segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Palocci segundo Tarso

Muitas pessoas tem escrito sobre Palocci, sobre sua trajetória, sobre como aquilo deu nisso, sobre o que ele pretende com seu depoimento ao juiz de Curitiba, sobre os desdobramentos que suas afirmações terão sobre Lula, já agora no dia 13 de setembro.

Um dos textos a respeito foi escrito por Tarso Genro: intitula-se Sendic, Palocci e os destinos da revolução. Foi publicado dia 11 de setembro de 2017 e pode ser lido aqui: https://www.sul21.com.br/

Ao ler o artigo de Tarso, lembrei-me imediatamente do comentário feito por um conhecido, ainda em 2012: "deixe de achar que as ações de Palocci são motivadas pela grande política, o que interessa a ele é dinheiro". 

De maneira similar, recomendaria a Tarso não "julgar" os atos de Palocci à luz das grandes tragédias do socialismo soviético. 

Parte do artigo de Tarso é dedicado à renúncia de Raul Sendic, no vizinho Uruguai, do qual muitos dizem querer copiar o modelo da Frente Ampla, talvez por não conhecer a existência do “Tribunal de Conduta Política”. 

Não tenho elementos para opinar sobre o mérito das acusações contra Sendic, mas me parece óbvio que lá como aqui, este tipo de situação é apenas um sintoma. 

Aliás, não compartilho a atitude dos que emulam a Frente Ampla, sem fazer menção alguma às crescentes diferenças estratégicas que existem na esquerda uruguaia, além de desconsiderarem as profundas diferenças entre o Brasil e o Uruguai.

Mas não vou tratar disto aqui, como aliás Tarso também não tratou, pois para ele falar de Sendic, da FA e do Uruguai é apenas uma espécie de introdução para falar do Brasil, do PT e de Palocci.

Segundo Tarso, no Uruguai o sistema político estimularia a existência de um partido programático, com uma mínima disciplina interna e instâncias de controle sobre a conduta de quaisquer de seus militantes. Já no Brasil, o sistema político a elimina. Posto deste jeito, não concordo. 

O "sistema" pode desestimular, perseguir, combater, mas não tem e nunca terá os poderes necessários para eliminar quem se proponha a ser anti-sistêmico. 

A questão é, na minha opinião, outra: parcelas da esquerda aceitaram converter-se em sistêmicas, deixaram de ser anti-sistêmicas. E fizeram esta conversão de maneira pública, declarada e gostosamente, acrescente-se.

Ainda segundo Tarso, "tudo indica que Geddel pensava que as investigações e processos que estão em andamento (como pensam originariamente alguns petistas) foram instaurados apenas para 'ferrar o PT'." 

Não nesses termos simplórios, mas é exatamente isto que eu penso: a Operação Lava Jato foi desde o início instrumentalizada para combater o PT. E por isto deveria ter sido combatida duramente, e não ser encarada como uma operação republicana, de gente que sinceramente queria eliminar a corrupção, como parecem seguir acreditando alguns setores do próprio PT.

A ironia da história é que, quando a Lava Jato foi desencadeada, parcela importante do petismo já havia se convertido ao "sistema". Por isto, atacar o PT causou imensos efeitos colaterais. E tudo isto num contexto de crescente crise política, anterior e em certa medida causa da própria Operação. Com aqueles efeitos colaterais, setores da direita não contavam e não aceitam, daí surgindo parte dos conflitos crescentes dentro do golpismo.

Tarso pensa que "trata-se de um episódio semelhante aos 'Processos de Moscou', na era staliniana, nos quais a verdade e a mentira se convertiam – rapidamente – uma na outra, a depender das pós-verdades construídas, mas sem perder o objetivo final, de parte de quem controla o Estado. Lá, no Estado Moderno sem democracia, o objetivo era manter no poder as castas da burocracia onipotente; aqui, no Estado Democrático débil com democracia decadente, 'fazer as reformas' e eliminar a esquerda pensante -toda ela- do processo político nas próximas décadas".

Da minha parte, considero muito difícil encontrar as tais "semelhanças" enxergadas por Tarso. O pior é que ele parte destas supostas semelhanças entre os processos, para conferir a Palocci o papel de vítima trágica de forças históricas.

Segundo Tarso, "não creio que a demonização de Palocci (...) traga alguma coisa de boa para o PT, para o país e para esquerda em geral". 

Evidentemente, sou contra demonizar. Mas as afirmações de Palocci precisam ser qualificadas e desmascaradas como mentirosas e, ademais, como feitas sob medida para contribuir no ataque ao PT. Palocci tornou-se inimigo do PT e assim precisa ser visto e a isso precisamos reagir. 

Ainda segundo Tarso, "Palocci é um homem debilitado, refém desesperado da exceção, que num contexto politicamente amoral,  tenta a sua saída individual, para a qual ele careceu de orientação partidária durante todo este tempo". 

