos Portos e Aeroportos e, mais recentemente, a entrega da presidência da Caixa Econômica Federal para um homem indicado por Arthur Lira.

Estas concessões – além de afetarem negativamente a qualidade e a orientação das políticas públicas de nosso governo – não contribuem para o tipo de governabilidade de que necessitamos, para fazer um governo que reconstrua transformando. Pelo contrário, fortalecem o Centrão contra nós.

Conclamamos o Partido e o conjunto da esquerda a fazer chegar, ao presidente da República, a necessidade de um “freio de arrumação”, sob pena de sofrermos uma derrota nas eleições de 2024 e de reduzirmos nossa influência junto ao povo. Este freio de arrumação exige, entre outras medidas, enfrentar o tema da segurança pública, de uma perspectiva oposta à da direita. E inclui, principalmente, fazer da mobilização social um elemento central da nossa tática.

Para que isso ocorra, entretanto, é preciso um “freio de arrumação” no próprio Partido. É gravíssimo e inaceitável que o Diretório Nacional do PT tenha rasgado o estatuto do Partido, não em qualquer tema, mas exatamente naquele que estabelece como e quando se pode alterar nosso próprio estatuto. O clima de selva, de vale-tudo, em que uns rasgam o estatuto e outros vão buscar “reparação” na justiça, somados a difícil situação política e eleitoral, podem levar o Partido a uma crise profunda.

A situação mundial, continental e nacional, é extremamente perigosa. Mas é nos momentos de extrema crise, como os que vivemos, que se criam as condições para mudar profunda e estruturalmente a realidade. Para transformar esta possibilidade em realidade, é preciso colocar em movimento a maior parte da nossa classe trabalhadora. Esta deve ser uma das preocupações centrais de nossa tática em 2024, inclusive nas eleições do final do ano.

A executiva nacional da AE

Resolução aprovada no dia 29 de outubro e publicada no dia 30 de outubro de 2023

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