Recomendo ler e estudar com atenção a íntegra da entrevista dada pelo companheiro Fernando Haddad ao jornal O Globo, publicada no dia 2 de janeiro de 2024.
Eu já havia lido uma parte, aquela em que Haddad fala acerca
do que ele chama de day after. Agora, li a íntegra da entrevista. E, de conjunto, a entrevista
me lembrou uma história que Marilena Chauí me contou, acerca de Massimo D´Alema.
Mas isso deixo para o final.
A entrevista começa com o jornalista lembrando as
prioridades do Ministério da Fazenda em 2023 – “reforma tribuária e novo marco
fiscal” – e perguntando quais seriam as prioridades em 2024.
Hadadd diz serem muitas medidas em andamento: “regulamentar
a reforma”, “cumprir o arcabouço”, “diminuir a volatibilidade do dólar”, “mercado
de seguros”, “marco das garantias” etc.
O jornalista pergunta se a reforma do Imposto de Renda também está na agenda.
Lembrado deste detalhe, Haddad responde que “está”. Defende tributar mais
a renda, diminuir o peso da tributação sobre o consumo, mantendo um “efeito
neutro sobre a carga tributária total”. E, claro, “tudo com transição, para que
não seja de um ano para o outro, seja diluído no tempo”.
O jornalista insiste: “a ideia é tributar quem ganha mais
com uma nova faixa de cobrança do Imposto de Renda?”
Haddad responde que “não chegamos nesse ponto da formulação, acabamos de aprovar a reforma do consumo”. E agrega uma explicação genial, vinda de quem acabara de criticar o status quo (ou seja, a sobrecarga sobre o consumo, que afeta os mais pobres).
Reproduzo a explicação: “O desafio de
aprovar em 2024 a reforma do IR é que, como temos eleições municipais, há um problema
de janela, que vai ter que ser avaliado pela política. A regulamentação do
consumo pecisa ser votada primeiro, até porque em 2026 ela já entra em vigor”.
A pergunta que não quer calar é: porque mesmo aceitamos fatiar a
reforma, fazendo primeiro a parte que a elite aceitava e deixando para depois a
parte que a elite refuga e buscará evitar? A resposta é óbvia. Sendo assim, por qual motivo a surpresa?
O jornalista diz que a equipe econômica tem sido criticada
por focar em “medidas de arrecadação, sem cortes de despesa”. A resposta de
Haddad confirma estarem certas as críticas que setores do PT fazem ao arcabouço
fiscal: “Como a despesa vai crescer sempre 30% abaixo da receita, a tendência
do gasto é cair como proporção ao PIB”.
Ou seja: num momento histórico em que o país necessita de
mais investimento público, Haddad reafirma que vamos reduzir “o gasto” como “proporção do PIB”.
Na sequência, o jornalista afirma que “o bloqueio máximo de R$
bilhões no Orçamento deste ano foi criticado até por aliados”. Sobre isto, a resposta de
Haddad é inacreditável.
Aqui faço um reparo, que vale para o que foi dito e para o que ainda será dito: meus comentários são com base na entrevista
publicada, portanto com base nas respostas editadas pelo O Globo. Talvez Haddad
não tenha disto exatamente o que segue. Mas enquanto não vem o desmentido,
vejamos o que foi publicado: “Essa crítica não é a opinião da AGU, não é a
opinião da PGFN, não é a opinião do Congresso. Então, não é a opinião de
ninguém”.
Tudo bem dizer que não é a opinião da maioria, tudo bem dizer
que os críticos não estão adequadamente posicionados na fila do pão, tudo bem
dizer que estão errados. Mas dizer que as críticas ao contingenciamento são de “ninguém”
é, simplesmente, barra pesada. Definitivamente, ou bem a edição do Globo pesou
a mão, ou bem a Fazenda mexe com a cabeça das pessoas.
O jornalista, talvez por ter ouvido falar acerca das
declarações de Lula a respeito do déficit zero, pergunta “qual foi o argumento para
convencer o presidente a não mexer na meta fiscal”. Haddad respondeu o seguinte: “Disse que iria
tomar providências em relação a isso”. E para quem não tenha entendido, meu caso, ele lembra
que “cartela de antibiótico é de oito em oito horas. Você não toma a cartela
inteira para se curar”.