Pessoalmente, adoraria ter Tarso como advogado. Mas politicamente, sua interpretação dos atos de Palocci leva ao quê? 

Recomendo a todos que assistam o depoimento de Palocci. Ali não estava uma pessoa debilitada. Aliás, sua atitude está mais para sociopata. 

Ele próprio explica, no depoimento, seus motivos: receber benefícios, entre os quais certamente estão a liberdade e o acesso a parte do dinheiro que ele amealhou, usando ao menos em parte de expedientes que ele mesmo afirma serem ilícitos. 

Orientação partidária? Desde 2003 pelo menos, a orientação que Palocci segue é outra, não a do Partido.

O que isso tem que ver com os dilemas de Bukharin nos Processos de Moscou? Tarso acha que tem algo que ver. Eu não consigo ver nenhuma semelhança. Afinal, estamos no capitalismo, o PT não está no poder, não controla as instituições de Estado, Lula não é Stálin e Palocci não é Bukharin. 

Além do mais, não é de agora que Palocci está tratando da sua própria vida

Há uma coerência entre as posições que ele defendia quando foi a principal expressão do social-liberalismo no PT, entre o que fez para amealhar uma pequena fortuna e o que está fazendo. 

Não foi o juiz de Curitiba que o converteu no que ele é hoje; a Lava Jato apenas fez vir a tona algo que estava lá e que muita gente boa não conseguia ver, ou preferia não ver, ou não tirava as devidas consequências do que estava vendo.

Também por isto, prefiro não chamar Palocci de traidor, nem de delator. 

Quem trai ou delata, está revelando nossos segredos para o inimigo. Por isto, no que diz respeito ao seu depoimento, prefiro chamar Palocci de mentiroso. 

Claro, de um ângulo mais histórico, ele será lembrado sempre como um traidor. Mas a quem ele traiu em primeiro lugar foi ao estudante e médico Antonio Palocci, aquela pessoa que era de esquerda. Mas esta traição não ocorreu agora, é anterior a Lava Jato.

Tarso pergunta, no final de seu artigo, numa linguagem cheia de indecisões, quase para iniciados, se "no momento atual, é humano exigir mais de Palocci, acorrentado a um contexto em que é o único 'em que (ele) pode atuar'?" E responde: "pode-se exigir, é lógico, mas deve-se apontar claramente em nome de quê".

Eu não acho que coubesse exigir nada do Palocci. Estava claro desde o início o que ele faria. A sordidez e o servilismo abjeto são apenas o tempero de um depoimento anunciado. 

O que devemos exigir, isto sim, é de nós mesmos: deixemos para trás todas as ilusões com o lado de lá. Palocci incluído.

E em nome do quê? Em nome de tudo aquilo que -- com todos os erros que cometemos coletiva e/ou individualmente -- significamos para a luta da classe trabalhadora. 






