quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Quem cria estes slogans?


Primeiro foi aquele boné que, como algumas pessoas lembraram, recorda um slogan utilizado na Europa por uns tipos que preferem "gente branca de olhos azuis".

Agora apareceu um card dizendo que o PT seria o "maior, mais longe e original partido de esquerda do mundo ocidental".

Uma frase dessas, dita pela comunicação do próprio Partido, certamente é obra de quem não acredita que "elogio em boca própria é vitupério".

Somos o "maior"? Em números absolutos, talvez. Em número relativos, cabe verificar. Afinal, o número de filiados ao PT, em comparação com o tamanho da população, talvez não seja "maior".

Somos o mais "longevo"? Certamente não. O PCB e o PCdoB existem há mais tempo, nos dois casos não importando a data de partida, se 1922 ou se 1962. 

Somos o "mais original"? Bom, não sei o que o autor da frase quis dizer com o termo "original", então prefiro não opinar. 

Somos do "mundo ocidental"?  A depender do critério, sim. Mas esta referência ao "Ocidente" é mais comum nos setores alinhados com os Estados Unidos e bastante incomum entre os partidos de esquerda.

Só para lembrar, a ARENA - partido da ditadura militar - se considerava "o maior partido do Ocidente". Mais detalhes, aqui:  Viva o novo! Meio século depois, viva a Arena também!, escreve Mario Rosa | Poder360

Claro, alguém pode lembrar que do Partido Comunista Italiano também se dizia ser o maior partido comunista da Europa Ocidental. Mas tendo em vista a "morte estranha" do PCI, acho que dá um certo azar falar disso. Mais detalhes, aqui: Valter Pomar: Sobre "O alfaiate de Ulm"

Seja como for, pelo menos o slogan diz que somos "um partido de esquerda". Comprovando que, exceto certos discos, tudo tem um lado bom.


Por trás e além do "abaixo-assinado em favor do PED"



Está circulando nas redes sociais petistas um abaixo-assinado da campanha Eu quero votar para Presidente(a) do PT! DIRETAS JÁ PED 2025 1 filiado 1 voto.


O abaixo-assinado não traz, que eu tenha visto, a assinatura dos promotores.

O texto de fundamentação do abaixo-assinado traz, entre outras, a seguinte frase: "Porém, desde 2013, não realizamos um Processo de Eleição Direta (PED) verdadeiramente democrático. É hora de retomar nosso legado e respeitar o nosso estatuto".

O PED de 2013, o último que segundo esta leitura teria sido democrático, resultou na eleição de Rui Falcão presidente nacional do PT.

Os dois seguintes - que não teriam sido "verdadeiramente democráticos", sempre na opinião de quem redigiu o abaixo-assinado - resultaram na eleição de Gleisi Hoffmann presidenta do PT.

Outra frase do texto de fundamentação diz assim: "Um processo de eleição híbrido, com delegados e representantes, NÃO atende as necessidades do partido, do momento histórico e não reafirma nosso
compromisso com a radicalização da democracia, além de rasgar o nosso estatuto, que no último Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) em 2015, deliberou sobre a manutenção do Processo de Eleições Diretas (PED)".

De fato, no congresso do PT realizado em 2015 houve uma deliberação, apertada, a favor da manutenção do PED, que vinha sendo questionado devido, entre outros motivos, a grande quantidade de fraudes.

As fraudes persistiram nos processos de 2017 e 2019, com o agravante de que no último PED as denúncias foram simplesmente arquivadas, sem que houvesse pelo menos um julgamento do mérito.

Detalhe adicional: nunca foi implementada a decisão, também aprovada em congresso partidário, de fazer um "PED sobre o PED", ou seja, um processo de votação em que todos os filiados e filiadas votariam se estavam de acordo com a manutenção desse sistema.

Pois, é  bom lembrar, entre 1980 e 2000, o PT adotava outro método de eleição das direções, o método congressual. Nesse método, 1 filiado também tinha 1 voto. Havia, entretanto, duas diferenças em relação ao PED: primeiro, a votação ocorria depois de debates presenciais; segundo, os filiados elegiam delegados, que elegiam as direções.

A vantagem daquele método vintage em relação ao PED adotado desde 2001 é que, ao menos em tese, a votação depois do debate presencial obrigatório e a eleição de delegados fortalecem o espírito coletivo, fortalecem as instâncias; já o método de votação em urna, similar ao que ocorre nas eleições tradicionais, estimula a transformação do militante em filiado-eleitor. Além de reforçar absurdamente o controle da cúpula das tendências sobre o processo. No sistema de PED, ao menos com as regras estatutárias vigentes, é quase impossível a militantes sem tendência montarem uma chapa para disputar a direção do Partido.

O método híbrido adotado em 2017 e 2019 não resolve nenhum destes problemas, entre outros motivos porque nele foi mantida a votação em urna, dissociada de qualquer presença obrigatória em debates. Neste sentido, o método híbrido tem os defeitos do PED clássico e não tem as qualidades do sistema anterior (que, é bom lembrar, nunca foi perfeito).

Seja como for, é legítimo que as pessoas se mobilizem para pressionar a direção do PT, que deve votar no dia 17 de fevereiro o regulamento do PED 2025.

Mas já que é para pressionar, vale lembrar que nossos estatutos, assim como as decisões congressuais, vêm sendo rasgados e manipulados de várias formas nos últimos anos.

Vide a decisão de anular uma decisão congressual que estabelecia um limite máximo de mandatos consecutivos. Esta decisão também foi adotada em 2015 e foi rasgada, sem dó nem piedade, pela maioria do atual Diretório Nacional do PT.

Aliás, este Diretório auto-prorrogou seu mandato, que deveria ter finalizado em 2023. Eu queria ter votado para presidente naquele ano. Assim como queria que tivéssemos aprovado o regulamento do PED 2025 na reunião realizada, pelo Diretório Nacional, no dia 7 de dezembro de 2024. Mas o regulamento só vai ser aprovado - assim espero - no dia 17 de fevereiro.

Estes procedimentos ameaçam a democracia, assim como as fraudes e as desigualdades nas condições de campanha.

Seja como for, votarei na reunião do Diretório Nacional, dia 17 de fevereiro, favorável a manter, no PED 2025, o que está previsto no estatuto. 

Tudo o que está no estatuto, inclusive os tempos de campanha, pois há por exemplo quem proponha alterar os prazos de inscrição, o que na prática reduziria imensamente o tempo indispensável para que - num partido de massas - o conjunto dos filiados e filiadas possa tomar contato com o conjunto das chapas, candidaturas e principalmente propostas.

Mas não vou assinar abaixo-assinado algum. Primeiro, porque jabuti não sobe em árvore. Segundo, porque não quero limpar a barra de quem impediu a base de votar no PED em 2023. Terceiro, porque nosso problema vai muito além de "votar para presidente".

Precisamos formular outra linha política, precisamos mudar o modo de funcionamento do Partido, precisamos eleger novas direções. Inclusive, mas não unicamente o presidente. No Brasil, o presidencialismo deve ser defendido com  unhas e dentes. Já no PT, o presidencialismo não tem passado no teste.











terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Esquerda, direita e Rogério Carvalho

Recomendo fortemente ouvir a digressão do senador Rogério Carvalho acerca dos termos "esquerda" e "direita".

A digressão pode ser escutada aqui: https://x.com/guilherme_amado/status/1889360282960503288

A transcrição do que ele disse está aqui: "Esse negócio de direita e esquerda, tem gente de direita que não é golpista. Tem gente que é de direita que defende a democracia. Tem gente de direita que tem projeto pro Brasil. E isso precisa ser respeitado, isso precisa ser trazido pro diálogo. Não existe um melhor. O melhor é o que resolve o problema das pessoas. Às vezes, soluções, contribuições podem vir da direita, podem vir da esquerda. E a gente precisa entender que essa separação é muito artificializada nesse debate momentâneo no Brasil. Então, você defender que a pessoa possa ter ensino público e gratuito é ser de esquerda? Você defender o SUS é ser de esquerda? Percebe? Defender uma previdência solitária é ser de esquerda? Ou é entender que o Brasil, sem essas condições, não vai oferecer aos brasileiros um mínimo de dignidade? Certo? Se isso é ser de esquerda, por exemplo, eu sou de esquerda. Mas se ser de direita é defender a livre iniciativa, então eu sou de direita porque eu defendo a livre iniciativa".

O senador começa afirmando que existe uma direita que não é golpista. Isto é verdade? 

Em tese sim. Mas no Brasil de 2016, a maior parte da direita participou de um golpe. E continua achando que não foi um golpe. 

De forma similar, as forças armadas deram um golpe em 1964. Mas no fundo da alma, continuam achando que salvaram a democracia.

Isto para não falar de Hugo Motta e de José Múcio, que não consideram o 8 de janeiro de 2023 como uma intentona golpista.

O golpismo da direita é um efeito colateral da concepção burguesa, oligárquica, elitista, que a direita tem da democracia.

