domingo, 16 de março de 2025

DECLARAÇÃO AO PARTIDO do 9º Congresso nacional da tendência petista Articulação de Esquerda

Texto ainda em processo de revisão e pode sofrer emendas parciais

DECLARAÇÃO AO PARTIDO

O 9º Congresso nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunido na cidade de São Paulo nos dias 14, 15 e 16 de março de 2025, aprovou a seguinte DECLARAÇÃO AO PARTIDO. 

Na atual quadra da história, só o Partido dos Trabalhadores pode liderar o povo brasileiro na luta pelo bem-estar social, pelas liberdades democráticas, pela soberania, pela integração regional, pelo desenvolvimento e pelo socialismo. 

Se o Partido dos Trabalhadores não estiver à altura desta tarefa, vamos desperdiçar uma grande oportunidade para mudar nossa sociedade e para mudar o lugar do Brasil no mundo. 

Há quem acredite que o PT já estaria à altura da tarefa, devido à nossa história e devido às batalhas que vencemos no passado. 

Não concordamos com isto.

Acontece que o Brasil e o mundo mudaram e seguem mudando. O que fizemos no passado já é história, uma grande história. Mas não nos basta ter um grande passado pela frente. 

Queremos que o PT esteja à altura de vencer os desafios históricos do futuro e os imensos problemas e contradições do presente. 

Para conduzir exitosamente o povo brasileiro na luta por seus objetivos imediatos e históricos, o PT precisa de mudanças profundas em seu funcionamento e em sua linha política.

Se o PT continuar como está hoje, profundamente desorganizado, importa pouco qual será a linha política que adotemos. Desorganizados, mais cedo ou mais tarde seremos derrotados. 

Lutamos para que nossa linha política e nossa organização partidária estejam à altura das necessidades do momento e da história. 

O Partido dos Trabalhadores tem poderosos inimigos.

Destacam-se entre estes inimigos: o imperialismo, especialmente o estadunidense; o capital financeiro; o agronegócio e as mineradoras que sustentam o modelo extrativista predatório; as forças políticas de extrema-direita e a direita tradicional, todas neoliberais; o fundamentalismo religioso; os grandes meios de comunicação; a cúpula das forças de segurança e Defesa; e, de maneira mais geral, a herança maldita acumulada pela classe dominante ao longo de séculos. 

Para enfrentar estes poderosos inimigos, o PT precisa de uma estratégia de longo prazo, que recupere uma ideia que já estava presente nos documentos aprovados pelo Partido na década de 1980: disputamos eleições e buscamos governar como parte do caminho para ser poder. 

Se o Partido continuar confundindo governo com poder, seremos não apenas incapazes de derrotar nossos inimigos, como também sofreremos cada vez mais derrotas eleitorais. 

Trabalhamos para que o PT disponha da estratégia adequada à luta por um Brasil democrático, popular e socialista. 

Foi necessária muita luta para vencer as eleições de 2022, o que conseguimos por uma pequena diferença de votos, lutando contra uma extrema direita que fez de tudo, inclusive tentou barrar a posse de Lula. Ainda em 2022, Bolsonaro e alguns generais planejaram assassinar o presidente eleito Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Depois veio a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

Dois anos depois, apesar destas e de outras imensas dificuldades, são inúmeros os sinais positivos, inclusive na geração de empregos e no aumento da renda. Mas apesar disso sofremos uma grave derrota nas eleições municipais de 2024. 

Além disso, todas as pesquisas de opinião realizadas desde o início do terceiro mandato de Lula até agora apontam no mesmo sentido: a situação política e eleitoral está muito longe de ser tranquila.

As pesquisas apontam uma crescente frustração com nosso governo, inclusive entre aqueles que em 2022 votaram em Lula. Há no governo e na direção do Partido quem defenda tratar-se principalmente de falhas de comunicação. Claro que há um problema de comunicação mas ele está longe de ser o mais importante. Assim como a troca do presidente do Banco Central não acabou com a política de juros altos, a troca do responsável pela Secom, por si só, não será capaz de mudar a avaliação de Lula e de nosso governo. Precisamos de mais investimentos, mais e melhores empregos, melhores salários, de modo a melhorar, na intensidade e na velocidade esperada, as condições de vida de nosso povo.

Setores do Partido negam ou minimizam nossas dificuldades. Mas ao mesmo tempo, numa confissão do que realmente pensam, estes setores defendem um “giro ao centro”, que se materializaria por exemplo na incorporação ao governo federal de mais e piores setores da direita.

Este “giro ao centro”, na verdade uma “inflexão à direita”, é incapaz de lídar com as contradições profundas do atual estágio do capitalismo. Aliás, os mesmos que defendem esta política operam, na prática, pela desmobilização dos movimentos sociais de esquerda. 

Não foi esta a tática que nos permitiu voltar a governar o país. Não foi “virando a página do golpe” que derrotamos a direita nas eleições de 2022.

Se prevalecer essa “inflexão à direita”, podemos até mesmo vir a vencer as eleições de 2026, mas nessa hipótese teremos um quarto mandato sob cerco interno e externo ainda maior do que hoje. O que projetaria um futuro negativo para nosso Partido e, muito mais grave, condenaria o Brasil a continuar sendo uma subpotência primário-exportadora e um paraíso para a especulação financeira. 

Sobre a situação nacional, pesa uma situação mundial extremamente complexa e perigosa. 

A situação ambiental é catastrófica e atinge pesadamente o Brasil. Com raras e louváveis exceções, há uma deterioração das condições de vida da maior parte da população do planeta. 

A classe dominante, por todas as partes, opera para aumentar a exploração e, para tentar viabilizar isso, estimula o fundamentalismo, o racismo, a misoginia, a lgbtfobia, persegue os migrantes, destrói direitos e restringe as liberdades democráticas. 

A direita neoliberal tradicional vai adotando as pautas da extrema-direita e, por sua vez, a extrema-direita vai conquistando cada vez mais governos, com destaque para Donald Trump nos Estados Unidos. Aliás, passados mais de 50 dias da posse do atual presidente estadunidense, confirma-se que foi o governo Biden e sua política que abriu o caminho para a volta de Trump. Mais um motivo para rejeitar a posição dos que pretendem emular, na esquerda brasileira, o exemplo dos Democratas estadunidenses.

As potências imperialistas estimulam, promovem e naturalizam as guerras. Um destacado exemplo disso é o genocídio televisionado do povo palestino. Cresce a repulsa e a reação generalizada em todo o mundo contra o Estado de Israel. Mas ao mesmo tempo, para uma parte da população do planeta vai se estabelecendo uma espécie de “novo normal” da violência. 

Neste contexto, os Estados Unidos aumentam a pressão sobre a América Latina e Caribe. Embora a agressão sobre Cuba e Venezuela seja imensa, embora a Colômbia e a Bolívia passem por momentos extremamente difíceis, embora o México siga estando “muito longe de Deus e perto demais dos Estados Unidos”, não há que ter dúvida: o principal objetivo dos Estados Unidos na região é submeter o Brasil. 

Os Estados Unidos não querem um Brasil protagonista no plano mundial, nem um Brasil capaz de liderar a América Latina.

Querem submissão geopolítica e também econômica; querem que o Brasil continue sendo um exportador de produtos primários e uma estação de engorda dos capitais financeiros. 

Ao longo de sua história, o Brasil sempre foi marcado pela desigualdade, por uma democracia oligárquica e pela dependência externa. Mas houve momentos em que um setor da classe dominante buscou apoio no povo para desenvolver o país, ainda que de forma extremamente limitada e desigual. 

Hoje, no Brasil de 2025, não há absolutamente nada que se possa esperar de nenhum setor classe dominante. 

Apenas as classes trabalhadoras são capazes de construir um futuro diferente para nosso país. 

Uma peça central na construção desse futuro é a reindustrialização nacional, que só acontecerá se houver um imenso esforço do Estado brasileiro nesse sentido. Esse esforço inclui não apenas investimentos públicos em larga escala na produção industrial estrito senso, mas também inclui medidas em áreas como reforma agrária e soberania alimentar, transporte e mobilidade, ciência e tecnologia, habitação e reforma urbana, educação e saúde.

