segunda-feira, 6 de março de 2017

Versão atualizada da tese ao 6º Congresso Estadual do PT-SP

Tese da Chapa “A Esperança é Vermelha em São Paulo”      ao 6º Congresso Estadual do PT-SP

Introdução

1.    O PT corre risco de vida, mas continua sendo o maior instrumento de luta da classe trabalhadora brasileira. Antes de tudo, é preciso reconhecer a gravidade da situação. Nosso partido vive a maior crise de sua história, não temos tempo para meias palavras. É fundamental que reconheçamos também que a direita nos ataca pelas nossas qualidades, mas consegue nos atingir pelos nossos erros. Corrigi-los, portanto, é questão de sobrevivência.
2.    A Direção Nacional do PT convocou o 6º Congresso do Partido para a discussão sobre o cenário internacional e nacional, balanço dos governos nacionais petistas, estratégia, programa, organização e funcionamento do PT.
3.    O congresso foi convocado com atraso, considerando as respostas imediatas que precisamos oferecer ao conjunto da militância e da classe trabalhadora. A atual direção não teve a atitude correta de antecipá-lo para o ano passado diante das derrotas políticas de dimensões históricas sofridas por nosso projeto.
4.    Além disto, foi convocado com limitações injustificáveis à luz da gravidade do momento: não um Congresso com plenos poderes para debater e deliberar sobre tudo, inclusive sobre o PED, mas um Congresso com “assuntos proibidos”. Apesar disso, o 6º Congresso é uma oportunidade única para recuperarmos o fôlego e mudarmos o que precisa ser mudado.
5.    É preciso partir da compreensão do momento histórico que atravessamos. Vivemos a maior crise do capitalismo desde 1929, mas ao mesmo tempo o capitalismo nunca foi tão hegemônico. O que está em declínio é a hegemonia dos EUA, epicentro da atual crise econômica e política, como o demonstra a vitória eleitoral de Donald Trump. Porém, não há nenhum sinal aparente de que qualquer outra potência assuma o seu lugar no mundo. A verdade é que o sistema capitalista está nos conduzindo para a barbárie e é urgente denunciarmos o seu caráter autodestrutivo, aprofundando o combate por sua substituição por um novo modo de produção socialmente justo e ambientalmente equilibrado e sustentável.
6.    Na crise capitalista quem paga a conta são as trabalhadoras e os trabalhadores, principalmente as mulheres e a juventude. No plano global, quem mais sofre seus efeitos são os países periféricos. O neoliberalismo, que anunciava a falácia do fim da história, já nasceu velho e tem produzido efeitos cada vez mais catastróficos para a humanidade. É tarefa das organizações da classe trabalhadora apontarem a saída para a crise resgatando e reafirmando o socialismo como horizonte estratégico.
7.    No Brasil, o golpe de 31 de agosto de 2016 encerrou um ciclo histórico. Não se trata de um caso isolado, pois o que está ocorrendo em nosso país é parte de uma contraofensiva reacionária na América Latina que também produziu golpes em Honduras e no Paraguai, confronta agressivamente o governo da Venezuela, e impôs duras derrotas às forças progressistas em países como Argentina e Chile, fustigando ainda os governos dos presidentes Evo Morales e Rafael Correa, da Bolívia e do Equador.
8.    Depois de aproximadamente uma década e meia em que forças de esquerda e centro-esquerda alcançaram os governos centrais na maioria dos países da América Latina, a direita retoma a ofensiva na região para reverter os processos de transformação ocorridos em maior ou menor medida em cada país, retirar os direitos da classe trabalhadora, interromper o avanço da integração regional e realinhar a região à política imperialista dos EUA.
9.    Defender os direitos históricos da classe trabalhadora e derrotar o golpismo é nossa tarefa imediata. É preciso construir as grandes lutas de massas necessárias para barrar os projetos reacionários das reformas da Previdência e Trabalhista, a dilapidação do patrimônio público e a alienação da soberania nacional, na perspectiva da construção de uma greve geral que paralise a produção e imponha um recuo ao grande capital.
10.                      Para levar a cabo estas tarefas, precisamos reconquistar o apoio da classe trabalhadora, combinando a luta econômica com a luta democrática, articulando as palavras de ordem Fora Temer! Nenhum Direito a Menos! Diretas Já!
11.                      Ao lado da luta prática e concreta, é fundamental também avaliar onde erramos, já que a direita brasileira nada mais fez do que repaginar a sua tradição histórica, marcada pelo golpismo.
12.                      A questão é: por que nós fomos derrotados? Àqueles que se recusam a fazer qualquer balanço ou autocrítica nesse momento, insistimos que mais do que nunca precisamos fazê-lo. Não pretendemos, com isso, apontar culpados ou encontrar heróis, mas sim responsabilizar uma política que nos conduziu à derrota, que nos fez perder apoio na classe trabalhadora. Isto é fundamental para que não voltemos a cometer os mesmos erros políticos.
13.                      política de conciliação de classes que nos conduziu à presidência da República em 2002 é a mesma que culminou no golpe em 2016. Desde 1995, quando a maioria do partido optou por moderar o nosso programa e fazer alianças estratégicas com setores da burguesia para vencer as eleições e governar, não só nos manifestamos contrários a essa política como vimos alertando sobre seus limites e contradições.
14.                      À frente do governo federal, tivemos êxito na implementação de políticas públicas para o desenvolvimento social, na ampliação da renda da classe trabalhadora, na retomada do papel do Estado como pilar do desenvolvimento econômico, na reorientação de nossa política externa priorizando as relações sul-sul e os processos de integração regional no âmbito latino-americano, entre outras várias conquistas importantes.
15.                      No entanto, não fizemos nenhuma ruptura de fato com o neoliberalismo e tampouco fizemos as reformas estruturais necessárias para outro modelo de desenvolvimentode cunho democrático e popular. Sem reformas estruturais, políticas públicas são facilmente revertidas, e é isso que temos assistido desde agosto do ano passado.
