segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

2014 e o que virá depois


A direção nacional da Articulação de Esquerda (tendência do Partido dos Trabalhadores) realizou, nos dias 1 e 2 de fevereiro de 2014, um debate sobre a conjuntura. Este texto é uma síntese do que foi debatido. Seu objetivo é subsidiar nossa intervenção no Encontro Extraordinário sobre tática eleitoral que o PT fará no mês de abril de 2014, no Encontro Estatutário que a CUT fará em julho deste ano, bem como nos debates que travamos em diferentes espaços e instâncias dos movimentos sociais e do Partido.

1. As eleições presidenciais de 2014 constituem o centro da tática. Isto significa que a batalha em torno de quem ocupará a presidência da República no período 2015-2018 está no centro das preocupações e movimentações de todas as classes sociais e frações de classe, de todos os movimentos sociais e populares, de todos os meios de comunicação, governantes, parlamentares e partidos políticos. Como vem ocorrendo desde 1989, as eleições presidenciais cristalizam o estado da arte da luta de classes no Brasil.

2. O Partido dos Trabalhadores tem como objetivo vencer as eleições presidenciais de 2014. Ou seja: eleger a presidenta Dilma Rousseff para um segundo mandato presidencial.

3. O Partido dos Trabalhadores tem dois motivos fundamentais para reeleger Dilma. O primeiro deles é que fazemos um balanço “globalmente positivo” de seu mandato. O segundo deles é para evitar o retrocesso que seria causado por uma eventual vitória das candidaturas oposicionistas.

4. O Partido dos Trabalhadores não quer apenas vencer as eleições presidenciais de 2014. Queremos vencer criando as condições para um segundo mandato superior ao atual. Esta posição, defendida desde há muito pela Articulação de Esquerda, hoje integra as resoluções oficiais do PT (ainda que a prática predominante na direção nacional não corresponda a isto).

5. Por que queremos um segundo mandato superior ao atual? Em primeiro lugar, porque ou bem avançamos em relação ao ponto onde estamos, ou bem retrocederemos. Não avançar é retroceder. Dito de outra forma: para manter os níveis de bem-estar social, democracia e soberania conquistados até agora, será necessário que o segundo mandato Dilma tome medidas mais radicais do que aquelas adotadas no primeiro mandato.

6. Em segundo lugar, queremos um segundo mandato superior ao atual, porque o Partido dos Trabalhadores não foi criado para administrar o status quo. Nosso partido foi criado para lutar por mudanças profundas na sociedade brasileira, mudanças que agrupamos sob o nome de reformas estruturais democrático-populares, reformas que fazem parte de nossa luta por um Brasil socialista.

7. Lula fez um segundo mandato superior ao primeiro. Graças a isso, não apenas o povo melhorou de vida, mas também elegemos Dilma em 2010. Analogamente, se queremos continuar governando o país a partir de 1 de janeiro de 2019, é indispensável que o segundo governo Dilma seja superior ao primeiro.

8. O povo deseja que Dilma faça um segundo mandato superior ao primeiro. As pesquisas indicam que Dilma é a preferida da maioria do eleitorado. Entretanto, várias pesquisas também indicam que o povo quer mudança. Ou seja: a maioria do eleitorado e do povo brasileiro deseja que o segundo mandato Dilma “continue mudando” o Brasil. Diremos mais adiante o que “continuar mudando” significa programaticamente, em nossa opinião.

9. A oposição, o grande capital e o imperialismo tentam pegar carona no desejo de mudanças manifesto por amplos setores da população. Evidentemente, a mudança que eles desejam se traduz na derrota de Dilma e do PT, bem como na adoção de outro programa de governo. A mudança que a oposição, o grande capital e o imperialismo desejam é mudança para pior. Já as mudanças desejadas pelo povo se traduzem em mais Estado, mais desenvolvimento, mais políticas públicas, mais emprego, mais salário, mais democracia.

10. A contradição entre a mudança desejada pelo povo e a mudança desejada pelas elites é uma contradição antagônica. Por isto, a oposição não pode assumir abertamente seu programa: seria a derrota antecipada. Por isto, a oposição aposta na deterioração e na crise. Por isto, a oposição precisa manipular a população.

