terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Outras Palavras: os preconceitos de Yanis Varoufakis

Outras Palavras é uma iniciativa de qualidade, editada pelo Antonio Martins, ex-militante do PCdoB e ex-colaborador do jornal Brasil Agora, lançado pelo PT nos anos 1990.
Numa de suas recentes edições, Outras Palavras publicou uma entrevista muito interessante com Yanis Varoufakis, ex-ministro da Fazenda do governo grego.
A entrevista pode ser lida no endereço: http://outraspalavras.net/capa/democracia-poder-e-soberania-na-europa/
No abre da entrevista Antonio Martins pergunta se o que propõe Varoufakis "será suficiente?". 

E responde o seguinte: "No cenário atual, em que não há caminhos políticos claros, embora tanto necessitemos deles, parece importante adotar algo como uma ética da busca solidária. É o oposto da antiga prática da autofagia, que tanto marcou a esquerda nos séculos passados. Implica apoiar as iniciativas de quem conserva-se crítico, ainda quando identificamos suas eventuais fragilidades; acompanhar seus desdobramentos; saber tirar proveito de seus aspectos criativos, mesmo se não alcançam todos os resultados esperados. Por isso, e também pelo relato concreto de quem viveu a brutalidade da aristocracia financeira, a entrevista de Yanis Varoufakis, que publicamos a seguir, é tão estimulante".
Concordo parcialmente com Antonio Martins. De fato a entrevista é muito interessante; e não sou favorável a nenhum tipo de autofagia. 
Mas não concordo que não haja "caminhos políticos claros"; o que não existe, na minha opinião, são caminhos políticos fáceis, entre outros motivos porque algumas pessoas para quem as coisas "não estavam claras", guiaram-se por preconceitos que a vida demonstrou serem falsos, facilitando a ação da direita, do capital e do imperialismo, nos colocando numa situação ainda mais díficil do que estaríamos mesmo se tivéssemos feito tudo certo.
Curiosamente, a entrevista de Varoufakis contém vários destes preconceitos. Digo curiosamente, porque entendo que no caso grego a posição dele foi em geral melhor do que a de Tsipras. 

Entretanto, quando leio suas afirmações sobre o Estado-Nação e outras que destaquei abaixo, só faço confirmar os motivos pelos quais o Syriza não se preparou para um plano B.
È trágico é que ele rejeite uma ruptura radical para assim evitar uma catástrofe que ele mesmo reconhece que pode acontecer, não por conta dos radicais da esquerda, mas por conta da dinâmica "normal" da UE. O que o leva a formar um movimento amplo, que está aberto inclusive para setores da direita. Cá entre nós, no fundo, no fundo, uma lógica de pensar parente da que, visto aqui de longe, parece ter sido adotada por Tsipras.
Seguem abaixo os trechos da entrevista onde destaco em cor exemplos destes preconceitos que se converteram em armadilhas. Fora isto, ou melhor, por isto mesmo, uma entrevista que merece ser lida.

