segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

VIL Fichamento 3

V.I.Lenin
Obras completas
Tomo III (três)
Editorial Cartago
Buenos Aires, 1958

O tomo III é inteiramente ocupado pela obra El desarrollo del capitalismo em Rusia, cujo subtítulo é El proceso de la formacion de um mercado interior para la gran industria.

Esta obra foi escrita entre 1896 e 1899. Conclui, por assim dizer, uma etapa de reflexão e polêmica acerca da natureza da formação social russa.

11: No  prólogo a primeira edição, Lenin diz que o propósito da obra é exatamente este: “como se forma o mercado interior para o capitalismo russo”. Esta questão está vinculada a polêmica com os populistas, que negavam que o capitalismo poderia se desenvolver na Rússia.

11: Lenin estabelece logo de saída, como oponentes, V.P.Vorontsov e N.Danielson. Logo a seguir daremos mais elementos sobre ambos.

12: Lenin deixará de lado o mercado e o comércio exterior; e considerará o período pós-reforma de 1861. Se baseará em estatísticas referentes as províncias estritamente russas. E considerará “exclusivamente” o aspecto “econômico” do processo.

13-14: no p.s. do prólogo, Lenin lamenta não ter podido utilizar para sua obra a “análise magnífica” feita por Kautsky em  A questão agrária. Mas cita suas conclusões principais, entre as quais: “A existência de pequenos proprietários em toda sociedade capitalista não se explica pela superioridade técnica da pequena produção, senão pelo fato de que estes reduzem suas necessidades a um nível inferior ao dos operários assalariados e se esforçam no trabalho incomparavelmente mais do que estes últimos”.

19: no prólogo à segunda edição, Lenin esclarece que este trabalho foi escrito na véspera da revolução russa, durante certa calma que reinou depois da explosão das grandes greves de 1895-1896. Ele considera que análise feita foi “confirmada” pela “intervenção política aberta de todas as classes no curso da revolução”, inclusive o “caráter ambíguo da situação e do papel do campesinato”.

20: “a revolução russa é, inevitavelmente, uma revolução burguesa. Esta tese marxista é irrefutável. .... Porém é necessário saber aplicá-la. A análise concreta da situação e dos interesses das diversas classes deve servir para determinar o significado exato desta tese ao ser aplicada a tal ou qual questão”. E a partir daí critica Plekhanov e outros, por quererem extrair respostas concretas desta afirmação geral: “há sembrado dragones e cosechado pulgas”. Refere-se em particular a tentativa de conceder papel dirigente à burguesia na revolução ou a proposta de apoio aos liberais.

20-21: ele aponta “dois caminhos fundamentais”: ou bem a antiga economia latifundiária, ligada por milhares de laços ao direito de servidão, se conserva, transformando-se lentamente em uma economia puramente capitalista de tipo ‘junker.... ou bem a revolução rompe a antiga economia latifundiária, destruindo todos os restos de servidão e, antes de mais nada, da grande propriedade latifundiária. Neste caso a base do trânsito definitivo do sistema de pagamento em trabalho ao capitalismo é o livre desenvolvimento da propriedade camponesa.”

21.Neste texto, de julho de 1907, fica claro um dos motivos pelo qual ele vai pisar no acelerador em 1917: “o papel predominante do proletariado e da massa de camponeses, com a neutralização da burguesia vacilante ou contrarrevolucionária; o desenvolvimento mais rápido e livre das forças produtivas sobre a base capitalista, com a melhor situação possível, na medida que é em geral possível nas condições da produção mercantil, das massas operárias e camponesas. Daqui a criação das mais favoráveis condições para a posterior realização, pela classe operária, de sua verdadeira missão fundamental, a da transformação socialista”.

Estrutura geral da obra

-capítulo 1, os erros teóricos dos economistas populistas
-capítulo 2, decomposição do campesinato
-capítulo 3, passagem dos latifundiários da economia baseada na prestação pessoal a capitalista
-capítulo 4, incremento da agricultura mercantil
-capitulo 5, as primeiras fases do capitalismo na indústria
-capitulo 6, a manufatura capitalista e o trabalho capitalista a domicílio
-capítulo 7, o desenvolvimento da grande indústria maquinizada
-capítulo 8, formação do mercado interno
Parte II, uma crítica não crítica (resposta a uma resenha)

Capítulo I

27: mercado como categoria da economia mercantil que em seu desenvolvimento se transforma em  economia capitalista e que só com esta última adquire pleno domínio e difusão geral.... a base da economia mercantil é a divisão social do trabalho.

