Boa tarde companheiras.
Boa tarde
companheiros.
Agradeço o
convite para falar nesta reunião da Direção Nacional do MST, compartilhando a
tarefa com o Wellington Dias, com Cristiano Zanin e com o João Pedro.
Meu ponto de
partida é o seguinte: desde a crise de 2008, o mundo, a América Latina e o
Brasil entraram num período de crise profunda.
Não sabemos que desfecho esta crise vai ter.
O que sabemos é que, neste contexto de crise,
a classe dominante brasileira fez uma opção, a de reconverter o Brasil em uma
nação primário-exportadora, campeã mundial da exploração da classe
trabalhadora, com o mínimo possível de liberdades democráticas e com o máximo
possível de submissão aos Estados Unidos.
Esta opção não é do Bolsonaro apenas, não é dos militares apenas, não é da extrema direita apenas.
É uma opção do conjunto da classe dominante brasileira, embora possa haver e de fato existam entre eles diferenças de grau, de ritmo, de decisão; e
embora também, à medida que a crise se aprofunda e as consequências desta opção regressiva vão ficando claras, uma parte da classe dominante queira “parar na metade do
caminho”.
Seja como for, é esta opção regressiva -- fazer o Brasil voltar ao que era em 1920 -- é esta opção que está na base de nossa crise social, econômica, política e cultural.
Afinal, não é fácil fazer o Brasil de 2021
(urbano e com 220 milhões de habitantes) caber no molde estreito do Brasil de
1920 (rural e com 40 milhões de habitantes).
Mas é esta "opção regressiva" que eles trilham faz tempo, especialmente desde a "ponte para o futuro" e do golpe do impeachment, passando pela decisão de condenar-prender-interditar o Lula, pela decisão de votar no cavernícola no segundo turno de 2018, opção que também orientou e segue orientando todas as anti-reformas e
privatizações e políticas ultraliberais que adotaram nesse período (EC95, trabalhista,
previdência etc.).
Neste
caminho regressivo, há dois acontecimentos importantíssimos, com impactos conjunturais, táticos e estratégicos.
O primeiro acontecimento é
a pandemia, que agrava todas as tendências a que me referi antes, que aumenta o
sofrimento do povo e que, ademais, permite enxergar de maneira didática qual o preço que esta elite de merda está disposta a nos fazer pagar, nessa operação de tentar fazer um
país de 220 milhões de pessoas caber no molde de um país de 40 milhões de
pessoas.
Em resumo: falar de "genocídio" não é um exagero retórico.
O segundo acontecimento importante foi o que ocorreu no dia 8 de março, quando por uma decisão monocrática
do ministro Edson Fachin, Lula recuperou os direitos políticos.
Não tenho tempo aqui para comentar os motivos e as intenções reais do Fachin. Mas quero destacar duas coisas.
Primeiro: a decisão do Fachin deve-se principalmente à disputa feroz que está em curso entre eles.
Segundo: é típico dos momentos de crise este tipo de situação, quando decisões subjetivas, individuais, pessoais, precipitam acontecimentos de dimensão histórica.
Mas atenção: isto pode valer a
nosso favor, mas também pode valer contra nós. Ou seja: outras decisões subjetivas de
inimigos podem nos surpreender e causar imenso dano, assim como decisões subjetivas de pessoas do nosso campo podem nos
fazer perder oportunidades (e claro, também muito antes pelo contrário, podem nos fazer avançar melhor).
Seja como
for, é extremamente positivo que Lula tenha recuperado seus direitos, aliás, NOSSOS direitos, porque o que roubaram foi nosso direito de ter votado nele em
2018 e com isso ter voltado a governar o país, fazendo no Brasil o que ocorreu na
Argentina, na Bolívia e que espero que venha a ocorrer também no Equador.
Qual a
consequência política da recuperação dos direitos políticos de Lula?
Antes a luta
política no Brasil estava sendo polarizada pela direita gourmet versus a
direita bolsonarista.
Foi assim na
eleição de 2020 e foi assim na eleição do Senado e da Câmara. E até mesmo no
debate da pandemia, parecia as vezes que a disputa se restringia a Dória versus
Bozo.
Pois bem:
com Lula em cena, a luta política no Brasil volta a ser polarizada pela
esquerda versus a direita. Como foi por exemplo em 1989, 1994, 1998, 2002,
2006, 2010, 2014 e 2018.
Mas tem algumas novidades importantes: a direita com que polarizamos agora não é liderada por
Collor, nem por FHC, mas por Bolsonaro.
E, portanto,
ilude-se quem achar que esta disputa vai ser resolvida de acordo com as regras
do jogo antigo.
O jogo é
novo e as regras são novas.