É preciso combater os que privatizam o Estado, sob as mais variadas formas, inclusive através do financiamento do BNDES às PPP de governos estaduais como o de São Paulo.

É preciso, em particular, desprivatizar o SUS, aplicando os recursos públicos nas instituições públicas e apenas eventualmente e de forma emergencial na compra de serviços privados. É preciso implantar uma Carreira-SUS Única Nacional Multiprofissional e Interfederativa, conforme aprovaram os delegados e delegadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde e na 4ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.

É necessário suspender definitivamente a militarização das escolas, que impõe um modelo autoritário e hierárquico que vai na contramão dos princípios de uma escola libertadora e democrática.

É preciso, também, mudar os rumos do Ministério da Educação, derrotando a política privatista e de terceirização capitaneada pelo grupo “Todos pela educação”. Devemos implantar políticas estruturais que garantam condições de trabalho, jornadas dignas e valorização dos profissionais da educação com Piso e Carreira estruturadas. Não é suficiente adotar medidas paliativas tais como o “pé de meia” para estudantes do ensino médio, a bolsa para jovens que queiram ingressar nos cursos de licenciatura, as bolsas para professores assumirem escolas de difícil acesso, o desconto para hotéis e cartão de crédito. 

O grande desafio do PT é criar as condições políticas necessárias para fazer as mudanças estratégicas previstas no slogan “reconstrução e transformação”, que depois da vitória de 2022 foi substituído por “união e reconstrução”. 

No passado, fazer transformação implicava em derrotar a direita neoliberal tradicional, cujo principal símbolo partidário era o PSDB e cujo principal instrumento era a Rede Globo. 

Hoje, além de enfrentar os neoliberais tradicionais, temos que enfrentar também os neofascistas, que têm demonstrado capacidade de atrair importantes setores da classe trabalhadora. 

No enfrentamento desta dupla oposição está nossa principal dificuldade política. Se em nome de derrotar os neofascistas seguirmos nos aliando e fazendo concessões à direita neoliberal tradicional, há pelo menos dois desfechos possíveis: no curto prazo, podemos seguir vencendo eleições presidenciais, mas nossos governos serão programaticamente limitados; já no médio prazo, seremos inapelavelmente derrotados no que diz respeito ao que realmente importa, que é fazer mudanças estruturais em nosso país. 

Esse é um dos motivos pelos quais o nosso Partido não pode nunca se limitar a dizer e fazer apenas aquilo que é momentaneamente possível para nossos governos. 

Por isso, também, nosso Partido não pode se tornar prisioneiro dos limites da institucionalidade. 

É preciso que nosso Partido crie as condições para ir além do que permite a atual correlação de forças no legislativo e no judiciário. 

Igualmente por isso, nosso Partido tem que concentrar suas principais energias no trabalho de reconexão com a classe trabalhadora, organizando e conscientizando melhor os que seguem conosco, buscando os setores que se distanciaram de nós e também os que nunca estiveram conosco, os que estão sob influência do desalento, da direita tradicional e da extrema-direita. 

Mas para fazer tudo isso, o PT precisa de pelo menos duas coisas: disposição de enfrentar, polarizar e derrotar nossos inimigos; e disposição de reorganizar profundamente nosso próprio Partido. 

O PT deve voltar a balançar nossas históricas bandeiras. 

O PT foi criado para lutar pelos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora. Um partido anticapitalista, socialista, defensor da mais profunda democracia, disposto a enfrentar e derrotar a classe dominante. 

Nos tempos atuais, isso significa disposição para enfrentar e derrotar o capital financeiro, o agronegócio, as mineradoras e o capital estrangeiro imperialista. 

Significa, também, disposição para enfrentar e derrotar a extrema-direita neofascista e a direita tradicional, entre outros motivos porque não haverá democracia verdadeira em nosso país enquanto essas duas forças políticas mantiverem sob sua direção a maior parte do sistema judiciário, dos parlamentos, dos governos, dos meios de comunicação e das empresas. 

Significa, ainda, reafirmar que nosso combate contra o racismo, o machismo, a misoginia, a lgbtfobia e contra todas as formas de discriminação e preconceito é parte integrante e inseparável da luta para libertar a classe trabalhadora das influências que recebe da classe dominante e exploradora. 

A direção partidária, em todos os níveis, precisa ser ocupada por militantes dispostos a reafirmar o PT como partido anticapitalista, socialista, radicalmente democrático. E isso inclui um esforço permanente de estudo da realidade brasileira, especialmente das classes e da luta de classes, contribuindo para que o PT lidere as forças democráticas e populares na luta pela revolução brasileira. Embora insuficientes, as resoluções do V Encontro (1987) e do 6º Congresso (2017) podem contribuir nesse sentido.

O PT deve voltar a ser um partido que faz política o tempo todo, não apenas em anos pares, não apenas em épocas eleitorais, não apenas pelos meios institucionais. 

Os petistas estão por toda parte: estamos presentes nos bairros, estamos nos locais de trabalho, estamos nas escolas, estamos nos espaços e momentos de cultura e lazer, estamos nos sindicatos e nos movimentos sociais. 

Mas nem sempre a direção do Partido está onde os petistas estão. 

Muitas vezes a direção não existe, não funciona, está dominada por interesses estritamente eleitorais, as vezes interesses que não são de todo o PT, mas apenas de um determinado governante ou parlamentar. Sem falar dos casos em que nosso Partido foi infiltrado pela direita. 

O Partido, nossas direções, precisa participar ativamente, cotidianamente, da organização e da luta do povo brasileiro. Só assim vamos reconstruir nossa presença junto à classe trabalhadora, junto às mulheres, aos negros e negras, aos moradores das periferias, na juventude trabalhadora.

Precisamos tomar de volta os espaços que nas últimas décadas foram ocupados pelo crime, pelo fundamentalismo, pela extrema-direita.

Precisamos combater e derrotar o feminicídio, a violência contra a população LGBTQIAPN+, o genocídio contra a juventude negra.

Precisamos derrotar o movimento chamado "invasão zero", que pretende criminalizar as pessoas que participam de ocupações. Um PL neste sentido já foi aprovado na Câmara Federal, em diversas assembleias legislativas estaduais, além de apresentado em alguns municípios. A intenção destes projetos de lei é suspender benefícios sociais de pessoas que participem de ocupações, impedindo que sejam beneficiadas por projetos habitacionais, participem de concursos públicos e assumam cargos públicos. Também foi aprovado na CCJ da Câmara projeto que permite que proprietários façam despejos sem ordem judicial.

Precisamos apoiar as lutas dos povos originários, por demarcação dos territórios indígenas e pela garantia de seus direitos. A aprovação do chamado marco temporal previsto pela PEC 48 abrirá caminho para que direitos constitucionais, conquistados pelos povos indígenas, sejam perdidos. Os quilombolas também estão na mira da extrema-direita.

Precisamos melhorar imediatamente as condições de vida das classes trabalhadoras, entre outras formas implementando as medidas previstas no Programa de Reconstrução e Transformação. Por exemplo, a tarifa zero, mas através de empresas públicas municipais de transporte, visando não apenas um serviço eficiente e de qualidade ao povo, mas também desmontar as máfias que controlam o transporte no Brasil afora.

Precisamos apoiar as lutas contra a privatização da água, da energia, do saneamento de resíduos sólidos e do transporte. É preciso, por exemplo, apoiar os que lutam contra a privatização da empresa pública de transportes do Rio Grande do Sul: o governo Lula deve retirar a Trensurb do Plano Nacional de Desestatização.

Precisamos apoiar e participar da luta pela redução da jornada de trabalho e pela aprovação da PEC que põe fim a escala 6×1, com manutenção dos salários e empregos;

Precisamos elaborar uma política independente e soberana de dados e de inteligência artificial. Nas mãos dos grandes capitalistas, os avanços tecnológicos servem não para diminuir as jornadas, mas sim para destruir postos de trabalho e aumentar o exército de reserva, precarizando as condições de vida do povo. Nesse sentido, é fundamental ir muito além das tímidas disposições do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, lançado em 2024 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Em paralelo, a militância social e partidária deve se apropriar desses instrumentos, para usá-los em favor da emancipação da classe.