11. Para difundir suas mentiras, para tentar criar um clima de desgoverno e caos, para buscar conquistar o apoio popular, as elites contam com o oligopólio da comunicação. Os meios de comunicação disputam a natureza da mudança desejada pela população. Ironicamente, um setor do Partido dos Trabalhadores continua tratando o oligopólio da comunicação com luvas de pelica, sem entender que está principalmente nas mãos do governo mudar as regras do setor, desconcentrar as verbas publicitárias, estimular a mídia democrática e independente e, principalmente, construir uma forte rede pública de rádio e televisão.

12. Até agora falamos das ações da oposição de direita, o grande capital e o imperialismo. Mas é importante lembrar que a “esquerda da esquerda” (PSOL, PSTU, PCO, PCB, outros setores) tenta surfar na onda da oposição de direita. Aqueles partidos e grupos falam de mudança mais radical, o que é um desejo legítimo, uma intenção valorosa. O problema é que, nas condições atuais da luta política do Brasil, as críticas e as ações da “esquerda da esquerda”, daqueles que fazem oposição "pela esquerda" ao governo Dilma e ao PT, não estão acumulando principalmente em favor de posições de esquerda ou mesmo ultra-esquerda: ao contrário, estão acumulando principalmente em favor da oposição de direita. É por isto que, mesmo contra sua vontade, a “esquerda da esquerda” funciona, no mais das vezes, como linha auxiliar da oposição de direita. Não precisaria ser necessariamente assim, mas tem sido assim, inclusive porque os partidos e grupos citados acima adotam no mais das vezes um imenso sectarismo na ação e um absoluta esquematismo na análise.

13. Regressemos aos nossos inimigos: a oposição de direita, o grande capital e o imperialismo querem? O ideal para eles seria recuperar plenamente o governo federal, através da vitória de um de seus candidatos. Caso isto não seja possível, eles continuarão trabalhando para impor, tanto ao atual quanto ao segundo mandato Dilma, as políticas preferidas pela oposição de direita. Vale dizer que estas “duas táticas” da direita vem sendo aplicadas pelo menos desde o dia 1 de janeiro de 2003.

14. Para tentar recuperar o controle pleno do governo federal, a oposição de direita conta com duas candidaturas presidenciais: a candidatura Aécio Neves e a candidatura Eduardo Campos.

15. Aqui cabe esclarecer: nos referimos à “oposição de direita”, por dois motivos. O primeiro motivo é que há setores de direita que apoiam o governo (e que, pelo menos de direito, não são oposição). O segundo motivo é que, em nossa opinião, ser de “direita” ou de “esquerda” na conjuntura atual está vinculado à natureza do projeto de desenvolvimento defendido por cada candidatura, partido e movimento. Os que defendem um projeto de desenvolvimento submisso aos Estados Unidos e de natureza neoliberal ou social-liberal são, em nossa opinião, forças de direita e centro-direita. Os que defendem um projeto desenvolvimentista conservador estão, falando em tese, ao “centro” (em tese, porque de fato o centro se inclina e se divide em favor da direita e/ou da esquerda). Já os que defendem um projeto de desenvolvimento autônomo, de natureza social-desenvolvimentista ou democrático-popular são forças de centro-esquerda ou esquerda.

16. A candidatura Aécio Neves é a candidatura do PSDB, partido do grande capital financeiro e transnacional, partido do neoliberalismo, que algum dia se apresentou como a “direita de punhos de renda”, mas que hoje tem cada vez mais punhos e cada vez menos renda. Aécio Neves só tem chances de vencer a eleição presidencial, se conseguir no segundo turno conquistar o apoio daqueles setores do eleitorado que oscilam entre o PT e o PSDB.

17. A candidatura da dupla Eduardo Campos/Marina é lançada pelo consórcio PSB/Rede. O fato de terem feito parte do governo -- Marina até o segundo governo Lula, o grupo de Campos até meados do governo Dilma -- tem gerado alguma confusão na hora de interpretar a natureza político-programática e o caráter de classe desta candidatura bicéfala.

