domingo, 18 de junho de 2017

Balanço dos governos nacionais petistas

Resolução aprovada por unanimidade, sem prejuízo de emendas, no recente Congresso nacional do Partido dos Trabalhadores. Versão já consolidada pela comissão de sistematização, faltando apenas revisão ortográfica.


Resolução sobre balanço dos governos nacionais petistas

1.O Partido dos Trabalhadores foi fundado em 1980, tendo realizado desde então seis congressos (contando o atual) e quinze encontros nacionais (inclusive dois extraordinários), mais um sem-número de reuniões estaduais, municipais e setoriais, que aprovaram resoluções programáticas, estratégias, táticas e organizativas.
2.De conjunto, estas resoluções contém não apenas um balanço do presente e diretrizes para o futuro, mas também uma análise do passado, inclusive da trajetória do Partido dos Trabalhadores, da ação de sua militância, de seus mandatos parlamentares e executivos, da contribuição que buscamos dar para a luta das classes trabalhadoras no Brasil e no mundo.
3.Portanto, ao incluir o tema “balanço” em sua pauta, o 6º Congresso não “inventou a roda”. Pelo contrário, pretendeu dar continuidade à uma prática crítica e autocrítica que o Partido dos Trabalhadores busca adotar desde sua criação.
4.Não somos os únicos a proceder assim. Tanto na esquerda brasileira quanto mundial, esta atitude crítica e autocrítica é almejada por muitos outros partidos. Mas nem todos possuem a pluralidade de opiniões que caracteriza o PT.
5.Nós sabemos que esta pluralidade não impediu nem impede, muito pelo contrário, que exista entre nós uma grande convergência em defesa de um conjunto de objetivos programáticos, entre os quais a luta contra todas as formas de opressão e exploração, a luta contra o capitalismo, o colonialismo e o imperialismo, a luta contra o machismo, o racismo e a homofobia, a defesa do socialismo democrático, do bem-estar social, da mais profunda democracia, da soberania nacional, do desenvolvimento sustentável, da integração regional, da paz e do desenvolvimento, assim como de uma nova ordem mundial.
6.A pluralidade interna ao PT tampouco impediu nem impede que tenhamos conseguido construir importantes sínteses estratégicas e táticas, nas lutas sociais e na ação institucional, bem como na busca de construir um partido socialista, de massas e democrático. 
7.Foi assim que construímos nosso Partido e desenvolvemos nossa ação, acumulando ao longo de quase quatro décadas um relevante conjunto de experiências em termos de organização popular, de luta social e de ação institucional, em todos os níveis. Experiências que a Fundação Perseu Abramo deve seguir sistematizando, debatendo e divulgando.

8.Sobre todas e cada uma destas experiências e formulações, há no interior do nosso Partido balanços muitas vezes diferenciados. Não achamos que isto seja um problema: trata-se de outra das muitas expressões de nossa pluralidade e, principalmente, de nossa democracia interna, que rejeita “vereditos oficiais” e não aceita “dar por encerrada a discussão”, especialmente sobre temas de natureza histórica, sobre os quais ainda se discutirá muito, sem que seja necessário emitir sobre eles qualquer pretensa “última palavra”.
9.Até porque nossas experiências e formulações não são propriedade privada do Partido dos Trabalhadores: elas fazem parte do patrimônio histórico do povo brasileiro. Primeiro, porque nossas experiências e formulações são inseparáveis das lutas deste povo. Segundo, porque o aprendizado acerca de nossas experiências e formulações está posto ao serviço das lutas populares. Terceiro, porque é inevitável, legítimo e necessário que haja um permanente debate – entre os que militam nas diferentes organizações populares -- acerca das formulações e experiências protagonizadas pelo PT.
10.Aliás, nosso Partido já produziu diferentes avaliações acerca de sua própria trajetória, assim como da trajetória de outras experiências de esquerda. Não apenas porque o PT é plural, não apenas porque esta pluralidade é distinta a cada momento, mas também porque nosso ponto de vista é resultado de um acumulado histórico – no qual se incluem valores, princípios e tradições que nos marcam desde a criação do Partido--, mas também sempre fortemente marcado pelas circunstâncias de cada época.
