Acaba de sair a edição número 8 da revista Mouro.
As seis primeiras edições estão disponíveis no link http://www.mouro.com.br/
Em memória
de um comunista
Valter
Pomar*
Pedro Pomar
foi assassinado no dia 16 de dezembro de 1976, quando agentes do Destacamento
de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI)
do II Exército e da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) atacaram a casa
onde ele estava, em São Paulo, no bairro da Lapa, ao término de uma reunião do
Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Ao seu lado
tombou Ângelo Arroyo, igualmente fuzilado. Pouco antes, no DOI-CODI, na Rua
Tutóia, já havia morrido João Batista Franco Drummond, que estava sendo
torturado. Foram capturados e aprisionados Haroldo Lima, Aldo Arantes, Joaquim
Celso de Lima, Elza Monnerat e Wladimir Pomar. Escaparam da prisão José Gomes Novaes
e Jover Telles.
Foi através
de Jover que a repressão localizou a casa, prendeu e assassinou grande parte do
Comitê Central. Havia suspeitas de que Jover estava em contato com a repressão.
Mesmo assim ele foi avisado da reunião, para irritação de Pedro Pomar, que
soube do fato consumado.
Porque Jover
foi avisado da reunião? Ao que tudo indica, porque ele reforçaria as posições
de um setor do Comitê Central, contra outro, naquele momento liderado por Pedro
Pomar. A presença de Jover na reunião, entretanto, não impediu que a maioria do
Comitê Central (CC) do PCdoB adotasse, acerca da Guerrilha do Araguaia, a
posição autocrítica proposta por Pomar. Quem “virou o jogo” na luta interna não
foi Jover, mas a repressão.
A queda da
Lapa transformou a minoria em maioria. O setor do CC liderado por João Amazonas
recuperou o controle da direção partidária. Fez isto de diversas formas:
desqualificando as posições adotadas por Pedro Pomar, que vieram à luz anos
depois, por meio do jornal Movimento;
atacando os integrantes da reunião, sob acusações infamantes; e,
posteriormente, expulsando os integrantes do CC que mantinham as posições
defendidas por Pomar.
Anos se
passaram até que se constatou que Jover estava vivo e que havia sido o
responsável. Mas a principal testemunha do ocorrido – Sergio Miranda — morreu
sem que tenha revelado toda a verdade sobre o episódio.
A queda da
Lapa ocorrera num momento de transição. Por motivos que Carlos Eduardo Carvalho
já detalhou ao prefaciar o livro Massacre
da Lapa, era muito comum (hoje menos) lermos ou ouvirmos que os últimos
mortos pela Ditadura Mililtar haviam sido Manoel Fiel Filho e Herozg. Em
seguida vinha Santo Dias. A chacina da Lapa ficava num estranho limbo.
Esforços
foram feitos para resgatar a memória dos que tombaram ali. A verdade sobre a morte
de João Batista Franco Drummond, a localização dos despojos de Arroyo e de
Pomar, o translado e enterro de seus restos mortais são parte destes esforços,
assim como os livros publicados a respeito, alguns dos quais citamos a seguir.
Já nos anos
1980, tivemos Pedro Pomar, editado
pela Brasil Debates. Depois veio Massacre
na Lapa: como o Exército liqüidou o Comitê Central do PCdoB - São Paulo, 1976 (1ª ed. Busca Vida,
1987; 2ª ed. Scritta, 1996; 3ª ed. Fundação Perseu Abramo, 2006), livro dedicado
às circunstâncias da queda, escrito por Pedro Estevam da Rocha Pomar, neto de
Pedro.
Em 2003 foi
publicada a biografia Pedro Pomar, uma
vida em vermelho (editora Xamã). Uma segunda edição, em formato eletrônico,
será lançada até setembro de 2013 pela editora da Fundação Perseu Abramo.
Escrito por Wladimir Pomar, Uma vida em
vermelho foi possível graças aos recursos provenientes da indenização paga
pelo Estado. Vale informar que parte desta indenização foi reivindicada
judicialmente, como se fora uma “herança”, por outros filhos de Pedro.
Neste ano de
2013, ao completar 100 anos do nascimento e 37 de seu assassinato, é publicada mais
uma biografia de Pedro Pomar, agora sob patrocínio oficial do PCdoB.