Neste
sentido:
1/não
podemos achar que a situação jurídica está resolvida. Eles podem reverter no
plenário do STF a decisão de Fachin. Aliás, há quem ache que Fachi decidiu o
que decidiu exatamente para empurrar uma decisão para um ambiente onde os defensores da Lava Jato podem ter maioria, diferente da chamada segunda turna, onde existe maioria para
derrotar Moro;
2/não
podemos achar que a disputa se trava em 2022, a disputa se trava aqui e agora,
se não formos capazes de impor derrotas aqui e agora ao Bolsonaro, 2022 pode
não ocorrer, assim como podemos não chegar como gostaríamos em 2022;
3/não
podemos achar que 2022 está garantido, primeiro porque não se pode subestimar a
força do Bolsonaro (o que ele mantém de apoio ainda é suficiente para ele ir ao
segundo turno e a situação pode mudar nos próximos meses); e também porque a classe dominante (diferente de nós) dispõe de várias alternativas, sobre
as quais eu quero falar um pouco.
3.1.eles podem
dar um "golpe dentro do golpe", seja voltando a interditar juridicamente o Lula,
seja atacando fisicamente o Lula, seja fazendo um movimento do tipo "tirar o bode da sala", ou seja, os militares afastarem o Bolsonaro e por exemplo colocando Mourão no
comando;
3.1.1.sobre isso vale
apontar um efeito paradoxal da devolução dos direitos de Lula: ficou muito
evidente o papel desta personalidade na história e se voltarem a interditar, resta saber qual será a reação: o povo vai reagir ou virá um profundo desânimo?
3.2.eles podem
construir uma candidatura alternativa da direita gourmet; tem o Ciro desejando
este lugar (mas o comportamento dele não ajuda), mas há outros nomes possíveis e além disso há disposição, vontade e necessidade deles de buscar uma alternativa e não podemos subestimar a direita gourmet, nem nos encantar bestamente com declarações recentes como as de Delfim Netto e de FHC;
3.3.eles podem
terminar apoiando Bozo mais uma vez, até porque para um pedaço da classe dominante o cavernícola está entregando o que prometeu e no curto prazo eles estão lucrando como nunca (e para eles o lucro de curto prazo é o que interessa);
3.4.eles podem oferecer um abraço de afogado, apresentando Lula como uma
espécie de "candidatura de União Nacional", desde que por exemplo Lula se comprometa a não
desfazer o que eles fizeram desde 2016. Cabe lembrar, neste sentido, que se
voltarmos à presidência da República, as condições de fazer políticas de transformação
social serão menores do que eram em 2003. Sem rupturas, não vai...
3.4.1.vale dizer que contribui
para esta pressão em favor de uma suposta unidade
nacional a “dinâmica dos palanques estaduais”, ou seja, a busca por amplas
alianças em alguns estados, com a conta sendo paga pela nacional (o oposto do
que ocorria entre 2002 e 2014, quando em nome da vitória da candidatura nacional da esquerda, se empurrava governadores a fazer políticas de aliança com a direita nos estados).
Por conta do
que expus antes, é essencial:
1/achar maneiras de retomar a mobilização ANTES da vacinação ser completada, pois
se deixarmos para fazer depois pode ser tarde demais (sem o "vidas negras importam" talvez Trump não tivesse sido derrotado);
2/ampliar a pressão sobre Bolsonaro, pelo Fora Bolsonaro, pelo impeachment, pela
interdição imediata do cavernícola. Não faz sentido (nem político, nem moral) dizer que temos um genocida, um miliciano, um beneficiário de golpes e fraudes na presidência... e se comportar como se fosse aceitavel ele ficar até 2022 lá;
3/debater e tomar medidas práticas para lidar com a força da direita pentecostal e com a força da direita armada (FFAA, polícias, mílicias e armamento na mão de ricos);
4/tirar consequências práticas da análise segundo a qual vivemos num
ambiente de tensão crescente, crise crescente, instabilidade crescente... e uma das consequências práticas é a de que precisamos de estratégia adequada, tática adequada e comando unificado.
Encerro lembrando que comecei falando que os acontecimentos aqui no Brasil foram e seguem sendo muito influenciados pela situação mundial.
E esta situação mundial continua muito, mas muito tensa. A chegada do Biden não significou mais paz mundial, como alguns imaginavam.
E o imenso pacote
de investimento que os EUA estão colocando não significa que não possamos ter um
novo e brutal ciclo de crise, muito antes pelo contrário.
Enfim, tudo exige mais capacidade política e mais capacidade de comando.
E aconteça o que acontecer no curto prazo, segue sendo fundamental recuperar maioria política, ideológica e organizativa na classe trabalhadora brasileira; e construir uma nova estratégia de luta pelo poder, que vá muito além das disputas institucionais e eleitorais, da presença em mandatos e governos.
SEM REVISÃO
Nenhum comentário:
Postar um comentário