terça-feira, 12 de março de 2013

Entrevista sobre Venezuela para a página do PT



1 – A Venezuela ainda está em clima de comoção pela perda de Hugo Chávez. Você que foi um dos representantes do PT na cerimônia de homenagem a Chávez, poderia descrever o drama vivido pela maioria da população venezuelana.

Tenho dúvida se drama é a palavra exata. Os setores populares estão comovidos, estão tristes, mas ao mesmo tempo a moral é muito alta, há uma imensa combatividade. O povo venezuelano é muito politizado, tanto o chavismo quanto a oposição. A fila para o velório é imensa, fala-se em cerca de 100 mil pessoas ao dia. 

2 -  Muito se tem falado sobre o legado político de Chávez. Qual é a real importância dele, não somente para a Venezuela, mas para a própria América Latina?

Eu acho o mesmo que está na nota do Partido dos Trabalhadores: Chávez ficará para a história como um dos heróis da América Latina. Claro que a direita não pensa isto e está fazendo de tudo para desqualificar as realizações do seu governo. Exemplo disto é a revista Veja e a revista Época desta semana. É importante que o PT enfrente este debate, até porque a experiência do governo Chávez (1999-2013) tem muito a nos ensinar acerca dos problemas e das possibilidades de uma estratégia de transição ao socialismo, a partir da conquista eleitoral de governos, nas atuais condições históricas.
3 – A postura antineoliberal, as idéias antiimperialistas e a crença na Revolução Bolivariana de Chávez influenciaram vários líderes na América Latina, como Rafael Correa, no Equador, Evo Morales, na Bolívia, e mesmo Ollanta Humala, no Peru. O bolivarismo continuará influenciando novos líderes no continente?

De fato, a prática e o pensamento de Chávez influenciaram e vão continuar influenciando por muito tempo diversos setores da esquerda regional e mundial. Claro que varia muito a natureza e a amplitude desta influência, seus aspectos negativos e positivos. Precisamos levar em conta que aquilo que chamamos de “pensamento chavista” inclui pelo menos cinco traços: a preocupação em construir uma doutrina, vinculando o passado (Bolívar), o presente (integração) e o futuro (socialismo do século XXI); uma linha militar, segundo a qual a revolução bolivariana é pacífica, mas não é desarmada; um internacionalismo hiperativo, com um forte componente de solidariedade material; a valorização da participação democrática, não apenas eleitoral, do povo; e a compreensão de que a polarização político-ideológica é, no fundamental, positiva. De toda forma, o “chavismo” surgiu e prosperou sob determinadas condições históricas, políticas e sociais, motivo pelo qual é um erro imaginar que trata-se de um modelo a copiar.

4– O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães manifestou preocupação com as “incertezas políticas” para o continente latino-americano após a morte de Chávez e pediu vigilância aos governos de Dilma Rousseff e de Cristina Kirchner. Você vê algum risco real?

De fato, os Estados Unidos e seus aliados, tanto na Europa quanto aqui na América Latina, querem aproveitar a morte do Chávez para desestabilizar o processo venezuelano e, com isso, afetar o conjunto da esquerda regional, especialmente naqueles países que receberam mais apoio da Venezuela (Cuba e Nicarágua, entre outros).
Também é fato que, por razões políticas e econômicas, a extensão, o ritmo e a capacidade de pronta-resposta da Venezuela tendem a reduzir-se, pelo menos por algum tempo.
Considerando que o Brasil já entrou de fato em período de disputa eleitoral, e considerando a situação argentina e venezuelana, podemos prever que o processo de integração regional continuará sofrendo, ao menos no curto prazo, uma certa “crise de direção”. Numa conjuntura internacional como a que vivemos, que exige mais velocidade e intensidade na integração, devemos mesmo estar preocupados e precisamos mesmo tomar medidas urgentes.

5 -  Na sua opinião, qual é o maior desafio político para a Venezuela sem seu grande líder?

Além de eleger Maduro e dar continuidade ao processo, eu apontaria o mesmo desafio de outros processos similares: consolidar institucionalmente as transformações políticas e sociais que estão em curso naquele país, fazendo com que funcionem a base de direções coletivas e não dependam da capacidade individual deste ou daquele líder. E isto não vale apenas para a Venezuela: em vários outros países, inclusive aqui no Brasil, é comum ouvir as pessoas falarem de “grandes líderes”, “chefes” e “comandantes”, sem se dar conta de que do ponto de vista estratégico isto geralmente é um elemento de debilidade, não de força.

6 - Qual o poder de fato da oposição venezuelana comandada por Caprilles?

Muito poder. Tem apoio internacional externo, apoio empresarial interno, força nos meios de comunicação, controlam espaços institucionais e tem um eleitorado expressivo, ao redor de 40%. Não devemos subestimar a força da oposição venezuelana. O importante, na minha opinião, é isolar os setores golpistas e anti-democráticos da oposição. Na Venezuela, há liberdade de imprensa e liberdade de organização partidária, portanto a oposição pode, dentro da legalidade, disputar a direção do país e o controle do governo.

7 -  Nicolás Maduro, considerado o sucessor de Chávez, será eleito presidente nas eleições de abril?

Chávez, antes de ir para Havana fazer seu tratamento, disse em cadeia nacional de TV algo mais ou menos assim: se algo me acontecer, peço que votem em Nicolás Maduro. Ao fazê-lo, Chávez evitou qualquer tipo de disputa interna nas fileiras do chavismo; e também tornou possível este slogan popular que se ouve nas ruas de Caracas: “com Chávez e Maduro, o povo está seguro”. Nenhum analista, nem mesmo da oposição venezuelana, duvida que Nicolás Maduro será eleito presidente no dia 14 de abril. Aí é que vão começar os grandes desafios. Para ajudar, cabe a nós fazer aquilo que está na nota divulgada pelo PT, no dia da morte de Chávez: dar todo o apoio para que a Venezuela continue no caminho das transformações econômicas, sociais e políticas iniciadas em 1999, quando Chávez tomou posse.




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