O senador Humberto Costa concedeu uma entrevista à revista Veja (edição de 22 de fevereiro de 2017).
A entrevista está causando polêmica, tanto pelo conteúdo
quanto por ter sido concedida à uma publicação conhecida pela falta de
compromisso com a verdade, pelo direitismo e pela violência editorial.
Vale dizer que Humberto Costa não é o primeiro a ceder aos
encantos das páginas amarelas da revista Veja.
O ex-petista Candido Vaccarezza enterrou ali suas pretensões de virar
presidente da Câmara dos Deputados.
Ao decidir conceder uma entrevista à revista Veja, Humberto certamente sabia da
repercussão.
Portanto, se existe alguma lógica política em sua atitude de conceder tal entrevista, ela
consiste em mandar um recado para uma parcela dos golpistas.
A Veja interpretou
e resumiu este recado da seguinte forma: existe um setor do PT disposto a admitir
que o Partido se “envolveu em corrupção”, disposto a “pedir desculpas à sociedade”, disposto
a “abandonar o discurso de denúncia do golpe” e disposto a apresentar “propostas
econômicas para tirar o país do atoleiro”.
Veja sintetizou esta
interpretação no título que deu à entrevista: para este setor do PT
representado por Humberto, teria chegado a “hora de virar a página”.
Falando de outro jeito: no momento em que o governo Temer
afunda, este setor do PT estaria disposto a ajudar numa saída negociada para a
crise.
Para chegar a esta interpretação, Veja teria manipulado as opiniões de Humberto?
Ou é mais ou menos isto que pensa o senador eleito pelo PT
de Pernambuco?
A resposta será conhecida nos próximos dias. Pode ser que
Humberto solicite uma correção na entrevista. Mas se ele não fizer isto, então
valerá o que está escrito.
Enquanto a resposta não vem, vejamos ponto a ponto, confrontando as conclusões de Veja (citadas abaixo entre aspas e em negrito) com as afirmações publicadas de
Humberto, sempre lembrando que ele ainda está em tempo de solicitar uma
correção.
“Chegou a hora do PT admitir
que se envolveu em corrupção”
Das 14 perguntas da entrevista, pelo menos 4 tratam de corrupção.
A esse respeito, Humberto Costa diz que “houve” corrupção, que “claro” que houve
pessoas que “podem” ter se beneficiado pessoalmente, que “até agora” foram “identificadas”
coisas feitas “com o propósito de manter o poder e de fortalecer o PT”, sendo
que “neste processo, perdemos as referências”.
Já li e ouvi – embora nunca na revista Veja -- outras pessoas fazendo este tipo de raciocínio, que considero
errado, pois tira o foco do financiamento privado empresarial, da economia
política da corrupção e do debate sobre a orientação política geral do Partido.
Mas o espantoso é que Humberto não denuncie globalmente a
Operação Lava Jato. Espantoso, mas compreensível: se é hora de “virar a página”,
melhor não lembrar que a Operação Lava Jato foi (e continua sendo) parte
essencial de um golpe.
Mesmo quando Veja
diz que “o ex-presidente corre o risco de acabar preso pela Lava-Jato”,
Humberto responde na condicional: “se um fato como esse acontecesse, seria uma
violência institucional e política sem precedentes. Uma coisa como essa talvez
até ampliasse a força política de Lula. Como não existem provas, argumentos que
justifiquem a prisão dele, acredito que ele não só vai estar livre, como será
candidato”.
Ou seja: ao menos no que foi publicado, não se denuncia a ilegal violência que já está sendo cometida. A questão fica no âmbito do "se" e do "seria".
Em seguida, Veja pergunta se “o PT sobrevive sem Lula”. Humberto
responde assim: “não acho que o PT vai acabar se o Lula sair da cena política”.
Resposta curiosa, vinda de quem acaba de afirmar que Lula será candidato à
presidência da República. Mas enfim, tudo pode ser produto das manobras
editoriais de Veja.
“Chegou a hora do PT
pedir desculpas à sociedade pelos erros que cometeu”
Perguntado se “o PT deve pedir perdão”, Humberto responde: “eu
não elimino esta possibilidade”. A seguir ele diz que o 6º Congresso do Partido
pode dizer ao povo que “pedimos desculpas pelos erros que cometemos e que
nossos acertos foram maiores”.
Espero que Veja
tenha deturpado esta passagem da entrevista de Humberto. Pois não faz o menor
sentido -- lógico nem político -- admitir esta possibilidade de “pedir perdão”.
O PT certamente cometeu e
ainda vai cometer muitos erros. Devido a estes erros, o PT certamente já fez e
continua precisando fazer autocríticas públicas.