Precisamos apoiar e participar da luta por uma reforma tributária progressiva, que faça os ricos pagaram impostos.

Precisamos apoiar e participar da organização da Marcha da Classe Trabalhadora em Abril e do Primeiro de Maio de 2025. Essas e outras atividades devem ter menos discursos e mais iniciativas político-culturais.

Precisamos apoiar e participar das manifestações em favor da prisão preventiva e julgamento de todos os golpistas, a começar por Jair Bolsonaro. 

Sem Anistia para golpistas! Contra a mobilização da extrema-direita, a exemplo da convocada para o dia 16 de março, é preciso mobilizar a esquerda, os setores democráticos e progressistas.

Nossa direção, em todos os níveis, precisa ser ocupada por militantes dispostos a reafirmar o PT como o partido da luta, da mobilização e da organização cotidiana do povo. 

É preciso reorganizar e redemocratizar o Partido. 

O PT precisa ter mais militantes e precisa existir em todos os municípios brasileiros. Existir não de forma cartorial, mas existir de verdade, ou seja, com sede, com atividades permanentes, com instâncias que debatam política, com núcleos de base, com atividades de formação política, com comunicação periódica que chegue em cada filiado e simpatizante. E com controle efetivamente democrático sobre as finanças partidárias, o que inclui interromper o longo ciclo (que vem desde 1995) no qual a tesouraria nacional do Partido vem sendo controlada por uma única tendência.

É preciso recuperar a noção de militância e assumir o caráter estratégico da nossa presença nos territórios.

O PT já foi mais organizado. Hoje assistimos a submissão de inúmeros diretórios partidários aos interesses eleitorais deste ou daquele parlamentar ou governante. Isso deve acabar, senão o PT algum dia poderá se converter em uma espécie de MDB de esquerda. 

Nossa direção, em todos os níveis, precisa ser ocupada por militantes dispostos a reafirmar o PT como partido militante e democrático. 

O PT deve voltar a ter direção coletiva. 

Em todo o país, há dirigentes que se comportam como donos do Partido. Às vezes é um membro do Diretório, as vezes é um parlamentar, as vezes é um governante. 

Há casos bizarros, em que decisões transcendentais são tomadas fora das instâncias e o argumento utilizado é “fulano mandou”. 

Assim como há vários relatos de assédio contra filiados que ocupam cargos de livre provimento e/ou que recebem algum tipo de gratificação. O assédio visa que estes filiados apoiem esta ou aquela chapa/candidatura. Não se pode naturalizar este tipo de chantagem, seja nos municípios, seja nos estados governados pelo Partido, como é o caso da Bahia.

Ninguém é dono do PT. Ninguém é maior do que o PT. Ninguém pode tomar decisões individuais que atropelam a democracia e os estatutos partidários. 

Nossa direção, em todos os níveis, precisa ser ocupada por militantes comprometidos com o método da direção coletiva. 

O PT deve reforçar sua dimensão internacionalista e antimperialista, apoiando a Frente Polisário e a independência do Sahara Ocidental contra a monarquia marroquina, ampliando a solidariedade ao povo palestino e intensificando a denúncia do genocídio cometido pelo Estado de Israel, defendendo o cessar-fogo em Gaza, reafirmando a “Palestina livre do rio ao mar”. O PT precisa organizar a mobilização de sua militância nos atos em defesa da Palestina. Manifestamos nossa solidariedade aos militantes anti-imperialistas e anti-sionistas que estão sendo perseguidos em diversos países, a exemplo de Mahmoud Khalil, ativista da causa Palestina nos Estados Unidos, que foi ilegalmente detido em março de 2025 e ameaçado com deportação pelo governo Trump.

Prosseguindo na luta pela integração regional latino-americana e caribenha, pelo fim do bloqueio contra Cuba, pelo reconhecimento do governo venezuelano por parte do Brasil, pelo fortalecimento do Foro de São Paulo. 

Defendendo a retomada da política externa altiva e ativa, com ênfase no chamado Sul Global, na África, nos BRICS e nas relações com a República Popular da China, na defesa de uma ordem mundial de paz e desenvolvimento. 

Transformando a COP 30, que vai se reunir em Belém do Pará no ano de 2025, numa oportunidade para massificar o debate sobre a necessidade de políticas imediatas, estruturais e radicais de enfrentamento à catástrofe climática, catástrofe que tem relação direta com o capitalismo e, no caso do Brasil, relação direta com as políticas que beneficiam o agronegócio, as mineradoras, o extrativismo predatório, a especulação imobiliária e financeira. Devemos apoiar e participar das lutas das comunidades atingidas pela implementação da transição energética, frequentemente realizada sem respeito aos direitos das populações atingidas.

O PT deve voltar a pensar no longo prazo. 

Nosso objetivo é mudar o mundo, mudar a América Latina, mudar a sociedade brasileira, construir o socialismo, uma sociedade sem explorados nem exploradores, sem opressão nem dominação. 

Tudo o que fazemos, cada tarefa específica e particular, precisa ter em perspectiva estes objetivos de longo prazo. Isso vale, inclusive, para a disputa de eleições e para a condução de mandatos legislativos e executivos. 

As eleições não são um fim em si. Aliás, quanto mais transformamos as eleições num objetivo superior a todos os outros, mais teremos dificuldades para vencer eleições. 

Pensar no longo prazo é, também, saber que é preciso ganhar as eleições presidenciais de 2026 e de 2030, mas ganhar de forma tal que seja possível um governo mais transformador e mais veloz nas transformações. 

A questão central é compreender que a correlação de forças não existe para ser temida, nem tampouco para nos paralisar. A correlação de forças deve ser constatada, mas com o objetivo de ser transformada a nosso favor. 

Nossa direção, em todos os níveis, precisa ser ocupada por militantes dispostos a pensar nos objetivos de longo prazo do Partido. 

O PT deve dirigir os governos e mandatos parlamentares que conquistamos. 

Sem o PT, não haveria mandatos parlamentares, não haveria prefeituras, não haveria governos estaduais nem governo federal dirigidos por petistas. 

Entretanto, na maioria dos casos, o PT não tem influência nos mandatos executivos e legislativos que conquista. 

O Partido é chamado a apoiar, mas nem sempre é chamado a participar e quase nunca é chamado a dirigir. 

Precisamos mudar radicalmente esta postura subalterna e submissa, que tem causado enormes danos ao Partido, inclusive do ponto de vista eleitoral. 

No caso do governo federal, por exemplo, é fundamental que o Partido tenha uma postura altiva e ativa, no sentido de apoiar e defender, mas também de criticar e pressionar o governo. 

A guerra comercial desencadeada pelo governo Trump, sua perseguição aos migrantes indocumentados e seu apoio à extrema-direita mundo afora - dos neonazistas alemãs aos segregacionistas sulafricanos, dos sionistas de Israel aos cavernícolas brasileiros - constitui o pano de fundo da ofensiva da oposição contra o governo Lula e contra o PT. 

Esta ofensiva inclui diversas ações, entre as quais citamos: campanha permanente do capital financeiro em favor de juros altos e cortes de gastos, inflação dos preços, divulgação de fake news, adiamento da aprovação e sequestro do orçamento público em favor do Centrão, implantação inconstitucional de um parlamentarismo de fato, decisões de juízes bolsonaristas em favor de terroristas de extrema-direita, pressão pela concessão de Anistia aos golpistas e ao ex-presidente cavernícola e genocida, além de lobby pela nomeação de ministros de direita para compor o governo Lula. 

Até agora, a ofensiva da oposição teve êxito, como ficou demonstrado por diversas pesquisas publicadas nos meses de janeiro e fevereiro. 

Em certo sentido, é uma situação que recorda aspectos do que já vivemos em 2005 e 2015. Se não houver uma rápida reação, a situação pode piorar. 

Existem, no PT e no governo Lula, diagnósticos diferentes e às vezes antagônicos acerca do que está ocorrendo. Logo, também há muitas divergências sobre o que fazer. 

