segunda-feira, 7 de abril de 2025

Obrigado, Mercadante!

O companheiro Aloizio Mercadante, atualmente presidente do BNDES, acaba de publicar na Folha de S. Paulo um artigo intitulado “Obrigado, Alexandre”.

O “Alexandre” em questão vem a ser o ministro Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal.

O artigo de Mercadante é de leitura essencial para quem deseje compreender a renovação ideológica que está em curso em parte da direção do nosso Partido e do nosso governo Lula 3.

A Grécia

O artigo de Mercadante começa falando das origens gregas dos “sistemas políticos do Ocidente”. Não tenho a erudição que Aloizio demonstra acerca da Paideia, mas registro meu espanto com duas afirmações.

Primeiro, com a maneira delicada como Aloizio descreve o fato da chamada democracia grega excluir estrangeiros, escravos e mulheres. Segundo Aloizio, ela seria “imperfeita e restrita”. 

Segundo, com a ausência de qualquer menção às grandes revoluções que desde o século 17 jogaram papel insubstituível para destruir as “imperfeições e restrições” vigentes à época.

Noutras palavras: o “impulso civilizatório” que realmente fundou a democracia no sentido moderno da palavra veio da plebe, não da Grécia antiga. 

Aliás, registro que certas ideias mitológicas acerca das origens helênicas do “Ocidente” são muito acalentadas pela direita e pelas elites dos países capitalistas decadentes, especialmente neste momento em que enfrentam um desafio que encarnam na China.

O indivíduo

Acerca da Paideia, Aloizio destaca a “educação que criava cidadãos críticos, comprometidos com os valores coletivos da pólis e com a manutenção de um Estado justo”, educação cívica que ele contrapõe ao que estaria ocorrendo hoje, por obra e graça das mal denominadas redes sociais. 

Neste ponto, registro meu espanto com outras duas afirmações, ambas presentes na seguinte passagem do texto de Mercadante: “no contexto histórico moderno, os grandes guardiões efetivos da democracia, para além das instituições e do sistema de pesos e contrapesos, são os próprios cidadãos, que informados e bem formados, defendem seus direitos individuais e coletivos e impedem a sempre presente ameaça da deturpação do exercício do poder”.

Primeiro: não sei exatamente o que Aloizio inclui no tal “contexto histórico moderno”. Mas pelo menos no século XX, na maior parte dos países capitalistas, as “instituições” não foram guardiãs da “democracia”. 

Vide o caso dos Estados Unidos: ao longo da maior parte do século XX, a serviço de quem e do quê estiveram o Congresso, a Suprema Corte e a Presidência daquele país? Estiveram a serviço da “democracia”?? 

Segundo: não consigo compreender como alguém de esquerda produz esta síntese que fala de “pesos e contrapesos”, fala de “instituições” e destaca os “cidadãos” como pilar da defesa dos direitos. 

Esta maneira de ver a política – centrada nos indivíduos que elegem os integrantes de instituições que se equilibram mutuamente – é totalmente liberal. 

É liberal porque exclui do cenário as organizações coletivas das classes trabalhadoras que, na história real  - não nos manuais - foram os principais protagonistas da luta democrática em todo mundo. 

Não apenas exclui, mas também dilui as classes sociais existentes dentro de cada sociedade numa única e mesma geleia. Além disso, coloca num mesmo saco as sociedades metropolitanas e periféricas, capitalistas e socialistas. O que torna impossível entender por qual motivo o nazismo surgiu no chamado Ocidente e foi derrotado principalmente pelo esforço da União Soviética. Assim como torna impossível compreender por qual motivo a República Popular da China é, hoje, uma das maiores barreiras contra o neofascismo trumpista.

As redes

Sobre o que estaria ocorrendo hoje, Mercadante diz que “vivemos um momento histórico de ‘anti-Paideia’. O século 21 está se tornando o exato oposto do ‘Século de Péricles’. O século 21 está se tornando o ‘século da neocolonização digital’.”

Como disse antes, não tenho a erudição de Aloizio Mercadante, assim vou pular as referências gregas e vou me concentrar no presente: concordo integralmente com Aloizio sobre o efeito corrosivo das “redes sociais desregulamentadas, controladas pelas big techs e seus interesses econômicos, comerciais e políticos”.

Mas discordo da “narrativa” que Mercadante apresenta, narrativa resumida na seguinte frase: “estão corroendo as democracias pela via perversa e maliciosa da destruição da cidadania”. 

Esta narrativa transmite a impressão de que antes das redes existia algo que funcionava bem. E esta impressão é simplesmente falsa. 

Para não ir mais longe, o neoliberalismo triunfou nos principais países capitalistas desde 1979 e isso aconteceu quando ainda não existiam as tais redes sociais desregulamentadas. 

Desde então e antes das redes, já se falava em crise das instituições democráticas. 

Não foram as “big techs e suas redes sociais” que inauguraram a substituição do “cidadão pelo consumidor”, dificultando “um real debate público, qualificado e democrático”. 

Portanto as “redes sociais” (e o neofascismo) cresceram em terreno que já estava previamente “corroído” pelo neoliberalismo (e se formos mais atrás na história, a coisa tampouco melhora, pelo simples fato de que a relação entre capitalismo e democracia nunca foi harmônica). 

A narrativa de Mercadante passa a impressão oposta, como se pode ver na seguinte frase: “as big techs e suas redes sociais (…)  tendem também a substituir a imprensa e a política, reais e democráticas, por uma espécie de ‘micropolítica à la carte’, que manipula, degrada e polariza artificialmente a opinião pública”. 

Que a Rede Globo e o Estadão digam algo parecido com isso, normal. Mas nós não podemos dizer que antes das redes existiam uma “imprensa” e uma “política” que seriam “reais e democráticas”.

Nessa questão das redes, ninha discordância com Mercadante vai além da narrativa e inclui a “solucionática”. 

Considero insuficiente dizer que as redes devam ser “submetidas a um controle legal e democrático que as tornem instrumento útil para a cidadania”. 

Entendo que devemos dizer e fazer sobre as redes o mesmo que dizíamos (e não fizemos) acerca da comunicação de massas pré-redes, a saber: não pode existir monopólio privado, deve existir comunicação pública.

No caso, o Brasil precisa ter redes sociais próprias, sob controle nacional e estatal. Ou é isso, ou ficaremos dependentes da “moderação” dos Mark e Elon da vida. 

Neste particular, pouco ou nada devemos esperar da “articulação global”, ao menos com a União Europeia e Ásia. É o Estado brasileiro que deve tomar a iniciativa e criar redes brasileiras.

O multilateralismo

Aloizio considera que “os ataques às democracias atingem o multilateralismo e as instituições que sustentam as regras da ordem global, e levam ao desrespeito sistemático de acordos, tratados e convenções internacionais por parte de alguns países”.

Aqui, novamente, fica evidente que a “narrativa” de Mercadante contrapõe o presente a um passado que supostamente seria melhor. Cá entre nós, se fosse mesmo “melhor”, de onde o neofascismo teria surgido? Veio de Marte? Nasceu por geração espontânea? Ou foi resultado das contradições do “multilateralismo” e de suas “instituições”?

A verdade, na minha opinião, é a seguinte: o neofascismo é filho legítimo do neoliberalismo e da crise do capitalismo. Motivos pelos quais nossa oposição ao neofascismo não pode ser baseada na mistificação e na mitificação acerca do passado neoliberal. Nem pode estar baseada numa aliança com a direita gourmet neoliberal.

O judiciário

O introito anteriormente comentado serve para Mercadante situar num “sentido mais amplo e civilizatório” o “esforço de juízes como Alexandre de Moraes, e o empenho de uma instituição tão importante como o STF”.

Há pessoas e computadores que têm memória limitada: só assim para entender a visão parcial que muita gente, Mercadante inclusive, têm acerca do STF. 

Vamos lembrar: o Supremo foi fundamental para o sucesso do golpe de 2016 e para a eleição do cavernícola em 2018. 

Que, hoje, as contradições entre os diferentes setores da classe dominante levaram a maioria do Supremo noutra direção, não tenho dúvida. Mas as posições atuais da maioria do Supremo não justificam análises simplistas.

Quero lembrar, ademais, que havia e segue existindo todo um debate sobre a partidarização da justiça e acerca da judicialização da política. Esse debate não comparece no texto de Mercadante. 

No seu lugar surge um “Poder Judiciário” que supostamente estaria na "linha de frente" em “defesa da democracia, da cidadania, dos direitos individuais e coletivos, da legalidade e do Estado democrático de Direito; e contra a tendência internacional de consolidação de autocracias, abertas ou veladas”.

Este tipo de narrativa, que faz desaparecer as nuances, as contradições, os conflitos, resumindo tudo a luta do bem contra o mal, não é típico da esquerda. Paradoxalmente, é típico da direita que Aloizio pretende criticar.