30: cita Marx sobre como “o desenvolvimento do capital constante com respeito ao capital variável vai unido ao aumento absoluto do capital variável paralelo a seu descenso relativo, enquanto que na agricultura diminui em termos absolutos o capital variável necessário para a exploração de uma determinada porção de terra e, portanto, só pode aumentar a medida que se coloquem em exploração novas terras, o que pressupõe, por sua vez, um crescimento maior ainda da população não agrícola".

32: a ruína do pequeno produtor, a piora das suas condições de vida, é acompanhada da venda da sua força de trabalho e da compra dos meios de existência no mercado.

33: a teoria populista da impossibilidade de realizar a mais-valia e, logo, os mercados externos como necessários para isto. O tema é o da realização. E o da realização do capital constante 

35: a dificuldade de explicar a realização reside principalmente em como explicar a realização do capital constante

38: análise do ponto de vista de Adam Smith e da crítica que Marx faz: considerava só capital variável e mais valia. Confundia o valor do produto com o novo valor criado. 

39-40: “este último, realmente, se decompõe em capital variável e mais valia, enquanto que o primeiro inclui, ademais,  o capital constante”. Marx aponta este erro, análise do valor, trabalho abstrato (novo valor), trabalho concreto (reproduz o valor antes existente).

41: “para explicar a realização é indispensável diferenciar dois tipos de consumo: pessoal e produtivo”. Marx percebe estes dois erros da Adam Smith.

42: cita Tugán-Baranovski. Mas diz que Bulgakov faz um resumo superior aos outros.

42: teoria da realização em Marx. É um resumo superior, em didatismo, aos textos anteriores. 

Especialmente 42-43: “Suponhamos, a princípio, a reprodução simples, quer dizer, a repetição do processo de produção na medida anterior, a ausência de acumulação. É evidente que o capital variável e a mais valia da segunda subdivisão (existentes na forma de artigos de consumo) se realizam pelo consumo pessoal dos operários e capitalistas desta subdivisão (pois a reprodução simples supõe que se consome toda a mais valia e que nenhuma parte dela se transforma em capital)".

“Sigamos: o capital variável e a mais valia, existentes na forma de meios de produção (primeira subdivisão) devem ser, para sua realização, trocados por artigos de consumo para os capitalistas e operários ocupados em preparar os meios de produção".

“Por outra parte, tampouco o capital constante, existente na forma de artigos de consumo (segunda subdivisão), pode ser realizado mais que pela troca em meios de produção, para empregar de novo na produção o ano seguinte".

“Desta maneira se obtém a troca de capital variável e da mais valia contidas nos meios de produção, por capital constante em artigos de consumo: os operários e capitalistas (na subdivisão de meios de produção) obtém assim os meios de subsistência e os capitalistas (na subdivisão de artigos de consumo) colocam seu produto e obtém capital constante para a nova produção.”

44: “Dentro da reprodução simples, estas partes que se intercambiam devem ser iguais entre si”, já na reprodução ampliada é necessária certa desproporção: “deve dispor-se de um sobrante de meios de produção para começar a nova produção” etc.

45: o crescimento da produção capitalista não se faz tanto a conta dos artigos de consumo como a conta dos meios de produção... o crescimento do mercado interno para o capitalismo é, até certo ponto, “independente” do crescimento do consumo pessoal, verificando-se mais a conta do consumo produtivo

50: teoria da renda nacional

55: por que uma nação capitalista necessita de mercado externo

58-60: conclusões
-o processo fundamental é a divisão social do trabalho
-a população industrial cresce mais que a agrícola
-a expropriação do produtor direto cria o mercado interno
-o grau de desenvolvimento do mercado interno é o grau de desenvolvimento do capitalismo
-a questão se reduz a: “de que maneira e em que direção se desenvolvem os distintos ramos da economia nacional russa? Em que consistem a relação e interdependente destes distintos ramos?

Capítulo II

61: “a base da formação do mercado interno na produção capitalista é o processo de desagregação dos pequenos agricultores em patrões e operários agrícolas”
-o que segue são dezenas de páginas de interessante análise estatística, literalmente tirando leite de pedra

184: o desenvolvimento independente do capital comercial e usurário em nossa aldeia freia a decomposição do campesinato

184: o trecho a seguir é muito típico do jeito de analisar e de expor de Lenin: “Al decir que la burguesia campesina es el senor de la aldea de nuestros dias, hacíamos abstraccion de esos factores que frenan la descomposicion: vassalaje, usura, pago en trabajo etc. Em realidad, los verdaderos senores de la aldea contemporanea no son, a menudo, los representantes de la burguesia campesina, sino los usureros rurales y los campesinos-vecinos proprietários de tierras. Esa abstracion es, sin enbargo, un método del todo legítimo, pues de outro modo no es posible estudiar el regímen interno de las relaciones econômicas entre los campesinos. Es interesante advertir que también el populista lo emplea, solo que se detiene a médio camino sin llevar hasta el fin su razonamiento”