18. O fato, entretanto, é que Campos/Marina só têm chances de ir ao segundo turno da eleição presidencial, se conquistarem o apoio de quem não se identifica nem com PT, nem com PSDB. Mas só têm chances de vencer o segundo turno, se contarem com o apoio do eleitorado do PSDB. Por isto o núcleo duro de seu programa é anti-PT, “anti-chavista” como disse Marina num momento de sinceridade comovente.

19. Campos/Marina expressam os interesses de setores da grande burguesia, da média burguesia e dos chamados setores médios. Que setores são esses? São os que apoiaram Collor contra Lula em 1989; apoiaram FHC contra Lula em 1994; começaram a ganhar distância de FHC em 1998; não apoiaram de corpo e alma Serra em 2002; durante o governo Lula mantiveram uma postura de apoio mais ou menos crítico, ganhando distância pouco a pouco; e agora estão à busca de uma “terceira via” entre o neoliberalismo duro do tucanato e o programa democrático-popular que eles acham (e reclamam) que o governo petista estaria implementando.

20. Claro que há setores do povo, dos trabalhadores, que votarão tanto em Aécio quanto em Campos/Marina. Mas a natureza de sua candidatura não é dada pelo voto popular, mas sim pelos interesses de classe que ambos representam. E, somadas, as candidaturas Aécio+Eduardo/Marina expressam o interesse de conjunto do grande capital. Claro que haverá empresários apoiando e votando em Dilma. Mas enquanto classe, a burguesia estará financiando, apoiando, votando e torcendo pela oposição. Por isto é que erram e erram muito aqueles que, baseados em eventuais semelhanças programáticas, esquecem de apontar as divergências de classe existentes entre as coligações que apoiam Dilma, por um lado, e Aécio/Campos/Marina de outro.

21. O que dissemos até agora não impedirá que, no primeiro turno, as candidaturas Neves e Campos disputem entre si. Pelo contrário, não é impossível que em alguns momentos esta disputa ganhe certa temperatura. Entretanto, a dinâmica política impõe uma aproximação programática entre as duas candidaturas, já no primeiro turno, e uma aproximação eleitoral, no segundo turno. Aliás, nas eleições de Minas e Pernambuco, por exemplo, está evidente que há uma tática combinada entre PSB e PSDB.

22. É prematuro dizer qual destas candidaturas (Aécio ou Campos/Marina) irá ao segundo turno contra Dilma. A rigor, é prematuro até mesmo falar que haverá segundo turno. Mas, tendo em vista o histórico político do país e a análise que fazemos das tendências futuras da correlação de forças, nossa impressão é que haverá segundo turno; que neste momento Aécio tem mais chances de estar no segundo turno; mas que a fórmula Campos/Marina, se for ao segundo turno, é mais competitiva; e que num segundo turno, todos estarão unidos contra nós (como disse o ex-presidente FHC, não importa com quem, importa derrotar o PT). Por isto, não se deve ter nenhuma complacência com inimigos, apenas porque algum dia foram aliados.

23. Aliás, é preciso que setores do PT reflitam sobre o seguinte: estes partidos e personalidades que foram aliados do PT e que hoje são nossos inimigos, qual o conteúdo real da ação deles quando estavam conosco? Que projeto político e social era implementado, em Pernambuco, em Belo Horizonte e em outros lugares em que o PSB governava com a participação do PT? Era um projeto democrático-popular ou era um projeto social-liberal? Em nossa opinião, há setores do PT que hoje tem dificuldade de enfrentar com qualidade e conteúdo as candidaturas da oposição, porque conciliaram e até defenderam posições social-liberais muito próximas as do PSDB e do PSB (como vimos em Belo Horizonte e Minas Gerais e também no Acre, por seguidas vezes).

24. Mesmo que perca as eleições, mesmo que Dilma vença as eleições presidenciais de 2014, a oposição de direita não vai deixar de existir. Pelo contrário, vai continuar com suas duas táticas: por um lado preparando-se para as eleições presidenciais de 2018, por outro lado trabalhando para impor a política deles ao segundo governo Dilma.