Devemos reconhecer, sem tergiversação de nenhum tipo, que a situação é muito grave e que exige medidas imediatas. 

O presidente Lula deve instituir um “conselho de alto nível” para contribuir na condução política do governo. 

É preciso alterar o atual curso da política econômica, garantindo que tenhamos mais e não menos crescimento em 2025-2026, mais e não menos investimentos, mais e não menos políticas sociais, mais e não menos industrialização. 

Para isso é preciso começar libertando o Ministério da Fazenda da lógica do "ajuste fiscal permanente", assim como é preciso exigir que a nova direção do Banco Central atue a favor do desenvolvimento do Brasil e não seja cúmplice do setor financeiro. 

O único “ajuste fiscal” aceitável é aquele feito com base na redução dos subsídios ao grande empresariado e do serviço da dívida pública. 

Nosso governo deve ampliar os direitos sociais, como é o caso das políticas de salário-mínimo, os benefícios de prestação continuada, o reajuste de aposentadorias e pensões, os pisos constitucionais de saúde e educação. 

Precisamos de um Estado forte no atendimento às necessidades populares: mais e melhores universidades; mais e melhores hospitais; mais e melhores institutos de pesquisas, mais e melhores serviços públicos. Motivos pelos quais consideramos inaceitável que nosso governo queira promover a “reforma administrativa” defendida abertamente pela grande mídia e pelo Mercado financeiro . 

Também no espírito de proteger e ampliar os direitos do povo, é preciso elaborar e implementar imediatamente um conjunto de medidas visando controlar a inflação dos preços social e politicamente sensíveis, como combustível, gás de cozinha e alimentos. 

Entre as medidas necessárias, destacamos a ampliação imediata dos recursos para a agricultura familiar, para os estoques reguladores, para as redes populares e cooperativas de distribuição de alimentos, bem como para a reforma agrária. 

É preciso unificar o governo no enfrentamento da guerra deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, abandonando a postura de minimização, apaziguamento e conciliação publicizadas por diversos ministros e setores empresariais. 

A cúpula dos BRICS e a COP 30 devem ser vistas como batalhas contra a ofensiva imperialista de Trump. 

Da mesma forma deve ser vista a regulação das “redes sociais” alinhadas com interesses estrangeiros: uma batalha em defesa de nossa soberania nacional e das nossas liberdades democráticas. 

O alinhamento explícito das big techs com a extrema-direita demonstra que não se pode depender das redes sociais atualmente hegemônicas como ponte para a comunicação do partido com a classe trabalhadora. É preciso fortalecer os espaços próprios de comunicação e organização da classe trabalhadora, bem como redes sob controle nacional e público.

É preciso declarar guerra ao “parlamentarismo de fato”, que não pode continuar sendo naturalizado nem tratado como um mal supostamente necessário e inevitável. 

Neste mesmo espírito, a reforma ministerial deve apontar sempre para a esquerda, nunca para a direita. 

É preciso derrotar os que defendem a Anistia para os golpistas. Devemos fortalecer a denúncia do golpe, pressionando pela prisão de Bolsonaro e dos generais golpistas. 

Para impedir a impunidade dos crimes do presente, é também preciso impedir a impunidade dos crimes cometidos no passado. O Supremo Tribunal Federal deve revisar a interpretação da lei de anistia, para permitir o julgamento e condenação de militares que assassinaram, sequestraram, ocultaram cadáveres, cometeram violência sexual, dentre outros crimes contra a humanidade. 

Na mesma linha de impedir a impunidade, o atual ministro da Defesa deve ser demitido e no seu lugar deve ser nomeado alguém real e totalmente comprometido com a democracia, com a submissão dos militares à Constituição, com a punição de todos os golpistas, com a reforma de alto a baixo das forças armadas e do aparato de Defesa, Inteligência e Segurança Pública.

Para isto, é preciso lutar pela convocação de Conferências Nacionais Temáticas do Sistema de Defesa e pela convocação de uma Conferência Nacional de Segurança Pública. É preciso, ainda, acompanhar o debate no Supremo Tribunal Federal sobre as Guardas Municipais, trabalhando para impedir a ampliação da violência do Estado contra os setores populares. Reiteramos não ser aceitável que a Bahia, um estado governado pelo PT há várias gestões, seja o estado campeão da violência policial militar.

É preciso que a Marcha do final de abril e os atos de Primeiro de Maio de 2025 reúnam centenas de milhares em manifestações cuja convocação deve contar com o apoio oficial do presidente Lula, a exemplo do que fez recentemente a presidenta mexicana, convocando uma grande manifestação no Zocalo. 

Propomos, além disso, a criação imediata de uma mesa permanente de diálogo com todo o campo democrático e popular, as Frentes, os sindicatos, os movimentos, os partidos, as personalidades comprometidas com as liberdades democráticas, a igualdade e a soberania. 

É preciso derrotar a extrema-direita e os neoliberais, derrotar nos planos ideológico, político e cultural. 

Isso passa por medidas práticas no plano da publicidade do governo, passa por implementar o que a Constituição prevê acerca dos meios de comunicação (TV e rádio especialmente). 

Exige assumir com todo o vigor a defesa dos valores de esquerda, nas questões da integração regional, da soberania nacional, do bem-estar social, das liberdades democráticas, da industrialização, do desenvolvimento e do socialismo. 

Só pela esquerda se derrota a direita. Contra uma direita obscurantista, articulada nacional e internacionalmente, é preciso opor uma esquerda capaz de mobilizar as artes, a cultura, a alegria, a paixão e o tesão.

É preciso ampliar o horizonte de expectativas da classe trabalhadora. Amplos setores da classe trabalhadora devem voltar a acreditar que é possível derrotar o capitalismo e construir o socialismo. 

Não basta fazer "mais entregas", não basta "politizar mais as entregas", nem tampouco basta "comunicar mais e melhor". É preciso mudar o rumo, é preciso mudar a política. 

No governo Lula, 1, mudar a política econômica organizada pela meta de "ampliar o superávit primário" foi o que ajudou a nos salvar durante a crise de 2005 e, principalmente, nos permitiu construir um segundo mandato Lula melhor que o primeiro. 

Em sentido oposto, foi a insistência num rumo errado - especialmente no ajuste ortodoxo implementando por Joaquim Levy - que nos derrotou em 2015, abrindo caminho depois para o golpe e para o governo de extrema-direita. 

Hoje, não podemos repetir o erro de 2015. 

É preciso mudar já os rumos do governo e do Partido, adotando mais e melhores medidas que transformem o Brasil, com destaque para a ampliação do bem-estar social, para a reforma agrária, a industrialização, o desenvolvimento e a integração latinoamericana e caribenha. 

Em 2005, um dos motivos pelos quais reagimos positiva e exitosamente foi a renovação na direção do Partido, graças a eleição direta das direções partidárias, ocorrida exatamente naquele ano. 

Hoje, vinte anos depois, é o que devemos buscar fazer no PED: um processo de grande debate político e intensa mobilização, que mude os rumos do Partido, ajude a mudar os rumos do governo, contribuindo para mudar os rumos do Brasil. 

Lutamos por um Brasil soberano e integrado à região. 

Um Brasil igualitário, com alto nível de bem-estar social. 

Um Brasil democrático, com liberdades reais, livres da pressão do dinheiro e da riqueza controlados por uma minoria. 

Um Brasil desenvolvido, com soberania alimentar, energética e produtiva, com alto nível de educação, ciência e tecnologia, tudo isso nos marcos da inescapável transição ecológica. 

Um Brasil com estas características é um país onde o poder está nas mãos da maioria do povo. 

Um país assim é um Brasil socialista. 

Essas são as posições que defendemos há bastante tempo e que nossa chapa e candidatura presidencial nacional apresentarão durante o processo de eleição diretas das direções partidárias. 

Em tempos de crise, neofascismo e guerras, a esperança segue vermelha, anti-capitalista e socialista. 

Viva o Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadores! 

Viva a luta da classe trabalhadora! 

Viva o socialismo!

