No dia 7 de agosto, o Diretório Nacional debateu Belford Roxo.
Mas também debateu o “Plano de reconstrução e transformação do Brasil: Outro mundo é preciso; outro Brasil é necessário”.
Neste debate, eu afirmei entre outras coisas o seguinte: o Plano "perde em radicalidade, exatamente onde deveria ser mais radical, ou seja, no médio e longo prazo".
Esta minha crítica foi contestada por vários companheiros.
Um deles disse mais ou menos o seguinte: "precisamos de um programa que não nos atrapalhe", "que não dê armas para nossos inimigos", que seja factível e não apenas para "marcar posição".
E acrescentou: "não tem correlação de forças para a gente avançar de maneira tão abrupta".
Na minha opinião, esta crítica mistura alhos com bugalhos.
O "Plano" em debate no Diretório Nacional do PT apresenta propostas para três tipos de situações, bastante diferentes entre si:
a/apresenta propostas para a situação atual, em que somos oposição, em que parte do que fazemos é mesmo "marcar posição", embora também seja possível obter vitórias parciais, como no caso do Fundeb ou da ajuda emergencial;
b/apresenta propostas para implementarmos quando voltarmos a ser governo;
c/apresenta propostas sobre como transformar o Brasil.
Fizemos emendas nas propostas apresentadas para as três situações.
Por exemplo: defendemos que o PT proponha uma renda emergencial maior do que a aprovada.
Isto por acaso "nos atrapalha"? Isto "dá armas para nossos inimigos"? Isto não seria "factível"? Isto seria apenas "marcar posição"? Não haveria correlação de forças para "a gente avançar de maneira tão abrupta"?
Outro exemplo: defendemos a criação de uma comissão de estudiosos, especialistas e profissionais das áreas correlatas da sociedade civil para propor alterações nas seguintes normas: lei de drogas n° 11343/2006; Lei da Ficha Limpa 135/2010; Lei da lavagem de dinheiro 12683/2012; Lei anticorrupção 12846/2013; Lei das organizações criminosas 12850/2013; Lei antiterrorismo 13260/2016.
Pergunto de novo: isto "nos atrapalha"? "Dá armas para nossos inimigos"? Não seria "factível"? Seria apenas "marcar posição"? Não haveria correlação de forças para "a gente avançar de maneira tão abrupta"?
Também dissemos, em nossas emendas, que "a profundidade das mudanças que propomos, tanto no plano estritamente político, quanto nos planos econômico e social, implicará realizar mudanças na Constituição brasileira. Em alguns casos, trata-se de restaurar dispositivos previstos pela Constituição de 1988, mas que foram retirados da Constituição por ação das forças reacionárias, conservadoras, neoliberais e golpistas. Noutros casos, trata-se de regulamentar constitucionalmente dispositivos da Constituição de 1988, que viraram letra morta entre outros motivos por falta de regulamentação. Em muitos casos, trata-se de incluir na Constituição dispositivos propostos por nós em 1987-1988, mas que foram vetados pela maioria conservadora, o Centrão da época. Mas também tratar-se-á de corrigir propostas equivocadas feitas por nós ou com nosso apoio, assim como incluir novas medidas. Este conjunto de alterações na Constituição é um complemento indispensável ao conjunto das transformações que estamos defendendo para o Brasil. Evidentemente, é preciso construir a correlação de forças necessária, tanto para fazer as mudanças em si, quanto para convertê-las em texto constitucional. E para construir esta correlação de forças, é preciso defender junto ao povo a necessidade destas medidas, inclusive da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte".
Repito as mesmas perguntas de antes.
Notem que aumentar a ajuda emergencial é uma proposta para agora; já a comissão pode até ser constituída agora, mas as alterações propriamente ditas só poderão ser feitas no dia seguinte a derrota dos golpistas; já a proposta de uma Constituinte, ou da estatização do setor financeiro, é algo para ser implementado no médio prazo.
Sendo assim, quando alguém diz que "atrapalha" falar agora do que pretendemos fazer no médio e longo prazo, qual é a alternativa que temos?
No limite, só haveria uma alternativa: esconder nossas posições. Não falar delas. Ou, quem sabe, deixar elas de lado. Assim, o socialismo viria por obra e graça de Deus, pois não poderíamos falar dele, pois supostamente isto nos atrapalharia, daria armas para os nossos inimigos.
Na mesma linha, quando alguém nos diz que não haveria correlação de forças para "a gente avançar de maneira tão abrupta", é preciso perguntar para a pessoa: do que exatamente você está falando?
Se a pessoa está se referindo a uma proposta emergencial, é perfeitamente possível que ela esteja certa e que não haja, mesmo, correlação de forças.
Mas se o critério for incluir no programa apenas aquilo para o que exista -- neste momento -- correlação de forças, nosso programa será muito pequeno, pois é evidente que nossas forças não são muitas.
Acontece que a correlação de forças não é estática; é evidente, também, que "a luta faz a lei", que a luta muda a correlação de forças. E muitas vezes lutamos por algo que não temos, portanto lutamos por algo que queremos alcançar e que só alcançaremos se criarmos a correlação de forças necessária.