25. As chances disto ocorrer, a influência maior ou menor da oposição sobre nosso segundo mandato, depende de vários fatores. Depende, é claro, do tamanho da vitória eleitoral de Dilma em 2014. Depende, ainda, da natureza da vitória: será uma vitória como a de Lula em 2006, na ofensiva? Ou será uma vitória como a de Dilma em 2010, na defensiva? A influência da oposição de direita, dependerá, ainda, da composição do futuro Congresso Nacional e de quem será eleito para governar os estados brasileiros.

26. Por estes motivos, para nós que defendemos não apenas a reeleição de Dilma, mas uma reeleição em condições dela comandar um segundo mandato superior ao atual, é essencial debater a linha de campanha, a política de alianças, a ampliação de nossa presença no Congresso e a tática nos estados.

27. A linha de campanha não pode repetir nem o primeiro turno de 2006, nem o primeiro turno de 2010. Naquelas ocasiões, prevaleceu na coordenação de campanha e na direção do Partido a tese absurda de que o mais provável seria nossa vitória no primeiro turno. Convenhamos: ninguém pode desconsiderar as possibilidades de uma vitória em primeiro turno e ninguém deve torcer para que a disputa vá ao segundo turno. Mas a análise dos fatos, desde 1989, aponta para que o mais provável seja a eleição de 2014 ser decidida no segundo turno, numa disputa violenta, feroz, sem quartel.

28. Tampouco pode prevalecer a postura de “salto alto” e “chapa branca”. Embora inúmeros indicadores nos sejam favoráveis, o que ganha uma disputa eleitoral é a política. E política inclui a percepção da realidade. E tanto uma (a percepção) quanto outra (a realidade) são objeto de disputa cotidiana. A oposição de direita está apostando no caos, na confusão, na crise, no exacerbar dos problemas. E aposta tanto na criação desta realidade, quanto na maximização dela através dos meios de comunicação. Esta campanha da direita não será derrotada de maneira burocrática, com a apresentação de relatórios administrativos. Exigirá uma disputa política cotidiana, articulando partidos, movimentos, bancadas e governos; e exigirá que tenhamos a maturidade de entender que a maioria do povo brasileiro tem consciência política, sabe que há problemas reais no país, sabe que nosso governo não é perfeito e ainda assim poderá repetir seu voto em nós, se conseguirmos convencê-lo não apenas do que fizemos, mas principalmente acerca do que faremos, das mudanças que nós mesmos seremos capazes de fazer, inclusive corrigindo nossos erros.

29. Por isto defendemos uma a) uma campanha politizada, que polarize programaticamente com as duas fórmulas opositoras: Aécio & Eduardo/Marina; b) uma campanha que combine a ação estritamente eleitoral, com a mobilização em favor do plebiscito, da lei da mídia democrática, da plataforma da classe trabalhadora, das plataformas do MST, Une e Ubes.

30. Também por isto consideramos que nosso programa de governo 2015-2018 deve ser muito incisivo, propondo medidas radicais nas áreas de reforma urbana, reforma agrária, segurança pública, educação e saúde, redução dos juros, jornada de 40 horas e outras demandas da classe trabalhadora, inclusive o fim do fator previdenciário.

31. Esta postura programática deve se traduzir na política de alianças. Recusamos a ideia tosca segundo a qual a soma de legendas e o tempo de televisão resultante constituem, de per si, um fator mais decisivo do que o perfil político da candidatura, a linha de campanha e o programa de governo. Somos de opinião que a política de alianças deve ser compatível com o programa que defendemos para o segundo mandato. E, dada a natureza do programa que propomos, deixamos claro o seguinte: se a adoção deste programa inviabilizar a aliança do PMDB conosco, devemos ficar com nosso programa. Em hipótese alguma deve repetir-se o ocorrido em 2010, quando a defesa das 40 horas (entre outras bandeiras) foi riscada do programa por imposição de “aliados”. E para aqueles que dizem que este e outros temas são de natureza congressual, respondemos: não tergiversem. Todo mundo sabe que a aprovação ou não de determinados temas no Congresso depende do empenho maior ou menor do governo.