É hora, então, de advogar pela saída do euro? Retornar a uma moeda nacional não pode ao menos dar uma oportunidade a mais de democratizar a prestação de contas?
Essa, é claro, é uma batalha em curso que venho travando com meus companheiros na Grécia. Eu cresci numa Grécia um tanto isolada, na periferia da economia capitalista, com sua própria moeda, o dracma, e uma economia com cotas e tarifas que preveniam a livre circulação de bens e capitais. Posso lhe assegurar que aquela era um Grécia muito árida, certamente não era um paraíso socialista. Então, a ideia de que devemos recorrer ao Estado-nação para criar uma sociedade melhor é, para mim, particularmente boba e implausível.
Agora, eu queria que não tivéssemos criado o euro, queria que tivéssemos mantido nossas moedas nacionais. É fato que o euro foi um desastre. Ele criou uma união monetária destinada a fracassar, e que garantiu dificuldades incalculáveis aos povos da Europa. Tendo dito isso, existe uma diferença em afirmar que não deveríamos ter criado o euro e dizer agora que nós devemos sair. Devido ao que chamamos, em matemática, de histerese. Em outras palavras, sair não nos levará de volta onde estávamos, ou onde estivemos antes de entrar, ou onde estaríamos se não tivéssemos entrado.
Algumas pessoas falam do exemplo da Argentina, mas a Grécia não estava como a Argentina em 2002. Não temos uma moeda para ser desvalorizada frente ao euro. Nós temos o euro! Sair do euro significa criar uma nova moeda, o que leva cerca de um ano, e só então desvalorizá-la. Seria o equivalente à Argentina anunciar uma desvalorização com 12 meses de antecedência. Isso seria catastrófico, porque se você desse esse tanto de informações aos investidores – e até mesmo aos cidadãos comuns – eles liquidariam tudo, tirariam todo o dinheiro no tempo que você deu, na expectativa de uma desvalorização, e não sobraria nada de pé no país.
Mesmo que pudéssemos retornar coletivamente às nossas moedas nacionais ao longo da eurozona, países como a Alemanha, cuja moeda foi suprimida por conta do euro, veriam suas taxas de câmbio dispararem. Isso significaria que a Alemanha, que tem pouco desemprego no momento, e uma alta porcentagem de trabalhadores pobres, veria esses trabalhadores pobres se tornarem desempregados pobres. E isso se repetiria no centro-norte e nordeste da Europa, na Holanda, Áustria, Finlândia – no que eu chamo de países superavitários. Ao mesmo tempo, em lugares como Itália, Portugal e Espanha, e França também, haveria simultaneamente uma queda acentuada de atividade econômica (por conta da crise em países como a Alemanha) e um forte aumento da inflação (já que as novas moedas nesses países iriam se desvalorizar de maneira significativa, causando a disparada dos preços de importação, tais como petróleo, energia e bens básicos).
Então, se retornarmos ao casulo do Estado-nação, nós teremos uma linha de falha em algum lugar ao longo do rio Reno e dos Alpes. Todas as economias ao leste do Reno e ao norte dos Alpes se tornariam economias em depressão e o resto da Europa seria um território de estagflação econômica, com alto desemprego e altos preços.
Essa Europa poderia, até mesmo, produzir uma grande guerra, ou, se não uma guerra, seriam produzidas tantas dificuldades que as nações poderiam se voltar umas contra as outras. De qualquer maneira, a Europa poderia, mais uma vez, afundar a economia mundial. A China seria devastada e a recuperação vacilante dos EUA desapareceria. Nós teríamos condenado o mundo todo a pelo menos uma geração perdida. Eu digo aos meus amigos que a esquerda jamais se beneficiaria de tal acontecimento. Serão sempre os ultranacionalistas, os racistas, fanáticos e os nazistas os únicos a se beneficiarem.
É possível democratizar o euro e a União Europeia?
Vamos pensar os dois em conjunto, por ora. A Europa pode ser democratizada? Sim, penso que sim. Será democratizada? Suspeito que não. Então, o que virá? Se você pedir minha previsão, eu estou muito pessimista, sombrio. Acho que o processo de democratização tem uma chance muito pequena de sucesso. E nesse caso teremos desintegração e um futuro sombrio. Mas a diferença, quando estamos falando sobre a sociedade ou sobre o clima, é que o clima não liga nem um pouco para nossas previsões, então podemos nos permitir sentar, olhar para o céu e dizer “acho que vai chover”, porque tal fala não irá influenciar na possibilidade de chuva. Mas, penso que em questões como sociedade e política, temos o dever moral e político de ser otimistas e dizer: “ok, entre todas as opções disponíveis, qual tem a menor chance de causar uma catástrofe?” Para mim, essa é a tentativa de democratizar a União Europeia. Se acredito no sucesso dessa tentativa? Não sei, mas se não tiver esperança de que podemos, eu não posso levantar da cama de manhã e sair por aí fazendo qualquer coisa.