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Moção de repúdio à violência policial na Calourada de Santa Maria (RS)

A militância petista reunida no 9° Congresso da tendência Articulação de Esquerda, em São Paulo, vem a público expressar seu profundo repúdio a mais uma atuação truculenta e desproporcional da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, ao passo que nos solidarizamos com as e os estudantes agredidos na ocasião, em especial ao companheiro Luiz Boneti e à companheira Camille Teles, militantes da JPT, que ao questionarem a abordagem violenta, foram tratados de forma violenta. 

O episódio ocorreu na noite de 12 de março, durante a festa da Calourada, ocorrida na Gare da Estação Férrea, em Santa Maria. Após um princípio de confusão, policiais militares intervieram utilizando spray de pimenta, que atingiu as pessoas no entorno, mesmo que estas não tivessem qualquer envolvimento na confusão. Isso levou mais de 40 pessoas à UPA para atendimento.

Diante disso, os dois militantes da JPT que também foram atingidos pelo spray – um jovem negro e uma mulher branca – dirigiram-se aos policiais questionando o porquê de tamanha violência na abordagem. Em resposta, ambos foram atingidos com spray disparado diretamente sobre seus rostos, sendo que a companheira Camille foi levada à força por policiais homens até a viatura, enquanto que o companheiro Luiz foi agredido com chutes, socos e golpes de cassetete, que deixaram hematomas visíveis. 

Ele teve sua camiseta rasgada, e depois das agressões foi algemado e jogado ao chão, num ato que combinou o uso de violência e de humilhação pública, tratamento que infelizmente é recorrente contra a juventude negra no Brasil, principalmente por parte das polícias militares. 

Depois disso, ambos foram levados até o CIOSP, onde ficaram por mais de 2 horas e foram tratados com desdém e humilhação por parte tanto dos policiais quanto do delegado de plantão, contrariando qualquer conduta ética exigida de servidores públicos. 

Luiz Boneti, que também é coordenador do Movimento Negro Unificado (MNU), foi ameaçado com voz de prisão por simplesmente perguntar qual era o nome do delegado, intento que só não se concretizou devido à intervenção de uma vereadora do PT, que o confrontou lembrando-lhe que era servidor público. 

Violência, autoritarismo e covardia são as palavras que melhor definem os acontecimentos deste 12 de março. Quando se trata da juventude negra, o roteiro é repetido de forma cruel e sistemática. Jovens negros são tratados pelos órgãos repressivos como cidadãos de segunda classe, alvos de violência desmedida, privados de direitos básicos e submetidos a um tratamento que ignora a lei e a dignidade humana. Essa realidade expõe uma estrutura de opressão que precisa ser urgentemente combatida e transformada.

Não negamos a importância de garantir a segurança em espaços públicos e eventos desse tipo. No entanto, apontamos que não será com violência policial que a segurança será alcançada, muito pelo contrário. Não à toa, estudos apontam que a Polícia Militar do Brasil está entre uma das que mais mata, mas também entre as que mais morrem. Por isso os movimentos negros e de juventude vêm há décadas apontando para a necessidade urgente de uma reformulação e desmilitarização das polícias no país. 

A militância da tendência Articulação de Esquerda reitera sua solidariedade às e aos estudantes violentados. Reforçamos que a juventude, especialmente jovens negros que com tanta luta ocupam a Universidade Federal de Santa Maria e estão se formando para melhorar nossas vidas e do nosso povo, não podem e nem devem ser intimidados. Essa juventude, com nosso apoio ativo, continuará lutando pelo direito da juventude negra ao lazer, ao estudo e à vida, e conclamamos todas e todos a somarem suas vozes em denúncia e apoio a essa causa!

São Paulo, 15 de março de 2025.

As delegações presentes ao 9º Congresso nacional da tendência petista Articulação de Esquerda

Texto ainda em processo de revisão

quinta-feira, 13 de março de 2025

A vaquinha, o PED e o TSE

 O PT é um partido legal.

Portanto, submetido a uma séries de regras e restrições.

Entre elas, a de prestar contas regulares ao TSE.
Tal prestação é pública.

Exemplo disso está no link abaixo:


Através do link acima se acessa uma informação muito interessante: a lista de pessoas que pagou ao Partido até o dia 27/6/2024.

Quem não está nessa lista, é porque não pagou o que devia até 27/6/2024.

A próxima lista será divulgada até 27/6/2025. 

Suspeito que parte dos devedores da lista disponível no link acima seguirão devedores na próxima lista.

Acontece que detentor de cargo eletivo que não estiver quite com o Partido, não poderá ser candidato na eleição das direções partidárias em 2025.

Portanto, imagino que alguém, em algum lugar, já deve estar organizando uma vaquinha para pagar o que deve. 

Quem? Pesquisem e descobrirão.

quarta-feira, 12 de março de 2025

A carta de Rui Falcão

Recomendo fortemente a leitura da Carta aberta do companheiro Rui Falcão à militância petista, divulgada hoje na página do Partido dos Trabalhadores.

A Carta pode ser lida ao final deste comentário ou diretamente no endereço:

https://pt.org.br/carta-aberta-a-militancia-petista-por-rui-falcao/

A Carta de Rui Falcão é um alento nesses tempos de "guerra civil" na tendência "Construindo um novo Brasil".

É um alento especialmente porque apresenta uma análise política que, concordemos ou não, possui começo, meio e fim. Mostrando, portanto, que o processo de renovação das direções partidárias não precisa se limitar "a conquista de cargos e espaços de poder".

Rui Falcão destaca que nosso partido "precisa voltar a representar um projeto civilizatório que se contraponha à ordem estabelecida pelos bilionários. Não pode haver dúvidas que somente a esquerda e seu maior partido, o PT, expressam uma alternativa estruturalmente antissistema, que proponha a transformação radical da economia, da sociedade e do Estado. O mundo vive hoje uma crise global, econômica, social, política, cultural e ambiental, todas elas entrelaçadas de forma indissociável com o capitalismo, a opressão racial e com os antagonismos e conflitos bélicos associados a eles".

A Carta não usa o termo "socialismo", mas o sentido apontado é evidentemente esse.

Rui Falcão defende "apoiar o governo na resistência às pressões do capital financeiro, que se movimenta para abocanhar o orçamento público, em nome da austeridade, tentando impedir a aplicação das políticas de justiça social e desenvolvimento. Querem que nosso governo abdique das políticas de união, reconstrução e transformação, e passe a adotar o programa dos representantes do grande capital".

A Carta não explicita que um de nossos grandes obstáculos na luta contra o capital é o "arcabouço fiscal", mas vale lembrar que recentemente Rui votou contra as medidas de ajuste propostas pela Fazenda.

Rui Falcão defende "deixar claro, na comunicação e na prática, que a missão do governo é caminhar em direção a "plena emancipação", "democratizando renda, riqueza e poder". Salvo engano, a Carta não explicita o papel que têm, para dar conta destes objetivos, a reforma agrária, a industrialização e o combate ao agronegócio.

"No tempo que nos falta até as urnas", a carta defende "marchar com as duas propostas definidas como prioritárias por nossa bancada na Câmara dos Deputados para 2025: aprovar a isenção de imposto sobre renda para quem ganha até cinco mil reais mensais, com maior tributação para valores acima de 50 mil; e votar a PEC que elimina a escala 6 x1 e reduz a jornada de trabalho para 36 horas semanais. Mas também precisamos avançar em outros temas fundamentais, como a segurança pública, a democratização do Estado e o fim da tutela militar com a alteração do Art. 142 da Constituição Federal. Praticamente abandonamos a discussão da reforma política, essencial para criar um ambiente de apoio a propostas fundamentais como a adoção do voto em lista partidária e a implementação de plebiscitos convocados pelo Poder Executivo e por iniciativa popular".

Infelizmente, Rui não incluiu na Carta uma referência a necessidade de demitir imediatamente o ministro da Defesa, que todos sabemos ser defensor da Anistia para os golpistas. Mas certamente Rui segue pensando que José Múcio não deveria ter sido nomeado. Assim como certamente defende posições avançadas sobre a necessidade de lutar contra o oligopólio privado de comunicação; e também por uma Assembleia Constituinte, nos termos aprovados por pelo menos dois congressos partidários.