[um tema a considerar é quanto a situação camponesa retrocedeu no período 1914-1921]

Capitulo III

190-191: explicação de porque é necessária uma coação extraeconômica para impor a prestação de trabalho pessoal

195: novamente um exemplo típico: si bien em las províncias puramente rusas predomina el pago em trabajo, em general, el sistema capitalista de la hacienda terrateniente debe ser considerado preponderante para la Rusia europea en la actualidade
[novamente, o quanto isto mudou entre 1914-1921? Provavelmente retrocesso em significativa escala]

203: combinação entre pagamento em trabalho e o capitalista

209: “não nos propomos de modo algum a demonstrar a tese de que o capitalismo desloca o pagamento em trabalho: não existem dados estatísticos completos sobre isto”. Logo, o máximo que ele faz é mostrar a “ligação que existe entre a decomposição do campesinato e o deslocamento dos pagos em trabalho pelo pago capitalista”

[a rigor, aqui como em outras partes, ele exagera as tendências, acertando no sentido geral do processo, especialmente no que diz respeito ao peso do proletariado, mas subestima o peso econômico do atraso]

232: não existem dados estatísticos exatos de (...) se aumenta ou diminui o número de operários agrícolas assalariados

Capítulo IV

-de maneira geral, o que impressiona neste capítulo, mas também em outro, é não apenas o tratamento estatístico, mas o nível de atenção dado às batatas, beterrabas, leite, manteiga, horti e fruticultura...

O resumo de tudo isto está nas 315 em diante: “nos capítulos II-IV se examinou em dois aspectos a questão do capitalismo na agricultura russa. Primeiramente vimos o regime das relações econômico-sociais na economia camponesa e latifundiária a que se chegou na época posterior a reforma. Resulta que os camponeses se dividem rapidamente em burguesia rural, insignificante pelo número, porém forte por sua situação econômico, e proletariado do campo.Ligado indissoluvelmente a este processo de “descampenização” se encontra a passagem dos latifundiários do sistema econômico de pagamentos em trabalho ao pagamento capitalista”

Conclusões:

316: pós-reforma agricultura assume crescente caráter comercial, de empresa

316-317: a transformação da agricultura em produção mercantil se opera através de uma via particular, não parecida ao processo correspondente na indústria (...)_ A industria agrária não se divide em ramos totalmente separados; não faz mais que especializar-se na produção de um ou outro produto para o mercado, subordinando os restantes aspectos da agricutura a este produto principal (quer dizer, mercantil)”

317: o incremento da agricultura mercantil cria mercado interno para o capitalismo: especialização cria intercâmbio, demanda de produtos da indústria transformativa, demanda de meios de produção, demanda de força de trabalho.

318-322: o capitalismo amplia e agudiza em alto grau na população agrícola aquelas contradições sem as quais não pode existir este modo de produção. E em seguida detalha por quais motivos o capitalismo agrícola é uma força progressista: transformação do senhor feudal e do camponês patriarcal em industrial, quebrou o estancamento secular da agricultura, criou a grande produção agrícola baseada em máquinas e operários agrícolas, quebrou o sistema de pagos em trabalho e dependência pessoal.

322: resumindo o antes exposto acerca do papel histórico progressivo do capitalismo agrícola russo, pode dizer-se que deu um caráter social a produção do campo

323: ao sublinhar o papel histórico progressista do capitalismo na agricultura russa, não esquecemos nem o caráter historicamente transitório deste regime econômico nem as profundas contradições sociais que lhe são inerentes. E acusa os populistas de estimar de modo “superficial ao extremo” estas contradições

329: ele cita Marx para concluir que “nenhuma particularidade da posse da terra pode... representar um obstáculo insuperável para o capitalismo, que adota formas diversas de acordo com as distintas condições agrícolas, jurídicas e os usos particulares

333: agora citando Engels, acerca de Marx/renda diferencial, VIL faz uma observação que é 100% aplicável ao Brasil”, sobre a “assombrosa vitalidade da classe dos grandes proprietários agrícolas”, que acumulam uma massa de dívidas e que, entretanto, “caem de pé” em todas as crises; na Inglaterra, por exemplo, a abolição das leis de trigo, que fez rebaixar os preços do produto, não arruinou os landlords: ao contrário, os enriqueceu extraordinariamente. Mas Engels dirá que “todo es perecedero”, com tendências a “plantear com tal vigor la necesidad de socializar la producción agrícola” (334)

Capítulo V

343-344: Neste ponto ele trata do tema com o mesmo espírito com que Dobb vai analisar, no seu estudo clássico, o desenvolvimento do capitalismo (na Inglaterra), a saber, as diferentes vias a partir da diferenciação no interior do campesinato. É evidente o esforço em dar caráter autóctone, não transplantado, não artificial, ao desenvolvimento capitalista na Rússia.