Você agora está envolvido no lançamento do Movimento Democracia na Europa. Fale-nos sobre isso.
O lado bom do esmagamento sofrido pelo nosso governo no ano passado é que milhões de europeus foram alertados sobre como a Europa está sendo governada. As pessoas estão muito, muito furiosas, até mesmo pessoas que discordavam de mim e de nós.
Então, estou em turnê pela Europa, indo de um país a outro, tentando despertar a consciência acerca dos desafios que enfrentamos em comum e da toxicidade que surge a partir do vácuo de democracia. Este foi o primeiro passo. O segundo passo tem sido esboçar um manifesto, já que manifestos são importantes, pois concentram as ideias e podem tornar-se um ponto focal para pessoas que estão com raiva e preocupadas, e querem participar de um processo de democratização na Europa.
Nas próximas semanas estaremos organizando um evento significativo em Berlim (em 9 de fevereiro), realizado lá por razões simbólicas óbvias, para lançar o manifesto e convocar os europeus de todos os 28 Estados-membros a juntar-se a nós em um movimento que tem uma pauta simples: ou democratizar a UE ou aboli-la. Porque se permitirmos que as atuais estruturas burocráticas antidemocráticas e instituições de Bruxelas, Frankfurt e Luxemburgo continuem a aplicar políticas em nosso nome, nós chegaremos à distopia que descrevi anteriormente.
Após o evento de 9 de fevereiro em Berlim, nós planejamos uma série de eventos pela Europa, o que dará ao nosso movimento o impulso necessário. Nós não somos uma coalizão de partidos políticos. A ideia é que qualquer um possa participar, independente de filiação partidária ou ideologia, porque a democracia pode ser um tema unificador. Até mesmo meus amigos conservadores ingleses podem juntar-se a nós, ou liberais que conseguem enxergar que a UE não é sequer insuficientemente democrática, mas sim antidemocrática e, por essa razão, economicamente incompetente.
Em termos práticos, como podemos imaginar nossa intervenção? O modelo político europeu tem se baseado em partidos políticos específicos de cada nação. Portanto, um partido político cresce em um determinado país, há um manifesto dirigido aos cidadãos daquele país, então uma vez que o partido se encontra no governo, só então (como se fosse um pensamento tardio) são feitas tentativas de construir alianças com partidos que partilham os mesmos valores na Europa, no Parlamento Europeu, Bruxelas e tudo mais. Até onde vejo, esse modelo de política está esgotado. A soberania dos parlamentos foi dissolvida pela eurozona e pelo Eurogrupo; a capacidade de cumprir um mandato em nível do Estado-nação foi erradicada e, por isso, quaisquer manifestos dirigidos aos cidadãos de um determinado Estado-membro se tornam exercícios teóricos. Mandatos eleitorais são, agora, por definição, impossíveis de ser cumpridos.
Então, ao invés de partirmos do nível do Estado-nação para o nível da Europa, pensamos que deveríamos fazer o contrário; que deveríamos construir um movimento pan-europeu transfronteiriço, manter um diálogo naquele espaço para identificar políticas comuns para enfrentar problemas comuns, e uma vez atingido o consenso sobre estratégias comuns na escala europeia, esse consenso pode achar sua expressão nos níveis regional, municipal e do Estado-nação. Assim, estamos revertendo o processo, começando com o nível europeu para tentar chegar a um consenso e então movermo-nos para baixo. Esse será nosso modus operandi.
Quanto ao calendário, dividimos a próxima década em diferentes intervalos de tempo, porque temos no máximo uma década para mudar a Europa. Se fracassarmos em 2025, então, acredito que não haverá uma União Europeia a ser salva ou sequer para se falar sobre. Para aqueles que desejam saber o que queremos, a resposta agora é: transparência! Nós exigimos, no mínimo, que as reuniões do Conselho Europeu, ECOFIN e Eurogrupo sejam transmitidas ao vivo, que as minutas do Banco Central Europeu sejam publicadas e que os documentos relacionados a negociações comerciais, como a TTIP, sejam disponibilizadas online. No curto a médio prazo, devemos discutir a redefinição dos papéis de instituições existentes da UE, dentro dos tratados existentes (embora terríveis), visando a estabilização da crise em curso nos domínios da dívida pública, falta de investimento, serviços bancários e pobreza. Finalmente, no médio a longo prazo, deveremos convocar uma Assembleia Constituinte, a ser convocada pelo povo da Europa, com poderes para decidir sobre uma futura constituição democrática que substituirá todos os tratados europeus existentes.
http://outraspalavras.net/capa/democracia-poder-e-soberania-na-europa/

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