11.A época que vivemos, por exemplo, é caracterizada pela tentativa – patrocinada pelo grande capital e por seus instrumentos, especialmente o oligopólio da mídia – de desmoralizar e destruir o Partido dos Trabalhadores, bem como os avanços conquistados entre 1 de janeiro de 2003 e 12 de maio de 2016, período em que petistas estiveram à frente da Presidência da República.
13.Por isto, ao realizar o balanço deste período, não podemos deixar de enfatizar nossos êxitos. Não porque não tenhamos cometido erros, tampouco porque tenhamos sido exitosos em tudo. Aliás, se fosse assim, o golpe não teria ocorrido e viveríamos no socialismo. Enfatizaremos nossos êxitos, em primeiro lugar porque foi contra eles que os golpistas agiram e seguem agindo. Em segundo lugar, enfatizaremos nossos êxitos como resposta às mentiras e ao desmonte praticado pelos golpistas. E, em terceiro lugar, como um argumento adicional em defesa de nosso regresso à presidência da República.
14.Embora possa parecer óbvio, achamos necessário afirmar: se nós mesmos não defendermos o que fizemos, quem o fará? E se não temos motivos para defender o que fizemos, por que defendemos ser útil, ao povo brasileiro, o regresso do PT à presidência da República?
15.Ao destacar nossos êxitos, não deixaremos de apontar nossos erros e insuficiências. Está mais do que claro que os golpistas agiram contra nós, devido ao que fizemos de correto; mas também está claro que tiveram sucesso no golpe, também devido a nossos erros e insuficiências. Evidentemente, identificar quais foram estes erros e insuficiências não alterará a história que passou, nem reduzirá o tamanho da derrota que sofremos; mas contribuirá para que consigamos dar a volta por cima e possamos voltar mais fortes e mais capazes de triunfar.
16.É importante, quando falamos de nossos êxitos, recordar que nossos governos não foram homogêneos. Os governos Lula e Dilma não foram iguais; o primeiro mandato de Lula não foi igual ao segundo, assim como o primeiro mandato de Dilma não foi igual ao interrompido segundo mandato. Mas, quando comparamos o desempenho de nossos governos com o desempenho de governos anteriores (nos referimos aqui, especificamente, aos mandatos de Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique), constatamos que existe uma diferença profunda: durante nossos governos houve uma melhoria no padrão de vida da maioria da população brasileira. Aliás, podemos dizer que durante os mandatos Lula e Dilma nosso país ocupou a vanguarda mundial no combate à fome, à pobreza e à miséria: dezenas de milhões de pessoas passaram a ter direito à vida. De inspiração antineoliberal, nossos governos implementaram não apenas políticas públicas de inclusão social e transferência de renda, mas principalmente de ampliação de direitos.

17.Elevar o padrão de vida da maioria da população brasileira também foi um  dos êxitos de nossos governos, a razão fundamental pela qual – independente dos nossos erros e insuficiências -- consideramos que valeu a pena e segue valendo a pena o esforço de construir o Partido dos Trabalhadores, participar das organizações e mobilizações das classes trabalhadoras, disputar eleições e exercer mandatos, travar a luta política, ideológica e cultural contra o capitalismo e em defesa do socialismo democrático.
18.Alguns – inclusive no próprio Partido dos Trabalhadores – interpretam a frase “melhorar o padrão de vida” de maneira reducionista, como se fora o mesmo que dizer “consumir mais”. Alguns fazem esta interpretação em tom de crítica, outros em tom de elogio. Estas diferentes interpretações remetem a uma questão extremamente importante: que tipo de sociedade almejamos e quais os variados caminhos para construí-la.
19.O conjunto das teses debatidas ao 6º Congresso Nacional do PT apontam que as classes trabalhadoras têm o direito de consumir mais; salientando, explícita ou implicitamente, que entendem isto como parte de um processo histórico que tornará possível, às classes trabalhadoras, assumir o controle das riquezas materiais e espirituais produzidas pela sua atividade criativa. Portanto, “consumir mais” não é nem pode ser um objetivo em si mesmo; pelo contrário, deve ser visto como parte de uma caminhada que inclui construir novos padrões de consumo e de vida em sociedade, de relação com outros povos e com a natureza. Motivo pelo qual, quando apontamos a ampliação do consumo individual e familiar como um desdobramento importante daquilo que nossos governos fizeram, também apontamos que não foi e/ou não deveria ter sido apenas isto o que fizemos e o que pretendemos fazer.