Claro que sempre cabe discutir -- tanto nas propostas emergenciais, quanto nas de curto e de médio prazo-- se é ou não é possível criar uma correlação de forças que torne possível materializar determinada proposta. O que não se deveria fazer é descartar, liminarmente, uma proposta sob o argumento de que não há correlação de forças. Até porque, no limite, no limite, marcar posição também faz parte da luta de classes.
Feita esta digressão, falemos do foguete defeituoso.
Nosso “Plano de reconstrução e transformação do Brasil" não pode ser como aqueles foguetes espaciais defeituosos, que partem fazendo muito barulho e fumaça, mas vão perdendo velocidade a medida que sobem, até um momento que param e começam a cair, sem conseguir chegar na exosfera.
Trata-se, evidentemente, apenas de uma imagem. A complexidade da transformação social é infinitamente maior do que o lançamento de um foguete. Mas em ambos casos, é preciso planejar , tendo em vista a meta que buscamos alcançar.
Para usar outra imagem, a da escalada de uma montanha. Pode ser que uma tempestade nos obrigue a interromper a subida, por um bom tempo; pode ser que sejamos obrigados a andar de lado durante algum tempo; ou pode ser que, depois de subir bastante, sejamos obrigados a baixar para achar um caminho melhor. O que não pode acontecer, de maneira alguma, é que não busquemos maneiras concretas, práticas, de chegar no cume da montanha, compensando isto com declarações retóricas de que queremos chegar lá.
A versão atual do Plano diz que nosso Programa Democrático e Popular se articula do ponto de vista estratégico com o projeto histórico do Socialismo Democrático, o " Socialismo Petista", reafirmado ao longo de toda a trajetória do PT. Para nós, é irrenunciável o objetivo de construir, com o apoio das maiorias populares, uma nova sociedade livre, plural e solidária, uma sociedade em que o direito à vida não seja objeto de compra e venda, em que o direito à felicidade não seja uma mercadoria, em que milhões de seres humanos não sejam condenados à miséria, à fome, à morte para satisfazer a ganância de lucro. Uma sociedade que não seja, pela sua própria lógica, como é a sociedade capitalista neoliberal, injusta, excludente, discriminatória. Uma sociedade que seja de fato sustentável, fruto de uma nova relação com a natureza. Uma sociedade, enfim, que seja não só materialmente mais justa, mas também ética e culturalmente superior.
Pois bem: se acreditamos mesmo nisso, então temos a obrigação de PELO MENOS TENTAR explicar COMO se articula o programa como nossa meta socialista.
Na versão atual do "Plano", não se explica, nem se tenta explicar, como se dá esta articulação.
E, no debate travado na reunião do Diretório Nacional, um experiente quadro partidário -- destes que o pessoal chama de "históricos" -- adotou uma linha de argumentação preocupante a este respeito.
Segundo este "histórico", algumas das emendas propostas "confundiam" o programa democrático e popular com o programa socialista, desconheciam o conceito de acúmulo de forças e a estratégia de maioria, ao ponto de "descaracterizar a natureza do programa e do próprio partido".
Sobre a tal "estratégia da maioria", sugiro ler o texto disponível no link a seguir: http://valterpomar.blogspot.com/2011/09/gilney-ataca-novamente.html
Sobre a acumulação de forças, é uma categoria ótima e correta, mas adotá-la no debate sobre o programa nos converteria em "portugueses semeadores", para usar a expressão de Sérgio Buarque de Holanda, ou em adeptos da "tática-processo", para usar um termo do principal vocalista daquela banda de rock progressivo russo.
Sobre as emendas, o autor das frases acima não apontou quais supostamente incorreriam em pecado tão grande.
Seria a Constituinte, que já foi aprovada por um congresso partidário? Seria a desmilitarização das polícias, que já faz parte de nossas elaborações faz tempo?? Seria a defesa da estatização do setor financeiro, que foi apoiada publicamente por um companheiro como Tarso Genro, que sabidamente não é um maximalista???
Enquanto o "histórico" não explica de onde estaria vindo a ameaça (sic!) de "descaracterização", vamos falar um pouco do que -- em nossa opinião -- pode "descaracterizar" o programa do Partido.
Refiro-me a adoção de dois programas, um que seria "democrático-popular" e outro que seria "socialista".
Aderir a esta maneira de apresentar o problema seria um retrocesso imenso, que faria o PT incorporar um "modo de raciocinar" que era dominante no movimento comunista anterior à criação do PT.
É claro que existe uma diferença entre as medidas democrático-populares e as medidas socialistas. Mas trabalhar com a ideia de que existam dois programas distintos, é aceitar a ideia de que existam duas "etapas", separadas, distintas e estanques, no processo de transformação da sociedade brasileira.
As formulações do PT sempre criticaram esta ideia. Que ela volte a rondar nosso partido, mostra como são perigosos os tempos em que vivemos. Belford Roxo que o diga.
(sem revisão)
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