O PCdoB tem
o direito e o dever de honrar a memória de Pedro Pomar. Naturalmente, o faz de
seu jeito, com as ênfases e as omissões indispensáveis e inevitáveis, assim
como os anacronismos, às vezes impensados, de atribuir a Pedro “se vivo fosse” esta
ou aquela posição.
Não fazemos
ideia do que Pedro Pomar pensaria do tempo em que estamos vivendo. Pessoas de
sua geração e de características similares seguiram caminhos tão diferentes, que
se pode especular à vontade. O que podemos dizer com alguma segurança é o que
ele fez, o que ele escreveu, o que ele ajudou a construir enquanto esteve vivo.
Por fim,
gostaria de salientar três aspectos.
O primeiro
tem relação com a família. Talvez por conta do papel dos familiares na luta
contra a Ditadura Militar e pela Anistia, talvez pela força que a noção de
família tem no inconsciente coletivo, talvez por conhecerem alguns e
desconhecerem outros, ou talvez por causa de algumas “famílias” atuantes hoje
em dia, é comum encontrar militantes que imaginam que exista uma “família
Pomar”, politicamente falando.
O pai de
Pedro era um pintor peruano, que mais tarde seria conhecido como ativo militante
do APRA, partido liderado por Haya de la Torre. De passagem por Óbidos (Pará),
casou-se com a filha de um militar local, e com ela teve três filhos, dos quais
Pedro foi o mais velho. Seu irmão Eduardo (Edward Mary) morreu ainda criança. O
outro irmão, Roman, morreu adulto, mas sem filhos.
Os pais de
Pedro separaram-se cedo. A mãe não voltou a casar, o pai casou outra vez, mas que
saibamos não teve outros filhos, exceto um adotivo.
Um detalhe
curioso: o pai de Pedro chamava-se Felipe Cossio del Pomar. Pomar era o
sobrenome materno. Mas como o registro de Pedro fora feito por seu avô materno,
de origem portuguesa, num cartório brasileiro, tomou-se o nome da mãe pelo nome
do pai. E assim surgiu Pedro Pomar, onde normalmente teríamos Pedro Cossio.
Pedro teve
relações esparsas com seu pai, sabe-se que voltaram a ver-se pessoalmente em 1948,
no México, quando Pomar lá esteve para participar do Congresso Mundial pela Paz.
Pedro
casou-se com Catharina e tiveram quatro filhos: Wladimir, Eduardo, Joran e
Carlos.
Wladimir
tornou-se militante comunista ainda no velho PCB, participou da cisão que deu
origem ao PCdoB, fez parte do seu CC e, posteriormente, integrou a direção
nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), partido em que segue militando.
Viveu na clandestinidade, foi preso por duas vezes (em 1964 e em 1976) e
torturado, como de praxe. Casado desde 1956 com Rachel, Wladimir teve três
filhos, tendo onze netos e dois bisnetos.
Eduardo
militou na juventude comunista, foi à então Tchecoeslováquia completar sua
formação técnica, casou-se com uma jovem natural daquele país e voltou ao
Brasil. Quando ocorreu o golpe de 1964, sua esposa grávida embarcou para a
Tchecoeslováquia. Anos depois, ela contaria que Eduardo prometera juntar-se a
ela. Como isso não aconteceu, ela viveu durante anos convencida de que ele
havia morrido. Mas isto não ocorrera: ele manteve seu nome verdadeiro durante
toda a Ditadura Militar, chegando a alto executivo de uma importante empresa.
Casou-se novamente, é pai de dois filhos e avô. Desde 1964, nunca mais teve
militância política. Apenas nos anos 1980, por iniciativa de um amigo comum,
manteve contato com sua filha checa.
Joran e Carlos continuaram vivendo com Pedro e Catharina depois do golpe. Ambos assumiram outras identidades, casaram-se e tiveram filhos (e netos, no caso de Joran). Carlos, o mais novo, tornou-se um pequeno empresário. Morou vários anos em Maceió (AL) e depois radicou-se no Triângulo Mineiro, onde faleceu tragicamente num acidente de avião em dezembro de 2012, aos 62 anos. Já Joran, ou melhor Jonas, desenvolveu ativa militância política, primeiro no PMDB e posteriormente no PSDB, partido pelo qual chegou a ser candidato a deputado. Há muitos anos chegou à condição de alto funcionário de governos tucanos em São Paulo.