Xandão

Como já disse e repito, erudição não é minha praia. Mas li num velho livro espanhol um raciocínio genial, que diz mais ou menos assim: a descrição que se faz de certos personagens históricos não corresponde ao que eles foram, mas sim ao que eles deveriam ser para servir de exemplo para as futuras gerações.

Lembrei disso ao ler o elogio que Mercadante faz a Xandão, pessoa cuja trajetória pré-Supremo pode ser resumida no fato de que ele foi indicado ao STF pelo golpista Michel Temer. Quanto a trajetória de Xandão no Supremo, quero lembrar do seu voto num julgamento essencial, ocorrido em abril de 2018, portanto há sete anos.

Cito a seguir texto publicado pelo UOL: “Depois de mais de dez horas de sessão, a maioria do STF (Supremo Tribunal Federal) negou o habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que ele possa recorrer em liberdade de sua condenação em segunda instância no processo do tríplex. Em uma votação acirrada, seis dos onze ministros mantiveram o atual entendimento da Corte, que permite a execução da pena após decisão em segundo grau. Apesar de dois ministros terem mudado de posição sobre a possibilidade de prisão na segunda instância, o placar se manteve inalterado --6 a 5-- em comparação aos julgamentos no qual o STF fixou, em 2016, a possibilidade de início de cumprimento da pena nessa fase do processo".

Como votou Alexandre de Moraes? Xandão votou contra Lula. Segundo a matéria do UOL, Xandão teria dito o seguinte: “A jabuticaba seria o inverso: só começar a execução após transito em julgado, depois de todas as possibilidades recursais”.

Não sei como Mercadante consegue conciliar esta trajetória, que ele certamente conhece melhor do que eu, com a afirmação de que Alexandre de Moraes e o STF estariam destinados a “defender nossa democracia, nossos direitos e nossa capacidade de participarmos, de forma pacífica e sem manipulações indevidas, dos debates públicos destinados a identificar, promover e defender o bem comum, como se fazia nas ágoras atenienses”. 

Se bem que nas ágoras atenienses só participavam homens de bem. Logo, se for esse o parâmetro, talvez seja mesmo possível dar nó em pingo dágua.

Democracia

Mercadante encerra seu texto dizendo que “a democracia interessa a quem é de esquerda, de centro ou de direita”. 

Adoraria que isto fosse verdade. Mas não é.

A direita fala em “democracia”. Até a extrema-direita fala em “democracia”. Mas como a história comprova, a direita é assassina de democracias. E o faz sem dor na consciência, pelo simples motivo de que para eles “democracia” tem um significado distinto do significado que tem para nós.

O centro também fala em democracia. Mas seu posicionamento real depende da correlação de forças. A maior parte do centro apoiou o golpe de 2016 e votou no cavernícola em 2018. Aliás, como já ouvi uma vez ser dito por um assessor do presidente Lula, na prática o “centro não existe”.

Portanto, a democracia interessa mesmo é a nós, da esquerda. 

A classe trabalhadora precisa de liberdades democráticas. Por isso, concordando com Mercadante, devemos ser contra o “neocolonialismo digital". 

E em nome disso, podemos e devemos fazer alianças. Mas sem confiar nos aliados de direita e centro, sem baixar a guarda, sem acreditar que pêras nascem em carvalhos.

Exemplo dessa postura está no último parágrafo do artigo de Mercadante.

Palavra de Mercadante: “As utopias, como escreveu Eduardo Galeano, são como o horizonte. Por mais que caminhemos em sua direção, nunca o alcançamos. As utopias, contudo, servem justamente para isso, para nos obrigar a caminhar. A caminhar no rumo correto. Enquanto tivermos na vanguarda dessa caminhada interminável, porém imprescindível, com cidadãos como Alexandre de Moraes, estaremos bem. Nossa democracia estará bem”.

Fazer de Alexandre Moraes a vanguarda da nossa caminhada interminável pela utopia pode ser apenas um exagero brega de ghostwriter. 

Mas também pode ser algo deveras simples: mais uma confirmação de que parte da esquerda brasileira está trocando de utopia.   

Obrigado, Mercadante, por nos lembrar disso!






sábado, 5 de abril de 2025

Resposta a um raciocínio boçal

 Me enviaram hoje um texto que começa assim: 

“Enquanto Pedro Pomar, foi um importante militante comunista e revolucionário que lutou contra a ditadura militar, até ser assassinado no Massacre da Lapa em 1976, Luiz Inácio Lula da Silva construiu um legado, através de políticas públicas e programas sociais, que transformaram profundamente o Brasil, durante seus mandatos presidenciais (2003-2010),(2023.....), melhorando significativamente a vida da população mais pobre, sem recorrer à violência.”

Em seguida o texto relaciona várias das políticas públicas desenvolvidas pelo governo Lula.

No penúltimo parágrafo o texto diz o seguinte:

“Enquanto Pedro Pomar, defendeu a revolução pela via armada, Lula demonstrou que transformações profundas, podem ser alcançadas pela via democrática, sem sacrificar sangue inocente, com políticas públicas bem estruturadas e focadas na redução das desigualdades. Seu legado, é marcado por avanços significativos nos indicadores sociais e econômicos, que melhoraram concretamente a vida de milhões de brasileiros, especialmente os mais pobres, sem necessidade de conflito ou derramamento de sangue.”

A última frase do texto diz assim: “Quem é Walter pomar, na fila do pão???”

Segundo me informaram, o texto teria sido escrito por um funcionário de um vereador, provavelmente com a ajuda de alguma (falta de) inteligência artificial.

Pedro Pomar é um herói do povo brasileiro. Sem a luta de milhares de “pedros” como ele, a maioria dos quais ainda não teve seu nome lembrado nos livros de história, não teríamos chegado aonde chegamos hoje.

Na história do Brasil, a classe dominante sempre fez uso da violência para impor seus interesses. Foi e segue sendo a classe dominante - não a esquerda, nunca a esquerda - que sempre sacrificou sangue inocente. 

Até agora a classe dominante teve êxito e segue controlando a maior parte da riqueza, da renda e do poder em nosso país. Por isso é que continua sendo necessário lutar por transformações profundas no Brasil. Por isso continua sendo necessário lutar pela revolução. 

Para não dizer que não falamos de espinhos: o problema não está no lugar que as pessoas ocupam ou deixam de ocupar nesta ou naquela “fila”. O problema é precisar ter fila para poder ter pão…



quinta-feira, 3 de abril de 2025

Fóssil soviético não usa fusca!

Quaquá, como qualquer um, tem qualidades e tem defeitos.

E além disso tem dinheiro.

Muito dinheiro.

E como uma coisa leva a outra, a imprensa noticiou planos assaz curiosos que o prefeito tem para utilizar parte dos recursos de Maricá:

Maricá compra 10 projetos inéditos de Oscar Niemeyer por R$ 73 milhões – Política – CartaCapital

Prefeito de Maricá propõe comprar SAF do Vasco - Estadão

O dinheiro ajuda Quaquá a não ter medo das aparências.

Por exemplo, não tem medo ser chamado de coronel.

Isso explica a tranquilidade com que ele empossa publicamente as pessoas, como se pode ler na notícia abaixo:

EXCLUSIVO. Quaquá revela que seu filho, Diego Zeidan, será o próximo presidente do PT fluminense – Agenda do Poder

Se for mesmo verdade o que está escrito na matéria acima, Quaquá teria dito o seguinte: "Aqui no Rio (o presidente) será o meu filho Diego. Fabiano tem que se concentrar no trabalho para viabilizar a candidatura dele a vice-governador. Vai chefiar nosso GTE (Grupo de Trabalho Eleitoral) e organizar a chapa de deputados estaduais e federais. Diego será o presidente".


Ao mesmo tempo que nomeia uns, Quaquá escracha outros. 


Por exemplo, Quaquá diz que não consegue ver "o Edinho, com cabelo engomado e sapatinho engraxado, subindo a Mangueira comigo  ou visitando um assentamento do MST".


Sobre o volume excessivo de filiações registrado no Rio de Janeiro, Quaquá fala que filiou ao partido "os que amam o Lula". Portanto, não houve uma filiação industrial mas sim uma explosão sentimental.


E sobre o autor destas linhas, Quaquá disse o seguinte: (...) O Walter (sic) Pomar não enche um fusca. (...) O PT é um partido de massa; não é partido da União Soviética. Apesar desse fóssil que se chama Walter Pomar (…).


A respeito, registro apenas que não tenho um fusca. Aliás, não tenho carro. Mas se tivesse, como todo bom fóssil soviético eu teria um Lada. Blindado. 


A "Carta aos Petistas" de Edinho


Notícias quentes de ontem, 2 de abril, indicam que Edinho deixou de ser pré-pré-candidato e passou a ser pré-candidato.

Logo, a qualquer momento deve inscrever oficialmente sua candidatura.

Antigamente, esta candidatura estaria inscrita e os debates já deveriam ter começado.

Mas dessa vez o final das inscrições foi marcado para o dia 19 de maio. Ou seja, debates mesmo só depois dessa data e até 5 de julho, véspera do PED.