A Carta rechaça "os apelos à despolarização, palavra da moda que significa levar-nos a uma transição efetiva para o centro, com um forte rebaixamento ideológico, programático e organizacional", lembrando ademais que "a correlação de forças não pode ser vista como um elemento geológico, como os mares e as montanhas, cuja mutação independe da ação humana, da luta política, e se processa no tempo infinito". 

Rui Falcão fala ainda que "a construção de coalizões para vencer as eleições e governar não pode ser vista como contraditória com a disputa pública de hegemonia pelos partidos do campo popular. O partido não pode ser reduzido a um braço institucional do governo de frente ampla". E diz que "somente será possível implementar nosso programa" se "o nosso campo e o próprio governo forem capazes de criar um clima de mobilização social, que pressione as instituições de fora para dentro, como ocorreu durante a Constituinte de 1988".

Obviamente, dar conta dessas tarefas depende em grande medida do que faça nosso Partido, que no último período não teve propriamente êxito neste mister. Um dos motivos pelos quais não é possível concordar com Rui quando ele afirma que o legado de Gleisi Hoffmann "é inquestionável, mesmo para quem dela discorde".

(Cá entre nós, ultimamente anda muito difícil achar algo ou alguém "inquestionável".)

A verdade é que desde 2017 até hoje vimos o aprofundamento do que a Carta aponta como um sério problema, a saber: "a dinâmica da democracia liberal empurra os partidos de massa para se converterem em partidos eleitorais e, em seguida, meras legendas controladas por governos e mandatos parlamentares".

Neste sentido, chama atenção o fato da Carta defender que "o direito à organização de tendências não pode mais ser visto como oportunidade para organizar partidos dentro do partido, esvaziando as instâncias e fechando as portas para a participação do militante comum"; ao mesmo tempo que não desenvolve raciocínio análogo sobre quais medidas organizativas deveriam ser adotadas para enfrentar o crescente controle dos mandatos por sobre as instâncias partidárias.

Como parlamentar e dirigente experiente, Rui certamente deve ter várias ideias a respeito de como reverter o crescente controle de "governos e mandatos parlamentares" sobre nosso Partido.  

Aliás, concordando inteiramente com Rui quando ele afirma que "o estatuto do PT merece ser rigorosamente respeitado e somente pode ser alterado por decisão congressual", lembramos que uma das mais recente alterações estatutárias -ilegítimas e ilegais - foi aquela que abriu as portas para os mandatos vitalícios, tanto de parlamentares quanto de dirigentes. Medida apresentada pela companheira Gleisi Hoffmann.

Por fim, é sem dúvida fundamental que os fundos partidários sejam "repartidos e implementados de modo mais transparente, evitando privilégios e garantindo sua plena gestão pelo coletivo da direção". Mas é importante lembrar que "gestão coletiva" só vai acontecer quando a tesouraria deixar de ser controlada pelo "partido dentro do partido". Controle que vem desde 1995, portanto trinta anos.

Haveria outras coisas a comentar sobre o que Carta diz ou não diz acerca de certos temas estratégicos - como por exemplo nossa política externa, o combate ao racismo, a defesa dos direitos das mulheres, a questão ambiental e da juventude - mas o que mais importa é que a Carta coloca o debate noutro patamar, adequado para quem deseja mudar o rumo e a direção de nosso Partido.

É o caso, por exemplo, da tendência petista Articulação de Esquerda, que neste final-de-semana de 15 e 16 de março lançará uma chapa para concorrer ao Diretório Nacional, assim como lançará uma candidatura da própria AE à presidência nacional do PT.


Segue a Carta citada

Queridas companheiras, queridos companheiros

Nosso partido recentemente completou 45 anos de vida e luta. Temos todas as razões para sentirmos orgulho dessa trajetória de quase meio século. Nossa história é a síntese das grandes jornadas populares do nosso tempo, de suas conquistas e derrotas, de seus acertos e erros.

O Partido dos Trabalhadores é o principal instrumento que dá voz aos assalariados da cidade e do campo, organizando-os para dirigir a nação. Como está escrito em nosso Manifesto de Fundação: “o país só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras”.

Desde 2023, voltamos a governar o Brasil. Como sempre afirmamos, liderar o Poder Executivo é passo fundamental para que nosso partido possa se enraizar na vida do povo e conquistar sua confiança. A vitória contra o bolsonarismo em 2022, portanto, foi um capítulo crucial, depois de seis anos marcados por golpismo, repressão e retrocesso.

Passados mais de dois anos da posse do presidente Lula, nossa maior liderança, conseguimos avançar em muitas frentes, reconstruindo um país que tinha sido destruído pelas políticas neoliberais das administrações anteriores, desde que a presidenta Dilma Rousseff foi derrubada por um golpe parlamentar. Os indicadores econômicos e sociais são uma clara demonstração de nossos êxitos, apesar das dificuldades.

Mas estaríamos cegos à realidade se desconsiderássemos ou subestimássemos os obstáculos que temos pela frente. A recuperação do país ainda não foi suficiente para isolar e derrotar a extrema direita. Tampouco nos permitiu uma ofensiva sustentável contra ideias e valores liberais, avançando na construção da hegemonia de esquerda. Estamos longe de uma correlação favorável de forças tanto nas instituições, a exemplo do parlamento, quanto na sociedade, mas a correlação não pode ser vista como um elemento geológico, como os mares e as montanhas, cuja mutação independe da ação humana, da luta política, e se processa no tempo infinito.

Queridas companheiras, queridos companheiros

Aproxima-se uma batalha decisiva, a das eleições de 2026.

Daqui a alguns meses nosso partido elegerá novas direções, e esse é um processo essencial para nos prepararmos para a campanha de reeleição do presidente Lula, ajustando nossa orientação política e nossa organização para um embate de tanta importância.

A companheira Gleisi Hoffmann, ao me suceder na presidência do PT, a partir de 2017, conduziu com coragem a resistência à extrema direita e a preparação de nosso partido para a sucessão presidencial de 2022. Após a vitória, sempre foi uma referência no enfrentamento ao reacionarismo e no fortalecimento da esquerda dentro do próprio governo.

Seu legado é inquestionável, mesmo para quem dela discorde. Temos um notável ponto de partida para o trabalho a ser feito, mas novos desafios batem à porta. O processo de renovação deve ser marcado pelo debate sobre como enfrentá-los. Não podemos nos aprofundar numa disputa que vise apenas a conquista de cargos e espaços de poder.

Às voltas com a mais persistente crise do capitalismo e da democracia liberal desde a Segunda Guerra Mundial, nosso partido precisa voltar a representar um projeto civilizatório que se contraponha à ordem estabelecida pelos bilionários. Não pode haver dúvidas que somente a esquerda e seu maior partido, o PT, expressam uma alternativa estruturalmente antissistema, que proponha a transformação radical da economia, da sociedade e do Estado.

O mundo vive hoje uma crise global, econômica, social, política, cultural e ambiental, todas elas entrelaçadas de forma indissociável com o capitalismo, a opressão racial e com os antagonismos e conflitos bélicos associados a eles.

Retomo nosso texto fundacional: “o PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores”. Precisamos desse sentido de destino para aprofundarmos nossa unidade, recuperarmos nossa organização e ampliarmos a formação de nossos militantes. Para provocarmos entusiasmo e mobilização, especialmente na juventude, é necessário defender um futuro que signifique a plena emancipação de nossa gente diante de todas as formas de exploração e opressão.   

Devemos deixar claro, na comunicação e na prática, que a missão do governo é caminhar em direção a esse destino, democratizando renda, riqueza e poder. “Colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda” foi a maneira que o presidente Lula encontrou para sintetizar o nosso programa. Não podemos duvidar que somente a consolidação e o aprofundamento de medidas com esses objetivos poderão reforçar os laços de identidade do governo e do PT com as classes trabalhadoras e o povo.