Capítulo VI

431: um interessante exemplo de como o “incremento das pequenas indústrias” é uma expressão “do incremento da manufatura capitalista”. Como diz Lenin, “parece una paradoja” pero es “un hecho”. Que confirma que é a luta que força a técnica!

Capítulo VII

487: a combinação de formas

500 e outras, um tour de force para apresentar o crescimento do proletariado típico. Os dados confirmam isto, as tendências eram estas, a importância política do proletariado foi sobejamente demonstrada pela história, mas ainda assim eram tendências num mar camponês ainda fortemente marcado por relações de tipo servil.

502: os dados, 125,6 milhões de população produtiva, sendo 93,7 milhões no agicultura e 12,3 na indústria, mais uns 12,7 milhões de população que ele chama de semi-produtiva (comércio, transporte, comunicação, empregados domésticos, etc.). E nesse ponto ele força a mão para dizer que há 48,5 milhões de proletários e semi-proletários, 29,1 milhões de pequenos proprietários pobres e 19,4 de camponeses acomodados... No fundo, ele praticamente toma o camponês em processo de proletarização como proletário.

505 ele resume assim:
-3 mi de classes dominantes
-23,1 mi de pequenos patrões acomodados
-35,8 de pequenos patrões pobres
63,7 de proletários e semi-proletários (urbanos e rurais)
Isto tudo baseado em censos totais ou parciais do final do século XX.

506: mas ao mesmo tempo ele diz que “ocultar que as camadas pequeno-burguesas são muito numerosas na população de Rússia significaria falsificar diretamente o quadro de nossa realidade econômica”.

515: “del hecho que los pasos iniciales del desarrollo del capitalismo son particularmente rápidos puede solo deducirse el afán del país joven por alcanzar a los que son más viejos”

515: nota de rodapé: “las fábricas rusas mas grandes son mayores que las alemanas”

522 e anteriores, análise da “industrialização” no campo. Também por isto, a “revolução burguesa” só poderia ser levada adiante pelo proletariado e pelo campesinato pobre

544-545 tem um raciocínio muito interessante, sobre como o processo de desenraizamento dos trabalhadores, sua saída do campo para a cidade, seu deslocamento de uma cidade para outra, desmancha as relações comunitárias, patriarcais etc. anteriores e “precisamente esta ruptura com las tradiciones caducas fue uma de las condiciones sustanciales que crearon la posibilidad y originaron la necesidad de regular la producción y de someterla al control social”. O mesmo valerá, vale dizer, para a transição socialista. E um ponto de partida muito atrasado ajuda a explicar o recurso às “velhas fórmulas” de coesão e coerção social.

545 sobre trabalho infantil e feminino

546, nota de rodapé sobre trabalho feminino e autonomia da mulher

Capítulo VIII

588-589 trata do tema do mercado exterior e das colônias (recorde-se que a Rússia era um império)

591: o importante é que o capitalismo não pode subsistir e desenvolver-se sem uma ampliação constante da esfera de seu domínio, sem colonizar novos países e envolver os países velhos não capitalistas no torvelinho da economia mundial. Ele não trata do tema, mas alerta para a “importância extraordinariamente grande” do assunto. E na nota de rodapé ele demonstra que a existência de fronteira pode retardar a mudança (é interessante comparar os efeitos das fronteiras agrícolas nos casos russos, estadounidense e brasileiro)

593: o papel progressista do capitalismo pode resumir-se em duas teses: aumento das forças produtivas do trabalho social e socialização do trabalho. Mas trata-se de um processo desproporcionado, a saltos, frenético: “no puede marchar más que entre uma serie de desigualdades y faltas de proporcion”. Que por isto, os populistas consideram um não-desenvolvimento. Acontece que a desproporção está na base da acumulação

594-595: a socialização do trabalho pelo capitalismo se manifesta nos seguintes processos: mercado nacional (e depois mundial), concentração da produção, desplaza as formas de dependência personal, mobilidade da população, diminui a parte ocupada na agricultura, aumenta a necessidade de associação entre produtores,  mudança na fisionomia espiritual da população

Parte II, “uma crítica não crítica”, resposta a uma crítica de P. Skvortsov, “El fetichismo mercantil”. 

A resposta foi escrita e publicada em 1900.

620: quanto mais terra tivessem recebido os camponeses ao ser libertados e quanto mais barata a houvessem recebido, tanto mais rápido, amplo e livre haveria sido o desenvolvimento do capitalismo na Rússia

627: explica a controvérsia entre a nova corrente crítica e os ortodoxos: “querem transformar e desenvolver o marxismo em diferentes sentidos”













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