Mas se nós cometemos mais acertos do que erros, qual o
sentido de “pedir perdão”??? Salvo, claro, que alguém acredite que o PT é uma “alma”
torturada pela culpa e pela vergonha...
A esse respeito, vale a pena ler a resposta dada mais adiante sobre o caixa dois, em que Humberto afirma: "querem cassar o PT, o PMDB, o PSDB". Estas respostas parecem saídas de um episódio de Fringe, um mundo alternativo em que o PT deve pedir perdão, enquanto o PMDB e o PSDB também sofrem o risco de cassação.
“Chegou a hora de
abandonar o discurso de ‘denúncia do golpe’”
Das 14 perguntas da entrevista, pelo menos 7 dizem respeito à
conjuntura e à postura do PT frente ao governo Temer.
Nas respostas, Humberto
afirma que “não adianta mais ficar apenas no discurso de denúncia do golpe”. Tomada
isoladamente, a frase é injusta. Afinal, nunca o PT ficou “apenas” na denúncia
do golpe. Por exemplo, sempre fizemos questão de lembrar que o golpe era um
meio para atingir um fim: reduzir direitos, limitar a democracia e alterar a
política externa.
Mas quando lemos a resposta seguinte dada por Humberto, a
frase acima deixa de ser injusta e converte-se num trampolim para um imenso
erro político.
Segundo Humberto, “o resultado das eleições municipais obriga a
gente a virar esta página. Não dá para ficar só no discurso do golpe, que era
verdadeiro, real. A população não quer isso que está aí, mas também não queria
o que estava lá com Dilma”.
Cada uma das frases acima revela disposição mental para a
capitulação. Vamos por partes:
1) O resultado das eleições municipais, seja qual for, não legitima
o golpe;
2) O golpe não “era”, ele é e continua sendo verdadeiro e real;
3) Não foi a população que derrubou Dilma, portanto pesquisas
de opinião não servem como argumento para “democratizar” golpes;
4) Um partido que defende a democracia não pode, nunca,
abrir mão de denunciar um golpe, mesmo que isso fosse contra a opinião momentaneamente
majoritária do povo.
O mais curioso, digamos assim, é que esta disposição para a capitulação
vem no momento em que o governo Temer está passando por imensas dificuldades.
Dificuldades reconhecidas na capa da mesmíssima revista Veja que publica a
entrevista de Humberto.
Logo, a leitura política que faço destas declarações de
Humberto é a seguinte: ele está avisando uma parte dos golpistas de que está à
disposição para um pacto de governabilidade.
Esta interpretação fica reforçada pela descrição feita por
Humberto acerca das divergências existentes na bancada do PT no Senado.
Segundo
ele, “há dois grupos bem distintos. O meu, que defende uma posição mais aberta,
mais negociadora. E o da senadora Gleisi Hoffmann, que assumiu a liderança no
meu lugar e quer o enfrentamento permanente. Na minha visão, não é possível ter
uma orientação de enfrentamento permanente”.
Humberto não esclarece em torno de que questões ele acha
possível ter uma posição “mais aberta” e “mais negociadora”. Por exemplo: ele
por acaso considera possível negociar a reforma da previdência e a reforma
trabalhista? Em que questões poderíamos ser mais “abertos”?
O único exemplo concreto dado por ele diz respeito à eleição
da Mesa do Senado. Vejamos o que ele diz a respeito: “Nesse processo, um grupo
tomou a posição deliberada de pegar um tema interno, de interesse única e
exclusivamente do PT, e criar uma cruzada contra o outro grupo. Quem se
interessou pelo debate sobre se o PT votaria ou não no Eunício Oliveira? Só o
PT. E aí o que eles, Lindbergh e Gleisi Hoffmann, fizeram foi jogar uma parte
da militância contra o grupo dos parlamentares que defendiam o entendimento”.
Humberto argumenta como se o tema fosse interno à bancada,
de interesse única e exclusivamente dos senadores. Afinal, se o tema é interno ao
Partido, logo de interesse do conjunto dos petistas, é legítimo mobilizar a base.
Especialmente se a postura da bancada tem relação – como Humberto mesmo
confirma ter – com a tática geral do PT frente aos golpistas.
O “entendimento” defendido por Humberto faz parte de uma
linha política geral de “virar a página”, linha esta que não foi apresentada
nem aprovada em instância alguma do Partido. Mas que se tentou aplicar na
eleição da Mesa do Senado e da Câmara dos Deputados.
Humberto reconhece que um dos pilares da posição de Gleisi e
Lindbergh é que “vivemos um período de exceção e não cabe haver entendimento.
Ou seja: tudo tem de ser governo e oposição. Eu diria que se trata de um
pretexto. Mudaria alguma coisa no Brasil se a gente se posicionasse contra? Não,
claro.”