20.A geração de empregos vai muito além de proporcionar um salário: numa sociedade como a nossa, o desemprego tende a produzir todo tipo de constrangimento, sofrimento e humilhação. Já a geração de emprego gera não apenas desdobramentos econômicos, mas também efeitos culturais, sociais e psíquicos extremamente positivos, não apenas para um indivíduo, mas para o conjunto da vida em sociedade.
21.De maneira similar, o acesso à educação vai muito além de proporcionar qualificações técnicas e perspectivas futuras de melhoria salarial; ao possibilitar que milhões de trabalhadores e filhos de trabalhadores tenham acesso à escola, à educação e à cultura, estamos desprivatizando  e socializando o saber acumulado pela humanidade.
22.O acesso à casa própria vai muito além da redução do gasto com aluguel; trata-se de garantir que as pessoas do povo tenham sua moradia, seu teto, seu abrigo, seu lar, contribuindo para a segurança material e emocional, sem a qual os laços comunitários são mais facilmente ameaçados e destruídos.
23.O acesso à energia elétrica vai muito além da possibilidade de utilizar eletrodomésticos; trata-se de transportar para nosso tempo pessoas e regiões que vinham sendo mantidas em condições do século XIX e anteriores.
24.A bolsa família significa muito mais do que um dinheiro depositado numa conta bancária; assim como a política de reajuste do salário mínimo e das aposentadorias vai muito além de impedir a erosão inflacionária. Para milhões de pessoas, significa sentir-se parte de uma comunidade, significa demonstrar que compartilhamos responsabilidades e destinos, que ninguém pode ser sujeito ao abandono, à miséria, a privação, ao esquecimento e desemparo na doença e na velhice. Este talvez seja o sentido mais profundo de políticas como o SUAS e o SUS, entre muitas outras.
25.Portanto, quando observadas de conjunto, estas e outras políticas públicas que no curto prazo podem ter resultado ou efetivamente resultaram em ampliação do consumo, também tinham relação – algumas vezes tênue e contraditória, outras vezes intensa e cristalina  – com o projeto de devolver às classes trabalhadoras, enquanto indivíduos e enquanto coletivo, o produto do seu trabalho. E, ao mesmo tempo, de permitir às classes trabalhadoras afirmar outros padrões societários, internos e externos, de relação entre os seres humanos e de relação com a natureza. É por isto que governos que se empenharam em gerar empregos e aumentar os salários, também buscaram garantir e ampliar direitos, combater o racismo, a homofobia, a violência contra a mulher, a exclusão e desrespeito com os povos indígenas. É por isso que nossos governos, em sua política externa, romperam com o hábito de “falar fino com os poderosos e falar grosso com os frágeis”. É por isso, igualmente, que buscamos – ainda que com muitas contradições – superar o modelo predatório que caracteriza nossa economia há séculos. 
26.As teses debatidas no 6º Congresso não têm dúvida em apontar os limites de tudo que fizemos e o tanto que deixamos de fazer. Até porque não se conseguiria mudar, em menos de duas décadas, séculos de história. O que mais importa é que estas teses deixam claro que pretendemos voltar a governar e o faremos reafirmando que não queremos ser um país plutocrático, a serviço dos que ganham sem trabalhar; nem queremos ser país falsamente meritocrático, que garante para alguns padrões de “classe média”, às custas de muitos que são privados do acesso ao consumo e aos direitos. Queremos ser um país onde as classes trabalhadoras tenham um alto padrão de vida, material e cultural, com base em novos paradigmas de consumo e de vida em sociedade, de relação com outros povos e com a natureza.
27.Sabemos que para atingir estes objetivos é necessário garantir fortes políticas públicas, que não apenas materializem mas que também permitam ampliar de forma expressiva e continuada os direitos. Neste sentido, com todos os limites que possam ter tido e que efetivamente tiveram, os governos Lula e Dilma construíram experiências que contrastam com a lógica anteriormente predominante em diversas esferas do Estado: a ideia de que políticas públicas são precárias por natureza, ineficientes, quando muito tratadas como matéria prima de marketing, carentes da seriedade e da atenção que devem merecer ações cujo destinatário é o povo brasileiro.