32. Em decorrência de tudo que foi dito até agora, defendemos que nas eleições para governador de estado, o PT tenha uma tática e uma política de alianças compatível com a que foi até aqui exposta. É o caso, por exemplo, do Maranhão, onde passa da hora de libertar o PT da subalternidade, da condição de linha auxiliar de uma oligarquia fisicamente decrépita, mas políticamente ativa e socialmente desastrosa. É o caso, também, de Pernambuco, onde seria um suicídio chamar voto num grande empresário para governador, favorecendo a tentativa que Eduardo Campos fará de apresentar-se como o verdadeiro defensor dos interesses populares. Raciocínio semelhante pode ser feito quanto ao Pará e ao Ceará, onde o PT precisa apresentar candidaturas ao governo estadual. Ainda sobre Maranhão e Pernambuco, é preciso que nosso Partido reflita: como chegamos a este ponto? Valeu a pena a intervenção no Maranhão? Até quando vai prevalecer a tolerância de certas tendências internas para com seus quadros, visivelmente cooptados pelo esquema de Eduardo Campos?

33. Finalmente e em decorrência de tudo que dissemos até agora, defendemos uma tática de ampliação de nossas bancadas, especialmente no Senado e na Câmara dos Deputados. Isso passa não apenas pela política de alianças adequada, mas por uma postura distinta da direção partidária frente a campanha proporcional. O Partido precisa agir como se o voto fosse em lista, fazer campanhas de voto na legenda, centralizar o uso dos recursos financeiros de campanha nesse sentido, inclusive trabalhando com candidaturas prioritárias onde isto for politicamente consensual no Partido. Agregamos, também, a necessidade do Partido vetar candidaturas quinta-coluna, como a de certo deputado federal paulista que sabotou a reforma política.

34. Dissemos antes e repetimos aqui: para nós que defendemos não apenas a reeleição de Dilma, mas uma reeleição em condições dela comandar um segundo mandato superior ao atual, é essencial debater a linha de campanha, a política de alianças, a ampliação de nossa presença no Congresso e a tática nos estados. Mas agregamos: é essencial que a ação do governo Dilma esteja sintonizada com esta tática, desde agora.

35. Na luta política contra nós, a oposição de direita usa e abusa das insuficiências e contradições do governo e do próprio Partido. Citamos a manipulação do sentimento popular contra a política conservadora, que o oligopólio da mídia direciona, hipocritamente, contra o PT, usando principalmente o caso da AP 470. Citamos a manipulação de legítimas aspirações, críticas e mobilizações populares, incluindo na manipulação a infiltração de provocadores e a repressão seletiva. Citamos, ainda, a atitude tíbia do governo frente ao oligopólio da comunicação e a judicialização da política, assim como a atitude tíbia de setores do Partido frente a mercantilização das eleições (como não lembrar do famoso deputado petista, que sabotou a reforma política, onde entrou em boa medida graças ao generoso apoio financeiro que recebeu de grandes empresários?).

36. O que a oposição de direita faz, evidentemente, constitui seu papel histórico: nos atacar, nos desgastar, tentar nos derrotar. Aqueles que “reclamam” da atitude da oposição comportam-se de maneira simplesmente ridícula. A atitude da oposição deve ser denunciada, não “corrigida”. Não somos professores da oposição, somos seus inimigos.

37. O problema é que a linha política predominante na maioria do PT e também predominante no governo contém graves falhas e erros, que não ajudam no enfrentamento adequado da oposição de direita, da sabotagem do grande Capital, da virulência cotidiana do oligopólio da mídia, da influência deletéria do imperialismo.