Assim sendo, até lá cabe acompanhar e debater as posições públicas que as candidaturas e pré-candidaturas vêm apresentando.

É o caso, por exemplo, da "Carta aos Petistas" divulgada recentemente pelo Edinho Silva.

A Carta pode ser lida aqui: Manifesto Edinho Silva.docx

O texto inicia fazendo um "chamado para reafirmarmos nossos compromissos históricos". Infelizmente, não cita uma única vez a palavra "socialismo", nem mesmo na clássica formulação "uma sociedade sem explorados nem exploradores, sem dominação nem exploração".

Para ser mais preciso: a Carta de Edinho não fala de socialismo e também não fala de capitalismo. 

Sem falar de capitalismo, como explicar os "desafios da atualidade"? Como explicar as "intensas transformações globais e nacionais"? Como diagnosticar as causas do avanço da "extrema-direita e do fascismo"?

E o que propor como alternativa sistêmica à crise sistêmica que atravessa o mundo? 

A Carta diz que "nosso maior desafio imediato é garantir a reeleição do presidente Lula em 2026". E aponta como principal dificuldade a "oposição radicalizada, apoiada pelo fascismo, que se organiza de maneira global, articulada e sustentada por interesses econômicos poderosos".

Quais são e de quem são estes "interesses"? Por qual motivo a Carta não fala do agronegócio, do capital financeiro e do imperialismo?  

Para dar conta do desafio de 2026, a Carta diz que precisamos de "um PT renovado e atuante". E a isso seguem frases e frases com as quais todos estamos mais ou menos de acordo. 

Ficando sem resposta a seguinte questão: se Edinho é candidato do grupo que tem maioria no Diretório Nacional do PT ininterruptamente desde 1995, por quais motivos o que está sendo proposto ainda não foi feito?

Por exemplo: se o PT criou um “modo petista de governar” que "inspirou governos estaduais e municipais por todo o Brasil", por qual motivo na maioria de nossos governos não há orçamento participativo? 

Para não dizer que não falou de espinhos, a Carta reconhece que ao longo do "caminho, também enfrentamos desafios internos e contradições". 

Quais seriam? A Carta cita o "distanciamento das nossas bases". E diz que "a hegemonia conquistada nas urnas e nos espaços institucionais não se traduziu, na mesma intensidade, em uma hegemonia cultural e política duradoura na sociedade". 

Neste ponto, a Carta nos ajuda a entender uma divergência profunda que há em nosso partido.

Para começo de conversa, ao contrário do que sugere a Carta, ainda não temos hegemonia nas urnas e nos espaços institucionais. Somos minoria entre os vereadores, entre os prefeitos, entre os governadores, entre os deputados federais, entre os senadores, entre os juízes etc. 

O único que tivemos até hoje foi maioria na eleição presidencial, o que é muito importante, mas está distante de ser hegemonia.

Logo, está equivocada a fórmula "traduzir a hegemonia institucional em hegemonia cultural e política na sociedade". O caminho proposto deveria ser o oposto: construir hegemonia cultural e política na sociedade e "traduzir" isso em hegemonia nas instituições.

Aliás, mais do que alcançar hegemonia nas instituições, trata-se de transformar estas instituições. Afinal, não queremos ser gestores do sistema.

Claro que os espaços institucionais devem contribuir para a construção de hegemonia na sociedade. Mas, repetimos, o movimento principal deve ser da sociedade em direção à institucionalidade e não o contrário. 

Nisto consiste, como já dissemos, uma das principais divergências que há em nosso partido: uma ala do PT deu e segue dando total prioridade à conquista de espaços institucionais, muitas vezes transformadas num fim-em-si-mesmo, talvez achando que agindo assim algum dia teremos hegemonia política e cultural na sociedade.

A experiência entre 2003 e hoje provou mais uma vez que as coisas não se passam assim; ganhar eleições está muito longe de ser suficiente para transformar a sociedade.

 Infelizmente, parte de nosso Partido reage a essa dificuldade abandonando a ideia da transformação. Aliás, cabe lembrar  que nosso programa de governo falava de “reconstrução e transformação”; mas quando tomamos posse, isso foi trocado por "união e reconstrução". 

Também queremos retomar os "territórios políticos e simbólicos que já foram nossos". Mas é preciso fazer isso a partir de uma estratégia correta, uma estratégia que seja socialista e não socialdemocrata.

Sobre o que fazer para a próxima década, a Carta de Edinho apresenta algumas propostas com as quais todos estamos mais ou menos de acordo. Novamente cabendo perguntar: por quais motivos a tendência de Edinho não conseguiu fazer isso, já que eles governam ininterruptamente o Partido desde 1995?

Na lista do “que fazer” está dito o seguinte: "Precisamos construir alianças políticas amplas, mas mantendo nossa identidade e protagonismo. O PT deve ser a espinha dorsal do campo democrático e popular. Para isso, devemos eleger bancadas fortes nas Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado, recuperar espaços nos governos estaduais e garantir que Lula seja reeleito em 2026". 

Sobre isso, três comentários.

Primeiro, é preciso reconhecer que, pelo menos até agora, a relação entre o PT e a tal frente ampla está muito longe de ser a que está exposta na Carta. 

Segundo, devemos ter como meta eleger bancadas fortes em todos os níveis. Mas um pouco de realismo político nos leva a constatar que o mais provável é que a direita continue prevalecendo na maioria dos espaços institucionais citados na Carta. Assim sendo, o Partido precisa construir uma estratégia baseada na conscientização, organização e mobilização do povo, a partir da qual pressionar as instituições, de baixo para cima e de fora para dentro.

O que a Carta diz sobre isso? A rigor, nada. A estratégia proposta é essencialmente institucional.

Terceiro, a Carta de Edinho fala muito do fascismo e pouco do neoliberalismo (e do Centrão). Ou seja: não discute como lidar com o fato de que enfrentamos duas direitas, uma extrema e outra gourmet, sendo ambas neoliberais. 

A Carta não discute isso provavelmente porque sua lógica implícita consiste em fazer concessões aos neoliberais em nome de enfrentar o fascismo. O problema é que essas concessões bloqueiam as "reformas estruturais que viabilizem um projeto de desenvolvimento nacional". Além disso, fazer concessões ao neoliberalismo vem contribuindo para o ambiente politico e social que estimula o fascismo. 

Como não tem solução para estes dilemas, a Carta silencia sobre vários temas polêmicos, entre os quais cito a Palestina, a Venezuela, Cuba, a reforma agrária, o monopólio da comunicação, a segurança pública, o Banco Central, as emendas impositivas, a Federação etc. Sem falar na já citada ausência de qualquer menção ao socialismo.

Em resumo, a Carta inclui algumas propostas e promessas corretas, mas evita debater os problemas de fundo e carece de uma estratégia adequada. Por este e por outros motivos, a orientação proposta pela Carta não está à altura dos desafios que o Partido enfrenta nesses tempos de guerra em que o mundo e o Brasil estão metidos. 




quarta-feira, 2 de abril de 2025

Um combo chamado Quaquá




O Diretório Nacional do PT mantém um grupo de zap.

São muitas mensagens todo santo dia.

Inclusive as tradicionais saudações.

Várias destas mensagens rendem polêmicas.

Algumas destas polêmicas são barulhentas.

Mas as vezes reina o silêncio. Ou quase.

É o que aconteceu no caso das declarações recentes de W. Quaquá acerca da segurança pública.

Não cabe reproduzir aqui as declarações privadas de Quaquá. 

Mas algumas de suas declarações foram públicas e podem ser lidas aqui: 

https://platobr.com.br/vice-presidente-do-pt-diz-que-em-sua-cidade-vagabundo-vai-para-a-vala/

Acerca do tema, eu escrevi duas mensagens no grupo de zap do Diretório Nacional do PT.

Como as mensagens são de minha lavra, as reproduzo a seguir:

(...) Eu não sei se efetivamente o Quaquá falou a frase "bandido vai para a vala". Se falou, registro minha opinião de que este tipo de linguajar não é de esquerda, mas sim da direita. Entretanto, mesmo que não tenha falado, acho errada a linha de segurança pública explicitada na entrevista. O caso da Bahia já demonstrou que este tipo de "mão dura" é só retórica, não resolve os problemas e acaba causando o oposto do que promete. (...)

(...) “Atirando e matando”: isso é o que já se faz. Não resolve o problema da segurança pública. Mas mata muita gente inocente, pobre, preta e periférica. É terrível ver que a fórmula bolsonarista de segurança pública tem adeptos entre nós. (...) 

Lendo suas opiniões sobre segurança pública, chego à conclusão de que Quaquá é um combo.

Talvez por isso muitas pessoas prefiram o silêncio.

Compreensível: para algumas pessoas pode ser difícil polemizar com pessoa tão eloquente, prefeito recém-eleito com ampla maioria, cabeça de uma administração tida e havida como exemplar, animador de um camarote no Sambódromo, de uma escola de samba e de um time de futebol. 