28.Se os governos Lula e Dilma construíram e apontaram para aquele tipo de experiências, contrastantes com o que pensava e ainda pensa a classe dominante deste país, é antes de mais nada porque, ao longo de sua história de 37 anos, o Partido dos Trabalhadores desenvolveu uma prática que apontava num sentido inovador. Fizemos isto contribuindo para a organização e participando da luta das classes trabalhadoras, de todos os setores explorados e oprimidos. Fizemos isto através da ação de governos municipais e estaduais, da luta parlamentar e de leis por nós propostas, das lutas políticas e sociais que o PT protagonizou ou integrou. Os governos Lula e Dilma são e devem ser vistos como uma parte importante desta trajetória. Não como seu ápice, nem como seu final, pois muito ainda há o que fazer e muito mais ainda conseguiremos fazer: transformações profundas e estruturais, em direção ao socialismo democrático.
29.O golpismo busca desmontar, no plano simbólico e material, as ações implementadas por nossos governos nacionais no sentido de melhorar o padrão de vida da maioria da população brasileira. As teses debatidas no 6º Congresso apontam que o trabalho deletério dos golpistas foi facilitado pela política econômica adotada no início do segundo mandato da presidenta Dilma, política que -- para além dos efeitos econômicos e sociais que produziu -- teve como principal efeito político desorientar parte de nossa base social e eleitoral. Os golpistas contaram, também, com a força do oligopólio da mídia, contra o qual nossos governos não tomaram as medidas reclamadas pelo nosso Partido e por grande parte da esquerda brasileira. Os golpistas se beneficiaram, ainda, da hegemonia que as forças de centro-direita seguiram mantendo sobre grande parte das instituições brasileiras, desde o Judiciário até o Congresso Nacional, que não foram objeto de uma reforma política e de Estado. Contribuiu para o golpe o controle do capital financeiro, transnacional e oligopolizado sobre a economia nacional, controle explícito no financiamento privado empresarial das eleições, assim como nas operações de sabotagem e desestabilização econômica que foram praticadas contra nossos governos. Nossos governos enfrentaram de forma tímida o capital financeiro. Deveríamos ter realizado uma auditoria cidadã e soberana da dívida pública e denunciado ao povo brasileiro o quanto dos recursos públicos são destinados ao esquema da dívida. Finalmente, mas não menos importante, o golpismo foi em alguma medida estimulado, respaldado e orientado por agentes estatais e não estatais estrangeiros.
30.Nunca é demais repetir que o programa político, econômico e social do golpismo foi derrotado nas eleições de 2002, 2006, 2010 e 2014. Sendo que nas três últimas eleições presidenciais, o povo avaliou e aprovou, majoritariamente, as realizações dos governos Lula e Dilma. Todavia, há pesquisas que informam que parte importante da população brasileira aprovou o que fizemos, votou em nossas candidaturas, mas não compreendeu adequadamente o vinculo existente entre nossas realizações administrativas e um determinado programa, uma visão de mundo.
31.Neste sentido, é preciso reconhecer que falhamos em explicar e convencer o conjunto de nosso eleitorado, que os êxitos obtidos por nossos governos só foram possíveis ali onde conseguimos construir políticas publicas que materializassem uma visão alternativa e antagônica à concepção neoliberal, entreguista e antidemocrática que foi hegemônica na presidência da República, entre 1990 e 2002.
32.Não é segredo que existem em nosso Partido diferentes opiniões acerca do quanto fizemos. Há quem esteja convicto de que fizemos o máximo que a correlação de forças permitia e permitiria. Há os que afirmam que poderíamos e deveríamos ter feito mais. Há quem esteja convencido de que conciliamos em demasia com os interesses do grande capital, do agronegócio e da especulação financeira.
33.Mas é importante ressaltar que nenhuma das posições apresentadas durante o 6º Congresso Nacional do PT duvida que -- especialmente quando comparados ao governo usurpador -- nossos governos efetivaram políticas públicas que buscavam implantar outra concepção de desenvolvimento, expressa por exemplo na política externa altiva e ativa, no arquivamento do projeto de Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), no estreitamento dos laços com os vizinhos da América do Sul, no aprofundamento de projetos comuns aos BRICS, nas relações com o continente africano; nas políticas de participação popular; na Lei da Partilha do Pré-Sal; na retomada do papel protagonista do Estado, tanto no desenvolvimento econômico quanto na ampliação do bem-estar social.
