Boa tarde Natália.
Boa tarde Tarso.
Boa tarde Vitor Marques.
Boa a tarde a todos e a todas que nos acompanham.
O nosso papel aqui é falar de “Crise” e “alternativa”.
Hoje
em dia, é mais comum ouvir falar em “crise da civilização humana”, do que ouvir
falar em fim do capitalismo e sua substituição por uma alternativa socialista.
Isto
é em certa medida paradoxal, afinal isso que chamamos de “crise sistêmica” --
ou seja, a conjugação orgânica de inúmeras crises: ambiental, sanitária,
social, econômica, política, nacional, geopolítica, cultural – é a crise sistêmica
de uma sociedade capitalista, ou seja, de uma sociedade organizada pela dinâmica
da acumulação de capital.
E
o núcleo desta crise sistêmica não é a pandemia, não é a desigualdade, não é a
disputa pela hegemonia mundial.
O
núcleo desta crise sistêmica é uma crise de acumulação, ou seja, a crescente dificuldade
que o capitalismo enfrenta para se reproduzir de forma ampliada.
Essa
crescente dificuldade não impede que haja acumulação e inclusive expansão do capital,
mas gera contra tendências muito poderosas.
1/
Por
conta disso, cada ciclo de acumulação do capital exige um esforço relativamente
maior, para produzir um resultado proporcionalmente menor e gerando ao mesmo
tempo resíduos cada vez mais tóxicos.
A
crise ambiental, a crise sanitária, a crise social, a crise política, a crise
geopolítica e inclusive a crise cultural que nós estamos experimentando são, a
rigor, desdobramentos diretos ou indiretos desta dinâmica de acumulação de
capital.
Claro
que o capitalismo é um modo de produção “crísico”, que evolui graças e através
de suas contradições internas.
Neste
sentido, a crise, o desequilíbrio, a desarmonia, são o estado permanente do
capitalismo.
Entretanto,
mais ou menos como acontece numa usina nuclear, em condições normais a explosão
é evitada por contra tendências, tais como a existência de novas fronteiras de
expansão, a existência da competição intercapitalista e, inclusive, as conquistas
da classe trabalhadora.
Entretanto,
estes fatores evitam a explosão apenas temporariamente, produzindo uma ameaça futura
ainda maior.
2/
Mas
há circunstâncias históricas em que ocorre um “efeito cascata”, uma sequência de
acontecimentos que neutraliza as contra tendências e empurra o sistema para uma
espécie de “crise perfeita”, a tal crise sistêmica.
Foi
o que aconteceu na primeira metade do século XX e que incluiu a Grande Guerra
de 14-18, a crise de 29, a ascensão do nazifascismo e a Segunda Guerra Mundial.
Hoje,
está ocorrendo algo parecido.
Considerando
a história pregressa, existem três desfechos possíveis para este tipo de situação.
O
primeiro deles é o colapso geral da sociedade, uma versão Global Mad Max
daquilo que os dois velhos barbudos chamavam de “destruição das classes em
luta”.
O segundo desfecho possível
é um novo ciclo longo de expansão capitalista.
Mas para que isso ocorra,
não basta o que já está acontecendo, não basta aprofundar a concentração
e centralização de capitais, não basta aprofundar a exploração da classe
trabalhadora, não basta aprofundar a exploração das periferias pelos centros, não
bastam as mudanças tecnológicas que já vem ocorrendo.
3/
Para que ocorra um novo ciclo longo de expansão, seria
necessário OU bem a abertura de uma nova fronteira de investimentos (como a
exploração do fundo do mar, a exploração do espaço), OU bem uma reconstrução em
larga escala (o que, por sua vez, pressuporia uma grande destruição prévia, ao
estilo do que foi a Segunda Guerra).
O
terceiro desfecho possível é que, da atual crise sistêmica, brote uma
alternativa sistêmica, ou seja, um novo ciclo de experiências socialistas.
Quando
falamos que existem três grandes desfechos possíveis, podemos passar a
impressão de que estamos diante de variantes que se excluem.