38. Entre as falhas e erros do governo, destacamos aqueles que precisam de correção imediata:
a) a política de concessões sem contrapartidas ao grande capital (especialmente a política de ampliação da taxa de juros, mas também a política de subsídios e isenções sem contrapartida etc.);
b) a política de contenção dos investimentos no setor social (a exemplo do veto aos 10% da saúde e da educação, a recusa em libertar os estados asfixiados pela herança fiscal maldita deixada por FHC etc.);
c) a postura incorreta no trato do tema da segurança pública (vide a postura do ministro da Justiça nas manifestações de 2013, a proposta divulgada originalmente pela Defesa tratando os movimentos sociais como inimigos, a defesa da lei anti-terrorista por parte de próceres petistas);
d) a ausência de uma política adequada para o explosivo tema urbano, aí incluído o transporte público, erro agravado pelos efeitos colaterais da Copa;
e) o desacertado discurso em favor de um “país de classe média”;
f) as em geral desastrosas indicações de ministros para o Supremo Tribunal Federal;

39. Entre as falhas e erros do Partido, destacamos como aqueles que necessitam de correção imediata:
a) aceitar terceirizar, seja para o governo, seja para o Instituto Lula, aquilo que é papel do Partido, a saber, o papel de direção política global;
b) a incompreensão acerca do papel do grande capital na disputa política. O grande capital mudou de postura frente ao governo Dilma, não pelos “defeitos” da presidenta (como diz certa imprensa, muitos analistas e mesmo vários petistas), mas fundamentalmente porque, mesmo parciais e incompletas, certas intenções que manifestamos, certas opções que fizemos e os êxitos que acumulamos, são incompatíveis com o padrão de acumulação hegemônico no grande empresariado brasileiro;
c) a insistência na política de alianças com setores da direita, insistência que decorre exatamente da incompreensão citada no item anterior;
d) a incompreensão que amplos setores revelam, acerca do papel positivo e indispensável dos movimentos e das lutas sociais, para nossas vitórias eleitorais e principalmente para o êxito dos nossos governos, quando estes querem colocar-se à serviço da transformação.

40. Cabe dizer que a postura incorreta, conservadora, que predomina nos governos e, em menor medida, nas direções partidárias, já é criticada pela direção majoritária dos movimentos sociais. Não apenas as entidades e movimentos vinculados a partidos de esquerda que fazem oposição a nós, ou dirigidos por militantes ligados a chamada esquerda petista, mas também movimentos e entidades dirigidas pelos setores majoritários do PT percebem que é preciso ampliar a organização e luta popular, politizar as reivindicações, colocar a classe trabalhadora, especialmente jovens e mulheres, na vanguarda das mobilizações. Sem o que, eleitoral ou não, mais cedo ou mais tarde, a derrota virá.

41. Falamos antes que a direita busca, desde 1 de janeiro de 2003, influenciar “por dentro” nosso governo, ao mesmo tempo que busca pressioná-lo e derrotá-lo “por fora”. É preciso deixar claro que, hoje, o principal instrumento da direita nesta operação quinta-coluna chama-se PMDB. É através deste partido, de sua influência no governo e no Congresso, que se faz pressão sobre o governo, no sentido de obter determinadas políticas (ampliação da taxa de juros, contenção dos recursos para políticas universais de saúde e educação, recusa da Constituinte, proteção aos militares envolvidos com crimes contra os direitos humanos etc.). Enfrentar o apetite do PMDB, mesmo que o preço seja não tê-lo em nossa chapa, ajudará na sobrevivência e desempenho presente e futuro do governo Dilma.

42. Certamente haverá quem diga que a política até agora exposta é, além de temerária, inviável. Em nossa opinião, pelo contrário, há casos recentes que ilustram a necessidade e a possibilidade de mudar de linha. E, pelo contrário, que ilustram o preço das opções conservadoras, tíbias, recuadas. Vejamos a seguir alguns.

43. A atitude que predominou no governo, em casos como o da Comissão da Verdade e do tratamento dos povos indígenas, foi de conciliação com a direita. E qual foi a reação da direita? Redobrou sua violência contra nós, contra a esquerda, contra o povo.

44. A atitude que predominou no governo, no caso da reforma agrária, foi a da inércia. Qual foi o resultado? Em nome do ótimo (assentamentos de qualidade), sacrificamos o bom (assentamentos) e colhemos o péssimo (sem assentamentos).