Sendic, Palocci e os destinos da revolução

Publicado em: 
Tarso Genro
Mesmo sem reconhecer a justiça das acusações que tramitaram contra si, no “Tribunal de Conduta Política” da Frente Ampla Uruguaia, o senador Raul Sendic renunciou ao cargo de Vice-Presidente da República, que ocupava até sábado, dia 9, como sucessor imediato do Presidente Tabaré Vázquez. As acusações contra Sendic referiam-se ao “uso indevido de cartões corporativos” e ao apontamento, em seu currículo, de “título acadêmico que não possuía”. Seriam condutas antiéticas que, no ambiente decomposição que vivemos aqui no Brasil, não teriam maior relevância. Conheço Sendic, admiro-o e mantenho esta admiração inclusive pelo seu ato de renúncia à Vice-Presidência da República.
Sendic é um bravo e filho de um bravo. Se errou – como apontaram seus companheiros de Frente – está respondendo pelo seu erro com essa renúncia dramática, que, ao contrário do que parece à primeira vista, possibilitará a sua recuperação política mais adiante. O Uruguai e a América Latina precisam de homens como Sendic que, com seus apenas 55 anos, pode purgar suas penas, se elas existem, e voltar com dignidade ao processo político democrático daquele país irmão. O Uruguai é o país recente do General Seregni, Ferreira Aldunate, Enrique Erro, Mujica, Raul Sendic (pai), Zelmar Michelini, Tabaré Vázquez e tantos outros – blancos, colorados, comunistas, socialistas, democratas autênticos – que resistiram à sanguinária ditadura militar daquele país que é, hoje, a democracia mais consistente da América Latina.
A Frente Ampla é uma frente política e programática muito diferente das frentes que funcionam aqui no Brasil, destinadas a governar o país com precariedade, cuja articulação -para arregimentar aliados-  precisa apenas deter-se na força que as oligarquias políticas regionais aportam para formar maiorias. Qualquer governo, em qualquer período, governou assim aqui no país. Tanto na República Velha, no período “pós-Guerra”, como na “Nova República”. Com diferentes finalidades imediatas e diferentes prioridades para responder, ou ser indiferente às brutais desigualdades que sempre laceraram a sociedade brasileira. A Frente Ampla tem um programa prévio à chegada no Governo, que deve ser cumprido, tem uma mínima disciplina interna e instâncias de controle sobre a conduta de quaisquer de seus militantes. Lá o sistema político estimula esta possibilidade, aqui ele elimina-a.
Geddel Vieira Lima aparece hoje em vários vídeos, nas passeatas do golpe, denunciando a corrupção e dizendo “basta!”. Tendo em vista o seu comprometimento com  as ilegalidades, ora levantadas, tudo indica que Geddel pensava que as investigações e processos que estão em andamento (como pensam originariamente alguns petistas) foram instaurados apenas para “ferrar o PT”. Não entenderam, – Geddel e esta parte do petismo – que estes procedimentos são o resultado de uma complexa operação política, que buscou sobretudo a legitimação das “reformas” exigidas pelo liberal-rentismo, que tinha Lula e o PT – só no seu início – como alvos fundamentais.
A eliminação do PT e da esquerda do cenário democrático, as reformas liberais, uma reação das instituições do Estado e de parte da sociedade civil, que sinceramente queriam combater a corrupção histórica do Estado brasileiro, se unificaram para tornar Temer e sua “Confederação de Investigados e Denunciados”, os reféns do reformismo. O fato do Juiz Moro proclamar a “exceção”, para servir aos desígnios golpistas da direita política e do oligopólio da mídia, não altera as características deste processo.
Trata-se de um episódio semelhante aos “Processos de Moscou”, na era staliniana, nos quais a verdade e a mentira se convertiam – rapidamente – uma na outra, a depender das pós-verdades construídas, mas sem perder o objetivo final, de parte de quem controla o Estado. Lá, no Estado Moderno sem democracia, o objetivo era manter no poder as castas da burocracia onipotente; aqui, no Estado Democrático débil com democracia decadente, “fazer as reformas” e eliminar a esquerda pensante -toda ela- do processo político nas próximas décadas.
Não creio que a demonização de Palocci, que não traz nenhum fato novo e nenhuma prova contra Lula (“qualifica” fatos já relatados para negociar sua saída do cárcere) traga alguma coisa de boa para o PT, para o país e para esquerda em geral. Palocci é um homem debilitado, refém desesperado da exceção, que num contexto politicamente amoral,  tenta a sua saída individual, para a qual ele careceu de orientação partidária durante todo este tempo. Comparemos o caso de Palocci com o julgamento interno de Sendic, que lhe estimulou para a renúncia à Vice-Presidência, tendo por escopo prestigiar a Frente Ampla perante a sociedade.
Bukharin – nos Processos de Moscou – cita as palavras de Engels sobre o dilema ideológico de Goethe, aproveitando-as para si mesmo: “ter de existir num contexto que não podia deixar de desprezar, e estar acorrentado a este contexto, uma vez que era o único em que podia atuar.”  Ao assinar a “transigência”, em 1930, Bukharin buscou um “meio termo” entre a resistência aberta e a “glorificação” da linha stalinista. Palocci – e agora quem sabe Guido – estão tratando das suas próprias vidas, perante os processos de “exceção” da pós-modernidade democrática em crise terminal. Trair a confiança de Lula, como amigo, é uma questão de fidelidade entre indivíduos. Defender-se da “exceção” sem nobreza é a verdadeira tragédia política, que percorre a democracia em todo o mundo como decadência. Mas não é em um contexto heróico que se decidem os destinos do Estado e da Revolução. No momento atual, é humano exigir mais de Palocci, acorrentado a um contexto em que é o único “em que (ele) pode atuar”?  Pode-se exigir, é lógico, mas deve-se apontar claramente em nome de quê.
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Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

3 comentários:

  1. Para que o acordo de delação seja firmado, o Palocci deverá apresentar provas sobre o que ele depôs. Se ele apresentar provas, significa que ele falou a verdade e que o Lula é corrupto. Isso saberemos ainda em 2017.

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  2. Tarso prova que não conhece nada sobre os Processos de Moscou. Assume o discurso anti-soviético e trotskysta para denegrir Stálin e seu governo.
    Segue o link pra ele ler o documento mais citado, mais difamado e menos lido da história: http://www.hist-socialismo.com/docs/ConfissaoBukharin.pdf

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  3. Eu acho o "Tarso" e o seu republicanismo mixuruca, um dos tantos "Zé Ruelas"Cardozo que habitam o PT e o golpismo "por dentro"

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