Ou
a barbárie absoluta, ou o capitalismo, ou o socialismo.
Mas
do ponto de vista histórico, o mais provável é que, durante algum tempo, estas variantes
ou algo parecido com elas coexistam simultaneamente.
Ou
seja, ao mesmo tempo que parte da humanidade é empurrada para um capitalismo
com cada vez mais barbárie, outra parte esteja buscando realizar uma transição socialista
com cada vez menos capitalismo.
4/
Sendo
essas as variantes, seria de esperar que nós socialistas apostássemos todas as
nossas fichas no socialismo.
Infelizmente,
uma parte da esquerda acredita que, nesse momento, o máximo que podemos alcançar
é a elevação dos níveis de bem estar, de liberdades democráticas e de relações
civilizadas, mas tudo isso dentro do capitalismo.
Os
que pensam e agem assim, apresentam vários argumentos.
Vou
abordar aqui três deles: o da “crise final”, o da “correlação de forças” e o da
“prioridade da luta democrática”.
Segundo
o primeiro argumento, a alternativa socialista não estaria posta neste momento,
porque a atual crise sistêmica ainda não seria a “crise final do capitalismo”.
De
fato, nenhuma das crises do capitalismo foi ou será a “crise final”.
Quem
pensa que existe a tal “crise final”, imagina o capitalismo como se ele fosse uma
garrafa de vinho.
Algum
dia, seca.
Mas
o capitalismo não é uma coisa, não é um objeto.
O
capitalismo é uma relação social entre capitalistas e assalariados, entre proprietários
de trabalho morto e proprietários de trabalho vivo, entre vampiros e seres humanos.
Esta
relação social não vai ser abolida, ela vai se extinguir.
Ela
só será superada quando aqueles seres humanos que são produtores das riquezas, criarem
as condições para decidir o que produzir, como produzir, quando produzir, quanto
produzir e como distribuir as riquezas.
5/
E
há duas pré-condições para que este novo tipo de relação social, baseada na
livre associação dos produtores, possa se materializar: a natureza coletiva do
processo produtivo e o aumento da produtividade humana.
Não
tem como existir gestão coletiva, numa sociedade de pequenos produtores independentes
entre si, de aldeias que vivem isoladas umas das outras.
O
capitalismo, ao tornar cada vez mais interdependente o processo produtivo, tornou
possível a gestão coletiva deste processo.
Ao
mesmo tempo, ao fomentar de maneira permanente o aumento da produtividade, o capitalismo
criou a possibilidade de que a humanidade possa se libertar da escassez absoluta,
possa trabalhar cada vez menos, tenha o tempo e os meios necessários para reorganizar
a vida social de uma maneira cada vez mais humana.
Portanto,
o capitalismo contribui na criação das duas pré-condições: a natureza coletiva
do processo produtivo e o aumento da produtividade humana.
6/
Vale
dizer que estas duas pré-condições estão vinculadas entre si e se materializam,
ao menos em parte, no chamado proletariado.
Não
são condições sobrenaturais, nem estritamente técnicas ou materiais.
Acontece
que o capitalismo cria estas pré-condições de maneira... capitalista, ou seja,
com um enorme custo social, ambiental, psíquico, com enorme desperdício de recursos humanos e materiais, criando contradições imensas,
que desembocam por exemplo em desemprego estrutural, em guerras, em devastação ambiental.
Por
isso, para superar o capitalismo, não bastam aquelas pré-condições.
É
preciso, também e principalmente, que se construa, na sociedade capitalista, mas
contra o capitalismo, uma contramola com a disposição e a energia necessárias
para reorganizar a vida social.
E
mesmo que esta contramola triunfe politicamente, será necessário um determinado
tempo, será necessário um processo histórico, que em alguns casos sabemos como
começou e noutros casos podemos supor como pode começar, mas que não temos como
prever quando tempo durará, que formas poderá assumir e nem mesmo sabemos como
terminará.
7/
Em
resumo, o capitalismo não será superado pela sua própria crise; o capitalismo não
será superado num dia mágico; o capitalismo só poderá ser superado no curso de
uma revolução social de longa duração, no curso daquilo que se convencionou
chamar de transição socialista, onde continuarão existindo, por um longo tempo,
relações capitalistas de produção.