No tempo que nos falta até as urnas, precisamos marchar com as duas propostas definidas como prioritárias por nossa bancada na Câmara dos Deputados para 2025: aprovar a isenção de imposto sobre renda para quem ganha até cinco mil reais mensais, com maior tributação para valores acima de 50 mil; e votar a PEC que elimina a escala 6 x1 e reduz a jornada de trabalho para 36 horas semanais.

Mas também precisamos avançar em outros temas fundamentais, como a segurança pública, a democratização do Estado e o fim da tutela militar com a alteração do Art. 142 da Constituição Federal. Praticamente abandonamos a discussão da reforma política, essencial para criar um ambiente de apoio a propostas fundamentais como a adoção do voto em lista partidária e a implementação de plebiscitos convocados pelo Poder Executivo e por iniciativa popular.

Nosso papel é apoiar o governo na resistência às pressões do capital financeiro, que se movimenta para abocanhar o orçamento público, em nome da austeridade, tentando impedir a aplicação das políticas de justiça social e desenvolvimento. Querem que nosso governo abdique das políticas de união, reconstrução e transformação, e passe a adotar o programa dos representantes do grande capital. Os setores rentistas do empresariado recorrem a todas as armas para proteger seus interesses e impedir a tributação dos mais ricos, preservando a todo custo a herança neoliberal de Temer e Bolsonaro.

Não temos maioria no parlamento. Precisamos de alianças. Somente será possível implementar nosso programa, contudo, se o nosso campo e o próprio governo forem capazes de criar um clima de mobilização social, que pressione as instituições de fora para dentro, como ocorreu durante a Constituinte de 1988. Mesmo com uma pequena bancada progressista, direitos sociais avançados foram conquistados porque tínhamos um pé na institucionalidade e outro na rua.

Nosso partido deve rechaçar os apelos à despolarização, palavra da moda que significa levar-nos a uma transição efetiva para o centro, com um forte rebaixamento ideológico, programático e organizacional. A construção de coalizões para vencer as eleições e governar não pode ser vista como contraditória com a disputa pública de hegemonia pelos partidos do campo popular. O partido não pode ser reduzido a um braço institucional do governo de frente ampla.

O combate à extrema-direita somente poderá ser bem-sucedido se formos capazes de lhe fazer uma contraposição frontal, aguerrida e popular. A história nos ensina que fórmulas gelatinosas facilitam a ascensão do fascismo.

Para cumprir suas tarefas históricas, o PT precisa se reconverter em um partido de massas, mesclando a concorrência eleitoral com a incorporação de amplas frações do povo à luta política. Sabemos o caminho das pedras. Muito se fala, com razão, em ampliar nossa atuação nas redes sociais. Mas isso não é suficiente: os meios digitais devem estar a serviço, entre outros objetivos, à reimplantação territorial nos locais de moradia, trabalho e estudo.

Aprendamos com as igrejas evangélicas: o PT somente será hegemônico quando, ao lado de cada templo, em cada bairro, houver uma sede partidária aberta às mais distintas atividades políticas, culturais e recreativas. Não basta abrirmos comitês somente em época eleitoral, a cada dois anos. Temos que estar inseridos diretamente na vida do povo e de suas organizações.

Não é um processo fácil. A dinâmica da democracia liberal empurra os partidos de massa para se converterem em partidos eleitorais e, em seguida, meras legendas controladas por governos e mandatos parlamentares. Precisamos, mais uma vez, ter as forças necessárias para remar contra a maré.

Nosso partido também precisa se democratizar, para estar à altura de sua missão. O direito à organização de tendências não pode mais ser visto como oportunidade para organizar partidos dentro do partido, esvaziando as instâncias e fechando as portas para a participação do militante comum. Os fundos partidários devem ser repartidos e implementados de modo mais transparente, evitando privilégios e garantindo sua plena gestão pelo coletivo da direção. Além do que, é preciso retomar as políticas de auto-sustentação pelos filiados para não ficar na dependência exclusiva de recursos públicos ou estatais.

O estatuto do PT merece ser rigorosamente respeitado e somente pode ser alterado por decisão congressual. Novos mecanismos de deliberação da base precisam ser desenvolvidos, como a realização de plebiscitos para as grandes decisões políticas. Antes do surgimento da internet, com voto em papel, foram consultas impositivas à militância que decidiram pelo boicote ao colégio eleitoral (1985) e pela defesa do presidencialismo (1993), orientando o PT em episódios primordiais. Com as novas tecnologias, esse tipo de participação poderia ser frequente, massivo e seguro.

Queridas companheiras, queridos companheiros

O processo eleitoral interno que está sendo inaugurado nestes dias é uma chance para elevarmos o PT a um novo patamar, em um cenário interno e externo de conturbações extremas.

Desse desafio depende, em grande medida, a reeleição do presidente Lula e a continuidade de nosso projeto histórico.

A valentia, a generosidade e a integração de toda a militância é essencial, em mais essa hora da verdade.

Viva o Partido dos Trabalhadores!

Rui Falcão, ex-presidente nacional do PT e deputado federal.

São Paulo, 12 de março de 2025.

O Estadão prefere Edinho




Edinho foi recebido na Embaixada dos Estados Unidos, foi sabatinado pelo BTG Pactual e foi convidado para uma reunião assistida, entre outros, pelo senhor Antonio Palocci.

Mas até agora nada foi mais revelador do que o editorial publicado no dia 12 de março de 2025 pelo jornal O Estado de S. Paulo.

O editorial pode ser lido ao final ou no link a seguir:


O editorial toma partido pela candidatura de Edinho.

Diz assim: “Quem suceder a Gleisi (…) dirá muito sobre a bússola que orientará o futuro imediato do partido do presidente Lula da Silva”.

OESP acusa Gleisi de contribuir “enormemente (…) para a continuidade da polarização. Ela foi uma defensora incansável de posições radicalmente opostas ao que se esperava para um governo de frente ampla. Com seus ataques à política econômica, muitos dos quais em golpes abaixo da cintura do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Gleisi fez do PT um caso único no mundo: o partido do presidente e líder da coalizão governista é aquele que primeiro e mais enfaticamente se opõe a iniciativas do próprio governo – uma oposição a si mesmo”.

Já Edinho é elogiado como “um político moderado e conciliador, além de próximo a Haddad e ao presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, ele tem protagonizado o que poderia ser impensável até pouco tempo atrás: um petista que admite problemas e fragilidades do seu partido e abertamente defende mudança de rumos na legenda (…) Edinho Silva ainda padece do pecado da santificação de Lula, mas ao menos vem apontando o óbvio: o País (e, claro, o seu partido) precisa sair da armadilha da polarização e da radicalização. Não é exagero, portanto, enxergá-lo como a grande chance de um imprescindível aggiornamento do PT e, por consequência, da esquerda tradicional brasileira.”

O presidente talvez não concorde, seu preferido talvez não perceba, mas a burguesia dona do Estadão não tem dúvida: considera Edinho como um instrumento contra “o populismo arcaico do demiurgo petista”. Ou seja: um instrumento contra Lula e contra o PT.

Não sabemos como terminará a disputa entre os diferentes setores da tendência “Construindo um Novo Brasil” (CNB). Portanto, não sabemos se Edinho será candidato. E, se for, não sabemos o que farão os derrotados.

O que sabemos é que a maioria do Partido - ou seja, quem não pertence, não apoia nem vota na “CNB” - precisa disputar e vencer a eleição da nova presidência do Partido, marcada para o dia 6 de julho de 2025.

Este é o caminho mais seguro e reto para derrotar o Estadão e sua classe, abrindo caminho para a transformação do Brasil em benefício da maioria do povo brasileiro.





Segue abaixo o editorial do jornal OESP:

Opinião do Estadão

A disputa envolvendo a presidência do PT importa não só aos petistas e à esquerda: a transição do partido de Lula indicará o rumo do governo e, por consequência, do País

O Brasil não passará incólume à profunda crise que abate o PT. A fissura da legenda, levada ao paroxismo no conflito aberto entre os morubixabas que integram a sua principal corrente, envolve a sucessão de Gleisi Hoffmann na presidência do partido, posto que ela ocupava desde 2017. Não está em jogo, porém, apenas a escolha de um nome para presidir o partido – se fosse só isso, não teria a menor importância. Quem suceder a Gleisi, contudo, também dirá muito sobre a bússola que orientará o futuro imediato do partido do presidente Lula da Silva. É nessa condição que é preciso reconhecer: o que acontece hoje no PT interessa muito ao restante do País, porque os rumos do partido decerto afetarão os rumos do governo Lula.