45. A atitude que predominou no governo, no caso da taxa Selic, foi a da inconsistência: iniciamos o governo com uma postura ortodoxa; depois travamos uma batalha contra o setor financeiro; como não tivemos disposição de ir até o fim nesta batalha, o resultado foi o recuo. E o recuo significa a volta de taxas de juros que obstruem os níveis de desenvolvimento que necessitamos.

46. A regulamentação do trabalho doméstico beneficiará 7 milhões de trabalhadoras e foi um importante avanço no governo Dilma. Mas a atitude que predominou no governo frente a Pauta da Classe Trabalhadora, entregue à Presidenta Dilma em março de 2013, foi o descompromisso em discutir os pontos, como por exemplo o fim do fator previdenciário e a redução da jornada de trabalho. O efeito colateral desta atitude do governo foi a contra-ofensiva patronal, especialmente através do PL 4330. O fato é que em relação a Pauta da Classe Trabalhadora não houve nenhuma conquista nova no curso do primeiro mandato da presidenta Dilma. Em parte por isto, hoje não há consenso nas centrais sobre a candidatura Dilma, diferente do que ocorreu em 2010 (evidentemente, a atitude da Força Sindical responde a outras motivações).

47. Por outro lado, o que ensina o caso do Mais Médicos? Que quando uma ação tem apoio popular, quando o governo e o partido estão articulados em sua defesa, quando decidimos vencer, é possível dividir o inimigo e obter uma vitória.

48. Infelizmente, mesmo neste caso há aqueles que, apoiados no sucesso do Mais Médicos, não querem implantar o financiamento adequado do SUS. E sem financiamento, o SUS será convertido em “SUS para pobres”, empurrando o resto da população para planos de saúde privados, sonho de consumo da “classe média”, mas totalmente incapazes de enfrentar os temas da saúde brasileira.

49. O tema fundamental, portanto, é de linha política. E é deste ângulo que enfrentamos o debate acerca da Copa, das manifestações e da violência policial, debate que ganhou tremendo espaço depois do assassinato de um jornalista fotográfico no Rio de Janeiro, assassinato que repudiamos com todas as nossas forças, mas sem em nenhum momento fortalecer a posição dos que pretendem, usando pretextos como a “atualização do marco legal” e a “proximidade da Copa”, adotar uma legislação “celerada”, que legalize a violência policial-militar contra os movimentos sociais e contra a população pobre em geral. A esse respeito, é didático o ataque da PM do Distrito Federal contra uma marcha do Movimento Sem Terra, em fevereiro de 2014, em Brasília.

50. Voltemos ao tema da Copa: o que se pretendia era, contando com o grande apelo popular do futebol, desencadear um conjunto de investimentos públicos e privados em infraestrutura urbana. O que foi feito de fato? Um conjunto de investimentos cujo legado é no mínimo controverso. Teria como ser diferente? A experiência da África do Sul e toda a trajetória da FIFA indicam que não, salvo se o governo tivesse uma política urbana de outro tipo, tivesse assumido o gerenciamento e execução estatal das obras e, ao mesmo tempo, tivesse enfrentado a quadrilha que comanda os grandes negócios do mundo esportivo nacional e internacional. Alguns talvez tenham sido contra fazê-lo, por medo de colocar em xeque a decisão de trazer a Copa para o país. Outros, talvez por opção preferencial pelas “parcerias público-privadas”. O resultado desta postura é este que estamos vendo. De nossa parte, queremos que a Copa ocorra, queremos que o Brasil vença a Copa, mas não consideramos possível defender globalmente o “legado da Copa”, como fazem alguns setores da esquerda, notadamente o PCdoB.

51. Ademais, achamos necessário reconhecer que o governo e o PT estão na defensiva neste debate sobre a Copa, e estamos na defensiva porque não se construiu uma estratégia estatal global, administrativa e política, para enfrentar a questão. Uma vitória brasileira na Copa pode mudar, simbolicamente, este ambiente. Mas fora esta hipótese, a situação geral é de defensiva.