Estas
relações capitalistas sobreviventes podem estar encobertas, como no socialismo
soviético; podem ser explícitas, como no socialismo de mercado chinês; ou podem
aparecer sob outras formas, a depender das diferentes modalidades de transição socialista
que ainda venham a surgir.
Sendo
evidente que só estaremos diante de uma transição socialista, se estas relações
capitalistas sobreviventes forem submetidas a um crescente controle social, que
inicialmente e por bom tempo será feito através do
Estado, sob comando socialista.
O
que é algo similar, mas com sentido diferente, ao que ocorreu, desde o século
18, com as relações não capitalistas de produção, que foram submetidas a crescente
controle social por parte dos capitalistas, também utilizando para isto o Estado, neste caso sob comando dos capitalistas.
8/
Seja
como for, os que argumentam que não devemos lutar pelo socialismo, porque a
atual crise não seria a “crise final” do capitalismo, estão propondo uma preliminar
que não faz sentido e que, pior ainda, se fosse aceita adiaria eternamente toda
e qualquer luta pelo socialismo.
Aliás,
se os revolucionários vitoriosos do século XX tivessem ficado esperando a tal “crise
final”, eles estariam esperando até agora.
Até
porque foi só com a revolução socialista que países como Rússia e China
conseguiram eliminar os obstáculos (feudais, coloniais, imperiais etc.) que
travavam o desenvolvimento das forças produtivas, inclusive das forças produtivas
capitalistas.
Ainda
assim, o argumento da “crise final” volta e meia reaparece. Ele era corrente,
por exemplo, na socialdemocracia europeia do final do século XIX, início do
século XX.
Naquela
época, era comum a atitude de esperar o “desmoronamento”, o “colapso” do capitalismo.
E,
enquanto isso não acontecia, caberia lutar por reformas sociais e pela
ampliação dos espaços de participação política.
E,
claro, caberia também fazer propaganda do socialismo.
9/
Quem
pensa e age assim, é porque no fundo não compreende que a essência da luta pelo
socialismo está na luta política, está na luta da classe trabalhadora pelo
poder, com o objetivo de usar este poder para controlar os meios de produção,
para alterar as relações sociais, e tudo que isso implica em termos de igualdade,
liberdade e atendimento a todas as
necessidades da sociedade humana.
Se
é verdade que a superação do capitalismo é um longo processo revolucionário, o
ponto de partida desta revolução social, o fio condutor desse processo de transformação
estrutural, é uma revolução política.
Por
isso, os que negam e os que minimizam a necessidade da revolução política, não
estão escolhendo um caminho supostamente mais lento para chegar ao socialismo.
Os
que negam ou minimizam o papel da revolução política na luta pelo socialismo, estão
na verdade escolhendo um caminho que não levará ao socialismo.
Estão
abrindo mão – consciente ou inconscientemente – da luta pelo socialismo.
Neste
sentido, é curioso ver como somos pródigos em estabelecer objetivos radicais,
mas recuamos assustados frente a necessidade de uma ruptura revolucionária para
materializar aqueles objetivos.
10/
A
noção de que haveria uma “crise final” do capitalismo é prima-irmã de uma outra
concepção que também não se revelou verdadeira.
Esta
outra concepção pressupunha que as pré-condições objetivas e subjetivas do
socialismo evoluiriam de maneira sincronizada.
Segundo
esta concepção, a transição socialista ocorreria primeiro onde o capitalismo
estivesse mais desenvolvido, onde também imaginava-se que a classe dos trabalhadores
assalariados fosse maioria numérica.
Ou
seja, quanto mais desenvolvimento, mais perto estaríamos do socialismo.
Nessas
condições, mesmo que fosse necessário usar a “mão dura” contra os capitalistas,
isso seria expressão da vontade democrática da maioria contra a resistência de
uma minoria que devia ser impedida de voltar a ser dominante, opressora e
exploradora.
