segunda-feira, 22 de setembro de 2025

"Golpista bom é golpista preso!"

O texto abaixo foi referendado pela direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, como editorial da próxima edição do jornal Página 13. A foto abaixo foi divulgada no blog O Cafezinho.


EDITORIAL

“Golpista bom é golpista preso!”

As manifestações realizadas em todo o Brasil contra a “PEC da bandidagem” e contra a “anistia para golpistas” confirmaram que o povo brasileiro está disposto a ir às ruas lutar pelas liberdades democráticas. Demonstrando, portanto, que não precisamos ficar eternamente reféns da correlação de forças existente no Congresso Nacional. Pelo contrário: se queremos mudar o resultado das votações e se queremos mudar a composição do Congresso, é essencial travar a disputa na sociedade.

As manifestações mostraram, também, que a militância de esquerda acredita no ditado popular: “Quem com porcos se mistura, farelo come”. Os petistas que compareceram às manifestações criticaram duramente a postura dos petistas que votaram a favor da PEC da bandidagem. Lembrando que foram ao todo 14 parlamentares do PT (13 homens e uma mulher) que colocaram suas digitais em algum trecho da PEC da bandidagem.

As manifestações foram poderosas em todo o país, entre outros motivos porque a militância petista e as direções locais se engajaram na mobilização. Mas é preciso dizer explicitamente: nem todo mundo cumpriu seu dever. Destacamos o bom exemplo da governadora Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte, que esteve pessoalmente nas manifestações. E destacamos, em sentido oposto, a postura da Comissão Executiva Nacional do PT, que conseguiu o prodígio de fazer duas reuniões (uma delas presencial) sem conseguir aprovar e divulgar uma resolução a respeito do tema.

A postura da Executiva Nacional tem uma óbvia explicação: setores da direção apoiaram ou pelo menos foram cúmplices passivos da atitude dos parlamentares que votaram favoravelmente à PEC da bandidagem. Não são maioria na Executiva Nacional do PT, mas ocupam cargos estratégicos e têm força suficiente para bloquear a aprovação de uma resolução. Isto preocupa não pelo ocorreu no passado, mas pelo que precisa ser feito para vencermos no presente e no futuro.

A batalha contra a anistia para os golpistas, a luta pela pauta do povo, a vitória nas eleições de 2026 exigem uma tática de polarização. A tática do mal menor e dos acordos com a direita vai nos levar à derrota. Portanto, é imprescindível debater abertamente o ocorrido na votação da PEC da bandidagem para tentar evitar que o mesmo erro se repita.

A luta pelas liberdades democráticas — que inclui punição para os golpistas, mas também inclui impedir que o parlamento se transforme em refúgio de criminosos — não esgota a pauta do povo. Para a imensa maioria da população, a democracia só ganha sentido se estiver a serviço da defesa do fim da escala 6x1, da redução da jornada, de que os ricos paguem impostos, da redução dos juros, da ampliação dos recursos para as políticas públicas. Por isso, ao mesmo tempo que devemos comemorar o êxito das manifestações de 21 de setembro, devemos pressionar o governo para que mude o rumo da política econômica.

A Polícia Federal demonstrou os vínculos entre o PCC e a Faria Lima. Mas a verdade é bem pior: o conjunto do capital financeiro assalta cotidianamente o povo brasileiro. O Banco Central comandado por Galípolo, ao manter uma taxa de juros de 15%, está a serviço de estrangular a economia, prejudicar o povo e nos derrotar nas eleições de 2026.

A tática da polarização está contribuindo para que Lula melhore nas pesquisas. Mas não devemos nos iludir. A eleição do próximo ano não será um passeio. Estão e estarão contra nós o governo Trump, a aliança entre o agro e o capital financeiro, as duas direitas, tudo junto e misturado. Venceremos se, entre inúmeras outras coisas, lembrarmos que colheremos nas urnas o que tivermos plantado nas ruas. Até porque não é com flores e negociatas que se combate o fascismo!