16.                      Foi esta equivocada opção estratégica que esteve na base das escolhas trágicas que levaram nosso governo a assumir e implementar uma política econômica puramente neoliberal a partir de 2015, mesmo depois de ganharmos as eleições presidenciais mais polarizadas desde 1989 com a defesa de um programa antagônico. É preciso reafirmar que essa política suicida rompeu os laços com a nossa base social e foi a grande responsável pelo êxito do golpe no ano de 2016.
17.                      Quando não existe espaço para a autocrítica, corremos o risco de reincidir no erro e dobrar a aposta justamente naquilo que nos conduziu à derrota. Negar que a estratégia política de nosso Partido foi a grande responsável por nos conduzir a essa situação ou mesmo afirmar que a conciliação de classes não ocorreu em nossos governos, é indicio de uma miopia política grave e preocupante, que nos leva a repetir as doses de um antigo “remédio” para novos problemas.
18.                      É o caso da postura passiva e conciliatória de nossos governos estaduais frente à política do governo golpista. É o caso também da atitude de parte da nossa bancada de parlamentares na eleição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, referendados pela maioria dos membros do Diretório Nacional do PT, que não adotaram a posição correta clamada pela base partidária, de não permitir nenhum voto em golpista. É o caso de petistas que teimam em participar de um governo golpista, falido politicamente e responsável pela tragédia social resultante de um projeto neoliberal metodicamente aplicado, como o governo Paulo Hartung no ES. É o caso da capitulação explicita do senador Humberto Costa nas páginas amarelas de um conhecido panfleto fascista.
19.                      Por outro lado, continuar acreditando que vivenciamos uma “revolução democrática” em nossos governos e que a saída para essa conjuntura é seguir fazendo a defesa do “republicanismo” nos leva a confiar nas mesmas instituições políticas que referendaram o golpe, e que nunca foram neutras, demonstrando à exaustão seu caráter de classe nos momentos decisivos, golpeando mesmo os mais elementares princípios da democracia formal para atacar a esquerda e barrar a via dos avanços sociais.
20.                      O Partido dos Trabalhadores não está superado. Muito se diz e escreve sobre o esgotamento do PT como instrumento de luta da classe trabalhadora, mas a maior prova da falsidade desta assertiva é a contínua e feroz campanha de cerco e aniquilamento que a direita move contra nosso Partido, mesmo depois do golpe consumado. Se o PT for derrotado no curso do atual enfrentamento de classes, isto será também uma derrota do conjunto da esquerda política e social brasileira que, possivelmente, enfrentará um longo período de dispersão até construir outra organização capaz de levar a cabo o mesmo papel que o PT cumpriu historicamente e ainda está chamado a cumprir.
21.                      Aos que pretendem construir uma cópia fidedigna do PT, é preciso dizer que o mesmo não foi produto de uma receita pronta manipulada em laboratório, mas fruto de um contexto histórico específico que conseguiu aglutinar num partido socialista de massas, a vanguarda do operariado referenciada no “novo sindicalismo” do final dos 70, lideranças sociais, a igreja progressista ligada à Teologia da Libertação e parte significativa da intelectualidade de esquerda e de quadros políticos de tradição socialista e comunista, amalgamando diversas tradições. É por isso que estamos entre aqueles e aquelas que querem “mudar o PT” e não “mudar do PT”.
22.                      Queremos mudar o PT fundamentalmente a partir da política. Nesse sentido, não podemos transferir a responsabilidade dos erros de nosso partido exclusivamente para as pessoas que ocupam a atual direção do PT, ou para a presidenta Dilma. É preciso uma autocrítica da política que nos levou às derrotas e impasses atuais, e esta política foi traçada há mais de 20 anos. É um erro, igualmente, achar que nossos problemas decorrem de questões organizativas ou da narrativa que adotamos. Se fosse assim, bastaria mudar as pessoas que ocupam cargo nas direções, o modelo organizativo ou tal “narrativa”.
23.                      Ao contrário, problemas organizativos e dificuldades de fazer a disputa político-ideológica na sociedade decorrem dos problemas políticos não enfrentados ou mal resolvidos, de uma linha política globalmente equivocada, de uma estratégia política esgotada, rebaixada e derrotada, nucleada na ideia força da conciliação de classes.
24.                      Defendemos que o PT retome a construção de uma estratégia democrático-popular e socialista e, a partir disso, construa um outro programa capaz de implementar as transformações estruturais necessárias para superar o capitalismo. Como decorrência, uma tática que nos dê condições para enfrentar as lutas de curto, médio e longo prazo. Com essa reorientação em sua política, as novas direções do PT devem estar à altura dos novos desafios, reorientando também as diretrizes da organização partidária.
25.                      De nossa parte, não podemos afirmar que a conjuntura atual seria mais favorável para o PT se a nossa política tivesse sido majoritária no partido nos últimos anos, o que seria um anacronismo, pois faltou o teste da prática. O que é possível dizer com todas as letras é que a estratégia adotada até aqui está esgotada e nos levou a grandes derrotas. Se ela teve resultados positivos e frutos em algum período, hoje já não nos serve mais em nada, não foi capaz de dar respostas aos grandes desafios práticos e concretos da luta de classes.
26.                      Não temos a prepotência de nos colocarmos como portadores da “verdade salvadora” para o PT, nem como os únicos vocacionados para “mudar o PT”. Consideramos que esta tarefa, “mudar o PT”, é uma tarefa de todos os setores do petismo, inclusive daqueles militantes que não se organizam em nenhuma tendência.
27.                      Nos colocamos aqui na condição de militantes políticos petistas que tem o que dizer, que se dedicam há muito tempo à construção do nosso Partido e consideram que é chegada a “hora da verdade” em que a nação petista está chamada a dar passos decisivos para manter nosso Partido como uma ferramenta fundamental da emancipação política das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. E nesta hora decisiva, nosso chamamento à militância petista resgata os versos da Internacional: “façamos nós por nossas mãos, tudo que a nós nos diz respeito”.

