sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

A esquerda e um certo populismo

A primeira vez que isso aconteceu foi num evento convocado pela Fundação Rosa Luxemburgo, em Bruxelas, com a participação de integrantes do Foro de São Paulo e de partidos da esquerda europeia.

Destaco: não da socialdemocracia, mas da esquerda europeia.

No meio do evento, um camarada nicaraguense "explicou" aos europeus que eles nunca seriam consequentemente de esquerda, porque atuavam em países imperialistas e por isso eram estruturalmente limitados.

Este camarada, segundo me contaram, estaria hoje em prisão domiciliar. Não consigo imaginar o que ele teria feito para merecer este tratamento. Mas sua pena confirma que não é apenas a esquerda europeia que comete erros recorrentes.

A segunda vez que isso aconteceu foi recentemente, quando recomendei a leitura do seguinte texto: Como Die Linke cresceu e superou expectativas nas eleições alemãs - Fundação Rosa Luxemburgo

Um camarada me escreveu, lembrando que o Die Linke tem posições tíbias sobre a guerra da Ucrânia e sobre o genocídio cometido por Israel contra o povo palestino.

Conversa vai, conversa vem, disse ao camarada que concordo que "a posição deles não é a correta. Mas se for por esse critério, quem passa na prova?"

A resposta do camarada foi: "acho um erro idealizar as esquerdas imperialistas" ou "comparar com as nossas".

De fato, idealizar é sempre errado. E comparar é sempre complicado, até porque se fosse para fazer isto seria necessário exigir das nossas esquerdas uma coerência muito maior, que infelizmente falta.

Mas, ressalvas a parte, segue sendo necessário estudar a volta por cima dada pelo Linke. Volta percentualmente modesta, num contexto terrível, onde a extrema-direita dobrou de votação.

Para mim, brasileiro e petista, o mais importante é confirmar que a opção Sahra, além de errada, é desnecessária. 

Aqui no Brasil, inclusive no PT, há muita gente querendo adotar a variante Sahra, a saber, um certo tipo de populismo, que começa na esquerda e termina sabemos onde e como.



No passado, o MR8/Hora do Povo fez isso. Hoje, há vários repetindo a operação, do PCO ao Quaquá, sem esquecer do Aldo Rebelo, que já cruzou a linha vermelha faz tempo.

O Linke demonstrou, mesmo que em pequena medida, mesmo que no terreno eleitoral, mesmo que com várias contradições e erros, que há outras maneiras de enfrentar a extrema-direita.

A respeito do tema, recomendo a leitura do texto abaixo, escrito por Claudio Bazzochi e traduzido do italiano pelo professor Marco A. da Silva. O texto de Bazzochi será disponibilizado logo mais em algumas páginas.

Todos falam dela
Todos falam de Sahra Wagenknecht. Falavam dela antes das eleições, falam hoje depois que não conseguiu entrar no parlamento. Eu, antes de falar de Sahra, quis ler o seu livro “Contra a esquerda neoliberal” (quase quinhentas páginas). Sou assim, é o meu método de estudo e de vida: falo apenas daquilo que conheço e que li, sobretudo se se trata de obras do pensamento.
Bem, lendo o livro de Sahra, comecei a pensar que, no fundo, o fato de vir do SED (Sozialistische Einheitspartei Deutschlands), o partido comunista da Alemanha Oriental, tem um peso no pensamento e na política de Wagenknecht. Muito resumidamente, refleti sobre o fato de que o marxismo e a cultura da Alemanha Oriental (RDA), talvez alguma coisa tenha a ver seja com o reservatório de votos do BSW (o partido de Sahra), seja com aquele da AfD. No livro de Wagenknecht há a exaltação das comunidades operárias alemãs que compartilhavam com a própria burguesia os valores da operosidade, do mérito, da moderação dos costumes, do sacrifício para o desenvolvimento e o bem-estar da nação. A ideia de que o movimento operário deva ser herdeiro da filosofia clássica alemã e, portanto, colocar a si próprio o tema da libertação do trabalho, da alienação, do reconhecimento e da política como campo de autogoverno – e assim da reunificação da vida – está completamente expurgada da visão de Wagenknecht. Trabalhar significa ter o futuro garantido para si e para os próprios filhos: boa renda, aposentadoria e trabalho para as gerações futuras no interior de uma visão burguesa de mundo e da vida. Ecologia, feminismo, questão da técnica e das máquinas são coisas que não tocam nem mesmo de leve à referida Sahra.
Não por acaso, há também em todo o livro a clássica exaltação populista e de direita da simplicidade de quem não estudou. A vida é simples, imediata e transparente. Não há necessidade de estudo e de filosofia. E, certamente, disto não há necessidade o movimento operário. Há páginas e páginas de desprezo pelos “laureados”, elevados a uma verdadeira categoria indiferenciada e associados à classe dos ricos e exploradores. Os operários e os seus filhos não devem estudar para entender o mundo, para transformá-lo, para atenuar a distância entre Sujeito e Objeto. A eles basta um trabalho, uma aposentadoria segura e uma vida tranquila de bons burgueses satisfeitos e de modo algum inquietos.
Portanto, antes de escolher a explicação mais fácil, aquela que diz que as “regiões da ex-RDA são pobres e aderem ao nazismo por protesto”, devemos tentar ir mais fundo. Devemos também ver se há visões de mundo, da natureza, do homem e outras que conduzem à adesão aos partidos fascistas e nazistas.
E depois, mas isto falarei na resenha do livro, quem for ler o livro, que fique realmente surpreso de uma coisa enorme, tremendamente inacreditável e desconcertante: o racismo, o racismo de mãos cheias (a piene mani). Sahra Wagenknecht está fora do parlamento? Bem, é uma boa notícia.
*PS. Sabem o que significa a sigla do seu partido, BSW? Bündis Sahra Wagenknecht, Aliança Sahra Wagenknecht. E um partido pessoal seria um partido do movimento operário? Ah, vai...
(Texto de Claudio Bazzochi, publicado em sua página do facebook em 25/02/2025. Traduzido por Marcos A. da Silva, prof. da UFSC, filiado ao PT de Fpolis-SC)





Um comentário:

  1. Não sei quem poderia ser o Tom Jobim alemão, mas ele diria que a "Alemanha não é para principiantes..."

    É o zeitgeist!

    https://pt.m.wikipedia.org/wiki/B%C3%BCndnis_Sahra_Wagenknecht

    Achei hilário a forma estruturante carismática que se "organiza" a extrema esquerda arrastando com suas propostas acertadas e sensatas do ponto de vista dos pobres não intelectualizados.
    Não é inédito isso, aliás Engels descreveu o que o papel de líderes carismáticos fez nas guerras camponesas com Lutero, Huss e aqueles príncipes protestantes.
    Pra onde isso levará?
    Acho que o PT deve estar atento a esse samba germânico e até se abrir a essas ideias de conteúdo de esquerda e formas conservadoras se afastando dessa adaptação ao partido democrata que contaminou nosso governo

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