Faço a seguir alguns comentários sobre a entrevista concedida pelo
companheiro Guilherme Boulos a Cristiane Agostine e publicada dia 6 de abril
pelo jornal Valor.
A íntegra da entrevista está reproduzida ao final.
1.Boulos subestima o papel da corrupção na insatisfação com o governo. É
verdade que a insatisfação cresceu principalmente em função da situação
econômico-social. Contudo, na cesta de argumentos utilizados pela oposição contra
o governo, neste momento a corrupção transformou-se num argumento fundamental.
2.Boulos afirma que “basta ter decisão política” para “manter os
investimentos privados” e, ao mesmo tempo, cortar do lado "da banca".
A resposta é correta, em termos. É preciso ter vontade política, mas também é
preciso ter força política. Ou, falando em termos econômicos, o Estado precisa
ter a capacidade de induzir os investimentos.
3.Boulos afirma que o lulismo “se esgotou”, “como modelo de conciliação,
não funciona mais”. Supondo que isto seja verdadeiro, resta uma questão: será possível
derrotar a direita e adotar outra estratégia, sem contar com as forças do
chamado lulismo?
4.Boulos faz uma distinção entre os “setores da esquerda que têm
compromisso maior de fazer a defesa do governo” e “outros que não, nos quais
nós estamos”. Mas não fica claro por quais motivos isto impediu o MTST de
participar dos atos de 13 de março.
5.Boulos diz – usando majestática figura – que “não acreditamos
que o PT seja de esquerda. O governo do PT não é um governo de
esquerda. Agora o antipetismo é de direita”. Cada qual tem seus critérios para
definir quem é de esquerda e quem não é de esquerda. Mas uma coisa é certa: a direita acredita piamente que o PT é de
esquerda. Para a direita, destruir o PT é o objetivo central. E se o PT for
destruído, a esquerda será fortemente golpeada. Se Boulos tivesse razão, o PT
não seria o alvo central da direita e seu enfraquecimento não impactaria o
conjunto da esquerda.
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(Valor) 06/04/2015 - 05:00
"O lulismo não funciona mais", diz Boulos
Por Cristiane Agostine
Guilherme Boulos: "A política de conciliação se esgotou. Achar que
se governa sem comprar brigar é uma ilusão. Dilma preferiu comprar briga com o
povo"
À frente do MTST, movimento de sem-teto que ganhou o protagonismo das
ruas depois da onda de protestos de 2013, o filósofo Guilherme Boulos diz que o
governo e o PT têm subestimado a insatisfação popular com a
gestão Dilma Rousseff, que registrou aprovação de 12%, segundo pesquisa
Ibope divulgada na semana passada.
Boulos afirma que a bandeira do impeachment pode se
popularizar e coloca em xeque a capacidade de Dilma de manter-se no cargo até
2018, se o governo não recuar do ajuste fiscal.
O líder do MTST credita a baixa popularidade de Dilma às medidas na área
econômica e não aos escândalos de corrupção e diz que se o governo deixar para
agir só em 2016, quando a economia começar a se recuperar, talvez a presidente
não esteja mais no comando do país para fazer isso.
Nas ruas, o MTST assumiu o tom crítico ao governo que já foi do MST.
Presente em oito Estados, o movimento tem 40 mil famílias organizadas - metade
desse contingente em São Paulo - e manteve-se distante dos protestos
contra a presidente, por ver uma onda conservadora em ação. O grupo irá às ruas
em ato contra a "direita" no dia 15, três dias depois do novo ato
contra Dilma.
Boulos encontra-se com frequência com o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e reuniu-se três vezes com Dilma. O último
encontro foi neste ano. Tem interlocução também com o governo de São Paulo,
comandado por Geraldo Alckmin (PSDB), e com o prefeito da capital
paulista, Fernando Haddad (PT).
Formado em Filosofia pela USP, Boulos, com 33 anos, milita há 13 anos no
MTST. No intervalo das dezenas de reuniões semanais que participa, o líder dos
sem-teto, estudioso do francês Jacques Lacan, dá aula em um curso de
especialização em Psicanálise. A seguir, a entrevista ao Valor,
concedida na quarta-feira.
Valor: A pesquisa Ibope mostra que só 12% aprovam o governo. O que
explica a dificuldade de Dilma?