Conjuntura estadual – Luta de Classes em São Paulo: balanço e perspectivas

28.                      Entender os dilemas e problema do PT-SP é fundamental para compreender e enfrentar os problemas gerais do PT em todo o pais. Basta observar o fato incontroverso de que a gênese da estratégia de conciliação de classes que orienta o Partido desde 1995, teve como laboratório o estado de São Paulo e aqui atingiu seu mais alto grau de elaboração.

29.                      Por outro lado, é patente que a escalada golpista contra o nosso projeto teve no estado de São Paulo sua ponta de lança e seu quartel general. Desde a consumação do golpe em abril de 2016, temos presenciado um novo ciclo na vida política do país, com rebatimentos intensos na agenda estadual: ataques e criminalização dos movimentos sociais e partidos de esquerda; retirada de direitos sociais e econômicos da classe trabalhadora; retomada da hegemonia do neoliberalismo nas instituições e na disputa ideológica.

30.                      Estas mudanças, até por implicarem profundos ataques à democracia e às condições de vida das massas, vêm acompanhadas por uma profunda instabilidade política. A dinâmica temporal rápida e complexa que as reveste tem como pano de fundo a tentativa cada vez mais explicita das burguesias nacional e internacional, associadas, de levarem a cabo a anulação e, no limite, à aniquilação do PT, da esquerda e de todas as forças democráticas do pais, como forma de pavimentar o curso das transformações sociais e econômicas regressivas que constituem seu projeto de fundo.

31.                      Podemos datar as “Jornada de Junho de 2013” em São Paulo como o “ensaio geral” ou “primeiro ato” da nova conjuntura que se abriu no pais. Tendo se iniciado com uma pauta concreta e de sentido geral positivo como a reivindicação da “tarifa zero” e revogação do aumento das passagens de ônibus, logo se amplificou devido à selvagem repressão perpetrada pela PM do governo tucano, englobando uma vasta pauta difusa de demanda por mais serviços públicos, logo manipulada pela grande mídia contra o governo federal e o PT, dando vazão à ofensiva fascista de criminalização dos partidos de esquerda e movimentos sociais.

