Uma amiga me enviou um texto, assinado por não sei quem.
Este texto defende a atitude do senador Wagner na votação da "anistia-disfarçada-de-dosimetria".
O tal texto diz o seguinte:
"Beta Bastos é aquela moça amplamente compartilhada pela militância de esquerda? Ela está fazendo acusações falsas contra o senador Jacques Wagner e contra o governo. Não é verdade que Jacques Wagner tenha orientado voto favorável à dosimetria. Isso simplesmente não ocorreu. O mais preocupante é ver tantos petistas reproduzindo essa desinformação sem qualquer cuidado, checagem ou responsabilidade política. Já critiquei comportamentos da militância em inúmeros debates, mas o que estou vendo hoje ultrapassa qualquer limite razoável. Poderiam, ao menos, fazer um esforço para compreender o que motivou a posição de Jacques Wagner ao incluir uma votação importante para o país. Mas desconfio que muitos estão satisfeitos por acreditar que encontraram um pretexto para atacar Jacques Wagner. E sei bem por quê. Mas o fato é que Jacques Wagner não traiu o governo, não traiu a militância e não traiu a democracia. Dizer isso é um absurdo. Num Senado determinado a votar hoje, ao perceber esse cenário irreversível, ele buscou destravar votações importantes e urgentes para o país. Arriscou, como ele disse, ser interpretado negativamente, mas fez um movimento positivo. Como comentou a Claudia Mortari, ele foi pragmático e pensou no que o país precisa. Vamos avaliar com ponderação, porque ele agiu em favor das grandes causas que defendemos. Jacques Wagner votou contra. Toda a bancada do PT votou contra. Não, meus caros. Queridas e queridos, não jogarei pedras em Jacques Wagner, nem no governo Lula, justamente quando estão ali, dispostos a avançar com o projeto de país que defendo, expostos enfrentando o Congresso com o maior número de bandidos da história. Vou apoiar o veto de Lula e vou apoiar o STF quando decretar a inconstitucionalidade dessa vergonhosa aprovação no Congresso."
Não sei quem é Beta Bastos.
E, de fato, Wagner não orientou nem votou a favor da dosimetria.
Mas isso não significa que Wagner acertou.
Como disse noutro texto e repito aqui: "já que a anistia tinha maioria para ser aprovada", Wagner "escolheu não opor resistência, em troca da votação de outra pauta de interesse do governo".
Foi certo fazer isso?
O autor do texto diz que sim, usando os seguintes argumentos: "Num Senado determinado a votar hoje, ao perceber esse cenário irreversível, ele buscou destravar votações importantes e urgentes para o país. Arriscou, como ele disse, ser interpretado negativamente, mas fez um movimento positivo. (...) foi pragmático e pensou no que o país precisa. (...) agiu em favor das grandes causas que defendemos (...)".
Os "argumentos" acima partem de três pressupostos implícitos:
1/foi mais importante votar contra, o que Wagner fez, do que retardar a votação;
2/sem a atitude de Wagner, as outras pautas "importantes e urgentes para o país" seriam derrotadas;
3/as outras pautas eram mais importantes do que retardar a votação da "anistia-disfarçada-de-dosimetria".
O primeiro pressuposto é pura retórica. Explico: como não temos maioria no Senado, na hora que fosse a voto, seríamos derrotados. Portanto, se havia alguma chance de não aprovar a anistia-disfarçada-de-dosimetria, isso dependia de combinar artifícios regimentais com a pressão da sociedade. Ao abrir mão de usar os artifícios regimentais, na prática Wagner aceitou cumprir tabela, ou seja, ser derrotado fingindo estar combatendo de verdade.
Já o segundo pressuposto precisa ser provado. Afinal, vamos convir: a direita já demonstrou, inúmeras vezes, que quando deseja fazer isso, derrota o governo sem dó nem piedade. Se dessa vez não fizeram isso no caso das tais pautas "importantes e urgentes para o país", não foi por causa do "acordo de Wagner".
Quanto ao terceiro pressuposto, ele não é apenas equivocado e perigoso, mas também paradoxal.
O terceiro pressuposto é equivocado porque se o golpismo for legitimado, todo o resto estará sob ameaça. E, portanto, o mais importante é opor resistência ao golpismo. "Ah, mas foi apenas um procedimento, eles iam aprovar de qualquer jeito" equivale a dizer que todas as batalhas parciais não têm importância, lógica que desemboca no oportunismo mais vil.
O terceiro pressuposto é perigoso porque, além de confundir a militância acerca de qual é a prioridade (= derrotar o golpismo, o fascismo), também manda um sinal confuso para a sociedade como um todo. Pois se tanto faz votar hoje ou amanhã, se tudo pode ser negociado, se dá para fazer toma-lá-dá-cá nos encaminhamentos, mesmo que o mérito seja questão de vida ou de morte, o recado que se está passando para a sociedade é que não é tão importante assim.
O terceiro pressuposto é paradoxal, porque Wagner faz parte de um setor da esquerda que adora enfatizar seu compromisso com a democracia, com as instituições etc e tal. Pois bem: ao agir como agiu, Jacques demonstrou que seu discurso em defesa da democracia tem a mesma consistência que seu discurso em defesa dos direitos humanos do povo palestino.
Na minha opinião, um líder do governo que age, em questão dessa magnitude, da maneira como Wagner agiu, deveria pedir demissão. Ou ser demitido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário