Segue abaixo a resolução que a executiva nacional da AE aprovou, no dia 29 de outubro, para publicação no dia 30 de outubro de 2023.
Aproveitar o fim-de-ano para corrigir os rumos
Esta resolução é publicada no dia 30 de outubro de 2023, um
ano depois do segundo turno que elegeu Lula para seu terceiro mandato
presidencial.
Ao longo deste ano, a tendência petista Articulação de
Esquerda lembrou por diversas vezes que 2023 não é 2003, que a situação atual é
muito mais difícil, que não se deve subestimar a extrema-direita, que o tempo
corre contra nós, que para reconstruir será preciso transformar.
Evidentemente, outros setores do Partido pensam o mesmo, inclusive
destacadas lideranças do grupo hoje majoritário no Diretório Nacional.
Entretanto, quando observadas de conjunto, tanto a ação prática
do Partido, quanto a ação prática dos movimentos sociais por nós influenciados,
assim como a ação prática do governo, operam com uma lógica muito parecida com
a predominante em 2003.
Há vários exemplos disto: o tímido reajuste do salário mínimo,
a atitude do ministro da Educação frente ao chamado Novo Ensino Médio, a
escolha dos ministros da Comunicação e da Defesa, a presença de bolsonaristas
em diversos postos de governo, inclusive ministérios.
Mas o principal exemplo da confusão entre 2023 e 2003 talvez
seja o chamado Novo Marco Fiscal, que reincidiu em várias das premissas da
política adotada pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central, nos anos de
2003 e 2004. Não apenas reincidiu, como em certo sentido foi ainda mais radical,
como se vê no objetivo de alcançar o “déficit zero em 2024”.
Apontamos desde o início que esta proposta, além de filosoficamente
neoliberal, era de um voluntarismo totalmente descolado da realidade. Para atingir
o déficit zero, seria necessário ampliar significativamente a arrecadação e/ou
cortar significativamente o orçamento público.
Como sabemos, a arrecadação federal vem caindo e as
mudanças tributárias aprovadas pelo Congresso – que alguns insistem em comemorar,
apresentando focinho de porco como se tomada fosse – não
contribuem para reverter o quadro. Como resultado da queda na arrecadação, já estão
ocorrendo contingenciamentos e o Orçamento 2024 está sob pressão, inclusive com
ameaças contra os pisos constitucionais da saúde e da educação. No caso da saúde,
o governo não cumprirá o piso em 2023.
A situação das receitas é tal que o próprio presidente Lula
afirmou, publicamente, na comemoração de seu aniversário, que a meta de déficit
zero é inexequível, agregando que não pretende fazer cortes no Orçamento. Esperamos
que Lula implemente esta decisão. Mas, caso faça isso e caso as receitas não
cresçam substancialmente, as regras do Novo Arcabouço Fiscal imporão restrições
ainda maiores sobre as contas públicas no ano de 2025.
Sendo assim, uma pergunta que não quer calar é: por qual
motivo o governo apoiou a proposta de déficit zero, que está no NAF proposto
pelo ministro Haddad? Terá acreditado na lenda segundo a qual a arrecadação
cresceria substancialmente? Ou foi surpreendido por acontecimentos inesperados?
Em nossa opinião, o que ocorre é que o governo segue
influenciado por duas idéias incorretas: primeiro, a de que vivemos
tempos normais e, segundo, a de que a correlação de forças nos
obriga a ceder sem disputar.
Acontece que não vivemos tempos normais, vivemos tempos de
guerra. E ceder sem disputar só tem servido para piorar a correlação de
forças junto ao povo, como demonstra pesquisa de opinião divulgada nos
últimos dias. Cabendo acrescentar que as concessões feitas à direita – com direito
a ministérios, entre outras coisas – não se traduziram, ao menos até agora, em
uma postura distinta por parte do Congresso Nacional, como se viu em votações
simbólicas como o Marco Temporal, a taxação de fundos e o piso da enfermagem. Além
da recente rejeição do nome indicado por Lula para Defensor Geral da União.
Tendo em vista o contraste entre a realidade e certas análises,
somos obrigados a concluir que uma parte da esquerda parece viver numa bolha
institucional, motivo pelo qual não se dá conta dos problemas crescentes que se
avolumam. O resultado da eleição dos conselhos tutelares é um sinal disso. A
pesquisa já citada, outro sinal. Se não houver uma mudança prática na conduta
do governo, dos movimentos e do Partido, sofreremos uma derrota nas eleições municipais
de 2024.
O genocídio na Palestina e a política brasileira
Como já foi dito, vivemos tempos de guerra. Um dos motivos
disto é que a guerra é, neste tempo histórico, a principal arma com que conta o
imperialismo para tentar reverter o declínio da hegemonia dos Estados Unidos. A
tentativa de recuperar a hegemonia é a razão de fundo para as provocações contra
a China em Taiwan, para o avanço da Otan até a fronteira da Rússia, bem como
para o genocídio que Israel aprofunda, neste exato momento, contra o povo
palestino.
No mundo inteiro, estão acontecendo imensas mobilizações
contra o genocídio. No Brasil, até o momento em que aprovamos esta resolução,
as mobilizações foram tímidas. Esperamos que a manifestação ocorrida em São
Paulo capital, no dia 29 de outubro, possa ter sido um ponto de virada.
Há vários motivos que explicam a timidez das mobilizações, entre
os quais destacamos dois: a pressão do sionismo sobre setores da esquerda brasileira
e o fato de parte da esquerda estar descrente da importância das manifestações
de rua.
A pressão do sionismo - corrente racista, surgida no século
XIX e dominante entre os que governam o Estado de Israel – se exerce de várias
formas. A principal delas é tratar como se fosse antisemitismo – portanto, análoga
ao nazismo - qualquer crítica se faça ao Estado de Israel. A trágica e paradoxal
verdade é o oposto disso: considerando que os palestinos também são
semitas e considerando que contra eles se está conduzindo um extermínio
étnico, a conclusão é que o sionismo é antisemita e o sionismo é
análogo ao nazismo.
Mas a pressão do sionismo não é a única explicação para a timidez
das manifestações realizadas no Brasil, em favor da Palestina, ao menos até
este momento. Outra explicação é que cresceu, nas direções das principais organizações
de massa do país, a começar pelo nosso Partido, uma ideia incorreta, segundo a
qual a mobilização de rua é pouco efetiva, custa caro, dá trabalho, além de ser
problemática, pois nas manifestações de rua podem ocorrer provocações de
direita e de ultraesquerda etc.
É preciso mobilizar, em primeiro lugar exigindo que os bombardeios
parem imediatamente e que se garanta a ajuda humanitária. O governo brasileiro
e as Nações Unidas devem contribuir para construir uma solução para este
conflito, solução que garanta a autodeterminação do povo palestino.
Em que termos isto se dará, é uma decisão que só o povo
palestino poderá tomar. Inclusive por isso, discordamos dos que dividem o
movimento de solidariedade e pela paz, a partir da polêmica acerca das táticas
da resistência palestina e/ou das modalidades que assumirá a autodeterminação
nacional. A nós cabe dar solidariedade à legítima luta pela libertação.
Ao povo palestino cabem as demais decisões.
Reafirmamos que um povo ocupado tem o direito de resistir e
lutar contra a ocupação. Nossa condenação contra qualquer ato de violência
contra civis não implica, nunca, em esquecer a diferença qualitativa que
existe entre a violência dos povos colonizados e oprimidos e a violência dos
Estados e governos colonizadores e opressores.
O apoio ativo, o silêncio cúmplice e a “neutralidade” apregoada
por muitos “progressistas”, “democratas” e, inclusive, setores de “esquerda”,
frente aos atos terroristas que o Estado de Israel pratica, há décadas, contra
o povo palestino devem ser caracterizados como o que são: colaboracionismo.
Como todos os povos colonizados, algum dia a Palestina será
livre. Nesse dia, os nazi-sionistas terão seu Tribunal de Nuremberg. E nessa hora
ocorrerá, também, o julgamento dos que colaboraram, ativa ou passivamente, com
o nazi-sionismo.
Conclamamos a militância petista a realizar – em conjunto
com outros partidos de esquerda e movimentos sociais – atos de massa em favor
da Palestina. Não apenas por dever político e moral, mas também por razões pragmáticas:
afinal, a extrema-direita manipula o noticiário acerca do conflito, como parte
da campanha deles contra a esquerda. As mobilizações de rua são parte importante
da nossa batalha por explicar a verdade dos fatos.
É preciso continuar as manifestações individuais e
coletivas nas chamadas redes sociais, convocar atos públicos, em locais
fechados, mas principalmente nas ruas e praças. É preciso explicar, para toda a
população, que a única maneira de acabar com a inaceitável violência, é
acabando com a inaceitável ocupação. É preciso fazer crescer a mobilização em
favor da paz.
Aos que se iludem com a ideia de que o genocídio em Gaza é assunto
distante, que não afetará as eleições municipais, alertamos: a naturalização da
violência e do extermínio, como está ocorrendo em Gaza, contribui para a política
de insegurança pública defendida pela extrema-direita, que já é parte
importante do debate político e eleitoral. Além disso, faz parte da batalha
pelo fim ou pela continuidade da hegemonia estadunidense, batalha que influencia
todas as demais disputas que ocorrem no planeta, a começar pelas eleitorais.