Sem falar que parece ser um empresário de sucesso, além de formulador de uma estratégia para o Brasil. Portanto alguém extremamente versátil, digamos assim. E que além de tudo promoveu uma ampla campanha de filiação, não apenas em sua cidade mas também em outras cidades do estado do Rio de Janeiro.

Pode não ser fácil discordar de pessoa tão proativa, mas é necessário. Pois se as posições de Quaquá prevalecerem, várias linhas vermelhas terão sido cruzadas.

Inclusive por isso, espero que o presidente do Partido e o secretário-geral cumpram o compromisso firmado na recente reunião do Diretório Nacional e submetam à comissão executiva nacional os dois pedidos de comissão de ética a respeito, um deles pendente desde 2021.











Rochinha, Lula e Edinho

Há um ditado segundo o qual não se deve usar o nome de Deus em vão. 

Não acredito, mas inclusive por respeito aos que acreditam em Deus levo aquele ditado a sério. E me espanto como há crentes que fazem o oposto.

Por motivos similares, acho espantoso ver como autoproclamados lulistas usam e abusam do nome de Lula.

Não sou lulista, sou petista. Entrei no PT porque acreditava e sigo acreditando que um partido de massas é muito útil na luta da classe trabalhadora brasileira pelo socialismo.

Fui da mesma tendência de Lula - a Articulação dos 113 -até 1993, mas desde então sou de outra tendência. Além disso, ao contrário do companheiro Francisco Rocha, não privo da intimidade de Lula, condição básica para falar publicamente em nome dele.

Isto posto, acho normal e legítimo que Lula lute para fazer prevalecer suas ideias, tanto dentro da CNB quanto dentro do Partido. Assim como acho normal e legítimo que os integrantes da CNB se apresentem como sendo da tendência de Lula.

Mas há maneiras e maneiras de fazer isso, sob pena do excesso de velas por fogo na igreja. Por isto deploro a declaração publicada no texto que copio e colo ao final e que também pode ser lida aqui:

 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2025/04/lancar-candidato-contra-edinho-sera-contrariar-lula-diz-petista.shtml

Na luta “interna” da CNB, torço pela luta. Não vejo em nenhuma das alas em pugna a orientação política necessária para o PT, nesses tempos de guerra em que estamos. 

E tampouco vejo em Edinho - inclusive pelos motivos explicitados no texto publicado pela Folha - a autonomia que um presidente do Partido precisa ter, inclusive para melhor defender Lula e o governo.

Evidente que tudo pode não passar de uma fake news da Folha. Mas temo que esta vez seja uma exceção.


Segue abaixo o texto comentado:

Lançar candidato contra Edinho será contrariar Lula, diz petista

2 de abril de 2025

Um dos caciques da tendência petista Construindo um Novo Brasil (CNB), que controla o partido há 20 anos, Francisco Rocha diz que não haverá divisão na corrente em razão da escolha do novo presidente da legenda, marcada para julho. A CNB vive um racha em torno da candidatura do ex-ministro Edinho Silva para o cargo. “Quem da CNB for lançar outro candidato vai enfrentar resistência da militância e se

resolver com o terceiro andar do Palácio do Planalto", diz Rochinha, como é conhecido,

em referência a Lula, que apoia Edinho.

O candidato, que até o ano passado era prefeito de Araraquara (SP), tem apoio, além do presidente, de ministros como Fernando Haddad (Fazenda), Alexandre Padilha (Saúde) e Camilo Santana (Educação), além do ex-ministro José Dirceu.Edinho enfrenta resistência de uma ala formada, entre outros, pela ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), o líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), o deputado federal Jilmar Tatto (SP), o prefeito de Maricá, Washington Quaquá e a tesoureira 

, Gleide Andrade. Segundo Rochinha, a disputa interna não se deve a questões de ideologia, mas a apego

interno por cargos. O mais disputado é a tesouraria. Ele prevê que Edinho terá cerca de 53% na eleição interna, evitando assim a

necessidade de segundo turno. Outros nomes já lançados por tendências minoritárias são o secretário de Relações

Internacionais da legenda, Romênio Pereira, e o dirigente Valter Pomar. O deputado

federal Rui Falcão, ex-presidente do PT, também cogita se candidatar.


Pesquisa Genial/Quaest: como fechar a boca do jacaré?

Teria sido sido melhor que a nova pesquisa Quaest (ver ao final) fosse divulgada no dia primeiro de abril.

Assim fora, certamente teria prevalecido a graciosa performance dos violinistas do Titanic.

Mas como a pesquisa saiu hoje, 2 de abril, as reações entre os dirigentes petistas com quem tenho contato foram mais equilibradas.

Entre essas reações, cito três.

A encantadora tranquilidade dos que continuam seguros de que estão fazendo a coisa certa e que, portanto, depois de amanhã tudo será melhor do que anteontem.

O silêncio atordoado dos que não sabem o que fazer, quase em compasso de espera para o desespero e/ou a depressão.

E o entusiasmo frenético pela bala de prata, aquela medida que supostamente vai virar o jogo.

Embora compreenda a lógica de cada uma destas posições, estou na turma minimalista, adepta do manual do mochileiro das galáxias: não entrar em pânico e seguir o protocolo. 

Para começo de conversa, fazer algo que não fazemos há meses, para não dizer anos: convocar uma reunião presencial do diretório nacional do PT, com dois dias de duração, para fazer uma análise da situação e discutir como reagir.

Afinal, está óbvio que nosso governo precisa de ajuda. Mas para dar esta ajuda, para que o Partido cumpra seu papel, é preciso que a direção nacional comece fazendo algo óbvio: encontrar, refletir e deliberar. 

É preciso por fim ao modus operandi que vem de antes, mas foi aprofundado durante e depois da pandemia, a saber: o de fazer reuniões pro forma da direção nacional do Partido, onde o debate político é mal feito, resultando em resoluções elaboradas e aprovadas no afogadilho, que as vezes parecem ter como principal objetivo demonstrar que a maioria do Diretório apoia inclusive os erros do governo.

Isto posto, acerca do mérito, a pesquisa confirma o curso das anteriores, a saber, crescimento da desaprovação. Comprovando que existe um problema político, não apenas um problema de comunicação. Motivo pelo qual, como já dissemos algumas vezes, a situação tenderia a piorar antes de melhorar. 

Uma dúvida é: vai mesmo melhorar? E ainda: melhorará o suficiente e em tempo hábil para vencermos as eleições de 2026?

Em tese, sim. Podemos vencer em 2026. Aliás, podemos vencer em melhores condições do que em 2022.

Entre outros motivos porque parte expressiva da insatisfação está entre os que votaram em Lula em 2022, assim como entre os que não votaram em ninguém. Portanto, pessoas que podem ser mais facilmente conquistadas do que o eleitorado do cavernícola. 

Mais “fácil” apenas e tão somente se tivermos a disposição de polarizar contra o neoliberalismo das duas direitas, tanto da tradicional quanto da extrema. Especialmente em momentos de crise, sem polarização e tesão não haverá solução nem salvação para a esquerda!

Mas para melhorar o suficiente e em tempo hábil, é preciso - entre muitas outras coisas - disposição para dar cavalo de pau na linha política do governo. 

Além de ser necessário parar de acreditar que existe, em algum lugar, alguém que supostamente sempre acerta e cuja proverbial genialidade vai nos tirar dos palpos de aranha. 

A inteligência coletiva do petismo saberá fechar a boca do jacaré.


Copio e colo abaixo um “fio” do Felipe Nunes, publicado no X. Não por concordar, mas por dar um quadro sintético da coisa toda:



1/ Pesquisa Genial/Quaest mostra que a desaprovação do governo Lula foi de 49% para 56% entre jan/25 e mar/25; enquanto a aprovação caiu de 47% para 41%. O esforço de comunicação com o anúncio de novas medidas ainda não gerou os efeitos positivos na popularidade do governo. Segue o fio pra entender as razões…

2/ A queda na aprovação aparece de forma simétrica em todas as regiões do país. No Nordeste, principal reduto eleitoral de Lula, a vantagem que era de 35 pp caiu para 6 pp entre Dez/24 e Mar/25. No Sudeste, a desaprovação está 23 pp maior que a aprovação. No Sul, a diferença é de 30 pp.

3/ Entre as mulheres, é a primeira vez que a desaprovação chega a 53% e supera a aprovação, que está em 43%. O gap eleitoral entre homens e mulheres foi decisivo para a vitória de Lula em 2022. Entre os homens, a desaprovação cresceu e chegou a 59% e a diferença de gênero diminuiu.

4/ A aprovação está em 34% para quem tem renda familiar de mais de 5 salários, em 36% para quem tem renda de 2 a 5 SM e chegou a 52% para quem tem renda de até 2 salários. O impressionante, neste caso, é a mudança drástica nesse último grupo. A vantagem em aprovação que já foi de 43 pp em jul/24, está em 7 pp.

5/ Na comparação entre os tipos de eleitores, a desaprovação ao governo Lula chegou a 92% entre eleitores do Bolsonaro, a 62% entre quem não foi votar ou votou branco/nulo, e a 26% entre os eleitores de Lula. Há, portanto, 1/4 do eleitorado de Lula insatisfeito com o seu governo neste momento.

6/ Parte da explicação para a alta desaprovação do governo está na quebra de confiança do eleitorado com o presidente Lula. Além de não conseguir cumprir as promessas de campanha, cada vez menos gente vê o presidente como bem intencionado.

7/ E ao contrário do que acontecia no passado, aumentar a exposição de Lula por meio de entrevistas e eventos não tem conseguido produzir melhora na percepção sobre o presidente. Metade do país acredita que tais aparições tem piorado a percepção sobre ele.

8/ A incapacidade de reverter o quadro de desaprovação também é fruto da piora na percepção sobre a economia. No último mês, saiu de 39% para 56% o percentual que afirma que a economia piorou no último ano.

9/ Boa parte dessa percepção negativa está relacionada ao alto patamar do preço dos alimentos nos supermercados…

10/ ...ao aumento na percepção de que os combustíveis estão mais caros nos postos de gasolina…

11/ ...o que produz uma percepção generalizada de que o poder de compra dos brasileiros hoje é menor do que era a um ano atrás.

12/ Soma-se a esses fatores a baixa eficácia política dos programas de governo. Embora 67% dos brasileiros reconheçam que algum programa do governo impacta de forma positiva sua vida hoje, com destaque para o Bolsa Família…

13/ ...a maioria acredita que os programas sociais do governo são direitos, que não serão retirados por nenhum governo. Ou seja, acabam virando políticas de Estado, que existirão independentemente do governo de ocasião. É o processo de extinção da gratidão automática.

14/ Mas será que Lula consegue virar esse jogo? Considero crucial para essa virada que o governo consiga mudar a percepção majoritária da população de que o Brasil está indo na direção errada.

15/ Além disso, Lula terá que fazer um governo diferente do que vem fazendo nos últimos 2 anos se quiser mudar esse quadro tão negativo. Não dá pra continuar com as mesmas soluções se quiser alcançar resultados distintos.

16/ Há duas medidas concretas que foram tomadas recentemente pra tentar mudar esse quadro. Primeiro veio a extinção na taxação de alimentos importados. A medida ainda não é tão conhecida e divide o eleitorado sobre sua eficácia

17/ Entre quem desaprova o governo, 37% acreditam que a medida vai ajudar a reduzir os preços dos alimentos. Mesmo não sendo a maioria, se fizer efeito na percepção, pode alterar a avaliação de um grupo numericamente significativo.

18/ A outra aposta do governo é a reforma da renda. A expectativa de 23% dos brasileiros é que eles sejam integral ou parcialmente beneficiados pela proposta de isenção do governo. Estamos falando de aproximadamente 46 milhões de pessoas que tem a expectativa de algum benefício.

19/ Entre quem acredita que vai passar a ser isento, metade espera que a melhora da renda seja significativa. Entre quem acredita que vai ser parcialmente beneficiado, 35% esperam uma melhora significativa da renda a partir do novo benefício.

20/ A outra parte da proposta tem amplo apoio popular: quase 60% dos brasileiros concordam com a tributação adicional de 10% para quem ganha altos dividendos.


sábado, 29 de março de 2025

Edinho e a selfie com Bolsonaro

Uma parte da tendência Construindo um Novo Brasil realizou, na sexta-feira 28 de março, uma reunião para dar apoio a pré-candidatura de Edinho Silva à presidência nacional do PT.

Há controvérsias sobre as consequências práticas do conclave. Uns falam que teria sacramentado o lançamento de duas chapas da CNB, outros dizem que teria acelerado a costura de um acordo entre as partes. Em qualquer dos casos, parece existir muito ressentimento acumulado.

Quanto à política que embasa a existência de duas ou mais “bandas” na CNB, recomendável ouvir no Instagram os “melhores momentos” do discurso feito no conclave por Edinho, para quem “derrotar o fascismo” ocupa lugar importante. 

É interessante contrastar esse “bordão” com a posição que o hoje pré-pré-candidato assumiu em 2022, quando propôs que Lula e Bolsonaro tirassem uma foto juntos, com o fito de “baixar a temperatura”.

Embora na época tenha lido a insólita proposta, apaguei a lembrança até que a provocação de alguém mais atento me fez ir atrás e confirmar.

Os bastidores não sei, só sei que foi publicado assim no UOL dia 4/11/2022:  Edinho disse que “o presidente Lula tem que tomar posse no ambiente de estabilidade institucional. Temos que criar as condições para tanto. Eu defendo que se abra um amplo diálogo com as próprias forças que foram derrotadas (…) Isso não é sequer consenso no meu partido, mas é a minha posição. Se existiu uma foto de Fernando Henrique e Lula na transição de 2002, por que nós não podemos construir essa foto agora com Bolsonaro e Lula, mostrando ao país que existe uma transição madura, adulta, dentro de um ambiente democrático? Isso seria um gesto que efetivamente baixaria a temperatura do Brasil".

Edinho comparou esta sua proposta com o que supostamente teria sido feito pelo “ex-chanceler alemão Konrad Adenauer, [que] quando foi empossado, se encontrou com lideranças do nazismo para depois destruir o nazismo. Do ponto de vista histórico, o encontro Lula e Bolsonaro pode ser importante e não significa nenhuma concessão".

Na história que estudei, Adenauer não “destruiu o nazismo”, muito antes pelo contrário. Mas o mais importante é que - como ficou demonstrado pelas investigações do STF - no momento em que Edinho queria fazer uma foto, Bolsonaro e os seus estavam (como seguem estando) numa vibe pouco amigável, digamos assim. 

Edinho aprendeu a lição? Pela ênfase beirando a temerosa que ele dá ao fascismo, pareceria que sim. Mas suas declarações acerca da “polarização” & outros assuntos mostram que ele segue não entendendo que para “destruir o nazismo” é preciso um partido para tempos de guerra, onde ninguém ache boa ideia fazer selfie com fascista.

O artigo citado pode ser lido aqui:

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/11/04/coordenador-petista-defende-foto-de-lula-com-bolsonaro-transicao-madura.htm





quarta-feira, 26 de março de 2025

Juliano Medeiros e as armas

Viva Vera Colson Valente!

Vida eterna a todas e todos que lutaram contra a ditadura!

E pena, muita pena daqueles que acham necessário ressalvar a forma da resistência, como se isso a tornasse menos ou mais legítima.

Contra uma ditadura militar, toda forma de resistência é legítima, inclusive a armada!





segunda-feira, 24 de março de 2025

A grana e a luta "interna" da CNB

Saudades dos tempos em que nos engalfinhávamos publicamente em torno da estratégia, do programa, da tática, da política de alianças.

Agora para alguns a pauta principal é outra: o fundo eleitoral, o fundo partidário, a grana.

Não deixa de ser uma homenagem torta ao Lênin, que dizia algo mais ou menos assim: organização é política concentrada e política é economia concentrada. Mas tenho a impressão de que, ao falar de economia, Lênin tinha em vista algo um pouco mais amplo do que a tesouraria do Partido.

Saudades dos tempos, também, em que a luta interna se dava entre as chamadas esquerda e direita do Partido. Hoje, grande parte da disputa pública está se dando entre dois setores da CNB, que ao menos aparentemente estão de acordo quanto à linha política, mas também aparentemente divergem quanto ao controle da tesouraria.

Destaco o aparentemente, porque é óbvio que também existem divergências políticas. Mas infelizmente para eles e para o Partido, não é isso que sobressai, como se pode ler nas imagens que ilustram este texto.

Estou entre aqueles que acham legítimo debater as finanças do Partido. Mas é preciso fazer o debate de conjunto. Por exemplo: além de debater o que fazer com os fundos públicos, é preciso debater como reconstruir as finanças militantes.

Nosso partido tem 3 milhões de filiados. Com uma pequena doação de cada um, seria possível arrecadar uma soma muitas vezes maior do que o fundo partidário. Isso nos permitiria fazer mais política nos anos ímpares e, óbvio, chegar em melhores condições nos anos pares. Mais importante ainda, ter finanças militantes nos libertaria da dependência em relação ao Estado. Sem falar do constrangimento implícito na defesa de um fundo eleitoral bilionário e, também, do erro político que consiste em defender que partidos recebam recursos públicos para seus gastos cotidianos.

Infelizmente a CNB apoiou, no congresso partidário realizado em 2015, uma resolução que eliminava a obrigatoriedade da contribuição militante, que passou a ser restrita a apenas alguns segmentos do Partido. A CNB quer debater as finanças partidárias? Então sugiro começar pelo começo, reconstruindo nossas finanças militantes.

A CNB, ou uma parte dela, considera que há problemas na distribuição do fundo partidário e do fundo eleitoral? Perfeito, debate legítimo e necessário. Mas que tal começar admitindo ser inaceitável que desde 1995 uma mesma e única tendência controle a tesouraria? Explico: desde 1995, o setor do Partido que hoje usa o nome de CNB já abriu mão de todos os cargos partidários, já abriu mão até mesmo da presidência do Partido. Mas nunca, nunca, absolutamente nunca abriu mão da tesouraria.

No congresso do PT realizado em 2017, diante da enorme gritaria contra este monopólio, a CNB aceitou a instituição de algum tipo de controle. Mas o tesoureiro da época esvaziou este controle e absolutamente nada mudou. Portanto, no que me diz respeito, o principal problema existente na condução da secretaria não está nesta ou naquela pessoa, nesta ou naquela decisão: o problema está no monopólio da CNB. 

A tudo isso adiciono outra questão: a tentativa que faz uma parte da bancada de deputados federais, de assumir o controle do fundo eleitoral. Há outras questões que precisam ser debatidas quando se fala de finanças, mas paro por aqui.

Entretanto, para não dizer que não falei de flores: o presidente Humberto Costa afirmou - em entrevista ao jornal Valor, conforme matéria publicada no dia 24 de março - que "todos os atos da Secretaria de Finanças nas eleições foram votados e referendados pelo diretório nacional e pelo GTE". Há pelo menos um caso em que isto não ocorreu: a doação feita à Marta Suplicy, para ajudar na campanha de Boulos.

Havia divergências no GTE, ficou combinado que seria convocada uma reunião da executiva do Partido para deliberar. Mas antes que a reunião da executiva ocorresse, a transferência financeira foi feita. Dado o montante envolvido (dezenas de milhões de reais) e dada a divergência, é um escândalo que isso tenha sido feito desta forma. Mais escandaloso ainda fica, quando lembramos que bastaria convocar uma reunião virtual da executiva. 

Entretanto, vejam que curioso: neste caso o atropelo não foi cometido apenas pela atual tesoureira ou apenas por um setor da CNB. O atropelo foi cometido pelo conjunto da CNB, que agiu com base na teoria da maioria presumida. O que só confirma o que foi dito antes: o problema está no monopólio, monopólio que vem desde 1995. E o uso do cachimbo, como se sabe, deixa a boca torta.










 



domingo, 23 de março de 2025

Edinho e o fascismo

Nos dias 21 e 22 de março, o companheiro Edinho Silva esteve em Aracaju (SE). 

O tema central do discurso de Edinho foi o “fascismo”.

O problema central do discurso é que Edinho não respeita a premissa que ele próprio estabeleceu, a saber: “a gente não pode errar no diagnóstico”.

Edinho comete diversos erros no diagnóstico do fascismo e, portanto, erra no procedimento que propõe ao Partido.

Alguns dos erros de diagnóstico escapam da minha compreensão; é o caso, por exemplo, de suas afirmações sobre o sindicalismo e sobre o símbolo adotado pelos fascistas italianos nos anos 1920. 

Disse Edinho: “como nasce o fascismo? nasce no movimento popular nasce numa articulação do movimento sindical italiano aquele feixe que é o símbolo do fascismo é o símbolo do movimento sindical italiano”.

[estas e outras transcrições são de minha responsabilidade e podem conter alguns erros, mas nada que altere o sentido do que foi dito]

Mas o que realmente importa é o que Edinho não disse.

Edinho não disse uma palavra sobre a guerra mundial, que foi decisiva no surgimento da “primeira geração” do fascismo e do nazismo. 

Edinho também não falou nada sobre o ascenso revolucionário ocorrido - tanto na Alemanha quanto na Itália - depois da Grande Guerra. Foi em parte como reação a este ascenso que a classe dominante passou a financiar e a apoiar o fascismo e o nazismo.

E aí está outro silêncio de Edinho: zero referência sobre o papel das classes dominantes na ascensão da extrema-direita. 

O curioso é que Edinho fala da crise de 1929, mas não fala do que fizeram as classes dominantes frente àquela crise. Sua “análise” resume-se ao seguinte: “o mundo empobrece e nasce um nacionalismo de direita e o fascismo vai crescendo, crescendo”.

E quando fala do “que caracteriza o fascismo”, Edinho (supostamente apoiado em Gramsci) diz o seguinte: “culto à personalidade”, “expansionismo, portanto imperialismo, ocupar outros territórios a não aceitação do diferente e uma concepção extremamente autoritária”. E quem “eram os diferentes" na primeira metade do século XX? Eram "os imigrantes, os ciganos e os judeus”.

Nessa caracterização, desaparecem totalmente o capital e o trabalho. E desaparecem a esquerda, o socialismo, o comunismo, o marxismo, que também foram alvos prioritários do ataque da extrema-direita.

Finalmente, mas não menos importante, Edinho não fala nada sobre como o nazifascismo assumiu o controle institucional e depois total do Estado italiano e alemão. Nem fala sobre como o nazifascismo surgido nos anos 1920 foi derrotado. 

Dos anos 1920 Edinho pula para o início do século 21, dizendo o seguinte: a “crise econômica de 2008 (…) é uma crise longa do capitalismo e o que que acontece no pós 2008? O capitalismo, os capitalistas do começo do século XXI diziam não existe mais estado nacional, a dinâmica do capitalismo vai se dar pelas grandes corporações, são as grandes empresas do planeta que vão dar a dinâmica do capitalismo (...) o conceito de globalização é derrotado, a crise do capitalismo derrota o conceito de globalização. E o que que emerge com a derrota do conceito de globalização? …um nacionalismo xenofóbico”.

Não estou seguro de que eu tenha conseguido entender o que Edinho disse ou quis dizer. Mas tenho certeza acerca do que ele não disse: não há uma única palavra acerca do papel jogado pela China, pela Rússia, pelo Brasil, pela América Latina, pelos BRICS.

Certo ou errado, o “diagnóstico” de Edinho se limita a Europa e aos Estados Unidos. 

Talvez por isso ele não se dê conta de que sua crítica ao “nacionalismo xenofóbico e racista” presente nos slogans “Itália pros italianos a Espanha pros espanhóis a França pros franceses a Inglaterra pros ingleses  a Alemanha pros alemães e os Estados Unidos pros americanos e assim por diante” poderia ser estendida ao slogan “Brasil é dos brasileiros”.

Mas há outras limitações no diagnóstico de Edinho. Por exemplo: ele simplesmente não trata da dimensão econômica do que ele chama de nacionalismo xenofóbico e fascista. 

Sua caracterização do fascismo - culto a personalidade, expansionismo, não aceitação do outro e autoritarismo - omite completamente os interesses econômicos envolvidos.

Essa omissão, como é óbvio, é bastante confortável para quem mantém ou pretende manter boas relações com o capital financeiro e com o agronegócio. Assim como é conveniente para quem deseja manter boas relações com a direita neoliberal tradicional.

Nesse particular, chega a ser tocante ver a passada de pano que Edinho dá em Macron (“o Macron faz piruetas na França para que os fascistas não se tornem maioria no parlamento francês”)  e nos Democratas gringos (“a ofensiva do Trump contra o partido democrata americano é algo inédito na história dos Estados Unidos, ele foi pra cima pra aniquilar o partido democrata, que é uma instituição secular”). 

Na vida real, precisamos lembrar, Macron e Biden pavimentaram o caminho para a extrema-direita. 

Edinho diz que o “erro" do "mundo democrático” foi achar que “o Trump estava enterrado”. Da minha parte, acho que o erro de parte da esquerda (inclusive Edinho) foi e pelo visto segue sendo não perceber que Trump e outros iguais a ele expressam uma tendência do capitalismo contemporâneo. 

Perceber isto leva a seguinte conclusão: a presença de uma grande mobilização anticapitalista aumenta as chances de vitória da luta contra o neofascismo.

Dito de outra forma: se queremos triunfar, não basta contrapor democracia versus neofascismo. Aliás, se adotarmos o “procedimento” proposto por Edinho, o que aconteceu nos Estados Unidos - o regresso da extrema direita - tem grandes chances de também acontecer aqui no Brasil.

De maneira geral, o raciocino de Edinho me recorda aquela frase: “ouviu o galo cantar e não sabe aonde”. 

Por exemplo: Edinho comenta a relação entre “as mobilizações de junho de 2013” e a “criação do bolsonarismo”. E diz que - “via redes sociais” - aquele movimento girou para a direita. Edinho omite completamente o papel da Rede Globo naquele episódio. 

Outro exemplo: Edinho diz que “a gente vê o momento de junho de 2013 sendo a base da direita que se mobiliza contra a reeleição da Dilma e dá sustentação pro golpe”. Edinho esquece que entre 2013 e 2016 nós vencemos a eleição de 2014. E omite que em 2015 implementamos uma politica econômica ortodoxa que confundiu, desmobilizou e dividiu nossa base, facilitando a ação dos golpistas.

As omissões de Edinho, como se vê, são frequentes. Ele geralmente esquece de tudo que contradiz a linha politica que sua tendência defende.