32.                      As ações empreendidas naquele momento, já ensaiavam o que seria o período posterior: a direita inserida nas lutas de massas, conquistando as ruas, com o nítido intuito de aniquilação do PT, de fustigação incessante do governo Dilma e de disputa ideológica aberta, com o protagonismo da FIESP, dos grandes meios de comunicação de massas sediados em SP e de grupos organizados de direita que se constituíam então na novidade da cena política.

33.                      O surgimento de organizações como o “MBL - Movimento Brasil Livre”, “Vem Prá Rua” e “Revoltados Online”, financiadas por partidos de direita e por empresas, com apoio e aporte de recursos estrangeiros inclusive, se constituiu à época e se consolidou com um sinal evidente do agravamento da conjuntura e ofensiva geral da direita em São Paulo, potencializando a tática de disputar abertamente nas ruas, nos meios de comunicação, nas redes e nos espaços institucionais, via de regra com discurso e métodos violentos de ação política.

34.                       Atos de violência contra pessoas que se vestiam de vermelho; ataques às sedes de partidos de esquerda; a brutal invasão à Escola Nacional Florestan Fernandes por parte do aparato repressivo estatal de SP; o extremo abuso da força policial nas manifestações populares de esquerda; a perseguição do MBL sobre os secundaristas que ocupavam as escolas em protesto contra “a reorganização escolar” e a reforma do ensino médio. A sucessão de ataques dá mostras da virulência da escalada da direita e não devem ser considerados como “pontos fora da curva”. Pelo contrário, constituem uma consolidação paulatina de uma tática brutal da burguesia que visa a aniquilação da democracia e do contraditório no debate político, com a destruição das organizações de esquerda, o PT em primeiro lugar. Os recentes ataques virulentos do vereador paulistano ligado ao MBL ao mandato da vereadora petista Juliana Cardoso e o crescimento da pré-candidatura do fascista Bolsonaro nas sondagens pré-eleitorais corroboram esta trajetória que vem sendo sistematicamente construída pelas forças de extrema direita desde 2013.

35.                      Concomitantemente ao ascenso das forças de direita, e de forma preocupante, visto que o desespero social é o “caldo de cultura” do fascismo, vemos nos últimos três anos um rápido aumento do desemprego e o aniquilamento de importantes políticas públicas, com rápida e crescente deterioração das condições de vida da população.

36.                      A taxa aproximada de 13% de desempregados no estado de São Paulo, representa 25% dos desempregados de todo país, o que demonstra a centralidade e a dramaticidade explosiva da luta de classes em SP.

37.                      Na região metropolitana de São Paulo a taxa de desemprego subiu de 16,2% em dezembro para 17,1% no primeiro mês de 2017, segundo dados do DIEESE e Fundação Seade. Este aumento é superior ao observado na relação Janeiro 2016/Dezembro 2015 (14% em janeiro de 2016 X 13,9% em dezembro 2015). O contingente de desempregados apenas na região metropolitana de São Paulo é de 1,549 milhão de pessoas em janeiro de 2017.

38.                      Estes efeitos devastadores que se concentraram na capital e sua região metropolitana, mas se manifestaram de forma disseminada em todas as regiões administrativas do estado.

39.                      À tragédia do desemprego se soma o efeito acumulado das políticas de destruição do ensino público em São Paulo. Há mais de 20 anos, o estado de São Paulo sofre com o esfacelamento da Educação Pública praticado pelo governo tucano. A desvalorização da carreira dos professores, que cada vez mais são submetidas a condições precárias de trabalho, sendo contratadas em regime temporário, sem garantia de direitos trabalhistas e com salários inadequados, além de escolas em condições físicas precárias, são exemplos do “modo tucano de destruir a educação pública”.

40.                      Em contrapartida, os governos do PSDB criaram 53 penitenciarias no estado, evidenciando o seu projeto de sociedade, que negligência especialmente a juventude, colocando em cheque seu futuro a partir do sucateamento da educação e do encarceramento em massa.

41.                      O braço armado do estado, a Polícia Militar, truculenta e intransigente, reforça o papel punidor do estado colocando a Segurança Pública a serviço apenas do “cidadão de bem”, reeditando a herança colonial escravista, matando a juventude negra das periferias e defendendo acima de tudo o instituto da propriedade privada.

42.                      A esta conjuntura de extrema regressividade das ações do governo tucano em SP - privatizações, repressão, cortes na educação, precarização dos serviços públicos, falta de participação popular – se somam os efeitos das políticas do governo federal golpista, com cortes de direitos da classe trabalhadora, falta de investimento público, desmantelamento de políticas públicas universais, criminalização da juventude negra, pobre e periférica.