Joran e Carlos continuaram vivendo com Pedro e Catharina depois do golpe. Ambos assumiram outras identidades, casaram-se e tiveram filhos (e netos, no caso de Joran). Carlos, o mais novo, tornou-se um pequeno empresário. Morou vários anos em Maceió (AL) e depois radicou-se no Triângulo Mineiro, onde faleceu tragicamente num acidente de avião em dezembro de 2012, aos 62 anos. Já Joran, ou melhor Jonas, desenvolveu ativa militância política, primeiro no PMDB e posteriormente no PSDB, partido pelo qual chegou a ser candidato a deputado. Há muitos anos chegou à condição de alto funcionário de governos tucanos em São Paulo.
Como se pode
ver, não existe uma “família Pomar”, politicamente falando. Wladimir foi o
único que manteve militância ativa na esquerda, o mesmo valendo para seus
filhos e para alguns de seus netos. Confirmando que as brincadeiras sobre
“política no sangue”, “genética” e “herança” são, ao menos em parte, influência
inconsciente da cultura política oligárquica, que mistura o público e o
privado.
O segundo
aspecto a ressaltar tem relação com a contribuição política e teórica de Pedro.
O papel de Pedro Pomar no movimento comunista brasileiro parece ter sido maior
do que lhe é atribuído pela historiografia. Certamente pesa nisto o fato dele
ter sido um intelectual de poucos livros e ter se dedicado principalmente a
tarefas organizativas. Mas é possível que o principal motivo seja outro: ele
era demasiado disciplinado, mais do que o aceitável para receber o mesmo
destaque que a historiografia posterior concedeu, algumas vezes
anacronicamente, a tantos “comunistas críticos”; e, ao mesmo tempo, Pedro era
intelectual e politicamente diferenciado, mais do que o aceitável para manter
suas posições no aparato partidário comunista de então.
O terceiro e
último aspecto é que Pedro foi comunista. Claro que lutou pela igualdade, pela liberdade,
pela democracia, pela justiça social, pela paz e tantas outras coisas. Mas durante
a maior parte da sua vida, lutou por isto porque era comunista.
É
impressionante como tantas mortes e tantas lutas depois, haja quem sinta
necessidade de “pedir licença” para afirmar coisa tão óbvia. Como se fosse
necessário todo o demais para “desculpar”, para “compensar” seu comunismo.
O fenômeno é
conhecido e atinge pessoas com muito mais importância: Hobsbawn era um ótimo
historiador, apesar de comunista... Saramago era um ótimo escritor, apesar...
Niemeyer era um ótimo arquiteto, apesar... Num plano muito mais modesto, vale a
mesma coisa para o revolucionário profissional Pedro Pomar, um comunista.
Para
concluir, transcrevo a íntegra do pronunciamento feito por Wladimir Pomar no
ato de translado (São Paulo-Belém) dos restos mortais de Pedro Pomar. O ato foi
realizado na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em São Paulo, no
dia 11 de abril de 1980.
“Pronunciamento
de Wladimir Pomar
1) Todos
sabem que meu pai era um homem de partido. 40 anos de sua vida dedicou ao PCdoB
por estar convencido que assim servia à classe operária e ao povo. E é na mesma
condição que desejo salientar esse aspecto fundamental da vida de meu pai, que
desejo ressaltar o homem de partido.
2) Há quem
pense que ser homem de partido é agarrar-se a dogmas, é considerar o partido
como algo perfeito e acabado, imune a erros. Há quem pense que uma crítica a um
homem de partido é uma crítica ao partido. E há quem considere uma crítica ao
partido como um ataque. Pomar não era esse tipo de homem de partido. Era um
intransigente defensor do partido como uma necessidade histórica, como um
instrumento que a classe operária necessita para dirigi-la no processo
revolucionário. Mas entendia que o partido era composto de homens, um organismo
vivo composto por pessoas vivas. Portanto, um organismo com defeitos que só
podem ser superados por meio da luta contra os próprios defeitos, por meio da
crítica. Por isso estava sempre pronto a reconhecer os erros. Não via nisso
nenhum desmerecimento. Ao contrário. Considerava que seu partido só poderia ser
encarado seriamente se tivesse a coragem de reconhecer e superar os próprios
erros. Por isso, encarava o verdadeiro homem de partido, modesto, sem vaidade,
que compreendia a autocrítica como um princípio indispensável para que seu
partido cumprisse o que se propunha.