Eleições na Argentina e a política brasileira
Tempos de crise e de guerra, são tempos de polarização
ideológica, social e política. Isso é visível na maioria das recentes eleições
presidenciais ocorridas na América Latina e Caribe, com destaque para as
recentes disputas presidenciais no Equador e na Argentina.
No Equador, a direita foi vitoriosa. Mas na Argentina, ao
contrário do que muitos previam, a eleição na Argentina foi para o segundo
turno, que será no dia 19 de novembro de 2023. Também ao contrário do que
muitos previam, o segundo turno não será disputado entre duas candidaturas de
direita. E, igualmente contra certas previsões, a candidatura da extrema-direita
não foi a mais votada no primeiro turno. Tendo em vista estes antecedentes, é possível
vencer o segundo turno e fazer do peronista Sérgio Massa o próximo presidente
argentino.
Passada a eleição, caberá extrair algumas lições da
situação argentina, onde tivemos um governo peronista que optou por uma
política econômica moderada. Um dos resultados disto foi que o atual presidente
Alberto Fernandez, não disputou a reeleição, ao mesmo tempo que a direita e a
extrema-direita se fortaleceram.
Mesmo que – como esperamos ocorra - vençamos as eleições, a
polarização prosseguirá e os problemas estruturais também, restando saber como
serão enfrentados pelo futuro presidente.
A ameaça da extrema-direita, como vimos no caso brasileiro,
não se encerra com a vitória eleitoral das forças democráticas. E na base desta
ameaça, está a piora das condições de vida de amplas massas do povo. Piora relacionada
com a política econômica. Neste sentido, a experiência argentina nos alerta
para vários dos riscos que corremos. É decisivo julgar, condenar e prender os criminosos
do 8 de janeiro, a começar pelos criminosos fardados e seu então comandante em
chefe; mas é tão decisivo quanto melhorar rapidamente a vida do povo e orientar
o desenvolvimento nacional no sentido oposto à primário-exportação e ao
rentismo financeiro.
A entrega da CEF para Arthur Lira: é preciso
dar um freio de arrumação
No Brasil, apesar do golpe de 2016 e de tudo o que ocorreu
depois, seguimos aplicando uma variante da “estratégia de centro-esquerda”,
aplicada em nossos períodos anteriores na presidência da República.
Uma das materializações práticas disto é a ampliação do
espaço ocupado, no governo federal, pelos partidos de direita que apoiaram o
bolsonarismo. Destacamos as entregas dos ministérios dos Esportes e dos Portos
e Aeroportos e, mais recentemente, a entrega da presidência da Caixa Econômica
Federal para um homem indicado por Arthur Lira.
Estas concessões – além de afetarem negativamente a qualidade
e a orientação das políticas públicas de nosso governo – não contribuem para o
tipo de governabilidade de que necessitamos, para fazer um governo que reconstrua
transformando. Pelo contrário, fortalecem o Centrão contra nós.
Conclamamos o Partido e o conjunto da esquerda a fazer
chegar, ao presidente da República, a necessidade de um “freio de arrumação”,
sob pena de sofrermos uma derrota nas eleições de 2024 e de reduzirmos nossa
influência junto ao povo. Este freio de arrumação exige, entre outras medidas, enfrentar
o tema da segurança pública, de uma perspectiva oposta à da direita. E inclui,
principalmente, fazer da mobilização social um elemento central da nossa
tática.
Para que isso ocorra, entretanto, é preciso um “freio de
arrumação” no próprio Partido. É gravíssimo e inaceitável que o Diretório
Nacional do PT tenha rasgado o estatuto do Partido, não em qualquer tema, mas
exatamente naquele que estabelece como e quando se pode alterar nosso próprio
estatuto. O clima de selva, de vale-tudo, em que uns rasgam o estatuto e outros
vão buscar “reparação” na justiça, somados a difícil situação política e
eleitoral, podem levar o Partido a uma crise profunda.
A situação mundial, continental e nacional, é extremamente
perigosa. Mas é nos momentos de extrema crise, como os que vivemos, que se
criam as condições para mudar profunda e estruturalmente a realidade. Para
transformar esta possibilidade em realidade, é preciso colocar em movimento a
maior parte da nossa classe trabalhadora. Esta deve ser uma das preocupações
centrais de nossa tática em 2024, inclusive nas eleições do final do ano.
A executiva nacional da AE
Resolução aprovada no dia 29 de outubro e publicada
no dia 30 de outubro de 2023
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