E
como, supostamente, o capitalismo já teria desenvolvido previamente as forças
produtivas, o socialismo cuidaria apenas da socialização das riquezas.
11/
E
como os países mais desenvolvidos eram exatamente aqueles que mais faziam guerra
contra os demais, o progresso da revolução socialista causaria também a ampliação
da paz mundial.
Em
resumo, seria o que eu chamo de “tudo de bom”: uma revolução rápida, democrática
e pacífica.
Acontece
que esta concepção não foi confirmada pelos acontecimentos do século XX.
A
revolução não aconteceu naqueles países onde o capitalismo era mais desenvolvido.
A
revolução não aconteceu naqueles países onde a classe trabalhadora assalariada era
maioria.
A
revolução não aconteceu naqueles países que concentravam os maiores recursos
bélicos.
Pelo
contrário, no século XX as revoluções ocorreram e foram vitoriosas onde o capitalismo
era relativamente menos desenvolvido, onde a classe trabalhadora assalariada era
minoria numérica e em países que, durante e depois da revolução, foram
submetidos a cerco, a sabotagem e a guerras, contribuindo assim para transições
socialistas cheias de defeitos, imperfeições e problemas.
Entre
os adeptos daquela “teoria do tudo de bom”, isto gerou um comportamento
escolástico, segundo o qual se há uma contradição entre a teoria e a realidade,
quem está “errada” é a realidade.
12
Ou,
como diria um amigo, contra argumentos não há fatos.
Claro
que este percurso imprevisto também produziu “teorias” que tentaram transformar
aquelas experiências tão singulares em “modelos” que deviam ser defendidos em
todos os lugares e épocas.
Outro
argumento utilizado pelos que defendem recusar ou secundarizar a luta por uma alternativa
sistêmica socialista, aqui e agora, é o argumento da péssima correlação de
forças.
Do
qual eles deduzem que, agora, devemos lutar pelo programa mínimo, melhorar um
pouco nossa situação e, depois, colocar como objetivo a luta pelo socialismo.
O
que estes defensores do “tudo de bom 4.0” não percebem é que, "depois",
as dificuldades vão aumentar, não diminuir.
Pois
passada a crise, em que tudo é muito difícil, virá na melhor das hipóteses nova
expansão capitalista, onde tudo será muito mais difícil para aqueles que lutam
pelo socialismo.
13/
Se
existe um bom momento para iniciar novas tentativas de transição socialista, é
exatamente em momentos de crise sistêmica, em que o capitalismo demonstra todos
os seus problemas.
Aliás,
não conheço um único caso em que revoluções socialistas vitoriosas tenham
ocorrido em condições ótimas de temperatura e pressão.
Assim
como não conheço nenhuma transição socialista que tenha iniciado em tempos de
funcionamento normal e exitoso do capitalismo.
Óbvio
que o argumento da correlação de forças seria totalmente correto, se alguém
estivesse propondo como meta imediata (para amanhã, por exemplo) “iniciar a construção
do socialismo”.
Afinal,
construir o socialismo pressupõe que a classe trabalhadora controle
instrumentos de poder que, hoje e amanhã, não estão nem estarão ao nosso dispor.
Mas
o debate não é sobre o que fazer amanhã, o debate é sobre reafirmar ou não o
socialismo como meta programática e estratégica, um objetivo para o qual devem
convergir nossos esforços.
Portanto,
a questão posta é decidir se o socialismo é ou não é a melhor alternativa programática
e estratégica para a crise sistêmica em que o mundo está metido.
14/
E,
também, decidir qual o lugar do socialismo no programa e na estratégia da
esquerda brasileira neste ano santo de 2020.
Existe
quem defenda que, após a crise, talvez venha um “momento socialdemocrata.
Ou
seja, teríamos capitalismo, mas teríamos capitalismo com bem-estar social e
liberdades democráticas.
Pode
ser que seja este o cenário pós-crise?
Pode
ser, sempre pode ser.
Mas
o que tornaria possível este cenário?
Se
houver alguma lógica na história, a única coisa que pode fazer o capitalismo
neoliberal tolerar um certo nível de reformas sociais e liberdades democráticas,
é o medo de uma grande revolução.
Aliás,
o único “momento socialdemocrata” que existiu até hoje, o chamado Welfare State,
só foi possível, em uma pequena e relativamente pouco povoada região do mundo,
depois de uma hecatombe, no curso da qual ocorreu uma onda revolucionária.
Portanto,
o “momento social-democrata” não foi produto da evolução espontânea do
capitalismo, nem de sua auto reforma; foi imposto à classe dominante em
circunstancias históricas muito especificas, incluindo a chamada Guerra Fria.
15/
A
julgar por esta experiência histórica pregressa, se não houver uma pressão
socialista revolucionária, não haverá nada de positivo, nem mesmo uma socialdemocracia
(que, é bom lembrar, não é socialismo, é uma digamos modalidade do capitalismo).
Por
isso, até quem se contenta com o programa mínimo, deveria valorizar mais a importância
de defender e lutar pelo programa máximo.
Seja
como for, o principal problema dos que usam o argumento da correlação de
forças, para deixar em segundo plano o tema da luta pelo socialismo, é que
aceito este argumento, a luta pelo socialismo nunca será posta em primeiro
plano.
Entre
outros motivos, porque o único jeito de alterar a correlação de forças acerca
de um determinado tema, é lutando por ele.
Já
começando a tratar do Brasil, quero falar de um terceiro argumento, utilizado
pelos que não estão de acordo em defender o socialismo como uma alternativa
para a crise sistêmica que está em curso.
16/
Segundo
este argumento, nossa prioridade deveria ser derrotar o neofascismo, portanto deveria
ser a luta pela democracia
E
colocar o socialismo como objetivo atrapalharia a concentração de esforços necessária
para atingir o objetivo principal.
Considero
que este argumento é politicamente suicida, teoricamente incorreto e historicamente
improcedente.
É
suicida argumentar que a defesa do socialismo atrapalharia a luta pela
democracia. Levado ao limite, nos conduziria à autodissolução.
É
teoricamente incorreto contrapor a luta pelo socialismo e a luta pela democracia.
Certamente
a luta pelo socialismo é distinta e inclusive antagônica ao liberalismo burguês;
mas a luta pelo socialismo não é distinta e antagônica à democracia popular.
Finalmente,
lembro que a luta pelo socialismo foi um aspecto fundamental da luta contra o fascismo
histórico.
Foram
as tropas da URSS que derrotaram o nazismo, foram as guerrilhas hegemonizadas
pelo comunismo que derrotaram o fascismo, foi a revolução liderada pela
esquerda que deu o golpe de graça no salazarismo.
No
caso brasileiro, por exemplo, como vamos derrotar o bolsonarismo?
17
O
bolsonarismo não se limita a votação de 2018, não é apenas o gabinete do ódio,
não são apenas as forças armadas ou as polícias, não é apenas o empresariado, é
tudo isso e também o apoio de um setor popular muito numeroso, importante e
organizado, que enxerga no Bolsonaro o defensor de uma visão de mundo
fundamentalista.
Esse
núcleo duro de apoio, muito militante e parte dele armado, é exatamente a base de
massas do fascismo à brasileira.
O
único jeito de derrotar este núcleo duro é contrapondo outro núcleo duro, em
torno de outra visão de mundo, uma visão de mundo humanista, socialista e
revolucionária.
Não
será o centro, mas a esquerda, que conseguirá derrotar o neofascismo. Mas para entusiasmar
o apoio popular, a esquerda não pode se apresentar com a política e com o
programa do “centro socialdemocrata” ou social-liberal que existe no Brasil.
Para
concluir, eu quero exatamente falar da relação entre desenvolvimento e socialismo em nosso país, neste ano de 2020 e
no que virá depois.
Começo
lembrando que a questão central do capitalismo não é o investimento, nem é o
crescimento; a questão central é o lucro.
Desde
o final dos anos 1960 há um movimento mundial de queda nas taxas médias de
lucro.