Por exemplo: a “teoria” de Edinho sobre a “direita anti-sistema”. 

Qualquer análise séria sobre o tema deveria reconhecer que a extrema-direita está profundamente enraizada e apoiada em instituições totalmente sistêmicas: as polícias, as forças armadas, as igrejas, os meios de comunicação, as empresas, o congresso nacional, a burocracia de Estado. 

Mas como Edinho quer ser o campeão do “sistema”, ele não pode reconhecer que o neofascismo é um dos filhos do grande capital com as instituições do Estado.

Um segundo exemplo: a “crise na democracia representativa”. 

Edinho fala da superfície do problema - as abstenções, a descrença popular etc.- mas não se pergunta sobre as causas de fundo. Entre as quais a incompatibilidade entre capitalismo e democracia popular, especialmente nos momentos de crise.

Com um diagnóstico tão cheio de lacunas, não admira que Edinho diga tolices como a seguinte: “em 2018 elege um presidente da república com 25 segundos de televisão e sem nenhuma aliança num voto anti-sistema, num voto contra o sistema”. 

A verdade é outra: o cavernícola foi eleito pelo sistema, parte dele pelo menos, contra nós. O discurso anti-sistema foi, digamos assim, uma ferramenta política utilizada para cooptar setores da classe trabalhadora e para confundir dirigentes que tem mais empáfia que estofo.

O único remédio contra a demagogia antisistêmica da extrema-direita é a sinceridade antisistêmica da esquerda. Nós somos anti-sistema e devemos agir de acordo com isso. 

Seja como for, como Edinho não conseguiu diagnosticar o problema, tampouco consegue explicar corretamente nossa vitória de 2022. 

Segundo ele: “impusemos uma derrota ao fascismo porque era o Lula e porque era o Brasil pós pandemia, porque o bolsonaro errou terrivelmente na pandemia”.

Ser o Lula ajudou, óbvio. Mas por que os mesmos que prenderam tiverem que soltar Lula? Por que parte dos golpistas de 2016 se aliou aos então golpeados? A resposta não é apenas nem principalmente a política do cavernícola na pandemia. A resposta está, ao menos em parte, nas contradições no interior da classe dominante. 

Ademais, Lula ajudou na vitória por qual motivo? É óbvio que pesou a reação popular contra a economia política ultraliberal. O que deveria nos levar a ganhar total distância de qualquer tipo de austericidio neoliberal. Assunto que não aparece no discurso de Edinho.

Edinho fala de racismo, de homofobia, de machismo, de misoginia. Mas não fala nada acerca do neoliberalismo, do capital financeiro, do agronegócio. E quando fala de algo correlato, Edinho erra na mão. 

Exemplo: segundo Edinho, o “pior” do bolsonarismo seria não permitir e não aceitar a “ascensão social”. A rigor, a extrema direita defende um tipo de ascensão social: meritocrática e baseada na prosperidade exclusivamente individual. 

Isto tudo posto, Edinho conclui que “o PT tem que estar mais organizado do que ele está hoje para enfrentar e derrotar o fascismo”. Isto é verdade, mas está muito longe de ser toda a verdade. A rigor o PT precisa estar mais organizado para derrotar o neoliberalismo, seja na vertente  neofascista, seja na vertente direitista tradicional.

No discurso de Edinho em Aracaju, é como se o neoliberalismo não existisse. Ou, se quisermos falar do mesmo assunto, mas a partir de outro ângulo, é como se não existissem a hegemonia do capital financeiro e do agronegócio, em consórcio com o imperialismo. 

Para além deste torcicolo estratégico, Edinho adota um procedimento irresponsável: ele fala dos problemas do PT como se ele e sua tendência não fossem os principais responsáveis pelos problemas que cita.

Por exemplo: “não existe partido forte se as instâncias não funcionarem, para o partido ser forte tem que ter democracia interna, para ter democracia interna as instâncias tem que funcionar, diretório tem que se reunir, executiva tem que se reunir e o partido tem que ter organização popular”; “temos que perguntar por que nós estamos perdendo base social e base eleitoral”.

Ao invés de falar da linha política e organizativa hegemônica no Partido, Edinho faz uma catilinária diversionista sobre “o processo de modernização do sistema produtivo", "a robótica avançou as novas tecnologias”. 

Claro que o tema é muito relevante, mas não é a IA nem a uberização que explicam o déficit organizativo do Partido. 

Tanto isto é verdade que Edinho corretamente defende medidas “nostálgicas”, que poderiam estar sendo implementadas se o grupo atualmente hegemônico no Partido e ele próprio não tivessem adotado o método de falar uma coisa e fazer outra. 

Outro exemplo deste discurso de PED é a crítica que Edinho faz acerca da relação entre mandatos e instâncias.

Registre-se que, sobre o chamado mundo do trabalho e sobre o sistema prisional, Edinho emite várias opiniões  corretas. Assim como ele está certo ao falar da importância da economia solidária. Mas de nada adianta falar de economia solidária e não falar nada contra o capital financeiro, contra o agronegócio. Ou nada falar a favor da industrialização.

No fundo, Edinho capitula frente a atual correlação de forças. E como capitular é politicamente incorreto, ele tenta naturalizar o status quo

Um exemplo dessa naturalização é o seguinte: "muitas vezes a gente fica reclamando do governo do presidente Lula (…) o governo do presidente Lula é um governo de coalizão (…) o Brasil não é mais presidencialista, nós não somos mais presidencialistas, quando o congresso executa mais de 50 bilhões em emendas esse regime é qualquer coisa menos presidencialista (…) como é que você volta para trás e traz de novo a capacidade de execução orçamentária para a mão do executivo? só se fizer uma reforma constitucional, mas se for fazer uma reforma constitucional hoje o Brasil será pior do que hoje, porque o Chile a gente viu isso, o Chile foi fazer uma reforma constitucional, o Chile saiu mais de direita do que era, então nós não temos correlação de força para fazer reforma constitucional, portanto a gente vai viver o próximo período em um governo de coalizão”.

A lógica é paralisante: a direita está cometendo uma ilegalidade, esta ilegalidade causa imensos danos, mas se tentarmos acabar com isso a coisa pode piorar, logo vamos atuar nos marcos das coisas como elas são. E como faríamos isso?

Edinho diz assim: "governo de coalizão é um governo onde vários partidos estão nos ministérios, a pergunta que a gente tem que fazer é qual é o papel do PT no governo de coalizão, o papel do PT é disputar os rumos do governo via os nossos parlamentares que são parlamentares combativos".

Confesso que é impressionante ouvir isso: vamos disputar o governo através de nossos parlamentares. Zero menção a pressão e mobilização social, zero menção a ação do próprio governo, que tem muita margem de manobra.

Edinho, corretamente, cita bandeiras do Partido que devem ser defendidas. Mas ele diz assim: "temos que pautar no governo a universalização da educação integral, que a gente coloque até 2035, não sei quando, mas coloque lá que o Brasil vai ter educação integral (...) mesmo que a gente tome pau na comissão de justiça, tome pau na comissão de finanças, mas até o projeto morrer a gente já fez 20 audiências públicas, nessas 20 audiências públicas que nós vamos levar o debate pra dentro do congresso".

Sobre o tema das creches, Edinho diz assim: "eu acho que a gente tem que ir pra dentro do congresso e debatermos com os nossos parlamentares".

Ou seja: vamos disputar o governo de coalizão no congresso e através do Congresso. Zero menção à pressão social, à mobilização popular. Não sei como, agindo desta forma, vamos conseguir "polarizar com o fascismo".

Para não dizer que não falei de flores, Edinho diz que o tema da segurança pública deve ser discutido "com a sociedade brasileira, porque se nós tivermos uma agenda, a gente fura a bolha da polarização que hoje é como se a gente vivesse num grande estádio de futebol de um lado a torcida A grita do outro lado a torcida B grita e a gente fica vendo quem é que grita mais alto e num estádio onde todo mundo grita ninguém conversa, e onde não conversa ninguém convence a gente precisa convencer quem votou no Bolsonaro na última eleição a gente tem que convencer da nossa proposta e aí nós temos que conversar".

Claro que devemos conversar. Mas a polarização que existe na sociedade não vai desaparecer, se nós da esquerda conversarmos. A polarização é um efeito colateral da crise do capitalismo, mais precisamente da estratégia que o grande capital adotou frente a esta crise, a saber: aumentar a exploração do trabalho. É isso que causa polarização. Não há "conversa" que resolva isto. O grande capital e quem os representa na disputa política precisam ser derrotados.

Portanto, uma coisa é a necessidade de "conversar" com o conjunto da classe trabalhadora, inclusive com aqueles que votam e apoiam nossos inimigos. Outra coisa é a postura que devemos adotar frente ao grande capital e a seus representantes. Aqui fica evidente o problema criado quando, na análise do fascismo, Edinho omite totalmente a relação entre a extrema-direita e a classe dominante.