43.                      Assistimos no último período o fascismo avançando na disputa cultural e ideológica, por exemplo na ocasião do debate dos Planos Nacional, Estaduais e Municipais de educação, em que os fundamentalistas de plantão promoveram uma verdadeira caça às bruxas a todos os movimentos feministas e LGBT’s que buscavam promover o debate sobre igualdade de gênero nos currículos escolares. Como resultado, houve uma derrota em vários estados e municípios que retiraram de seus planos a proposta de uma educação não sexista, mais diversa, ética e integral.

44.                      As mulheres são um dos setores mais atingidos pelo golpe, tendo seus direitos à saúde sexual e reprodutiva limitados pelos poderes institucionais respaldados pelo fundamentalismo religioso com a aprovação da PL 5069/2013. São também as mulheres que mais são atingidas pelas nefastas reformas trabalhistas e da previdência e pelas políticas do governo golpista que limitam recursos para projetos sociais como MCMV, ProUni, FIES e Bolsa Família, os quais tiveram impacto importante na promoção de um maior grau de autonomia na vida das mulheres, que historicamente sofrem com a desigualdade e violência de gênero.

45.                      Contra este estado de coisas vem surgindo importantes ações de luta no último período: as ocupações das escolas pelo movimento secundarista; as ocupação das universidades estaduais; greve dos professores estaduais; greve dos bancários; movimentos contra o aumento de tarifas do transporte público; a primavera feminista; atos de denúncia à violência policial e do genocídio da população negra; mobilizações em defesa dos direitos sociais e pela democracia; mobilizações dos sem-terra e do sem-teto reivindicando reforma agrária e continuidade dos projetos habitacionais do MCMV. Os trabalhadores e trabalhadoras e a juventude vão ocupando seu lugar na luta.

46.                      Estas jornadas de luta que tiveram importante protagonismo na luta contra o golpe e seus efeitos no ano de 2016, foram o prenúncio de que existem condições para ações mais organizadas, unificadas e amplas que a conjuntura está a exigir. Com a proposta de reforma da previdência (PEC 287) em pauta no Congresso Nacional e o anúncio da reforma trabalhista que abertamente defende o fim dos direitos consagrados na CLT, com a vigência do princípio de que o “negociado” se sobreporia ao “legislado”, os desafios ao movimento sindical e popular se colocam num patamar superior. Daí a importância da CUT, junto às Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, alavancarem grandes mobilizações no dia 8 de março, acumulando para a greve geral da educação chamada pela CNTE para o dia 15/3, que deve contar com o reforço de outras categorias. Este processo de lutas e debates junto à população das periferias acerca do caráter nefasto das “reformas” em curso, deve acumular força política e mobilização social para a construção de uma greve geral ampla e potente capaz de derrotar os intentos do governo golpista, que vive uma crise política permanente.

47.                      Portanto, ao mesmo tempo que vemos no estado de São Paulo a ação de uma direita raivosa e truculenta na ofensiva, presenciamos importantes atos do campo de esquerda democrático e popular. Nossa conjuntura demonstra um forte aprofundamento das lutas sociais, tornando-se imperativo para o PT-SP, orientar sua linha política centralmente para esta perspectiva de lutas, rompendo definitivamente com qualquer perspectiva de contemporização no terreno da ação parlamentar e institucional com o PSDB, como tem sido a prática dominante há muito tempo. Já passou da hora de organizarmos uma forte oposição ao PSDB no estado de SP, centrada nas lutas sociais e na denúncia da “herança maldita” dos tucanos para o estado.

48.                      Esta nova postura do PT-SP será imprescindível para resgatarmos a confiança da classe trabalhadora, tarefa fundamental do próximo período, para a qual todos os esforços devem convergir e à qual todas as ações devem estar subordinadas. Processo que apenas será possível com uma vigorosa retomada do trabalho de base e com a defesa radical e intransigente dos direitos de nossa classe, sem titubeios e vacilações.




PT em São Paulo: é preciso tirar as lições da derrota

49.                      No caso concreto do estado de São Paulo, a atual direção estadual do PT não logrou levar a cabo um debate organizado sobre o balanço eleitoral de 2016. Com um processo permanente de esvaziamento das instâncias, a reunião do Diretório Estadual convocada para este fim não apreciou o tema e tampouco fez o debate, esvaziando-se por falta de quórum.

50.                      Trazemos então o tema ao debate por acreditar que o balanço político do PT-SP no último período não pode prescindir desta análise.

51.                      A derrota eleitoral do PT em 2016, ocorreu num contexto de nacionalização da campanha, com brutais e orquestrados ataques ao nosso Partido por parte da mídia golpista articulada com os setores do aparato judicial empenhados na luta política aberta contra o PT e descompromissados com quaisquer laivos de “republicanismo” ao manipularem os procedimentos judiciais segundo as suas conveniências e interesses.