Os editores






O porco do dia (de ontem)

Ontem a esquerda foi às ruas, manifestar-se contra a PEC da bandidagem e contra a anistia para os golpistas.

As redes sociais da militância estão cheias de imagens a respeito.

Tem um caso genial, de um deputado petista que votou a favor da PEC da bandidagem. Na segunda-feira, dia 22 de setembro, o referido postou uma foto sua, de punho erguido, saudando as manifestações. Onde foi tirada a foto? Não sei, mas suspeito que não tenha sido nas manifestações...

Mas nada se compara a postagem feita, no dia de ontem, domingo 21 de setembro, por um dos vice-presidentes nacionais do Partido, o senhor Quaquá.

Vale dizer que Quaquá era contra as manifestações. 

No dia 19 de setembro, sexta-feira, Quaquá escreveu que “essa mobilização de domingo é um erro. Sobretudo porque não temos capacidade suficiente de mobilização”. 

Cerca de 48 horas depois, no domingo 21 de setembro de noite, Quaquá escreveu que “os atos foram fracos” e “fora da realidade do povo” e citando os “shows gratuitos”.

Uma avaliação que não deixa nada a dever, seja aos delírios de certa ultraesquerda, seja aos delírios de certa ultradireita.

E onde estava Quaquá no domingo 21 de setembro? 

Segundo entendi - mas espero estar errado - ele estava degustando, conforme se pode ver abaixo.

https://www.instagram.com/reel/DO3hSFcDVIR/?igsh=MXE1MDkwMmhnMnIzbg==

A cena toda me fez lembrar o poema que Bocage dedicou à variante bípede (a quadrúpede é bem mais legal) do sus scrofa domesticus (ver aqui: Poema: O Leão e o Porco - Manuel Bocage - Poesia / Poemas no Citador): 

Não há poder algum que mude a natureza

Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos, 

O faça cortesão pelos seus vãos caprichos.


domingo, 21 de setembro de 2025

Respondendo ao companheiro Josias: não dá para defender os 14

Acabo de receber um texto assinado pelo companheiro Josias Gomes, intitulado "A defesa dos 12: a PEC, a correlação de forças e a fragilidade do Congresso".

Para começo de conversa, lembro que não são 12, são 14. Afinal, o Valmir Assunção e o João Daniel ajudaram a garantir o voto secreto. 

Isto posto, quero começar concordando totalmente com Josias, no seguinte: "a esquerda deve continuar firme na luta contra a PEC da Anistia, contra a PEC da Blindagem e contra todas as iniciativas que representam retrocessos democráticos. Mas não pode desperdiçar energia em autofagia. O alvo precisa ser a extrema-direita — e não os próprios companheiros de luta".

Mas para que seja possível seguir adiante, há uma pergunta singela que deve ser respondida: os catorze (e quem mais pensa como eles) aprenderam a lição? Ou o ocorrido pode voltar a ocorrer, a qualquer momento?

Lendo o texto do companheiro Josias e a declaração por ele citada, atribuída à companheira Gleide, minha conclusão é que o ocorrido pode voltar a ocorrer. Motivo pelo qual se faz necessário, infelizmente, gastar tempo debatendo o que aconteceu.

Para dar um exemplo de que o ocorrido pode voltar a ocorrer, cito uma passagem do texto do Josias. 

Segundo Josias, o voto dos 12 (14) deputados estaria em "aparente contradição com a linha majoritária do partido e com a orientação clara da esquerda, liderada por Lula". Ou seja: o voto dos 12 parece contraditório, mas isso seria apenas uma aparência.

Josias nos convida a "olhar para além da superfície". 

Ou seja, quem critica a contradição entre a linha do Partido e o voto dos 12 (14) estaria incorrendo em superficialidade.