Edinho terminou seu discurso dizendo que "o centro da nossa tática é a gente derrotar o fascismo em 2026" e que "só tem uma figura capaz de derrotar o fascismo é o presidente Lula".

Curiosamente, Edinho incorre aqui no erro que ele diz ter criticado num texto elaborado em 2018. A saber: derrotar o fascismo é uma coisa, derrotar eleitoralmente o fascismo é outra coisa. Óbvio que precisamos vencer em 2026, óbvio que Lula é nossa melhor candidatura. Mas deveria ser óbvio, também, que para derrotar o fascismo, é preciso fazer muito mais do que vencer eleições, é preciso fazer muito mais do que administrar.

Infelizmente, desse muito mais que é preciso fazer, Edinho só fala de uma: "pra derrotar o fascismo o PT sozinho não consegue", "o PT sozinho não derrota o fascismo". Isto é verdade. Mas a questão é: a depender das alianças que façamos, a depender do programa adotado, não criaremos as condições econômicas, sociais e políticas necessárias para derrotar o fascismo.

Dizendo de outra maneira: aqui no Brasil, o fascismo se alimenta do neoliberalismo, o fascismo defende bandeiras neoliberais. Por isso, se queremos derrotar o fascismo, é preciso derrotar o neoliberalismo. E isso impõe limites às alianças que podemos fazer.

Assim, o problema para "nossas gerações" vai além de "derrotar o fascismo no Brasil". Se queremos derrotar a extrema-direita, teremos que enfrentar o capitalismo realmente existente no Brasil,  a começar pelo capital financeiro e o agronegócio.

Se queremos "ter unidade", se queremos caminhar "com um único projeto e um único objetivo", se queremos ser não um partido "democrata" e "progressista", mas sim um partido das trabalhadoras e dos trabalhadores, então é preciso atacar o fascismo, mas também o capitalismo realmente existente em nosso país.


sexta-feira, 21 de março de 2025

Tribuna Independente


Segue a íntegra das perguntas e respostas citadas na matéria acima e disponível no endereço https://www.google.com/url?rct=j&sa=t&url=https://tribunahoje.com/noticias/politica/2025/03/21/153906-candidatura-de-medeiros-recebe-apoio&ct=ga&cd=CAEYACoTNjI1NjkxODYxNzY4OTA5ODI3MTIaZjNkOTMwNmNmNDJiNjczNzpjb206cHQ6QlI&usg=AOvVaw3UZOXms4Kp-zaKFhpJL3RS


 1. Candidatura à Presidência do PT: Quais são as principais mudanças que você pretende implementar no PT caso seja eleito presidente, especialmente em relação à atual condução do partido? 

A primeira mudança é acabar com essa distorção presidencialista. O PT é um projeto coletivo, abraçado por dezenas de milhões de pessoas, eleitores, filiados, militantes e dirigentes. Precisamos ter direções que funcionem com espírito de equipe. Obviamente isso exige muita democracia interna, muita formação política, muita comunicação, diretórios que se reúnam com regularidade. E reforçar nosso vínculo com a classe trabalhadora, a juventude, as mulheres, os negros e negras. O papel do PT é ser um instrumento da classe trabalhadora, na luta imediata por melhorar de vida e na luta histórica por uma sociedade socialista.

2. Articulação de Esquerda: Como a tendência Articulação de Esquerda pode contribuir para a revitalização do PT e a construção de uma agenda que atenda às demandas da população? 

O PT possui o direito de tendência. Em 2019, quando elegemos o atual Diretório Nacional do PT, havia 14 tendências! Mas a maioria dos filiados ao PT não pertence a tendência alguma. E uma das preocupações da tendência de que eu faço parte - a Articulação de Esquerda - reside exatamente em garantir que tendência seja um direito, não uma obrigação. O petista sem tendência precisa ter seus direitos garantidos. Isso certamente vai ajudar a revitalizar o PT. Ao mesmo tempo, é preciso organizar nossa atuação. Os petistas estão na base, onde moram, onde trabalham, onde estudam, onde se divertem. Mas as direções muitas vezes não estão onde os petistas estão. É preciso que nossos diretórios cuidam de participar e organizar as lutas cotidianas do povo. É preciso dar mais atenção para as lutas do que para as eleições. Até porque, estando presente na luta pelas demandas da população, vamos também manter e ampliar nossa votação.

3. Lançamento de Candidaturas Locais: Qual a importância do lançamento da candidatura de Ronaldo Medeiros para a presidência do PT em Alagoas e de Ale para a presidência do PT em Maceió no contexto nacional do partido? 

Nos dois casos, são candidaturas que tem afinidade com o que nós da AE pensamos. O PT não tem dono. 

4. Educação e Política: Como sua experiência como professor de História e membro da Fundação Perseu Abramo influencia sua visão sobre a política atual e as estratégias que o PT deve adotar?

Eu valorizo muito nossas tradições. A esquerda brasileira não começou com o PT. Nossa história de luta começa lá atrás, com o indígena que combateu o invasor europeu; com o escravizado que se rebelou e aquilombou; com o camponês que enfrentou o latifundiário; com as greves operárias que antecederam a criação do Partido Comunista; com os que lutaram contra a ditadura militar; e assim por diante. E a história do PT também não começou ontem. Essas lutas todas foram possíveis porque existia gente animada por uma causa. Hoje a gente chama isso de “militância”. E nossa causa é uma sociedade sem exploração nem opressão. Há no PT diferentes visões acerca de como deve ser o socialismo e sobre qual estratégia devemos adotar para conquistar o socialismo. Eu defendo o que está na resolução do sexto congresso do PT, realizado em 2017. Daquele congresso eu destaco duas questões: ser governo não basta, precisamos de poder; e poder só teremos quando a maior parte das nossas classes trabalhadoras estiver consciente, organizada e mobilizada.

 5. Construindo um Fato Político: Qual a sua expectativa em relação à repercussão desta visita a Maceió e como você acredita que isso pode impactar o cenário político local e nacional?

Minha expectativa é primeiro escutar a opinião do Partido em Alagoas e Maceió, pelo menos a opinião de quem se dispuser a conversar conosco. E espero contribuir para que nossas candidaturas e chapas sejam bem votadas no Ped de 6 de julho. Eleger uma nova direção para o Partido vai nos ajudar muito na eleição de 2026, mas principalmente vai nos ajudar a transformar o Brasil.

quinta-feira, 20 de março de 2025

Declaração de voto sobre a eleição de Humberto Costa

 Declaração de voto

Hoje, dia 20 de março de 2025, ocorreu uma reunião do Diretório Nacional do PT.

A reunião começou as 9h da manhã e terminou as 10h39.

A reunião foi convocada para tratar de um único tema: eleição do presidente.

Posteriormente, durante a reunião, agregaram a pauta outros temas: recomposição do DN, recomposição da CEN e composição do conselho curador da FPA.

No inicio da reunião, pedi a palavra para fazer cinco observações: primeiro, solicitar a inclusão na pauta de pelo menos um tema político, a saber, o que o Partido fará nos dias 31 de março e 1 de abril, datas do golpe militar de 1964; segundo, lembrar que embora o DN de 7/12/2024 tenha decidido que o tema “comissão de ética Quaquá” seria tratado na primeira reunião da CEN, já estamos indo para a segunda reunião da CEN em 2025 e o tema ainda não foi tratado; terceiro, perguntar como será o procedimento relativo ao pedido que fiz, acerca das filiações excessivas registradas no dia 28 de fevereiro, a saber: recadastramento, conforme prevê nosso estatuto; quarto, solicitar que se dê publicidade aos dados relativos a quem deve ao Partido; quinto, antecipar minha abstenção com declaração de voto no tema da presidência.

A seguir, conforme prometido, apresento por escrito as razões de minha abstenção: 1/considero que o processo de substituição da companheira Gleisi Hoffmann foi encaminhado, na reunião da Comissão Executiva Nacional, de forma ilegal e ilegítima (provavelmente nada disto teria ocorrido se a tendência CNB tivesse se dado ao trabalho de fazer consultas prévias aos demais setores do Partido); 2/nesse contexto, votar a favor seria em alguma medida validar um processo que começou errado; 3/ademais, levei em conta para me abster as opiniões do companheiro Humberto, especialmente as suas posições preliminares acerca do PED e das novas filiações. Mesmo sendo um presidente interino, prefiro levar em conta certo ensinamento de Nelson Rodrigues.

Finalizo registrando que – apesar da extrema tolerância com que se acrescentaram novos votos, mesmo depois de proclamado o resultado ´- o cômputo final foi de 63 votos a favor de Humberto, zero voto contra e 5 abstenções (o número inicial de votos anunciado foi de 57). Nas outras duas votações ocorridas no DN, o resultado foi 48x4 (inclusão do companheiro Everaldo na CEN como vice) e 59x0x0 na composição do conselho curador da FPA. Isto aconteceu, lembro, em um Diretório que tem 94 integrantes.

Atenciosamente

Valter Pomar