52.                      Não obstante, o balanço eleitoral não pode cair numa retórica de que os problemas foram os ataques do inimigo. A verdade é que a derrota eleitoral do PT no estado de São Paulo revela uma derrota da estratégia adotada pelo partido nas últimas décadas.

53.                      O esgotamento da estratégia de conciliação de classes atingiu seu nível máximo para o partido: perda de espaço institucional, desmoralização de lideranças políticas importantes, desconfiança da classe trabalhadora, baixa capacidade de organização e decréscimo da nossa capacidade de mobilização junto às camadas populares.

54.                      Neste sentido, podemos dizer que “uma estratégia derrotada e uma derrota estratégica” são as duas faces da mesma moeda para o entendimento do tamanho de nossa derrota eleitoral em 2016.

55.                      Os números falam por si: dos 645 municípios paulistas, o PT foi vencedor em apenas 8 cidades, pequenas em sua maioria: Araraquara (228.664 habitantes), Franco da Rocha (147.650); Cosmópolis (67.960); Rincão (10.809); Barra do Chapéu (5.619); Motuca (4.642); Itapirapuã Paulista (4.161) e Nantes (3.014).

56.                      Outros dados importantes que ajudam a compreender o resultado: o PT lançou candidaturas em apenas 94 munícipios dos 645 existentes no estado (14,57%), 24 prefeitos do estado de São Paulo trocaram o PT por outras legendas até abril de 2016, número correspondente a um terço (33,3 %) dos 72 prefeitos eleitos pelo partido no estado em 2012.

57.                      Perdemos na principal cidade do estado, a capital, de forma acachapante, ainda no primeiro turno, para um candidato tucano que se mostrou o suprassumo da mistificação, articulando um discurso abertamente neoliberal e privatizante ao extremo com uma imagem falsificada de “trabalhador”. Perdemos o voto da periferia, que em grande parte votou nulo ou branco.

58.                      Na região do ABCD paulista perdemos em todas as cidades, fato inédito na história do Partido, destacando-se aí as derrotas nas cidades com administrações petistas da região, como São Bernardo do Campo, no primeiro turno, e Santo André e Mauá no segundo turno.

59.                      Perdemos ainda em grandes e importantes cidades então administradas pelo PT, como Guarulhos e São José dos Campos. Em Osasco, cidade que administramos até que o ex-prefeito abandonasse o Partido às vésperas do período eleitoral, tivemos um desempenho pífio, muito abaixo da média.

60.                      Nas outras grandes cidades do estado, perdemos em primeiro turno em Campinas e Sorocaba e sequer lançamos candidaturas em Ribeirão Preto e Santos (em ambas compusemos a chapa majoritária como vices do PCdoB).

61.                      Na maioria das cidades, nossas candidaturas não fizeram a denúncia do golpe e tentaram em vão “municipalizar” uma campanha por natureza já “nacionalizada” pelos brutais ataques da mídia golpista ao PT.

62.                      Foi prática comum e vergonhosa a troca das cores de campanha do vermelho para o azul, o esconder a estrela, o discurso apolítico, a não denúncia do golpe.

63.                      A postura da direita foi exatamente contrária: nacionalização da campanha, criminalização do PT, de Dilma e de Lula, surfando na onda midiática e logrando consolidar uma maioria nos governos e legislativos ainda mais neoliberal e conservadora.

64.                      O PSDB e o consórcio golpista emergiram como grandes vencedores das eleições 2016. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, das 39 cidades da região, o PSDB governa 11 cidades- uma população de 14,5 milhões de pessoas, e o PT apenas uma cidade – uma população de 147,6 mil pessoas (Franco da Rocha).

65.                      No estado o PSDB governa 166 municípios, o PMDB governa 81 e o PSB (fiel aliado do tucanato paulista) governa 52 cidades. Sorocaba e Franca que são governadas pelo DEM e Campinas é governada pelo PSB aliado aos tucanos.

66.                      O balanço geral para o PT é duríssimo e deve ser enfrentado com a busca das razões estruturais para além das dificuldades da conjuntura.

67.                      O que durante um largo tempo foi apresentado como “fortaleza”, nossa presença na institucionalidade dos governos e parlamentos, na hora decisiva dos ataques golpistas que culminaram com o impeachment da presidenta Dilma, com ameaça de interdição do Partido e literal caçada às principais lideranças partidárias, Lula à frente, se revelou, ao fim e ao cabo, o elo mais frágil da construção partidária no estado.