18/
Os
capitalistas compensaram isto com uma brutal ofensiva sobre o trabalho, com uma
brutal ofensiva contra a periferia do mundo e, também, com uma crescente aposta
na acumulação financeira especulativa, que faz parte daquilo que Marx chamava
de capital fictício.
No
caso do Brasil, esta ofensiva incluiu a crise da dívida externa nos anos 1980;
as reformas neoliberais tucanas, nos
anos 1990; e o ultraliberalismo que começou golpista em 2014 e se converteu em neofascista.
De
conjunto, esta ofensiva pretende desfazer o que o desenvolvimentismo conservador
fez entre 1930 e 1980, nos convertendo novamente em uma nação extrativista-primário-exportadora
e, claro, importadora de produtos industrializados.
É
importante ter claro que, do ponto de vista da classe dominante, esta opção é a
mais lógica e a mais lucrativa.
Para
começo de conversa, o Brasil possui extensas reservas de tudo que é demandado
pelas potências industriais. Ganhe quem ganhar a batalha geopolítica em curso
no mundo, o Brasil pode fornecer seus minerais, seus vegetais, suas proteínas
etc.
19/
Em
segundo lugar, já existe um excesso de capacidade produtiva no mundo e, se a
pandemia produzir um miniciclo de substituição de importações naquelas
potências que descobriram que não conseguem produzir nem mesmo máscaras, este
excesso de capacidade produtiva vai crescer ainda mais.
Neste
cenário, a reindustrialização do Brasil exigiria altas doses de protecionismo,
muito investimento e muita disposição para brigar com as grandes potências
industriais já instaladas.
Exigiria,
também, ampliar a capacidade de consumo da classe trabalhadora brasileira. E investir
pesado na integração regional.
Ou
seja, a classe dominante brasileira – que usa nossos baixos salários como
vantagem comparativa – teria que abrir mão de parte dos seus lucros e correr riscos
num imenso conflito geopolítico e geoeconômico.
Obviamente,
é muito mais cômodo, para a classe dominante, aceitar a posição de gestora de
um entreposto extrativista- primário-exportador, abastecendo-se com produtos industriais
comprados nas grandes oficinas & laboratórios do mundo, sejam os Estados Unidos,
a Alemanha ou até mesmo a China.
20
Uma
das consequências desta prioridade primário-exportadora é a contada na fábula
de Procusto: é preciso amarrar o Brasil na cama e cortar tudo que fique para
fora.
Dito
de outro jeito, fazer o Brasil de 2020 caber nas roupas do Brasil de 1920.
Um
país extrativista-primário-exportador simplesmente não conseguirá oferecer
saúde, educação, moradia, trabalho e salários para 210 milhões de brasileiros.
Aliás,
do ponto de vista da lógica dominante, um país primário-exportador não precisa
oferecer nada disto.
Em
consequência deste apagão de políticas sociais, a classe dominante precisa
tratar a chamada questão social como “caso de polícia”, reduzindo
substancialmente as liberdades democráticas, os espaços institucionais e de
auto-organização do povo.
Noutras
palavras, o ultraliberalismo exige como complemento o neofascismo.
Evidentemente,
nossa alternativa a isso deve ser desenvolvimento e democracia.
Mas
qual desenvolvimento?
O
dos anos 1930 a 1980? Dependente, desigual, conservador da renda, da riqueza e
poder dos de sempre?
E
qual democracia?
A
mesma democracia liberal cujas instituições sacramentaram o golpe de 2016, a
condenação e prisão de Lula, a fraude de 2018 e a eleição do cavernícola?
21
Na
minha opinião, defender o desenvolvimentismo conservador e a democracia liberal
seria não apenas um erro, seria utópico.
Isto
porque a classe dominante não está disposta a isto.
Na
atual situação interna e internacional, a única chance do Brasil trilhar um caminho
de desenvolvimento & democracia, é se a classe dominante for derrotada e for
substituída, no comando do país, pela classe trabalhadora.
Se
conseguirmos fazer isso, nosso primeiro objetivo deve ser converter o Brasil e
a região latino-americana e caribenha num dos polos produtivos e tecnológicos
do mundo.