34.As teses debatidas no 6º Congresso destacam, especificamente, um conjunto de ações e políticas que ampliaram os direitos, a saúde e a educação da classe trabalhadora, especialmente das mulheres, da juventude, dos negros e das negras: a Política de Valorização do Salário Mínimo, a PEC das Domésticas, a Lei Maria da Penha, o Programa Bolsa Família, que em 2016 mantinha 13,9 milhões de família fora da extrema pobreza, o programa Mais Médicos, a política de Cotas, a ampliação do investimento público total em educação em relação ao PIB, de 4,5% em 2004 para 6,2%, em 2013.
35.Portanto, as teses destacam nossos êxitos em termos de ampliação do bem-estar social, das liberdades e direitos democráticos, de fortalecimento da soberania e da integração regional, êxitos reconhecidos pela maioria do eleitorado em 2006, 2010 e 2014. Mas apesar disso, fomos vítimas de um golpe jurídico, parlamentar e midiático. Golpe que foi seguido de uma eleição municipal em 2016, em que as candidaturas petistas tiveram – com exceções – um desempenho negativo.
36.As teses debatidas no 6º Congresso do PT apontam que o golpe foi em grande medida uma reação do grande capital nacional e internacional, do oligopólio da mídia e de diferentes setores da direita, dentro e fora do Estado brasileiro. Reação contra nós, contra o que nós somos, contra o que nós efetivamente fizemos, contra o que eles temiam que poderíamos vir a fazer e, também, reação contra nossa recusa em capitular e implementar o programa dos golpistas. Uma reação que não se dirigia apenas contra nossos governos, mas contra o que há de mais combativo na classe trabalhadora e no conjunto do povo brasileiro. Uma reação que tinha e tem como objetivo efetivar um programa antipopular e antinacional, um programa derrotado nas urnas nas quatro últimas eleições presidenciais, um programa que visa ampliar os padrões de lucratividade do capital. O golpe foi a saída encontrada pelas oligarquias financeiras, industriais, agrárias, midiáticas e pelos partidos que as representam para subordinar a política econômica aos pressupostos da ortodoxia neoliberal em sintonia com a tendência mundial do capitalismo de concentrar e exportar capitais, ampliando a financeirização da economia no contexto da globalização. Trata-se de aplicar outro projeto de país, projeto que envolve uma visão sobre o Estado e suas instituições, sobre a economia, as relações de trabalho, a sociedade, a política, o poder coercitivo, a democracia, a cultura, os valores, os modos de vida.
37.Não há consenso, nas diferentes teses debatidas no 6º Congresso Nacional, acerca dos motivos pelos quais o golpe foi vitorioso. Nem tampouco há consenso acerca da relação entre o golpe e aquilo que fizeram e/ou deixaram de fazer nossos governos nacionais.
38.Mesmo quando manifestam opiniões parecidas, as teses apresentam nuances importantes, seja para compreender o que ocorreu, seja para contribuir para nossas ações futuras. Mas é comum a todas as teses apontar a relação entre a política econômica adotada no segundo mandato da presidenta Dilma e o golpe finalizado em 31 de agosto de 2017. Assim como é comum a todas as teses apontar não apenas os erros cometidos pelos governos, mas também os erros cometidos pelo Partido, assim como as debilidades dos movimentos sociais.
39.No que diz respeito especificamente ao governo Dilma, é importante lembrar a crítica feita pelo próprio Diretório Nacional do Partido, transcrita em algumas teses. Ao invés de acelerar o programa distributivista, como havia sido defendido na campanha da reeleição presidencial em 2014, o governo adotou medidas de austeridade sobre o setor público, os direitos sociais e a demanda. O ajuste fiscal, além de intensificar a tendência recessiva, gerou confusão e desânimo na base social petista: entre os trabalhadores, a juventude e a intelectualidade progressista, disseminou-se a sensação, estimulada pelos monopólios da comunicação, de estelionato eleitoral. A popularidade da presidenta rapidamente despencou. As forças conservadoras sentiram-se encorajadas a buscar a hegemonia nas ruas, pela primeira vez desde as semanas que antecederam o golpe militar de 1964. O enfraquecimento da esquerda, nos meses seguintes à vitória apertada no segundo turno de 2014, rapidamente alterou a correlação de forças no país, dentro e fora das instituições. A direita retomou a ofensiva. As frações de centro, assistindo o derretimento do governo na opinião pública, começaram a se descolar da coalizão presidencial, deslizando para uma aliança conservadora que impôs seguidas derrotas parlamentares à administração federal. Apesar de seguidas decisões do Partido, apontando ser indispensável mudar a política econômica para recuperar apoio político e social, o governo prosseguiu no rumo que escolhera, agravando as dificuldades. E se distanciando do que era efetivamente necessário, a saber: recompor o equilíbrio fiscal através da tributação dos mais ricos e desmontar o oligopólio dos bancos, entre outras medidas que permitissem recursos para o Estado aprofundar políticas de desenvolvimento com distribuição de renda. Portanto, não um reordenamento orçamentário, mas sim um novo ciclo programático baseado em reformas estruturais, sem o que o processo de desindustrialização e dependência externa vai se aprofundar, conduzindo o Brasil a uma situação econômica que já experimentamos antes da Revolução de 1930.