Segundo Josias, "o voto não foi motivado por conveniência pessoal ou por adesão às teses conservadoras. Ele nasceu de um ambiente de negociações tensas, em um cenário político no qual a correlação de forças no Congresso é profundamente desfavorável ao campo popular".

Sinceramente, por tudo que sei, não tenho a mesma certeza de que não exista absolutamente nenhuma conveniência pessoal ou adesão às teses conservadoras. 

Acho que alguns dos nossos se adaptaram demais ao modus vivendi do parlamento. 

Mas concordo com Josias que - havendo ou não outros motivos - a discussão de fundo é sobre qual deve ser nossa tática num ambiente hostil.

Sobre isto, Josias explica quem controla o Congresso e afirma que, nesse tabuleiro, "cada votação envolve táticas de sobrevivência". 

Exatamente neste ponto reside a divergência: nossa tática não pode ter como único parâmetro o que ocorre no Congresso, pois se fizermos isso, a batalha estará perdida de antemão. 

Nossa tática deve ter um olho no gato e outro no peixe, ou seja, deve levar em conta a necessidade de ter o melhor resultado positivo possível dentro do Congresso e, ao mesmo tempo, deve levar em conta a necessidade de contribuir para alterar a correlação de forças na sociedade e, assim, futuramente, alterar a correlação de forças no próprio Congresso.

Ademais, nossa tática deve levar em conta que a direita não é confiável e que, portanto, certos acordos são inócuos, prejudiciais, inúteis, desacumulam, pois em troca dos 12 (14) votos não ganhamos absolutamente nada em troca. E, como sabemos, o pior tipo de pragmatismo é aquele que não tem resultados.

Em boa medida foi isso o que ocorreu no caso das prerrogativas/anistia. 

Os 12 (14) parecem ter acreditado que votando na PEC das Prerrogativas, conteríamos ainda que parcialmente a tramitação da PEC da Anistia para golpistas. 

O resultado foi outro, diferente do supostamente pretendido: i/o Centrão não cumpriu sua parte do acordo e ii/comprometemos a imagem do Partido.

Resumindo: frente ao fato (a correlação de forças é ruim) não existe uma única tática (a que Josias chama de "sobrevivência"). 

E a tática que os 12 (14) adotaram foi, como a vida demonstrou, errada. Errada, entre outros motivos por ser diferente da tática que vínhamos adotando desde o episódio do IOF, tática que leva em crescente conta a necessidade de mobilizar a população. 

Não se trata, portanto, de uma "aparente" contradição. Se trata de uma contradição. A maioria (da bancada e do Partido) escolheu um caminho e os 12 (14) escolheram outro. Os 12 (14) poderiam estar certos? Em tese, poderiam. Mas a vida demonstrou muito rapidamente que estavam errados.

Josias dedica parte de seu texto a falar da fragilidade de Hugo Motta. Chega a dizer que ele é "um deputado sem densidade política, fraco como suco de raspa de gelo, tutelado pelos interesses mais atrasados do Parlamento", que falta “adulto na sala”, falta "liderança capaz de arbitrar, construir consensos e dar equilíbrio institucional".

Depois de ler tudo isso, me pergunto qual foi mesmo o motivo que levou a bancada do PT a votar neste cidadão para presidente da Câmara. Mas aí eu lembro não ser propriamente verdade que "falte liderança capaz de arbitrar". Essa liderança existe: Arthur Lira. E tem arbitrado contra nós, detalhe que os 12 (14) esqueceram ao acreditar num péssimo acordo.

Com base na tese de que existe um "vazio de comando", Josias afirma que "cada voto se transforma em um dilema: ou ceder parcialmente para impedir retrocessos ainda piores, ou assumir o risco de ser atropelado por uma maioria hostil". 

Pois bem: neste caso concreto, a vida demonstrou que teria sido melhor ser "atropelado" e travar a disputa na sociedade, do que "ceder parcialmente" em troca de absolutamente nada, atrapalhando nossa disputa na sociedade.