Guilherme Boulos: A insatisfação com o governo Dilma
está mais relacionada às medidas econômicas do que propriamente à corrupção, à
Lava-Jato. Nos últimos doze anos, a divulgação e a exploração midiática dos
escândalos de corrupção foi frequente e não produziu quedas tão abruptas de
popularidade. Dilma se elegeu com um discurso de aprofundar mudanças sociais,
de não deixar uma política econômica neoliberal prevalecer. Assim que ganhou as
eleições, fez o inverso. Foram três subidas consecutivas dos juros, uma
declaração descabida sobre a abertura de capital da Caixa Econômica Federal,
especularam a indicação do presidente do Bradesco para a Fazenda, teve o ajuste
fiscal, programas sociais estão parados, ou seja, houve um sentimento de
frustração popular, de traição em relação ao projeto eleito.
Valor: O ex-presidente Lula, com quem o senhor tem boa relação,
defende o ajuste fiscal. Lula está no caminho errado?
Boulos: Lula está errado nessa avaliação. Se precisava fazer ajuste, era para
ter sido feito do outro lado. Por que não se fez ajuste taxando grandes
fortunas, fazendo mutirão nacional contra a sonegação, auditoria da dívida
pública? Não se joga a conta da crise no colo dos trabalhadores, dos mais
pobres.
Valor: O ajuste que Dilma faz é diferente do que Lula fez em 2003?
Boulos: Talvez a diferença tenha sido a do anúncio prévio (Carta aos
Brasileiros). O ajuste de 2003 também foi anti-popular. A questão é que em
2003 o PT e o Lula tinham uma gordura política para queimar que
não tem mais hoje. Dilma ganhou a eleição na margem. Já havia um nível de
insatisfação popular colocado antes, com junho de 2013, a polarização
do processo eleitoral. Em 2003 o modelo estava ascendendo e agora está se
esgotando.
Valor: Essas medidas deviam ter sido feitas antes?
Boulos: Não deviam ter sido feitas, nem os ajustes do governo Lula. A estratégia
do PT que vigorou nesses doze anos foi de conciliação. Lula, em 2003, buscou
construir um pacto no qual todos ganhavam, tanto os banqueiros quanto os
trabalhadores. O que permitiu fazer uma política onde funciona o ganha-ganha? É
ter crescimento econômico. Mas o crescimento começou a declinar brutalmente no
último período. A política de conciliação não dá mais. Vai ter que cortar a
fatia de alguém. Dilma preferiu cortar do lado de cá. Isso tem um preço. Manter
a governabilidade na banca significa o risco de perdê-la nas ruas.
"Dilma preferiu cortar do lado de cá. Manter a governabilidade na
banca significa o risco de perdê-la nas ruas"
Valor: Como manter os investimentos privados e, ao mesmo tempo, cortar
do lado "da banca"?
Boulos: Basta ter decisão política. A política de ficar conciliando se
esgotou. O PT, a Dilma precisam entender isso. Este ano vamos ter
recessão, que aprofunda reivindicações sociais. Tem uma deterioração do salário
mínimo, da média salarial, a possibilidade de desemprego, redução de
investimentos públicos. Achar que se governa sem comprar briga é uma ilusão.
Dilma preferiu comprar briga com o povo.
Valor: O lulismo acabou?
Boulos: Ele se esgotou. Não tem mais condições de oferecer um projeto de mudança
progressiva para a sociedade. As mudanças nesses doze anos de PT foram
significativas, mas pontuais. Melhoraram a condição de vida dos mais pobres,
mas sem mudar o cenário estrutural do país. O que permitiu empurrar até aqui
foi um período de crescimento econômico e também impulsionado pelo investimento
público, pelo crédito público, as estatais. O lulismo, como modelo de
conciliação, não funciona mais.
Valor: Há um novo modelo sendo criado? Qual o rumo do governo?
Boulos: O rumo que o governo ensaiou nesses três meses foi o de um ajuste
neoliberal, que também é insustentável. Vai ser preciso fazer um novo projeto
político. Não dá mais para haver avanço popular sem reformas estruturais.
Qualquer governo que não se disponha a colocar isso estará refém de um caminho
pela direita, conservador.
Valor: Que caminho o senhor vê para as próximas eleições?
Boulos: Do jeito que as coisas estão, é difícil pensar em 2018. Tem que ver se
esse governo termina 2015. Quando uma pesquisa diz que o governo tem 64% de
ruim ou péssimo é uma insatisfação geral, inclusive no Nordeste. Quem está
canalizando essa insatisfação nas ruas como foi o 15 de março? Fundamentalmente
a classe média, não o povão. A classe média de algum modo sente a recessão, o
ajuste fiscal, mas a sua pauta não é essa. A pauta é ainda mais conservadora do
que do governo. O que está em jogo é uma saída à direita, conservadora, de
perda de direitos sociais. Tem um governo impopular porque está fazendo ajuste,
mas quem está nas ruas canalizando essa impopularidade está insatisfeito por
outras razões e propõe uma saída talvez ainda pior do que o governo está
propondo.
Valor: O 'povão' irá às ruas contra Dilma?
Boulos: Se o governo insistir num caminho de aprofundar esse ajuste, de
aprofundar as medidas impopulares, corre o risco de dar base social para
iniciativas da direita, inclusive para o golpismo. Corre o risco de
popularizar a bandeira do impeachment. A forma como tem que se
combater esse processo é também combatendo esse ajuste fiscal. As manifestações
tiveram um clima conservador. Não quer dizer que todos estavam lá eram de
direita. Felizmente não. Mas teve um clima de anti-PT também e anti-movimento
social, anti-greve, anti-organização popular, anti-direitos humanos. Isso foi
muito forte no 15 de março. Ainda está circunscrita a um setor de classe média
e com o clima muito direitista, mas pode mudar. Existe insatisfação social e um
caldo social para que mude. É isso que o governo precisa compreender e recuar
nesse ajuste.
Valor: Na crise do mensalão, Lula recorreu a movimentos sociais. O
apoio social que sustentou o governo em 2005 é diferente de agora?
Boulos: A situação é outra. Tem um grau de desgaste muito maior. Naquela época,
ainda tinha carga de esperança muito forte. Isso não quer dizer que os
movimentos sociais vão aceitar o golpismo. Não vamos aceitar. Mas não estamos
dispostos a ir para as ruas defender o indefensável, defender um governo que
protagoniza medidas impopulares. Há também mudança da postura da oposição. O
PSDB adotou postura em 2005 de sangrar para levar em 2006. Não deu certo.
Perderam em 2006. Eles estão calejados e passou a adotar um discurso cada vez
mais ofensivo, que flerta com o golpismo. Temos quadros do PSDB no plenário do
Congresso, nas redes sociais com um discurso que tenta construir legitimidade
política para essa via. O cenário atual é muito mais preocupante do que era
naquela época.
Valor: Qual a perspectiva para 2018? É possível construir uma Frente
Ampla, como no Uruguai?
Boulos: Neste momento não sabemos nem como vai terminar 2015. Se as
manifestações de 12 de abril forem maiores que as de 15 de março, se outros
setores, populares também começam a se movimentar mais nesse processo, é
imprevisível o que vai acontecer nos próximos meses. Um dos erros do PT e do
governo é o de subestimar esse grau de incerteza, fazer um pensamento de médio
prazo e falar: 'vou fazer um ajuste severo agora e começo a recuperar a
economia em 2016'. Talvez não dê tempo. Talvez em 2016 não seja mais você que
esteja lá no governo para recuperar a economia.
Valor: O senhor vê chances reais de impeachment?
Boulos: Não acho que atualmente seja o cenário mais provável, mas não deve ser
subestimado. Se somar a mobilização expressiva numericamente do 15 de março com
as articulações que estão sendo feitas pelo PMDB no Congresso com a perda de
controle do Legislativo pelo governo, com a postura simpática a esse processo
por parte importante da mídia e do Judiciário, dizer que não existe risco é
ignorar os fatos.
Valor: Como o senhor analisa o PT nesse processo? O partido
se afastou da base, perdeu o discurso?
Boulos: O PT praticamente foi absorvido pelo governo e por um sistema
político que tem o conservadorismo no seu DNA. A apropriação privada do público
no seu DNA. No nosso sistema político quem não recebe financiamentos maciços
das grandes empresas não concorre, não tem chance de ganhar. A partir do
momento que entra nessa lógica, passa a aceitar muitas coisas. O
PT foi o que mais recebeu das empreiteiras. Isso vai minando a
possibilidade de o partido manter a autonomia política e direciona o projeto
político a interesses que são de grupos econômicos. Pouco a pouco se perde
qualquer potencial transformador.
Valor: Falta reação da esquerda?
Boulos: Precisamos relativizar. As condições para o crescimento da direita e da
esquerda no país são muito desiguais. O crescimento da direita está alicerçado
em alguns dos principais meios de comunicação. É claro que a esquerda precisa
dar uma resposta mais categórica, com unidade. Não é fácil porque há setores da
esquerda que têm compromisso maior de fazer a defesa do governo e há outros que
não, nos quais nós estamos. Mas ou a esquerda se unifica ou fenece. Não tem
escolha. É preciso ter unidade para enfrentar o fortalecimento do
conservadorismo.
Valor: O MTST não participou dos atos pró-Dilma nem dos contrários. O
movimento irá às ruas?