Para manter a democracia dentro de certos limites, para evitar uma democracia popular, a direita apela sempre que necessário para os golpes, seja os preventivos, seja os corretivos.

E fazem isto porque a direita tem mesmo um projeto para o Brasil. Este projeto já sabemos o que é: um pais dependente, sem bem-estar social, com uma democracia oligarquica, com um desenvolvimento super-limitado.

Por esses e por outros motivos, o senador Rogério Carvalho erra ao dizer que "não existe um melhor. O melhor é o que resolve o problema das pessoas". 

As "soluções" e "contribuições" oferecidas pela direita podem resolver o "problema" de algumas "pessoas", mas não resolvem os problemas estruturais do conjunto das pessoas que pertencem às classes trabalhadoras.

Além de dizer que "não existe um melhor", Rogério diz também que "essa separação" entre esquerda e direita é "muito artificializada nesse debate momentâneo no Brasil". 

O debate em curso no Brasil hoje não é "momentâneo". Há uma crise profunda tanto no Brasil quanto no mundo. A "separação" - ou a polarização - entre esquerda e direita decorre desta crise profunda.

Os capitalistas defendem que o caminho para superar esta crise é colocar o Estado ainda mais a serviço da iniciativa privada, reduzir ainda mais tudo o que for público, social e coletivo, ampliar muito a exploração contra a classe trabalhadora e contra os povos. É isso, por exemplo, que caracteriza o ultraliberalismo de Trump, de Milei e dos cavernícolas de verde-e-amarelo.

Já nós, que representamos os interesses da classe trabalhadora, entendemos que o caminho para enfrentar a imensa crise - ambiental, econômica, social, política, militar e ideológica - que vive o mundo, é colocar em primeiro lugar o social, o coletivo, o público. E reduzir ao mínimo o poder, a propriedade e a riqueza dos capitalistas, ampliando ao máximo a força e os direitos das classes trabalhadoras.

Claro que há pessoas que tentam se equilibrar entre estes dois caminhos. É o caso, pelo visto, do senador Rogério, que se considera de esquerda em algumas questões e de direita em outras questões.

Isso é um direito dele. Ninguém é obrigado a ser consequente. 

Embora fosse bastante recomendável, digamos assim, ao menos para quem exerce o papel que ele exerce, ser 100% de esquerda.



  

Roda Viva: Lula erra ao manter mister Múcio

Alguns dirigentes do PT acham que não se pode fazer críticas públicas ao presidente Lula.

Entendo esta postura.

Primeiro, porque cabe ao PT defender o governo. E aos dirigentes petistas cabe dar o exemplo.

Segundo, porque fiz campanha para Lula em 1982 e votei nele em todas as demais eleições em que concorreu. Espero poder votar, novamente, em 2026. 

Terceiro, porque há circunstâncias do dia-a-dia do governo, sobre as quais só Lula tem informação completa.

Quarto e principal, porque quero mudar a política do governo. E para isso preciso, entre outras coisas, convencer o presidente.

Por tudo isto e muito mais, sempre que critico a política adotada pelo governo, busco preservar o presidente Lula.

Mas toda regra tem suas exceções.

O caso de mister Múcio é uma destas exceções.

Múcio foi nomeado pelo presidente Lula. 

E, segundo consta, o presidente Lula teria pedido a Múcio que permaneça no cargo de ministro da Defesa.

O risco decorrente desta escolha ficou - mais uma vez - evidente na entrevista de Múcio ao programa Roda Viva da TV Cultura, no dia 10 de fevereiro de 2025.

Vide sua defesa do parlamentarismo: "O parlamentarismo seria uma coisa que seria uma boa experiência para o Brasil [...] Acho que nós precisamos disso."

Vide sua defesa do semipresidencialismo: "Acho que o semipresidencialismo, que é uma coisa que eu conheço pouco, seria uma forma de você trazer o Congresso Nacional para participar da administração."

Vide, principalmente, sua opinião sobre a intentona golpista de 8 de janeiro de 2023, tentando livrar a cara das Forças Armada, aliviando para os golpistas e abrindo as portas para a anistia pretendida pelo cavernícola.

Vide outras afirmações e posturas, desde dezembro de 2022 até ontem.

João Goulart confiou num tal "dispositivo militar". Mas o Golpe de 64 transcorreu sem que houvesse resistência à altura dos chamados militares legalistas.

Salvador Allende confiou em Pinochet ao ponto de achar que o general teria sido preso pelos golpistas, na manhã de 11 de setembro. Quando se deu conta da traição, era tarde demais.