Mas esta escolha pressupõe acreditar mais na tática da mobilização social. Nem sempre é possível adotar esta tática; nem sempre ela tem êxito imediato, capaz de alterar a votação; mas existem situações (como esta das prerrogativas e da anistia) onde existe condição de mobilizar e onde a pressão popular pode ter êxito. 

Ademais, há questões onde é preferível perder a ceder. Este é o caso, precisamente, da PEC da bandidagem. Josias afirma que este nome é um apelido dado pela mídia. Não sei se o apelido veio daí. Mas considero que ele é adequado ao conteúdo, especialmente no item do voto secreto, que foi aprovado graças aos 8 votos de petistas. 

Não acho que caiba usar meias palavras nesse caso: nossos oito deputados foram decisivos para aprovar uma medida que, na atual situação, ajuda a proteger bandidos.

Por tudo isso, acho inadequado apresentar o voto dos 12 (14) como "gesto amargo". Claro, deve ser "amargo" ver as redes sociais inundadas de críticas, como aconteceu com todos os que votaram. E tenho certeza de que também é "amargo" ter que responder por qual motivo os deputados do nosso partido fizeram o que fizeram. 

Mas chamar de "gesto amargo" passa a impressão de que os 12 (14) se sacrificaram pelo bem comum. E não foi isso o que aconteceu.

O governo liberou. O Partido não recomendou o voto. A bancada mandou votar contra. Os 12 (14) fizeram o que fizeram porque quiseram. E de boas intenções o inferno está cheio. 

O importante mesmo é o seguinte: se a situação no Congresso é mesmo a descrita por Josias, se a intenção dos 12 (14) era mesmo "salvar pautas sociais prioritárias" e "manter canais de negociação abertos", se estes parlamentares acham que cabe a eles decidir seu próprio voto numa questão tão central, então qual a garantia de que não vão fazer de novo?

Na minha opinião, a preços de hoje, ao menos no caso dos que não reconheceram de público o erro, a garantia é nenhuma.

Josias reconhece que a "indignação da militância é legítima e necessária", mas a forma como ele defende o gesto dos 12 (14) contribui para que o problema não seja resolvido e que possa voltar a ocorrer.

Na minha opinião, passar o pano no gesto dos 12 (14) contribuiu para que, ao menos até agora, não tenha saído nenhuma nota da executiva nacional do PT convocando os atos de 21 de setembro e fechando questão no Senado.

Por fim, registro positivamente que Josias em nenhum momento atribui a postura dos 12 (14) a algum tipo de "orientação" que eles teriam recebido sabe-se lá de onde. Cá entre nós, todos estamos sujeitos a cometer erros. Mas nenhum de nós pode agir como o Homer Simpson, segundo o qual "a culpa é minha e eu coloco ela em quem eu quiser". 

No caso, a culpa é todinha dos 12 (14). Não do Partido, nem da bancada.


Segue abaixo o texto comentado

A defesa dos 12: a PEC, a correlação de forças e a fragilidade do Congresso

O episódio recente da votação da chamada PEC das Prerrogativas — apelidada pela mídia de PEC da Impunidade — gerou forte indignação popular, inclusive entre setores progressistas. Doze deputados do PT votaram favoravelmente, em aparente contradição com a linha majoritária do partido e com a orientação clara da esquerda, liderada por Lula.

Mas para compreender esse gesto, é preciso olhar para além da superfície. O voto não foi motivado por conveniência pessoal ou por adesão às teses conservadoras. Ele nasceu de um ambiente de negociações tensas, em um cenário político no qual a correlação de forças no Congresso é profundamente desfavorável ao campo popular.

O peso da correlação de forças

O Congresso atual é controlado por uma maioria sólida formada por PL, PP, União Brasil e Republicanos, partidos da extrema direita e da direita fisiológica. Essa maioria tem imposto sua pauta e, sobretudo, bloqueado avanços sociais. Projetos fundamentais como a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, a redução na conta de luz, a taxação das apostas e dos super-ricos e o novo Plano Nacional de Educação estão sendo sistematicamente travados.