Nesses oito anos, coube a Gleisi não só liderar o partido durante o calvário enfrentado por petistas ante a Lava Jato, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão do presidente Lula da Silva. Ela também esteve no epicentro de alguns dos principais conflitos envolvendo o PT, contribuindo enormemente não para a pacificação e a reconstrução de um país fraturado, e sim para a continuidade da polarização. Ela foi uma defensora incansável de posições radicalmente opostas ao que se esperava para um governo de frente ampla. Com seus ataques à política econômica, muitos dos quais em golpes abaixo da cintura do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Gleisi fez do PT um caso único no mundo: o partido do presidente e líder da coalizão governista é aquele que primeiro e mais enfaticamente se opõe a iniciativas do próprio governo – uma oposição a si mesmo.

Agora ministra, Gleisi se opõe duramente a outro petista, até aqui tido como favorito para lhe suceder: Edinho Silva, ex-ministro e ex-prefeito de Araraquara. Conhecido como um político moderado e conciliador, além de próximo a Haddad e ao presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, ele tem protagonizado o que poderia ser impensável até pouco tempo atrás: um petista que admite problemas e fragilidades do seu partido e abertamente defende mudança de rumos na legenda.

Como se sabe, petistas costumam viver numa espécie de metaverso, uma realidade própria na qual convivem a convicção das próprias virtudes, a transferência para terceiros de culpas e fracassos que deveriam ser creditados a si mesmos e a mitificação exacerbada dos poderes supostamente sobrenaturais de seu maior líder. Edinho Silva ainda padece do pecado da santificação de Lula, mas ao menos vem apontando o óbvio: o País (e, claro, o seu partido) precisa sair da armadilha da polarização e da radicalização. Não é exagero, portanto, enxergá-lo como a grande chance de um imprescindível aggiornamento do PT e, por consequência, da esquerda tradicional brasileira.

Mas o ex-prefeito vem sendo sabotado – e sob as barbas de Lula, que até aqui demonstrou apoio a Edinho Silva. Conflitos internos são comuns a partidos, e especialmente ao PT, onde há 45 anos convivem infinitas correntes que se digladiam na disputa pelo poder. Mas desta vez o conflito ganhou contornos de guerrilha. A combustão petista atingiu o auge no vazamento de uma reunião na casa de Gleisi, na qual Lula foi chamado a ouvir sobre a resistência de dirigentes ao nome de Edinho Silva. O grupo de Gleisi apresentou nomes alternativos: o deputado José Guimarães (CE), o ex-ministro José Dirceu (SP), o senador Humberto Costa (PE) e Paulo Okamotto, diretor do Instituto Lula.

Não é preciso pensar muito para reconhecer que tais nomes estão aquém dos desafios do partido, além de simbolizarem tudo o que a maioria dos brasileiros não deseja hoje: um PT (e o governo Lula, por consequência) mais radical e mais à esquerda. Mas o problema, ao que consta, não se resume à divergência de ideias e destino do partido. A tesouraria petista, hoje nas mãos de uma aliada de Gleisi, é um dos pomos da discórdia. Nem Gleisi nem Edinho abrem mão do controle do cargo, responsável pela gestão dos milionários recursos do fundo eleitoral – no ano passado, o PT recebeu quase R$ 620 milhões.

Nessa disputa por poder e dinheiro, não se sabe se o PT finalmente se atualizará e fará o governo Lula mudar de rumo, ou se permanecerá atrelado ao populismo arcaico do demiurgo petista, que se julga intérprete de um povo que não existe mais.

terça-feira, 11 de março de 2025

O busílis da CNB



Quem acompanha a “luta interna” no Partido dos Trabalhadores sabe que ela nunca foi propriamente interna.

Aliás, sendo o PT um partido legal e de massas, isso não deveria surpreender ninguém.

Apesar disso, uma das coisas mais comuns dentro do PT era ouvir integrantes da “Construindo um Novo Brasil” (CNB) criticando as outras tendências por fazerem “luta pública” e “levarem para a imprensa as divergências internas do Partido”.

Ao menos em parte, sempre foi uma crítica hipócrita.

Primeiro, porque até as pedras sabem quem são os especialistas em vazamento. 

Segundo e principalmente porque, na condição de tendência relativamente majoritária, é muito comum a CNB decidir as coisas fora das instâncias partidárias. Mais comum ainda é evitar até mesmo reunir as instâncias, funcionando na base da “maioria presumida”. 

O que deixa parte das demais tendências na dúvida: reclamar publicamente ou silenciar obsequiosamente?

De um tempo para cá, entretanto, a CNB rasgou a fantasia e tornou-se assumidamente a maior fonte de fofocas & vazamentos. Exemplo disso é a matéria reproduzida abaixo.


(Abaixo transcrevo a íntegra do texto fotografado acima.)

A grande dúvida é: qual o fundo político da divergência? Evidentemente, nós que não somos da CNB temos uma opinião a respeito. Mas até agora não veio a público nenhum texto da própria CNB ou de alguma de suas alas explicando qual o busílis.

Isso sim seria um vazamento de utilidade pública! Pois luta interna é algo desgastante, mas luta interna que parece ser fenícia é absolutamente deprimente.

Segue abaixo o texto “foto-printado” acima:

Em meio a crise interna sobre sucessão na presidência do PT, Gleisi e Edinho fazem reunião para esfriar ânimos - O Globo

Em meio à escalada da tensão envolvendo a eleição para a presidência do PT, Gleisi Hoffmann marcou uma reunião com Edinho Silva, favorito do presidente Lula para sucedê-la no comando partidário. A conversa deve ocorrer hoje. A sugestão do encontro partiu da própria Gleisi após Edinho afirmar que estava “indignado” com o vazamento de uma reunião entre Lula e integrantes da corrente majoritária do partido, a CNB.

Para o ex-prefeito, Lula foi “usado” ao ser convidado para uma reunião na casa da ministra, na última quinta, com o objetivo de desestimular sua candidatura. No encontro, petistas adversários da candidatura de Edinho elencaram razões pelas quais ele não seria eleito em julho. E disseram ao presidente que estão trabalhando para viabilizar outra candidatura. Lula, que apoia Edinho, apenas ouviu.

O ex-prefeito também foi criticado por ter comparecido recentemente a um almoço oferecido por Marta Suplicy em que o ex-ministro Antonio Palocci estava. A aliados, Edinho disse que a lista de convidados foi de responsabilidade de Marta.

Edinho expressou insatisfação em evento na cidade de Matão (SP), no domingo, quando disse que o presidente foi usado pelos responsáveis pela reunião: "Lula vai para uma reunião para que a gente possa construir unidade e ela é vazada para a imprensa como instrumento de luta interna. Nós não podemos aceitar. Eu estou muito indignado com o que aconteceu, da forma como aconteceu, mas isso não me desestimula. Ao contrário, isso me estimula a lutar para a construção do partido que nós temos que construir".

De acordo com o blog de Julia Duailibi no g1, foi uma foto postada nas redes por Washington Quaquá que fez com que a imprensa fosse atrás da informação. Quaquáintegra o grupo de Gleisi, que não quer Edinho no comando da sigla.

Edinho lembrou que gostaria de ser o candidato de Gleisi, a quem chamou de “maior presidente da história do PT”: "Pra mim, a Gleisi é a maior presidente da história do PT. E eu estive com a Gleisi as duas vezes que ela foi candidata a presidente".

Gleisi, por sua vez, e outros petistas que demonstram resistência ao nome de Edinho têm defendido sua substituição.

Lula sinalizou a integrantes da legenda que vai dobrar a aposta no apoio a Edinho e que a chance de mudar de ideia é nula.