Lula pelo visto confia em José Múcio. Não atino os motivos. Mas como dirigente do PT e cidadão brasileiro, me sinto na obrigação de opinar publicamente que isto é um erro.

Um erro brutal, como já se viu pela atitude do ministro frente a Intentona de 8 de janeiro, bem como pelo conjunto da obra. E, principalmente, pelo que já está em curso e ainda pode vir a acontecer.

Dixi et salvavi animam meam.




segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

O PT não tem “peças de reposição”

Recomendo ler o texto publicado por César Felício, intitulado “O PT chega envelhecido aos 45 anos” e publicado no jornal Valor. 

Segundo Felício, o “Partido tem dificuldades para renovar quadros e discurso”.

 

Para chegar a esta conclusão, baseia-se na comparação entre a média de idade da bancada federal do PT (“um pouco menor que 56 anos”), a média de idade de toda a Câmara em 2022 (49 anos) e a idade do atual presidente da Câmara (35 anos).

 

Um problema para o PT? Sim, é um problema. Não é nada positivo que a idade média dos nossos parlamentares federais tenha transitado de 38 anos em 1982 a 56 anos em 2022.

 

Mas é preciso tomar cuidado com essas comparações. Pois uma coisa é comparar o PT consigo mesmo, com outros partidos de esquerda e com a composição etária da classe trabalhadora. Outra coisa é comparar o PT com os partidos de direita. 

 

Sem dúvida é positivo – para os partidos de direita – que eles estejam fazendo “renovação geracional”. Mas daí não se deduz que esta “renovação” seja um fato positivo para a imensa maioria do povo brasileiro, entre outros pelo motivo de que um “jovem de direita” não é nem um pouco melhor que um “velho de esquerda”. 

 

E por falar nisto, o principal problema da Câmara dos Deputados não é a idade média, mas sim a origem social e a posição política da maioria dos parlamentares. Sem falar nos meios que cada um utilizou para se eleger.

 

Também segundo Felício, o PT “já foi retrato da renovação política no Brasil em suas primeiras décadas, mas desde a ascensão de Lula à presidência em 2002 passa por um acentuado envelhecimento de suas lideranças, o que sinaliza para problemas de renovação”.


A expressão “retrato da renovação política” é bem curiosa. Talvez com ela se queira dizer o seguinte: nas duas primeiras décadas de sua existência, o PT era um partido jovem, que defendia propostas renovadoras. 

 

E o que teria acontecido depois? 

 

Teria havido um “envelhecimento” das lideranças. Mas e quanto às propostas? Sobre isso, sobre aquilo que o PT defendeu e conseguiu fazer quando esteve no governo do país, de 2002 até o golpe de 2016, César Felício nada fala. 

 

Com isso, a expressão “retrato da renovação política” vira apenas “retrato da renovação”. A política some, fica a idade.

 

Segundo César Felício, o “dilema” deste “PT de cabeça branca” seria “entrar na disputa nacional em 2026 sem nenhuma alternativa minimamente competitiva para substituir Lula, caso o presidente não queira concorrer pela oitava vez em uma eleição presidencial”. 

 

Para começo de conversa, um reparo: o PT tem muitos e muitos “dilemas” a enfrentar antes e depois de 2026. Assim como tem muitas outras lideranças, além dos parlamentares: somos cerca de 2,5 milhões de afiliados/as, dezenas de milhares de militantes e dezenas de milhões de integrantes da Nação Petista. 

 

Quanto a 2026, “dilema” mesmo é o que existe na cabeça de quem está torcendo para que Lula não possa ou não queira competir. Mas suponhamos que isto ocorra. Será mesmo que não temos “nenhuma alternativa minimamente competitiva para substituir Lula”?


Vejamos: foi algo parecido a isso que nos disseram antes de 2010. E apesar do que disseram, Dilma foi eleita e reeleita. Já em 2018, disseram que o PT certamente ficaria fora do segundo turno. Mas, apesar do que disseram, Haddad foi ao segundo turno. E teríamos vencido, inclusive com Haddad, se entre outras coisas não tivessem impedido Lula de fazer campanha.

 

César Felício no fundo admite isto, embora o faça de um jeito engraçado, a saber: “A reeleição de Lula em 2026 está longe de ser um cenário improvável, a julgar pelas últimas pesquisas”. 


Traduzindo em linguagem direta: o mais provável em 2026 é a vitória de Lula

 

Portanto, o tal “dilema” para 2026 se converte na assertiva de que “falta ao PT opções para o longo prazo”.