3) Há quem
pense que meu pai sempre esteve no topo do partido. Não é verdade. Meu pai
ousou divergir numa época em que divergir era considerado o pior dos crimes. E
divergiu contra o pêndulo, contra a política sem critério de classe, que ora
fazia o partido ir a reboque da burguesia, ora cair no radicalismo
pseudo-esquerdista. Nessa luta meu pai jamais esmoreceu, até seu último alento,
apesar de em largos períodos ter sido quase relegado ao ostracismo. Jamais
abandonou seu posto de luta pela transformação de seu partido num verdadeiro
partido de vanguarda do proletariado, para que prevalecesse uma política
verdadeiramente de classe, proletária.
4) Há quem
diga que Pomar foi um batalhador pela unidade do partido. É verdade. Ele
considerava essa unidade a base para alcançar a unidade das forças
revolucionárias. A unidade pela qual ele sempre pugnou era uma unidade em torno
de princípios ideológicos e políticos de classe, em torno dos interesses
fundamentais da classe à qual ele aderiu, a classe operária. Por isso sempre se
colocou contra os que, falando em unidade, aplicavam uma política sectária e
sem princípios. Essa unidade não era a unidade de princípios de seu partido.
5) Há quem
diga que Pomar foi um intransigente lutador contra o liquidacionismo. É
verdade. Sua vida foi uma luta constante contra a liquidação do espírito de
partido. Por isso sua luta não se restringiu a ir contra os liquidacionistas
declarados, contra aqueles que diziam abertamente não haver necessidade de
partido, que o partido atrapalhava. Não, sua luta foi muito além. Ele estava
convencido da existência de um liquidacionismo muito mais perigoso, muito mais
destrutivo. Um liquidacionismo prático que se realiza através de políticas
incorretas, sejam reformistas e revisionistas, sejam aventureiras e
blanquistas. Políticas que isolam o partido das massas e que acabam permitindo
a liquidação de grande número de revolucionários, que acabam permitindo que o
inimigo de classe destrua praticamente toda uma geração de antigos combatentes
revolucionários. Esse liquidacionismo prático destruiu fisicamente meu pai, mas
não conseguiu destruir suas concepções sobre a construção de um partido
proletário verdadeiramente revolucionário. E estou certo que um dia tais
concepções acabarão prevalecendo.
6) Há quem
tenha dito que Pomar era um pacifista burguês. É uma calúnia. Era tão
intransigente com o pacifismo burguês dos reformistas e revisionistas, quanto
com o aventureirismo blanquista dos voluntaristas. Jamais apoiava um lado para
combater o outro. Tinha uma posição de classe definida. Revolução e luta armada
são obras das massas em luta, e não obra de grupos, por mais generosas que sejam
as intenções. E por considerar a generosidade revolucionária dos que tombaram
na luta contra o regime é que meu pai podia, ao mesmo tempo, criticar o
voluntarismo e exaltar o heroísmo, a dedicação e o desprendimento dos que
pagaram seu tributo de sangue para que a classe operária e o povo brasileiros
aprendam o caminho correto de sua libertação.
Em nenhum
momento Pomar vacilou ante a necessidade que a classe operária tem de utilizar
a violência revolucionária para emancipar-se. Jamais deixaremos que essa
calúnia seja difundida impunemente.
7) Há,
finalmente, quem diga que Pomar deixou uma herança. É verdade. Ele nos deixou o
exemplo de sua vida, um legado de modéstia, de retidão de caráter, de dedicação
à classe operária, ao povo e a seu partido, de amor entranhado à verdade, de
aversão à vaidade e de constante alerta e combate aos próprios erros. Há quem
queira ser dono desse legado. Essa pretensão é uma afronta a meu pai, que
sempre se bateu contra o exclusivismo e o espírito de seita. A herança de Pomar,
uma herança digna dos melhores revolucionários, não é patrimônio da família ou
de qualquer grupo. Ela pertence a todo o seu partido, pertence a todos os
revolucionários, à classe operária e ao povo explorado e oprimido. Eu a entrego
a vós”.
*Contribuíram Wladimir Pomar, Rachel da Rocha
Pomar e Pedro Estevam da Rocha Pomar, sem que isto os torne responsáveis pela
versão final.
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