Nesse tabuleiro, cada votação envolve táticas de sobrevivência. A aprovação da PEC das Prerrogativas foi apresentada como um mal menor diante da possibilidade ainda mais grave da tramitação da PEC da Anistia, que significaria blindar golpistas e legalizar retrocessos democráticos profundos.

A fragilidade da presidência da Câmara

O problema se agrava pela fragilidade da presidência da Câmara. Hoje, a cadeira é ocupada por Hugo Motta, um deputado sem densidade política, fraco como suco de raspa de gelo, tutelado pelos interesses mais atrasados do Parlamento. Falta “adulto na sala”. Falta liderança capaz de arbitrar, construir consensos e dar equilíbrio institucional.

Essa fraqueza permite que a agenda seja sequestrada pela extrema-direita, que pauta o que deseja e sufoca os projetos de interesse do povo. Nesse vazio de comando, cada voto se transforma em um dilema: ou ceder parcialmente para impedir retrocessos ainda piores, ou assumir o risco de ser atropelado por uma maioria hostil.

O gesto amargo dos 12

Foi nesse contexto que se deu o voto dos 12 deputados do PT. Um gesto amargo, como definiu Gleide Andrade, tesoureira nacional do partido. Deputados como Odair Cunha e Jilmar Tatto reconheceram que a escolha foi dolorosa, mas orientada pela tentativa de salvar pautas sociais prioritárias. Merlong Solano, do Piauí, foi além: pediu desculpas públicas e admitiu o erro, mas explicou que sua intenção era manter canais de negociação abertos — ainda que em terreno minado pela extrema-direita.

Não se trata de romper com os princípios históricos do PT, mas de enfrentar o dilema entre dois retrocessos possíveis. Foi uma tática que não deu certo, mas que deve ser analisada dentro do quadro de forças desproporcional que caracteriza o Congresso de hoje.

Quem é o verdadeiro inimigo?

A indignação da militância é legítima e necessária. Mas é preciso cuidado: transformar essa indignação em ataques internos apenas fragiliza o campo progressista. A direita e a extrema-direita já se aproveitam desse episódio para posar de guardiãs da moralidade — justo elas, com históricos marcados por corrupção, conluio com o crime organizado e vínculos escusos com a Faria Lima e esquemas criminosos.

Os verdadeiros inimigos não são os 12 deputados do PT. São os que querem anistiar golpistas, blindar corruptos e desmontar a democracia brasileira.

Conclusão: unidade e maturidade política

O episódio mostra o tamanho do desafio: governar com uma maioria hostil, uma presidência da Câmara frágil e uma oposição radicalizada. Isso exige maturidade política e clareza estratégica.

A esquerda deve continuar firme na luta contra a PEC da Anistia, contra a PEC da Blindagem e contra todas as iniciativas que representam retrocessos democráticos. Mas não pode desperdiçar energia em autofagia. O alvo precisa ser a extrema-direita — e não os próprios companheiros de luta.

O gesto dos 12 deve ser visto pelo que foi: uma tática, amarga e frustrada, mas que nasceu do esforço de evitar um mal maior. O momento exige unidade, porque a disputa real não é entre nós. É contra uma direita que quer transformar o Congresso em bunker de impunidade e bloquear qualquer avanço popular.

Josias Gomes, militante do PT e Deputado Federal.

Tentando explicar o inaceitável



Domingo, 21 de setembro de 2026, no Brasil inteiro haverá grandes manifestações condenando duas decisões recentes da maioria da Câmara dos Deputados: a PEC da bandidagem (oficialmente conhecida como "das prerrogativas") e a urgência para a tramitação da anistia para golpistas (que três golpistas célebres querem denominar como "dosimetria").