 

Segundo César Felício, “há quem especule com a presença de João Campos (PSB) prefeito do Recife, na sucessão presidencial de 2030, ou do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) em 2034. Essa é uma futurologia muito difícil de ser feita em relação ao PT. Não se vê peças de reposição”.

 

Não sei quem é este sujeito oculto que “especula” com os nomes de João Campos ou de Nikolas Ferreira. Ademais, “futurologia” e análise política são coisas bem diferentes. Seja como for, concordo que não temos mesmo “peças de reposição”. Não temos, nem devemos querer ter. 

 

O que temos são inúmeros quadros, lideranças, militantes que podem exercer tarefas importantes, inclusive futuras eleições presidenciais. Nenhum desses petistas pode ou deve ser classificado como “peça de reposição”. Primeiro, porque este termo é profundamente desrespeitoso. Segundo, porque não existe como copiar/“repor” uma liderança que foi produto de um processo histórico de mais de 50 anos.

 

César Felício diz que o Partido “cresceu lentamente” e “teve seu auge entre 2002 e 2012. Há 23 anos foi a legenda mais votada para a Câmara (…) em 2012 conquistou seu número máximo de prefeitos”. Diz, também, que “a descida ao vale sombrio se deu entre 2016 e 2020, na esteira da LavaJato e do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, que deixaram duas cicatrizes inapagáveis na sigla: corrupção e má gestão na economia. O partido se reergueu em 2022 quando a maior parte do eleitorado brasileiro preferiu se voltar em direção ao passado que encarar um futuro com a extrema-direita no comando”.

 

De fato, o crescimento institucional do PT teve seu pico no passado; desde então, a depender do critério adotado, não é despropositado dizer que estamos decrescendo do ponto de vista eleitoral/institucional. Esse decréscimo se deve, ao menos em parte, às escolhas feitas pelo próprio Partido, mas em grande parte à natureza oligárquica da nossa institucionalidade, que precisa ser reformada de alto a baixo. 

 

César Felício não fala nada ou quase nada sobre o conteúdo dos processos que ele cita. Se o fizesse, teria que admitir que a Lava Jato, o golpe de 2016 e as mentiras que disseram e seguem dizendo sobre o PT, pavimentaram o caminho para a extrema-direita chegar ao comando. Entre o “retrato” e a análise da “política”, Felício prefere o primeiro.

 

O PT tem dificuldade de “pautar a agenda nacional”? Seguramente tem. Em parte porque a “agenda nacional” é disputada com uma direita que dispõe de meios poderosos de impor sua pauta, inclusive a empresa onde César Felício escreve. Em parte, também, porque um pedaço do petismo as vezes aceita uma métrica parecida ao que Felício adota ao analisar: o Congresso. 


Fosse outra a métrica, seria possível ao nosso governo “tocar o barco” de outra maneira. Por isso a necessidade de um debate sobre a estratégia, acerca do que, como diz Felício, não está claro que caminho o PT vai escolher.

 

Tangenciando isso, mas sempre “sem entrar no mérito das propostas”, Felício diz que as “formulações recentes que chamaram a atenção da opinião pública vindas da esquerda partiram do pequeno Psol”. Será verdade? Acho que não. Seja como for, é curioso que neste momento Felício desconsidere totalmente o mesmo critério que ele adotou antes para analisar o PT, a saber, o número de prefeitos, de parlamentares, as votações, as candidaturas presidenciais. No lugar disso, entra a “atenção da opinião pública”.

 

Neste ponto do texto, Felício  pergunta de que “corrente nacional poderá vir o novo petista”, uma vez que  - segundo ele - os veios de que teria nascido o PT “não correm mais nos dias de hoje”. Sem dúvida o mundo mudou muito desde 1980. Mas é um exagero dizer que o sindicalismo, o catolicismo (rural ou não) e a intelectualidade radical são veios secos. Deste exagero surge, provavelmente, a tese de que seria necessário um “novo petista”, desvinculado da “velha” classe trabalhadora.


Felício termina afirmando que a “angústia petista” torna-se mais “expressiva” porque a “encruzilhada da esquerda não é um fenômeno puramente brasileiro”. E conclui dizendo que “os tempos não são de festa para o PT”.


Não acho que “angústia” seja o termo mais adequado, embora nos tempos que correm existem pessoas angustiadas em tudo quanto é canto, a começar pelo PSDB e pela família do cavernícola.


Mas obviamente existe preocupação. Como não ficar preocupado em tempos de Trump, Bibi, Musk, Milei e outros cavernícolas, inclusive os que usam verde e amarelo.


Mas não se trata de uma “encruzilhada da esquerda”. Se trata de uma encruzilhada da humanidade. Por isso, não são tempos festivos para ninguém que tenha consciência acerca dos imensos problemas que ameaçam nossa sobrevivência coletiva. Que Felício destaque apenas o PT é um reconhecimento involuntário de nossa importância nesta luta existencial.


Nesse sentido, com o perdão do “plágio”, no Brasil não existe “peça de reposição” capaz de substituir o PT.


Também por isso, vida longa ao

Partido dos Trabalhadores. E das trabalhadoras.


 

SEGUE O TEXTO COMENTADO

 

O PT chega envelhecido aos 45 anos

Partido tem dificuldades para renovar quadros e discurso

Por César Felício — Brasília

 

A média de idade dos deputados

federais no Brasil em 2022, data da

eleição, era 49 anos. É

consideravelmente maior que a do

atual presidente da Câmara , Hugo

Motta (Republicanos-PB), 35 anos hoje,

33 quando saiu das urnas. Mas é bem

menor que a média de idade dos

deputados do PT, um pouco menor que 56 anos. A bancada federal

petista é aproximadamente uma geração mais velha do que o

parlamentar paraibano.

 

O ano padrão de nascimento dos seus integrantes oscila entre 1966 e

1967, época em que estavam sendo constituídos a Arena e o MDB,

partidos do regime militar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda

não fazia parte da direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São

Bernardo do Campo . Em sua maioria, os deputados petistas eram

adolescentes em 10 de fevereiro de 1980, quando, em uma reunião no

Colégio Sion, em São Paulo, foi fundado o PT, há exatos 45 anos.

 

O PT já foi retrato da renovação política no Brasil em suas primeiras

décadas, mas desde a ascensão de Lula à presidência em 2002 passa por um acentuado envelhecimento de suas lideranças, o que sinaliza

para problemas de renovação.

 

Naquela eleição de 2002, a média de idade dos deputados federais

eleitos pelo PT era de 47 anos. A cada eleição essa idade média deu um

salto, até chegar a 57 anos em 2018, recuando um ano agora. Não há

informações completa no site da Câmara sobre a data de nascimento

dos parlamentares antes de 2002, mas a média etária da diminuta

bancada de oito petistas eleita em 1982 era de 38 anos.

 

Esse PT de cabeça branca enfrenta o dilema de entrar na disputa

nacional em 2026 sem nenhuma alternativa minimamente competitiva

para substituir Lula, caso o presidente não queira concorrer pela oitava

vez em uma eleição presidencial. Em 2018 Lula se candidatou, mesmo

inelegível, e foi substituido três semanas antes da disputa pelo atual

ministro da Fazenda Fernando Haddad.

 

A reeleição de Lula em 2026 está longe de ser um cenário improvável, a

julgar pelas últimas pesquisas. Mas falta ao PT opções para o longo

prazo. Há quem especule com a presença de João Campos (PSB)

prefeito do Recife, na sucessão presidencial de 2030, ou do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) em 2034. Essa é uma futurologia muito difícil

de ser feita em relação ao PT. Não se vê peças de reposição.

 

O partido que celebra seu aniversário no fim do mês em um evento no

Rio de Janeiro cresceu lentamente, teve seu auge entre 2002 e 2012. Há

23 anos foi a legenda mais votada para a Câmara, com um

desempenho bastante semelhante ao do PL nas últimas eleições.

 

Em 2012 conquistou seu número máximo de prefeitos.

 

A descida ao vale sombrio se deu entre 2016 e 2020, na esteira da LavaJato e do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, que

deixaram duas cicatrizes inapágaveis na sigla: corrupção e má gestão

na economia. O partido se reergueu em 2022 quando a maior parte do

eleitorado brasileiro preferiu se voltar em direção ao passado do que

encarar um futuro com a extrema-direita no comando.

 

A “União e Reconstrução” do governo Lula era e é o que pode ser

apresentado, face à dificuldade do PT de pautar a agenda nacional.

Essa é uma dificuldade que se torna naturalmente maior quando se é o

partido de um presidente que governa em minoria no Congresso. Lula

depende da antiga base governista de Bolsonaro para ir tocando o barco. Sem entrar no mérito das propostas, as formulações recentes

que chamaram a atenção da opinião pública vindas da esquerda

partiram do pequeno Psol.

 

Qual foi a bandeira do PT nos últimos dois anos para tentar ampliar o

eleitorado? E aliás qual é exatamente a estratégia? romper a

polarização, fazendo acenos ao Centro? Encarar a polarização como

inevitável e apostar no antagonismo com a Direita? Não está claro.