40.Como já foi dito por resoluções partidárias, registradas em algumas teses, o golpe confirmou que a burguesia, em determinada correlação de forças, pode até aceitar certas mudanças nos períodos expansivos, quando avanços das camadas populares não resultam em diminuição de seus ganhos absolutos ou relativos. Mas a burguesia oferece brutal resistência quando esse equilíbrio distributivo está sob ameaça, particularmente nas fases de contração econômica. Noutras palavras, pode-se dizer que uma tentativa de golpe viria, mais cedo ou mais tarde, sejam quais fossem as formas e os pretextos.
41.Nesse sentido, como é dito em várias teses,  deveríamos compreender que a hegemonia dos trabalhadores no Estado e na sociedade não depende exclusiva ou principalmente de administrações bem-sucedidas, nem tampouco de maiorias parlamentares, mas sim da construção de uma força política, social e cultural capaz de dirigir a sociedade e as instituições, derrotando nossos inimigos em todos os terrenos. Para construir esta força, deveríamos ter costurado um programa e uma aliança estratégica entre os partidos populares e os movimentos sociais, que pudesse ampliar o peso da esquerda, dentro e fora das instituições.
Deveríamos, ainda, ter desenvolvido um trabalho articulado de disputa de hegemonia pelo partido, pelos governos petistas e pelas bancadas, através de políticas de estado e das políticas partidárias de formação e comunicação, dentre outros.
Sem isto, o nosso crescimento institucional foi insuficiente e, além disso, foi contaminado pelo financiamento empresarial de campanhas, afetando nossa nitidez político-ideológica, expondo negativamente nossa imagem, abrindo flancos para ataques de aparatos judiciais controlados pela direita.
42.Como isto não ocorreu, nosso balanço é chamado a explicar por quais motivos o impeachment foi aprovado por um parlamento onde a “base do governo” era supostamente majoritária; respaldado por um Supremo Tribunal Federal composto, em sua ampla maioria, por ministros indicados por presidentes petistas; apoiada em provas produzidas por investigações conduzidas por um Ministério Público e por uma Polícia Federal fortalecidas em nossas gestões; e publicizada por meios de comunicação financiados, em boa medida, através de verbas publicitárias do governo federal. Sem falar que Temer, o usurpador, teve sua candidatura a vice-presidente da República respaldada pelo voto amplamente majoritário de dois encontros do PT.
43.Sobre cada um destes pontos, as teses debatidas no 6º Congresso oferecem diferentes interpretações. Algumas apontam para a existência de uma estratégia de conciliação de classes, que inclusive não teria se preparado para a hipótese de ocorrer uma reação golpista. Outras interpretações reconhecem decisões efetivamente incorretas, mas consideram que elas teriam se dado nos marcos de uma estratégia correta, que buscou levar em conta a correlação de forças. Independente da opinião que tem acerca destas diferentes interpretações, a maioria das teses aponta que nosso retorno ao governo deveria ser acompanhado da criação de condições para uma reforma geral nas instituições, a ser feita através de uma Assembleia Nacional Constituinte.
44.Outro ponto presente em todas as teses é o tema da corrupção. É feita uma crítica da corrupção e da promiscuidade público/privado, seja enquanto componente indissociável do capitalismo em geral e da história do Estado burguês no Brasil, seja enquanto “efeito colateral” dos mecanismos de financiamento privado empresarial. 
45.Embora haja diferentes e algumas vezes muito contraditórias apreciações nas teses debatidas no 6º Congresso, pode-se dizer que todas apontam ser indispensável superar a adaptação do Partido ao modus vivendi da política tradicional no Brasil. Algumas teses destacam como exemplo principal de “adaptação” as coligações eleitorais com partidos de centro-direita, especialmente o PMDB. Outras destacam o estabelecimento de uma relação tradicional entre partido e governo, com o primeiro subordinando-se ao segundo, o que inclusive impediria o desempenho adequado e a defesa eficaz de ambos.