Os petistas vão participar destas manifestações, mas carregando um visível incômodo: doze parlamentares petistas votaram a favor da PEC da bandidagem e oito parlamentares petistas viabilizaram a aprovação do voto secreto.

Destaco este "detalhe": sem o voto deste oito parlamentares petistas, não teria sido aprovado o voto secreto. E neste caso o voto secreto serve para proteger interesses escusos. Os oito são: Alfredinho (PT-SP), Dilvanda Fato (PT-PA), Jilmar Tatto (PT-SP), João Daniel (PT-SE), Kiko Celeguim (PT-SP), Odair Cunha (PT-MG), Paulo Guedes (PT-MG) e Valmir Assunção (PT-BA).

Se o Partido tivesse uma corregedoria (proposta apresentada mas derrotada quando da discussão do atual código de ética do Partido), todos doze mas particularmente estes oito deveriam dar explicações. 

Aliás, grande número de petistas têm se manifestado publicamente, especialmente nas redes sociais dos doze, pedindo comissão de ética, renúncia e expulsão dos parlamentares que disseram sim à PEC da bandidagem.

Mas afinal, o que ocorreu?

Há três versões correndo o trecho, tentando explicar o inaceitável.

Uma delas menciona causas impublicáveis. Aliás, foi como vacina contra isto que Kiko Celeguim se apressou a explicar que não tem nenhum processo contra ele e por isso não tinha nenhum interesse particular na tal PEC.

Outra versão refere-se a uma tentativa de acordo: em troca do voto dos petistas, o Centrão voltaria atrás na anistia para golpistas (e, de quebra, quem sabe, votaria na pauta do povo). Um dos que utilizou este argumento foi Jilmar Tatto, como se pode ver aqui: 


Esse argumento é da ordem dos efemerópteros, pois como se viu logo depois o Centrão contribuiu para aprovar a urgência para a Anistia. A coisa foi tão constrangedora que Kiko Celeguim publicou em suas redes um mea culpa, que pode ser lida aqui:  


A terceira tentativa de explicar o voto dos doze foi a de que eles teriam recebido uma "orientação". Chega-se a insinuar que os doze é que teriam agido de forma partidária, enquanto os demais teriam se acovardado e faltado com seu dever.

Essa explicação, como é óbvio, cai como uma luva para quem deseja desgastar o Partido, assim como para os petistas que estão cansados de dar murro em ponta de faca. Mas essa explicação é, falemos com todas as letras, mentirosa.

A direção do Partido não orientou os parlamentares a votar na PEC da bandidagem.

A bancada orientou os parlamentares a votar contra a PEC da bandidagem.

O governo liberou sua base. Liberar é: votem como suas bancadas e seus partidos quiserem.

E Lula disse publicamente que se fosse parlamentar teria votado contra, que teria orientado fechar questão e que se tivesse a possibilidade, vetaria a tal PEC.

Portanto, de quem os doze teriam recebido tal "orientação" para votar a favor??

Meu palpite é o seguinte: um setor do partido e da bancada (não sei dizer se também do governo) vinha atuando a favor do tal acordo com o Centrão. Não propuseram que o Partido avalizasse, talvez por saber que perderiam a votação na executiva nacional do Partido. O máximo que conseguiram foi obstruir que a executiva nacional do PT soltasse uma resolução (aliás, a executiva nacional do Partido fez duas reuniões durante a semana, debateu duas notas e nenhuma delas foi votada e divulgada). Mas o fato de não ter uma resolução não permite a ninguém dizer que teria votado segundo a orientação do Partido.

Em seguida os defensores do tal acordo com o Centrão perderam o debate na bancada. A bancada orientou voto contrário à PEC. Mesmo assim os doze deram prosseguimento ao tal acordo. Oito fizeram ainda pior: entregaram os votos necessários para aprovar o voto secreto. 