 

O PT nasceu em 1980 da força do sindicalismo, do catolicismo rural e

da intelectualidade que chegou a pegar em armas contra o regime

militar. Há um relativo consenso, muitas vezes verbalizado por Lula, de

que estes três veios não correm mais nos dias de hoje. De que corrente

nacional poderá vir o novo petista é outra pergunta em aberto.

 

A angústia petista torna-se mais expressiva porque a encruzilhada da

esquerda não é um fenômeno puramente brasileiro, como procuram

provar cotidianamente Elon Musk e Donald Trump. O avanço da direita

deve dar um novo salto ainda este mês, com as eleições na Alemanha.

O Canadá deve dar a sua guinada no fim do ano. A Argentina

consolidar sua conversão em outubro. Os tempos não são de festa

para o PT.

 

 

Migalhas cotidianas


O que aprendemos no dia-a-dia se perde na correria do tempo. Assim, ficam alguns registros.

Segunda, 10 de fevereiro, aniversário do PT. Em resposta ao card "ainda estamos aqui na luta pelo socialismo", alguém responde: "Entendo você, mas não sei se é o caminho, abordar dessa forma? Socialismo está estigmatizado. Talvez algo como: Na luta por uma social democracia. Ou Por uma sociedade equilibrada". Sem falar do comunista-comunista-para-caralho que "passa para avisar" que o PT, na opinião dele, "não é socialista".

Domingo, 9 de fevereiro, converso com um jornalista que me convidou para dar uma entrevista e que divulgou a referida usando um card que associa minha foto com uma frase que não é minha. O cidadão diz que "a frase seria sua se ela estivesse entre aspas. Isso é básico no jornalismo". Eu contesto que o público que verá o card não é composto por jornalistas e que, ao ver uma foto minha, acompanhada de um traço que sai da minha boca e termina com uma frase, vai achar que a frase é minha. Ou aceito o card que me imputa uma dúvida que não é minha ou a entrevista seria cancelada: "basta não aceitar, camarada". Não aceitei, entrevista cancelada.

Sábado, 8 de fevereiro, leio no instagram de um camarada comunista a seguinte frase: a "principal matriz" de seu partido é "a defesa da soberania nacional". Outra frase: "então quando eu quero criar o capitalismo brasileiro na verdade eu quero é a base material para um salto de qualidade e civilizatório". É impressionante a força da Declaração de Março de 1958, até mesmo na organização que surgiu lutando contra ela.

Sexta 7 de fevereiro, leio em um interessante material publicado por um sindicato, uma série de frases ditas por lideranças da luta contra o racismo. No meio delas, um Gilberto Freyre fora do lugar e o Zumbi dos Palmares, totalmente no lugar certo, restando saber  se a frase citada como dele foi captada pelos personagens do Túnel do Tempo ou do Ministério do Tempo

Quinta 6 de fevereiro recebo a seguinte mensagem: "Muita repetição contextual. O texto poderia ser bem menor, exato, expedito. Lembro ao camarada que ninguém tem mais paciência de ler, de se instruir pra se desenvolver. Hoje escrevemos para idiotas de plantão, não para camaradas de verdade!". Como se vê, tem gente que é de esquerda, mas lembra William Bonner acerca de Homer Simpson.

Quarta, 5 de fevereiro, pensando na frase "o Brasil é dos brasileiros", lembrei de um livro intitulado: "Nenhum homem é estrangeiro". Certas variantes da retórica nacionalista, sem tempero internacionalista, pode jogar água noutros moinhos.


domingo, 9 de fevereiro de 2025

Sokol, Edinho e o amor

Que tempos vivemos!

Escrevi um texto comentando a posição de um líder da CNB.

E quem saiu em sua defesa?

O companheiro Sokol, que fez questão de referir-se ao “metalúrgico Edinho”.

Reproduzo ao final a integra do texto de Sokol, que também pode ser lido aqui: 

O que provocou a reação de Sokol?

Segundo ele mesmo, a seguinte frase do meu texto: 

“São Paulo é hoje o centro da classe dominante, o centro da “reação”, como se dizia antigamente. E isto não é de agora. Basta lembrar da contrarrevolução de 1932”.

Para provar que estou errado sobre hoje (2025), Sokol cita eventos ocorridos entre 1917 e 1993.

O que estes eventos citados por Sokol demonstram? Que em SP sempre houve luta, resistência, combate. Mas isso não altera o fato: São Paulo é hoje o “centro da reação”.

Para dar um exemplo: os Estados Unidos são o “centro” do imperialismo. Mas isto não impediu e não impede que sempre tenha havido luta e resistência, por parte da classe trabalhadora e da esquerda dos EUA.