Antibióticos à parte, o problema posto é o
seguinte: mantida a meta fiscal, ou bem temos um imenso crescimento da
arrecadação, ou bem vamos ter um grande contingenciamento. Ou bem vamos cortar
na carne.
A julgar pela resposta dada a seguir, Haddad está pensando também nessa terceira via.
Perguntado sobre a reforma administrativa de Arthur Lira,
Haddad responde que “quando fui candidato a presidente, defendi a reforma”. Acrescenta
que o Ministério da Gestão está “elaborando um projeto”. E defende mudar “a
natureza dos concursos públicos, o estágio probatório e as regras de progressão
na carreira”.
Haddad deixa claro que não concorda com a PEC 32. Mas vale para
esta situação o mesmo que valia para a reforma tributária. Alguém acha que este
congresso encabeçado por Lira vai aprovar uma reforma administrativa pró-povo? Alguém
acha que Lira vai cortar privilégios para ampliar direitos?
Isto posto, a decisão de não mexer na meta fiscal vai
colocar o governo na defensiva, neste debate sobre a reforma administrativa.
O jornalista pergunta então sobre a meta de inflação. A
resposta de Haddad é que “poderíamos mesmo estar com a taxa Selic “um pouco
abaixo da atual”.
Talvez animado com tamanha condescendência de Haddad para com os juros ensandecidos de Bob Fields Neto, o jornalista pergunta: “os diretores que o senhor indicou ao BC tem votado como o presidente Roberto Campos Neto. As críticas a ele foram exageradas?”
Haddad faz um histórico e conclui dizendo que “a relação institucional
da Fazenda com o BC nunca teve problemas. E a do Planalto passou a não ter”.
Não sei se é esta a opinião do presidente Lula. Mas seria
terrível se fosse, pois convenhamos: a taxa de juros segue sendo um imenso
problema e Bob Fields Neto é um inimigo declarado do nosso programa. Dizer que
não temos problemas equivale a compartilhar, em alguma medida, a responsabilidade pelas decisões
do presidente do Banco Central.
Mas Haddad parece estar na fase “paz e amor” (com o BC), como se vê pelas
mudanças tópicas que ele propõe para um problema nada tópico: o mandato do
presidente do Banco Central.
Em seguida vem uma questão acerca da arrecadação e, na sequência,
vem a parte da entrevista cujo comentário está disponível no link abaixo.
Valter Pomar: Haddad e o “day after”
Isto posto, posso falar da história contada pela Marilena Chauí.
Foi numa atividade onde estavam Massimo D’Alema e Zapatero. Numa roda ao final, critiquei a fala de D'Alema. Marilena então contou que, na época em que o Partido Comunista da Itália – cantado em verso e prosa como “o maior partido comunista do Ocidente” - caminhava para o suicídio, D’Alema foi numa reunião com militantes de base. Insatisfeito com o discurso de D’Alema, um dos militantes lhe teria dito algo mais ou menos assim: “D’Alema, parla algo de sinistra!” (ver ps ao final)
Pois bem, ao terminar de ler a entrevista com nosso companheiro ministro da
Fazenda, fico com vontade de dizer: Haddad, parla algo sobre desenvolvimento.
Mas como falar de desenvolvimento e, ao mesmo tempo,
defender um calabouço fiscal onde “a despesa vai crescer sempre 30% abaixo da
receita”? Como ter desenvolvimento, se “a tendência do gasto [público] é cair
como proporção ao PIB”?
Enfim, depois de ter lido a primeira parte da entrevista,
cheguei à conclusão de que – como disse o companheiro ministro na segunda
parte da sua entrevista ao Globo - nosso problema é mesmo o day after.
Não o day after citado por Haddad.
E sim o day after do calabouço fiscal.
A pergunta do jornalista foi sobre a interpretação menos restritiva do arcabouço feita pelo Haddad, que permite menos contingenciamento em 2024, por exemplo aqui:
ResponderExcluirhttps://www.infomoney.com.br/politica/interpretacao-de-haddad-para-arcabouco-gera-desconforto-e-especialistas-veem-sinalizacao-negativa-para-ajuste-fiscal/
ou aqui:
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/tecnicos-da-camara-dizem-que-plano-de-haddad-para-gastos-em-2024-subverte-a-logica/
É preciso mais cuidado ao fazer a crítica.