Mas, como era previsível, o Centrão votou na urgência para a anistia aos golpistas. Frente à reação ampla, geral e irrestrita contra o que fizeram, os doze tentam reduzir dano. Alguns votaram a primeira vez, pediram desculpas e não votaram a segunda; outros votaram duas e até três vezes, depois fizeram autocrítica; e outros atribuem o voto à "orientação" recebida, quem sabe, das vozes do nevoeiro de Saramago*.

Que eles tentem se defender, previsível. Mas a versão da "orientação" vale tanto quanto as promessas do Centrão.

Ademais, convenhamos: mesmo que existisse uma "orientação", mesmo que essa orientação tivesse sido dada por uma instância com autoridade para tal, ainda sim quem votou de forma tão inaceitável deve assumir a responsabilidade pelo que fez e não ficar terceirizando.

Último comentário: no fundo do voto dos doze, está a teoria de que é melhor um péssimo acordo do que uma boa disputa. Este teoria produziu muitos efeitos deletérios. Um deles não pode passar desapercebido: a taxa de juros e seus efeitos sobre a economia. Ou enfrentamos isso ou a coisa vai se complicar rapidamente.



*para quem não lembra, está aqui:  Parece-me claro e óbvio que não tens culpa, e, quanto ao temor de que te atirem com as responsabilidades, responderás que o Diabo, sendo mentira, nunca poderia criar a verdade que Deus é, Mas então, perguntou Pastor, QUEM VAI CRIAR O DEUS INIMIGO. JESUS NÃO SABIA RESPONDER, Deus, se calado estava, calado ficou, porém do nevoeiro desceu uma voz que disse,Talvez este Deus e o que há-de vir não sejam mais do que heterónimos, De quem, de quê, perguntou, curiosa, outra voz, De Pessoa, foi o que se percebeu, mas também podia ter sido, Da Pessoa. JESUS, DEUS E O DIABO começaram por fazer de conta que não tinham ouvido, mas logo a seguir entreolharam -se com susto, o medo comum é assim, une facilmente as diferenças. E o trecho inteiro pode ser lido aqui:









 

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Duas táticas a favor e contra a Anistia

Convivem e conflitam na direita duas táticas.

Uma parte da direita quer uma anistia ampla, geral e irrestrita

Outra parte da direita quer uma anistia light, apelidada de dosimetria.

Se prevalecer a anistia ampla, o cavernícola participará hiperativamente das eleições presidenciais de 2026 e uma parte da direita poderá se ver obrigada a (novamente) apoiar Lula.

Se prevalecer a anistia light, no pleito de 2026 o cavernícola, assim como grande parte da direita, tenderá a se unir em torno de Tarcísio, que já prometeu - se vitorioso -indultar Bolsonaro.

Os dois cenários são perigosos e, por caminhos e em prazos diferentes, podem dar nos mesmos resultados.

Frente a esta situaçãoconvivem e conflitam na esquerda duas táticas.

Uma parte da esquerda se opõe a fazer acordos que signifiquem alívio para os golpistas.

Outra parte da esquerda admite acordoscom o objetivo de evitar o que considera o mal maior.

Qual destas táticas é a mais adequada

Essa pergunta só poderá ser respondida com absoluta certeza depois que a batalha tiver terminado. 

Mas com base no que vivemos nos últimos anos e com base no que sabemos hojeconsideramos que a tática do acordo é desastrosa para quem pretende vencer as eleições presidenciais de 2026 e, além disso, deseja ampliar a presença da esquerda no próximo congresso nacional.

Em primeiro lugar, a votação da urgência para a anistia aos golpistas demonstrou que a direita tem maioria para aprovar o que quiser. Mas a direita só tem maioria caso esteja unificada. Caso a direita esteja dividida, pode não aprovar nada. Sendo assim, não há motivo para que a esquerda seja fiel da balança.

Em segundo lugar, tudo indica que prevalece na direita a tese da “anistia light como parte da operação Tarcísio. Portanto, quem defende a tática do acordo está se propondo a ser a quinta roda do carro.

Em terceiro lugar, a tática do acordo desperdiça uma grande oportunidade. Nos últimos meses, a posição da maioria de direita do Congresso nacional ajudou a explicitar por quais motivos é necessário eleger mais parlamentares de esquerda. Mas se nossos parlamentares votarem na mesma posição da direita, teremos dificuldade para denunciar resultado e ainda confundiremos nossa base (vide o ocorrido no caso da PEC das prerrogativas).

Por último, mas mais importanteem questões de princípio não é recomendável adotar a tática do acordoJá sabemos no que deu anistiar os crimes da ditadura. Anistiar os crimes dos golpistas, mesmo que sob o disfarce da dosimetriavai estimular novos golpes. Que a direita faça isso, é compreensível. Que nós façamos isso, seria uma demonstração de que não aprendemos nada.

Como parece óbvio, a tática do acordo não é muito compatível com a mobilizaçãoJá a outra tática pressupõe e depende da mobilização, seja para tentar derrotar a direita no Congresso, seja para acumular forças na sociedade para derrotar a direita fora do Congresso e nas próximas eleições.

Não há novidade no fato de existirem divergências dentro do PT, mesmo que tenha acabado de ocorrer a eleição da nova direção partidária. O curioso é que a atual divergência seja particularmente aguda dentro do grupo que venceu as eleições internas. O que demonstra mais um defeito da “tática do acordo”. Mas isso já é outro assunto.

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Os 8 integrantes do "Centrãozinho" infiltrado no PT

Mais escandaloso do que doze petistas votarem na PEC das prerrogativas é o fato de oito petistas terem ajudado a aprovar o voto secreto.

Para quem não sabe, o voto secreto foi inicialmente derrubado, mas depois foi restaurado numa manobra dirigida diretamente por Hugo Motta (aquele que era tido como confiável por alguns).

Os doze petistas que votaram na PEC agiram de forma inaceitável, mas seu voto não decidiu o resulado final.

Já os oito votos de petistas foram decisivos para aprovar "o voto secreto nas votações para abertura de processos criminais".

Para que o voto secreto fosse aprovado, eram necessários 308 votos.

A proposta passou por 314 votos contra 168.

Se os oito petistas não tivessem votado a favor, a proposta teria recebido 314 menos 8 igual a 306 votos e não teria sido aprovada.

Detalhe curioso: dos 8 petistas, 6 eram parte dos 12 que haviam votado originalmente na PEC.

Aqui está a lista dos 12.


Mas destes 12, metade se arrependeu. Outros seis persistiram. E dois outros se juntaram à empreitada. Aqui está a lista dos 8.



Repito um detalhe importante: para ser aprovado o voto secreto, eram necessários 308 votos. Se os 8 petistas não tivessem votado a favor, a proposta teria recebido 306 votos e teria sido rejeitada. 

E se ao invés de 8, tivessem sido apenas 6 votos, a proposta teria recebido 308 votos e portanto ficaria no limite. Os dois votos a mais foram, portanto, cirurgicamente calculados.

Cabe a Valmir Assunção e João Daniel explicar por quais motivos vieram em socorro do voto secreto, que é um aspecto especialmente absurdo da PEC das prerrogativas. 

Mas olhando a operação de conjunto, a precisão cirúrgica não dá margem à dúvida: existe dentro do PT um "Centrãozinho". 

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

311 picaretas

Por 311 a 166 foi aprovada a urgência de um projeto de anistia aos golpistas.

Em menos de 24h ficou demonstrado que de absolutamente nada serviu o voto dos doze parlamentares petistas em favor da chamada PEC das prerrogativas.

Como já disse alguém, tentar impedir a derrota nos desmoralizando terá como único resultado nossa derrota desmoralizante.

A única forma de derrotar a anistia para os golpistas é denunciando e mobilizando a sociedade contra os 311 picaretas.

Espero que a nova direção nacional do PT faça a coisa certa.