Boulos: Nossa postura não flerta com impeachment, com golpismo, com qualquer
saída à direita para a crise que vivemos. Mas para defender o governo é preciso
que ele se faça defensável. Se mandar projeto de lei de taxação das grandes
fortunas, se liberar programas sociais, suspender o ajuste fiscal terá a nossa
defesa. O MTST está chamando mobilizações de enfrentamento da conjuntura. Em 18
de março, paramos mais de 30 rodovias no Brasil contra o ajuste fiscal. Em 15
de abril, logo depois da manifestação do dia 12, faremos uma mobilização contra
a direita e contra políticas de ajuste fiscal e de ataques a direitos sociais.
O MTST não vai usar a tática avestruz, de deixar o mundo caindo e a gente
falando de moradia. Vamos atuar nesse cenário.
"É imprevisível o que vai acontecer. Um dos erros do PT e do
governo é o de subestimar esse grau de incerteza"
Valor: Como tem sido a relação com o governo federal? Em 2014, depois
da ocupação Copa do Povo, o MTST se reuniu com Dilma, que anunciou
investimentos para atender ao movimento. E agora?
Boulos: O MTST mantém reuniões com o governo federal para apresentação das
pautas. Isso não está em conflito com nossas lutas. Foram três encontros com
Dilma, um neste ano. Construímos a agenda a partir do processo de mobilização.
A pauta do governo federal está truncada pelo ajuste fiscal. Quando se diz que
não vai lançar agora o Minha Casa, Minha Vida 3, mas só no final do ano, isso
significa o bloqueio da construção de moradias nesse período. Hoje o MCMV é a
única via de construção de moradia popular. Se o programa não é lançado, não se
constrói casa, não tem solução para as ocupações. A negociação fica truncada
por conta do ajuste fiscal.
Valor: O MTST tem sido recebido pelo governo Alckmin. Como é a relação
com o governo de São Paulo?
Boulos: A independência do MTST também dá credibilidade ao movimento. Pau que
bate em Chico bate em Francisco. Os governos têm que ter clareza de que você
não está fazendo o joguete eleitoral de ninguém. Somado a isso, está a
capacidade de mobilização. Os governos quando recebem movimentos sociais,
recebem porque o movimento soma força, pauta uma agenda política. Temos muito
mais divergências com o governo Alckmin, com a visão dele, do PSDB do
que com o PT, embora tenhamos divergências importantes com o governo do
PT. Mas isso não pode pautar a luta reivindicativa. O MTST vai pressionar o
governo Alckmin por políticas públicas, como pressiona o governo do PT.
Valor: O MTST participa de alguma instância de governo?
Boulos: Não. É um princípio do MTST ter autonomia rigorosa.
Valor: Como o senhor analisa o governo do prefeito Haddad?
Boulos: É melhor gestão de São Paulo desde Erundina, mas também com seus
limites. Destacaria a forma como se conduziu o Plano Diretor de São Paulo, que
abriu espaço para um plano menos moldado pelo mercado imobiliário. Foram
considerados os interesses do mercado, mas outros também. Normalmente isso não
acontece. Há um grau de enfrentamento com a especulação imobiliária e a
política habitacional destinou 20% para o Minha Casa, Minha Vida Entidades. A
prioridade do transporte público e as ciclovias são temas positivos. A gestão
tem mais pontos positivos do que negativos.
Valor: E como explicaria a baixa aprovação do prefeito?
Boulos: São muitas razões. Uma delas é que a gestão Haddad sofre um cerco
midiático muito forte. Mas também se comunica pessimamente, tem uma capacidade
de comunicação muito limitada. Outra razão é que, pelo caixa, não conseguiu
implementar nenhuma grande obra de destaque, que caracterizasse a gestão. Há
também um fortalecimento do antipetismo. São Paulo é o ninho desse
fortalecimento. Vimos os votos que São Paulo deu a Aécio, a eleição em primeiro
turno do Alckmin, a derrota do Suplicy e a eleição do Serra. Veja o papel de
São Paulo no ato de 15 de março. Em São Paulo o antipetismo ganhou
uma força como não ganhou em nenhum outro lugar. Isso naturalmente arranhou
Haddad, que é do PT.
Valor: É possível manter uma força de esquerda em São Paulo?
Boulos: É um problema, porque não acreditamos que o PT seja de
esquerda. O governo do PT não é um governo de esquerda. Agora o antipetismo é
de direita. Isso gera um campo minado para a organização da esquerda em São
Paulo. Inviabilizar não inviabiliza, porque a esquerda também tem base social,
organização popular. Mas cria um clima de maior acirramento e de campo minado
para a esquerda.
Bravo!...
ResponderExcluirBoulos por um acaso é trosko ou tem pouco leitura?...