A edição feita por Veja deixou o raciocínio pouco
claro. Mas quem acompanhou o debate no Senado pode adivinhar do que Humberto
está falando. Ele parece perguntar se “mudaria alguma coisa no Brasil se a gente
se posicionasse contra” Eunício de Oliveira? E ele responde que “não, claro”.
Aparentemente
Humberto não se perguntou o oposto: mudou alguma coisa no Brasil, com ele e outros
três senadores petistas votando no Eunício de Oliveira? Afinal, quem ganhou o quê com
este “entendimento”?
Seja qual for a resposta, o espantoso é ver um senador
petista, logo após um golpe, considerar um “pretexto” a afirmação de que
vivemos um “período de exceção”, no qual “tudo tem de ser governo e oposição”. Mas,
claro, tudo pode ser uma edição perversa da revista Veja.
“Chegou a hora do PT apresentar
propostas econômicas para tirar o país do atoleiro”
Quando Veja
pergunta diretamente “que postura o senhor acha que o PT deve assumir em
relação ao governo Temer”, Humberto dá uma resposta muito curiosa: “temos de responder, como oposição, ao desmonte que eles estão fazendo
(...) Mas precisamos mostrar à sociedade como sair da crise. Não basta criticar (...)”.
O “mas” cumpre um papel curioso neste raciocínio. É como se
ele dissesse: vamos agir como oposição na hora de tratar do desmonte; mas
na hora de discutir como sair da crise, vamos agir de outra forma. Afinal, como
ele deixa implícito noutra passagem da entrevista, é errado achar que “tudo tem
de ser governo e oposição”.
É neste contexto, já no final da entrevista e depois de uma
pergunta sobre o “caixa dois”, que Veja
faz duas perguntas diretas sobre a politica econômica.
Na primeira resposta, Humberto defende ampliar
o investimento estatal, além de desonerações temporárias e condicionais. Nenhuma
palavra sobre reforma tributária, nem sobre outras propostas tão frequentes nas
resoluções partidárias e nos documentos de economistas próximos ao Partido.
Aliás, quem lê a entrevista fica com a impressão de que somos um deserto de
propostas. Humberto chega a dizer que precisamos apresentar “um programa, um
projeto, alguma coisa”.
Na sequência, respondendo à última pergunta da entrevista, Humberto afirma que “o que afundou a economia
[no governo de Dilma] foi o fato de que demos incentivos demais em momentos que
não eram ideais”.
Não sei se Humberto disse exatamente isso. Caso tenha dito, está
explicado porque ele admite a possibilidade de “pedir perdão”. Pois ele acabou
de aceitar a tese segundo a qual a crise econômica teria sido causada pela generosidade
irresponsável do governo, multiplicada pela generosidade irresponsável do
Congresso.
*
Se Humberto realmente deu as respostas publicadas por Veja, então ele estaria mesmo disposto a construir algum tipo de saída negociada para a crise.
Ilusão semelhante foi cometida por muita gente, em 2015 e 2016, gente que gastou tempo precioso buscando interlocutores do outro lado, setores que estivessem dispostos a construir uma mediação que evitasse o impeachment.
Hoje, depois do impeachment, depois de tudo o que o governo golpista e seus aliados fizeram, depois que as pesquisas revelaram que um setor importante da elite aposta em Bolsonaro para 2018, reincidir neste tipo de ilusão, neste tipo de conciliação, é -- na falta de termo melhor -- um criminoso suicídio.
Como diria Humberto: esta página precisa ser virada.
Macho ressentido e com o orgulho ferido quer se vingar da mulher que ganhou dele.
ResponderExcluirMas isso não era coisa do aécio??
Ia comentar mas você já disse tudo que eu diria, de forma muito mais adequada!
ExcluirHC já está dizendo que foi deturpado. Eu só não vejo mais condição de conciliarmo-nos com essa parte da população.
ResponderExcluirTomara ele consiga provar que a revista deturpou sua fala. Caso contrário, como afirma Pomar, restam as medidas punitivas do partido. Ou então ele que faça como a paulista esquerdista de araque, peça uma ficha de filiação ao PMDBosta.
ResponderExcluirPutzzz...essse senador...quer que nos comportemos como pecadores arrependidos diante dos inimigos, que, ao que parece, são santos!....Putzzz...
ResponderExcluirUm bocó!...
ResponderExcluirDeveria listar, com provas e não convicções, os nossos pecados!....Quais?...
ResponderExcluirComeçou errado, dando entrevista à VEJA. Quando esse povo vai perder essa mania de ir transar com o inimigo?
ResponderExcluirChegou a hora de dar um chute na bunda do Humberto Costa e devolve-lo ao Renan Calheiros
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