68.                      O foco prioritário e quase exclusivo na disputa institucional, dentro de uma perspectiva estratégica de conciliação de classes, foi burocratizando o PT estadual e consolidando uma dinâmica nas instâncias partidárias em que os mandatos parlamentares e executivos foram monopolizando as decisões e a construção da linha política concreta do partido nas cidades.

69.                      As instâncias partidárias pouco a pouco foram deixando de ser espaços de debate democrático com vistas à elaboração coletiva e construção de sínteses para a ação concreta na sociedade, espaços de interlocução com os movimentos sociais e formadores de novas e novos lutadores.

70.                      O resultado histórico dessa linha foi a perda gradativa de organicidade da militância partidária, com a consequente limitação do nosso enraizamento social e perda de potência na atuação nas lutas.

71.                      Esta mesma estratégia impossibilitou uma disputa ideológica e cultural mais vigorosa na sociedade de nossa parte, deixando o campo aberto para a disseminação das visões de mundo centradas no individualismo e na “meritocracia”, tão ao gosto da tradicional “elite conservadora” paulista.

72.                      A disseminação da noção de que o nosso horizonte seria a construção de “um pais de classe média” por parte de algumas de nossas principais lideranças, também nos desarmou neste debate. Perdemos então a oportunidade de afirmar que nosso horizonte é a construção de um pais com uma forte classe trabalhadora, que conquiste e desfrute das conquistas materiais e culturais da civilização, até porque trata-se da classe produtora das riquezas.

73.                      Outra questão central é a relação entre o PT e a juventude atual, que nasceu em nossos governos, nos enxergava como um partido da ordem e não vivenciou o passado neoliberal dos anos FHC e anteriores. Parte desta juventude que hoje está nas fileiras das lutas contra os retrocessos do governo golpista pode ser compreendida como herdeira de 2013.

74.                      O PT não cumpriu seu papel de promoção de diálogo e de construção diária das novas demandas da juventude, muitas vezes reforçando, quando na administração pública, práticas repressivas contra a juventude.  

75.                      É preciso que o PT volte a falar a linguagem da juventude que teve ascensão social em nossos governos por meio dos programas sociais, reatando o diálogo e construindo a perspectiva de lutas coletivas para a conquista e retomada de direitos por parte dos jovens trabalhadores e trabalhadoras.

76.                      Muitas vezes, principalmente no último período, refletindo uma tendência presente há muito tempo, nossas gestões no executivo vieram adotando um perfil “administrativista”, esvaziando a gestão do sentido político de conflito entre as classes e interesses, e procurando acentuar os aspectos técnico-administrativos como elementos centrais nos processos decisórios e de construção das políticas.

77.                      O problema desse horizonte tecnicista é a perpetuação de uma concepção de estado baseada numa pretensa “neutralidade”, na qual “racionalizar” os recursos e governar para os diversos atores e arenas não implica adotar um lado na disputa política central da sociedade, a luta de classes.

78.                      Neste sentido, perdemos boas oportunidades de “comprar boas brigas” que incidissem no debate político e cultural e o resultado foi uma ausência de politização inclusive entre as camadas populares “beneficiárias” das políticas públicas das nossas gestões e as trabalhadoras e trabalhadores em geral.

79.                      Passado o período eleitoral de 2016, certas atitudes de mandatários petistas revelam que as lições da derrota nem sempre foram aprendidas. A recente votação do aumento de salário dos vereadores na Câmara de Vereadores de São Paulo; a votação numa candidatura do DEM para presidência da mesma Câmara; a votação pela retirada da discussão de gênero do Plano Municipal de Educação da cidade de São Paulo; a anunciada votação em uma candidatura do PSDB para presidência da ALESP como forma de garantir cargos na mesa diretora; a não obstrução do orçamento do governo tucano na ALESP pela grande maioria da bancada petista; são alguns exemplos de que as velhas concepções e práticas continuam tendo lugar em nosso Partido.

80.                      É preciso romper com a apatia e contemporização com que a atual maioria do PT-SP tratou os governos tucanos, caracterizando uma oposição de baixa intensidade, raramente combinando o trabalho de denúncia dos desmandos e quebra do serviço públicos com ações de intensa mobilização social.

81.                      É grave também a falta de postura da direção partidária ao não intervir politicamente em episódios envolvendo nossas administrações que atacaram frontalmente o acúmulo histórico dos movimentos e as posições históricas do nosso Partido, como por exemplo a atitude inaceitável do companheiros Luiz Marinho quando prefeito de São Bernardo na gestão anterior, que ao reforçar a falácia da “ideologia de gênero”, capitulando à pressão da direita fundamentalista, se opôs à inclusão do debate da igualdade de gênero no currículo escolar da cidade, reforçando a onda conservadora que foi um dos esteios do golpe.