52. Como sair da defensiva? Em primeiro lugar, devemos separar o joio do trigo. Recusamos a palavra de ordem “não vai ter Copa”. Esta palavra de ordem poderia ser parte legítima do debate, quando se discutia se o Brasil pleitearia ou não ser sede do evento. Agora, não há maneira de considerar como tempestiva, nem como correta, esta palavra de ordem: “não vai ter Copa” significaria na prática inviabilizar o evento, com os danos imensos que isto causaria, tanto do ponto de vista econômico e social, quanto do ponto de vista político.

53. Na mesma linha de separar o joio do trigo, devemos distinguir os movimentos de protesto legítimos, que mobilizam setores populares vítimas dos efeitos colaterais da Copa (remoções, por exemplo); daqueles movimentos que constituem cobertura ou ambiente propício para ações políticas de direita. Neste sentido, devemos analisar caso a caso cada mobilização, apoiando e participando apenas daquilo que a) tenha legitimidade e b) onde haja participação e influência real de setores sociais organizados. E devemos, principalmente, ajudar a organizar as demandas destes setores sociais.

54. Também na linha de separar o joio do trigo, é importante combater a violência nas manifestações. Não cabe aqui fazer um debate genérico, teórico, abstrato, sobre o papel da violência na história, sobre o direito a auto-defesa contra a truculência policial, ou ainda sobre a existência cotidiana de uma violência racista e fascista contra os pobres deste país. Quando falamos em combater a violência nas manifestações, nos referimos:
a) a desmilitarização das polícias: grande parte dos atos de violência ocorridos nos últimos meses tem origem na ação ou falta de ação dos aparatos policiais. É preciso denunciar a atitude predominante nas polícias: a provocação e a permissividade quando interessa gerar o caos; o racismo e atitudes militaristas, quando interessa impor o medo. E as vítimas, em sua grande maioria, sempre jovens e negras;
b) a necessidade de localizar, prender, julgar e punir, nos termos da lei, atos individuais de violência. O que temos visto em algumas manifestações não é qualitativamente distinto do que assistimos nos estádios, no conflito entre torcidas. Não é preciso lei “anti-terrorista” para enfrentar esta situação, não há fatos novos que exijam nova legislação;
c) a uma ação preventiva contra a proliferação de grupos fascistas, racistas, homofóbicos, de “vigilantes”. Há setores médios que, atendendo ao discurso histérico de certa direita, estão sendo estimulados, financiados e dirigidos no sentido de gerar situações de conflitos;
d) a adoção, nas manifestações organizadas pelos movimentos sociais, populares, estudantis, sindicais e pelos partidos de esquerda, de “serviços de ordem”, a saber, equipes identificadas e treinadas para impedir a ação de baderneiros e provocadores.   

55. Resumindo tudo o que foi exposto até agora: trabalhamos para vencer as eleições de 2014, em condições de fazermos um segundo mandato Dilma superior ao atual. Para isto, consideramos necessário corrigir significativamente a tática adotada pela maioria, inclusive para evitar o risco de derrota eleitoral e para evitar que tenhamos um segundo mandato pior do que o atual. Especialmente porque qualquer uma destas possibilidades constitui uma ameaça ao PT e a esquerda brasileira.

56. Por isto aplicaremos a política de vencer criando condições para um segundo mandato superior, defenderemos esta linha no Encontro extraordinário do PT e nos estados, vamos nos preparar para vencer provavelmente no segundo turno (a exemplo de 2002, 2006 e 2010) e, principalmente, vamos nos preparar para um segundo mandato com mais conflitos políticos, econômicos e sociais.

57. Concluímos destacando esta ideia: achamos que a contradição entre o desenvolvimentismo conservador do grande capital e a defesa das reformas estruturais por parte da classe trabalhadora vai se agudizar. Isto, é bom lembrar, é dito no ano em que completam 50 anos do golpe militar de 1964, exemplo claro do que são capazes de fazer as classes dominantes contra a democracia, a soberania nacional e o bem estar social do nosso povo. Precisamos de um governo, de movimentos sociais e principalmente de um Partido dos Trabalhadores que estejam à altura deste desafio histórico.

A direção nacional da Articulação de Esquerda
Fevereiro de 2014



Nenhum comentário:

Postar um comentário