Repetindo o que escrevi no texto criticado por Sokol, “o grande problema do Brasil é a hegemonia desta classe dominante, cujo “centro”, cuja seção estadual principal, está em São Paulo (segundo alguns, na Faria Lima).  Neste sentido, São Paulo é o grande “problema regional” do Brasil. E (…) em São Paulo, onde a CNB (“unificada”) dispõe de ampla maioria na direção do Partido, não estamos conseguindo enfrentar adequadamente a classe dominante”.

Portanto, mesmo que minha apreciação histórica sobre São Paulo fosse 100% falsa, ainda assim continuaria sendo necessário debater a situação e as derrotas do PT em São Paulo.

Pois se a classe trabalhadora não conseguir derrotar a classe dominante aqui, será muito mais difícil impor-lhe uma derrota em todo o Brasil.

Sokol, infelizmente, não fala nada sobre isso; pelo visto, prefere polemizar comigo do que polemizar com o “metalúrgico Edinho”.

O que prova que, como escreveu Sokol, existe amor em SP. E também em O Trabalho…

Segue o texto de Sokol:


Ontem, circulou nas redes do PT um post do companheiro Valter Pomar (pode ser lido aqui)

Tentando tirar uma casquinha da crise “presidencial” da CNB – Nordeste X São Paulo – Valter afirma, notadamente, que “São Paulo é hoje o centro da classe dominante, o centro da “reação”, como se dizia antigamente. E isto não é de agora. Basta lembrar da contrarrevolução de 1932”.

Não corresponde.

Meu hábito não é polemizar nas redes mas, nesse caso, calar seria assentir com uma versão da história.

Caracterizando “São Paulo, centro da reação, basta lembrar 1932”, ignoraríamos:

  • a primeira Greve Geral no Brasil, em 1917, introduzindo a classe trabalhadora independente na cena nacional;
  • a revolta paulista de 1924, tenentista, que originou em 1925/27 a coluna Miguel Costa-Prestes (nesta ordem);
  • o comício gigante dos 100 mil do PCB no Pacaembu em 1945, onde, apesar do seu “queremismo” (“queremos Getúlio”), a massa proletária em peso sinalizou o fim da ditadura de varguista;
  • a histórica Greve dos 100 mil em São Paulo, em 1953, várias categorias imposta pelos operários aos dirigentes sindicais pelegos e outros;
  • a primeira grande manifestação pública contra a ditadura nos anos 70 (em 1975), o culto ecumênico por ocasião do assassinato no DOI-CODI de Vladimir Herzog, que ocupou a Praça da Sé;
  • o ascenso de massas pelas Diretas-Já, deflagrado pelo PT em novembro de 1983 no Pacaembu, até o auge, mais amplo e unitário, no Anhangabaú e na Sé, em fevereiro /abril de 1984;
  • as grandes greves metalúrgicas do ABC de 1978-1980 que derrotaram o regime militar e originaram o impulso que levou à fundação do PT e da CUT;
  • a Greve Geral da CUT (“Paulínia, ABC, estamos com você”) de 1993, com grande impacto nacional, que firmou a central recém-criada.

Esse recordatório, certamente incompleto, não pretende apagar as lutas de séculos dos oprimidos e explorados, até mais importantes, que não é o caso de enumerar. Elas se entrelaçam na busca da emancipação da nação.

Talvez meu amigo Valter tenha sido influenciado por uma narrativa sociológica, evito aqui qualificar a matriz ideológica ou o seu extrato social, que acredito ser a expressão do medo da independência da classe trabalhadora que a burguesia, primeiro, e o imperialismo, depois, fizeram concentrar em SP. São Paulo, há mais de um século, concentra a luta de classes, é a cidade mais rica e mais desigual do país.

Lembremos no momento fundacional do PT, a recusa do “partido de macacão” por FHC, paulista, à época “príncipe dos sociólogos”.

Concluindo, a retificação é necessária, e não apenas para o bravo PT do Nordeste não cair nessa. Também não peço, necessariamente, o acordo do metalúrgico Edinho, com esta interpretação.

Mas reivindico, com os trotskistas da 4ª Internacional de Fúlvio Abramo – uma das componentes da fundação do PT, Fúlvio inclusive -, a autoridade da formação da Frente Única Antifascista composta de organizações sindicais, políticas e culturais que, em 1934, expulsou à bala os “galinhas verdes” (integralistas) da Praça da Sé, de novo na maldita São Paulo.

Há amor em SP.