46.Na opinião de algumas teses, este processo de adaptação teria levado o PT, inclusive, a não travar alguns debates políticos e ideológicos apontados como decisivos. Embora cada tese faça sua lista específica, todas apontam que, em nome de cálculos eleitorais e/ou de governabilidade institucional, teríamos deixado de debater ou teríamos feito concessões em diversos temas, entre os quais são citados a questão do aborto, a segurança pública, a taxação das grandes fortunas, a reforma política, a reforma do sistema penitenciário, a reforma agrária, a defesa dos povos indígenas, entre outros. Há teses que chamam a atenção para o fato de que recusamos a tese formal da autonomia do Banco Central, mas que na prática esta autonomia foi exercida, beneficiando os interesses rentistas. Além disso, muitas resoluções de Conferências Nacionais – como as de Educação, Saúde, Direitos Humanos e Comunicação – teriam sido deixadas de lado.
47.Diversas teses fazem uma crítica enfática ao que consideram uma determinada interpretação do “republicanismo”, que teria nos levado a decisões equivocadas em questões relativas ao Ministério Público, a Procuradoria Geral da República, ao Supremo Tribunal Federal e a Polícia Federal. Na opinião destas teses, sem aquele tipo de “republicanismo” a Operação Lava Jato e, antes dela, a Ação Penal 470 não teriam conseguido instalar uma “justiça de exceção”, organizada pelo objetivo de destruir o PT e Lula. Com o mesmo propósito, mas utilizando uma terminologia distinta, há teses que criticam a crença na neutralidade das instituições.
48.A título de conclusão, podemos afirmar que – ao tratar do tema “balanço” -- as teses debatidas no 6º Congresso nacional discutem em que medida a ação dos nossos governos influiu e deixou de influir na relação de forças entre as classes sociais existentes no Brasil.
49.Do ponto de vista da ação presente e futura do Partido, o 6º Congresso considera que esta é uma das questões fundamentais sobre as quais devemos nos debruçar, se quisermos voltar a governar o Brasil e se quisermos ser vitoriosos numa próxima experiência governamental. A saber: como utilizar nossa presença no governo nacional para alterar a relação de forças na sociedade brasileira. Ou, dito de outra forma: o que fazer para fortalecer cultural, política e economicamente as classes trabalhadoras? Como atrair os setores médios, buscando impedir que eles se convertam em tropa de choque da reação? Que ações implementar com o objetivo de dividir e enfraquecer o poder cultural, político e econômico da classe dominante? Responder a estas perguntas é uma das principais contribuições que o balanço pode e deve dar para a discussão sobre nosso programa, nossa estratégia, nossa tática e nossa política de organização.
50.Concluímos enfatizando este último ponto: mudar o Brasil implica em conquistar governos, mas exige principalmente construir um novo poder. E construir um novo poder é uma tarefa das organizações da classe trabalhadora, entre as quais o próprio Partido dos Trabalhadores. Neste sentido, talvez um de nossos maiores erros tenha sido acreditar ser possível terceirizar, para os governos, tarefas políticas, sociais e culturais que cabiam antes de tudo ao próprio Partido.
51.Reconhecer este erro e tomar as medidas práticas para que ele não se repita – realizando mudanças no trabalho de massas cotidiano, no discurso feito junto à sociedade, na política de alianças, na atitude perante as instituições do Estado, no peso do institucional, nos costumes, no direcionamento das atividades partidárias, no esforço para produzir uma cultura e uma elaboração teórica à altura das necessidades – é o principal sentido das resoluções de balanço do 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores.



2 comentários:

  1. Caro Valter, esse discurso de lideranças do PT sobre a condenação de Lula pra impedir que seja candidato em 2018 é´muito limitado!...Arre!...Quem dera que fosse....O objetivo é todos nós!....Mata-se o grande líder, acaba-se com o resto. Isso é mais velho que aquela posição.....A intenção é mais profunda, classista mesmo. Isto tem que ser entendido pelas nossas lideranças. Reduzir a pessoa de Lula essa disputa é dizer que a parte é maior que o todo!...

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  2. A liderança precisa compreender isso, caso contrário....novo 2013!...

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