terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A entrevista do general

O comandante do exército brasileiro, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, concedeu no dia 17 de fevereiro uma longa entrevista ao jornal Valor.


A entrevista pode ser lida no endereço http://www.valor.com.br/cultura/4872438/somos-um-pais-que-esta-deriva

O pretexto da entrevista são as greves de policiais militares e os massacres em presídios.

A entrevista foi percebida de diferentes maneiras, na esquerda brasileira.

Alguns apreciaram certas passagens da entrevista. E consideram tornar o general um interlocutor.

Outros lembraram certas atitudes recentes do general, por exemplo contra o memorial dedicado a Jango. Ademais, consideram que esta entrevista não deveria ter sido pedida, nem concedida.

Afinal, não compete a um general da ativa dar opiniões sobre a situação política do país. 

Não importa quais opiniões. 

Aliás, para que mesmo temos um ministro da Defesa?

A extrema-direita quer os militares como protagonistas ativos da situação política do país.

Não quaisquer militares, obviamente.

Aos que ocupam posição subalterna, vale a hierarquia mais dura.

A esquerda deve adotar outra postura: os militares têm o direito de votar. 

Mas se querem participar da luta política enquanto protagonistas, precisam ir para a reserva. 

A entrevista do general Villas Bôas é protagonismo político direto. E, por isto, inaceitável.

Quanto ao mérito -- pois já que a entrevista foi concedida, pode e deve ser lida -- confirmam-se os motivos de preocupação.

O general obviamente não quer as Forças Armadas substituindo a policia.

Mas considera que "empregos pontuais" são inevitáveis, devido à deterioração da estrutura de segurança nos estados.

Entretanto, diz ele, falta proteção jurídica adequada, que só existiria em caso de Estado de Defesa ou Estado de Sítio.

Cada um entenda como quiser esta parte.

Mas a parte seguinte é explícita.

O general considera que somos um "país à deriva".

Diferente de antes. Mas o "antes" dele não refere-se aos governos Lula e Dilma.

Segundo o general, até os anos 1970, 1980, tínhamos "identidade forte", "sentido de projeto", "ideologia de desenvolvimento".

Ou seja, quanto mais perto da redemocratização, mais nossa "identidade" estaria se acabando.

O general não esconde o que pensa. 

Ele considera que a Lava Jato é a "esperança", que o "protagonismo" do Ministério Público e da Justiça são são importantes.

E -- se alguém não entendeu -- diz que os que pedem a intervenção das Forças Armadas, pedem porque consideram que as Forças Armadas são o "reduto" que preservou os "valores".

Ou seja: os que clamam pela intervenção militar não são cavernícolas, são pessoas de valores.

Não perguntaram -- ou não publicaram -- qual a opinião do general sobre a contribuição do golpe de 1964 para garantir esta "identidade forte", este "sentido de projeto", esta "ideologia de desenvolvimento" que ele aclama.

Mas o general fala claramente que a diferença entre 1964 e os dias de hoje, é que agora as instituições estariam funcionando. Como e para quem, sua resposta sobre a Lava Jato já deixou claro.

Agora, se as instituições deixarem de funcionar...

Aliás, sobre 2018 o general achou por bem manifestar sua preocupação com o surgimento de candidaturas "populistas".

Se populistas de direita ou de esquerda, a entrevista não esclarece.

Mas seja como for, é inaceitável que um general na ativa dê opinião sobre supostas candidaturas presidenciais.

As demais respostas que o general dá -- sobre as drogas, sobre as fronteiras, sobre a Colombia e sobre a previdência -- são previsíveis. E vão no mesmo rumo geral das anteriores, com um claro componente corporativista no caso da previdência.

A entrevista como um todo é muito grave.

Que ela tenha sido dada neste momento, em que o governo Temer está sob fogo cerrado, é ainda mais grave. Pois objetivamente joga água no moinho dos que querem uma saída não democrática para a crise.

A esquerda não pode aceitar que um general da ativa intervenha no debate político. Nem deve alimentar ilusões acerca da postura das Forças Armadas. Especialmente num país com a história recente do Brasil.


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