82.                      Derrotar estas velhas concepções e práticas e dar início a um novo ciclo no PT SP será tarefa fundamental da nova direção a ser eleita no 6º Congresso do PT-SP.



Tarefas estratégicas para o Partido dos Trabalhadores no estado de São Paulo

83.                      Em São Paulo estão sediados os principais movimentos sociais do país e foram realizadas as maiores manifestações de massa contra o golpe, contra o programa neoliberal dos golpistas. O PT precisará alterar o direcionamento de sua política em São Paulo, priorizando a construção da Frente Brasil Popular, com partidos e movimentos sociais alinhados com um programa anti-neoliberal, em defesa da democracia e dos direitos.

84.                      Devemos retomar a presença e o protagonismo da militância petista nas lutas populares e sindicais, especialmente nas lutas atuais de resistência aos retrocessos nos direitos sociais e políticos. Além das categorias e regiões de larga tradição de luta, devemos buscar o diálogo e a ação conjunta com a nova classe trabalhadora, para que esta compreenda a importância da auto-organização, das lutas sociais e da mobilização na defesa dos seus direitos econômicos, sociais e políticos, dos seus direitos humanos, uma compreensão geral a partir de suas próprias vivências e experiências.

85.                      Em contraposição às teses neoliberais e destacando o papel fundamental do Estado para garantir esses direitos, trata-se também de esclarecer o que fazíamos e o que os governos tucanos deixam de fazer, explicando que as políticas públicas sociais, a melhoria do salário mínimo, os programas de renda da população pobre, os programas de moradia popular, de acesso à universidade, a recuperação da infraestrutura, entre tantas ações que vinham sendo implantadas, garantiam a melhoria de vida da antiga e da nova classe trabalhadora, e agora estão sendo destroçadas.

86.                      Também temos que ter capacidade de explicar que a violência e corrupção das polícias, a perda de qualidade do transporte metro-ferroviário, a falta d’água em diversas regiões, o sucateamento das escolas estaduais, a falta de investimentos do Estado no SUS e a falta de vagas nas universidades estaduais atingem cotidianamente a classe trabalhadora, e refletem uma concepção política dos tucanos à frente do governo estadual nas últimas duas décadas.


87.                      Contudo, reiteramos: para reconstruir os laços do PT com a classe trabalhadora é preciso mais que comparar governos e realizações. Devemos aprofundar e ampliar a retomada de relações orgânicas com os movimentos sociais e sindicais, processo este que, de certa maneira, já se iniciou a partir de 2015, com a criação da Frente Brasil Popular e as agendas conjuntas com a Frente Povo sem Medo.

88.                      Temos que, para tanto, nos organizar de forma diferente, aprofundando os mecanismos democráticos. O PT precisa superar o burocratismo e a adaptação à institucionalidade feita a serviço das elites, criando mecanismos para ser um espaço de participação de milhares de filiados e simpatizantes. Estes somente foram chamados pelo partido em momentos de campanhas eleitorais e no processo viciado em que se transformou o PED. Os núcleos, diretórios, setoriais e macros foram fragilizados ao ponto de serem incapazes de se constituírem em lugar de formação política e participação do petismo na condução dos rumos do Partido.

89.                      Para enfrentarmos estes desafios estratégicos, devemos também ser ousados na construção de estruturas de comunicação com a sociedade e de comunicação partidária, nas administrações e nos mandatos parlamentares que conquistamos, buscando romper este cerco conservador e criando canais e redes de comunicação articuladas que ampliem o debate entre a militância e simpatizantes do PT, aprofundando o debate crítico sobre as políticas públicas de responsabilidade do governo estadual, bem como suas repercussões e impactos em cada região do Estado de São Paulo, e criando um ambiente de debate das linhas táticas e estratégicas do partido.

90.                      Torna-se urgente enfrentarmos estas questões, saindo do cerco midiático no estado de São Paulo para reafirmarmos nossos compromissos com a luta por reformas estruturais democrático-populares que retomem e aprofundem o desenvolvimento econômico com inclusão social e garantia dos direitos, diferenças fundamentais em relação ao projeto tucano aqui implantado nas últimas duas décadas. 

91.                      A derrota de 2016 encerra um ciclo para a esquerda brasileira. Reconectar o PT, retomar o debate do socialismo democrático, atualizar o programa, as práticas e convocando a militância para participar ativamente desta reconstrução em uma dinâmica radicalmente democrática, é fundamental não somente para construir a resistência ao golpe neoliberal, mas para recuperar a capacidade de formar maiorias na sociedade e abrir um novo ciclo político no estado e no país, reatando com a construção de uma estratégia democrático-popular articulada com o socialismo.

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