Isso
exigirá colocar o oligopólio financeiro privado sob controle público; consolidar
a pequena e a média propriedade rurais, como base de nossa soberania alimentar;
integrar todo o Brasil com energia elétrica, cabeamento ótico, ferrovias e
hidrovias; reurbanizar nossas cidades, atendendo 100% das necessidades de
saneamento, moradia, transporte e equipamentos públicos de educação, saúde,
cultura, esportes e lazer.
22
É
a produção destes bens públicos, combinada com a ampliação do consumo de bens
privados, que se converterá no carro-chefe da indispensável reindustrialização
nacional.
Como
já foi dito, isto não pode ser feito sob comando nem sob a direção da atual
classe dominante.
Exigirá
outro tipo de Estado, dirigido por outra classe social.
Que
para se tornar dominante, terá que enfrentar a democracia seletiva, o racismo, a
mentalidade colonial, a tutela militar, a ditadura comunicacional, o judiciário
partidarizado, o parlamento oligárquico, a polícia militarizada, a misoginia, a
lgbtfobia etc.
É
neste contexto que será realmente possível edificar um Estado de Bem-Estar
Social que mereça este nome, que efetivamente garanta saúde e educação pública,
universal e gratuita; emprego com direitos trabalhistas; salário mínimo
valorizado; aposentadoria digna.
23
Que
sustente políticas especiais voltadas para as mulheres, negros e negras, para a
juventude, setores majoritários da classe trabalhadora, que recebem menos e
trabalham mais.
Que
implemente políticas especiais destinadas às populações originárias, aos amplos
setores sociais vítimas de histórica exclusão e desigualdade, às regiões
submetidas a décadas e séculos de desenvolvimento desigual.
Medidas
que visam ao mesmo tempo elevar a produtividade, aumentar a igualdade, combater
todas as formas de opressão e dominação, ampliar a coesão social, sem as quais
não derrotaremos o imperialismo, que inevitavelmente virá contra nós.
Com
maior ou menor radicalidade, com maiores ou menores detalhes, os objetivos que
relacionei antes são compartilhados por grande parte, senão pela totalidade da esquerda
brasileira.
Mas
um pedaço da esquerda brasileira acredita que seja possível alcançar esses objetivos
socialmente revolucionários, sem lançar mão de métodos politicamente revolucionários.
Claro
que parte desses objetivos são alcançáveis, mesmo dentro do capitalismo e sob o
Estado atual, bastando para isso mudar o governo.
Mas
se olharmos tudo o que fizemos desde 1988 – por exemplo, do SUS a previdência pública,
da política de empregos ao Bolsa Família – qual é a conclusão?
Primeiro,
que a classe capitalista odeia, sabota e busca destruir cotidianamente tudo
isto.
Segundo,
que dadas as restrições impostas pelo capitalistas, o máximo que conseguimos é
produzir ilhas de bem-estar num oceano de desigualdade.
Nem
saneamento, gente, nem saneamento existe na maior parte das casas brasileiras.
Terceiro,
que os governos minimamente comprometidos com os interesses populares são, mais
cedo ou mais tarde, golpeados. Vargas em 1954, Jango em 1964, Dilma em 2014,
Lula preso em 2018.
Sem
trocadilhos infames, não acho boa política emular Sisifo.
Prefiro
tirar a conclusão de que, para cumprir globalmente um programa democrático e popular,
construir um país verdadeiramente soberano, desenvolvido, igualitário e com
liberdades, faz-se imprescindível colocar a classe trabalhadora no comando do
país, mudar a ordem social interna e enfrentar o imperialismo.
24
Portanto,
cumprir o programa exige uma revolução política.
Todos
aqui certamente conhecem o ditado Si vis pacem, para bellum.
Se
queres paz, prepara-te para a guerra.
Nós
que somos os autoproclamados guardiões da última flor do Lácio, poderíamos
dizer: Se queres desenvolvimento,
lute pelo socialismo.
Uma
alternativa sistêmica para uma crise sistêmica.
Muito obrigado pela atenção de vocês.
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