segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Cid Benjamin, Maringoni e a birra do PT


Motivo não falta, mas por razões profissionais evito polemizar com o Gilberto Maringoni.

Infelizmente, não há espírito natalino capaz de suportar quieto o que diz Maringoni, em sua postagem de apoio ao Cid Benjamin.

O que diz Cid Benjamin?

Que não considera acertada “a posição do PT, depois acompanhada pelo PSol, de que seus parlamentares não estejam presentes na posse oficial de Bolsonaro na Presidência”.

A crítica de Cid Benjamin seria totalmente correta, se estivéssemos enfrentando uma situação normal, se estivéssemos diante de um governo que respeita as liberdades democráticas.

Mas não estamos.

Vide os assassinatos durante e depois da campanha eleitoral. Vide o que ocorreu na diplomação, em vários estados, com agressões aos parlamentares de esquerda. Vide as posições adotadas pelo STF e pelo TSE. Vide a campanha de fake news. Vide o tratamento dado ao caso Queiroz. Vide..

O fato é que não vivemos uma situação normal.

Por qual motivo, então, deveríamos adotar uma postura normal?

Sendo assim, acho perfeitamente defensável e correta a posição do meu partido (PT) e a posição do partido de Cid Benjamin (PSOL), de não comparecerem à posse de Bolsonaro.

Cid Benjamin diz que “não será um ato festivo (e aí, sim, se justificaria a ausência), mas uma formalidade de posse ao vencedor da eleição”.

Realmente não será um ato festivo, pelo menos não para nós.

Mas alguém tem alguma dúvida acerca do que ocorrerá no dia 1 de janeiro de 2019? Alguém espera que não ocorram provocações? Devemos fingir que Brasília não está em situação de semi-sítio?

Cid Benjamin acentua que se trata apenas de uma “formalidade de posse”. 

Pois bem, pergunto: por qual motivo nós devemos respeitar esta formalidade, especificamente?

Cid Benjamin argumenta que “por pior que seja o eleito, os demais partidos participaram da disputa. Esta foi marcada por distorções, é verdade. Mas um questionamento à sua legitimidade teria que ser feito antes”.

Não acho que estamos diante de “distorções” apenas. Cid Benjamin deve lembrar que o PT fez vários questionamentos acerca do processo eleitoral. Foram todos desconsiderados.

Não me refiro apenas aos protestos contra a interdição de Lula, o que constitui o caso mais claro de fraude. Refiro-me também às ações impetradas junto ao TSE, contra os crimes cometidos pela campanha de Bolsonaro.

Frente à postura parcial da justiça, temos ou não o direito de subir o tom de nosso protesto?

Ou devemos aceitar que estamos numa situação normal, que nossos questionamentos foram acatados e que a decisão do Judiciário é justa?

Cid coloca entre parêntesis a seguinte frase: “não se sustenta a posição defendida por alguns petistas: ‘eleição sem Lula é fraude’, se depois se participa da eleição sem a presença de Lula”.

Podemos discutir longamente a respeito disto, mas não é isto o que está em questão. 

O que está em questão é: o governo de Bolsonaro não é um governo que respeite as liberdades democráticas e, por isso, os democratas têm o direito de não respeitar certas formalidades.

Entretanto, concordo com Cid Benjamin que “esta não é só uma questão formal”.

Corretamente, Cid afirma que “com a aplicação do programa de Bolsonaro, parte de sua base eleitoral vai começar a se descolar dele. E teremos que dialogar com essa base, sob pena de não revertermos a situação de sermos minoria”.

Se entendi direito, Cid acha que este diálogo ficaria “dificultado” pela atitude de “participar da eleição e questionar sua legitimidade depois de perdê-la”.

Segundo ele, dificultaria “o diálogo com quem votou no vencedor, talvez com quem não votou em ninguém mas quer esperar o que vem por aí ou mesmo em parcela dos que votaram em Haddad no segundo turno, mas que reconhecem que Bolsonaro ganhou e tem o direito de começar seu governo”.

Eu não acho que este argumento seja despropositado, longe disso. Mas eu sugiro desenvolver a lógica contida no argumento de Cid, para ver onde ela vai dar.

Nós participamos da eleição. A eleição foi marcada por “distorções”. Estas "distorções" influíram de maneira decisiva no resultado final. O presidente eleito dá todos os sinais de que vai continuar lançando mão de “distorções” semelhantes, com a vantagem de ter na sua mão a “legalidade” e a “legitimidade”. O que devemos fazer frente a isso? Agir como uma “oposição leal”, que admite que o presidente tem o direito de fazer o que está fazendo? Ou devemos também questionar a “legalidade” e a “legitimidade”?

Como se vê, quando se desenvolve o pressuposto da crítica de Cid Benjamin, chegamos numa postura tática que seria acertada no caso do PSOL fazendo oposição ao PT, ou (com ressalvas) no caso do PT fazendo oposição ao PSDB. Mas que não considero uma postura acertada, no caso da esquerda fazendo oposição a um governo como o de Bolsonaro.

Não é por coincidência, aliás, que Cid Benjamin inclua, neste momento de seu post, a seguinte lembrança: “Esse caso agora me lembrou o debate havido no PT em 1988 (na época eu estava no partido), sobre assinar ou não a Constituição aprovada. Ora, os parlamentares petistas tinham participado ativamente da elaboração da Carta e foram decisivos para a aprovação de alguns de seus pontos. Só porque não conseguiram emplacar outros, seria o caso de não assinarem sua versão final? Alguém questionava a legitimidade do processo?”

Cid poderia ter falado a história inteira: o PT de fato assinou a Constituição de 1988. Mas o PT também decidiu fazer um gesto formal: na última votação, aquela em que todos os constituintes votam SIM ao texto final, a bancada do PT votou contra. Era mera formalidade. Mas aquela mera formalidade tinha um enorme simbolismo, que junto com outros – por exemplo, não comparecer ao Colégio Eleitoral – ajudaram o PT a se consolidar como força oposicionista.

Cid conclui seu post dizendo que “participar do jogo institucional implica conviver num mesmo espaço com bandidos ou com direitistas (o que não significa conviver amigavelmente ou mesmo deixar de combatê-los com firmeza)”.

É curioso ouvir isto de alguém que foi para o PSOL. Confirma uma blague acerca da comparação entre o PT e o PSOL, que em respeito ao Natal não vou citar aqui. Até porque o que interessa é: ao não comparecer à posse formal de Bolsonaro, a esquerda está mandando um recado, o de que vamos “combater com firmeza” a direita bandida. 

O que Cid propõe seria, exatamente, começar o governo num ambiente de convívio amigável.

Até aqui comentei o que disse Cid Benjamin.

Agora vou falar do que disse Gilberto Maringoni.

Maringoni elogia o “corajoso post de Cid Benjamin”, reconhece que “pode” (!!!???) ser “montada alguma provocação” contra a esquerda durante a posse e acrescenta que “a posse se dá no Congresso e é um ato de Estado e não de governo”.

Maringoni, como Cid Benjamin, dá aqui um sinal de não ter percebido que as regras mudaram.

Foi o Estado brasileiro quem operou para derrotar a esquerda.

O fato da posse ser um “ato de Estado” e não “de governo” não possui, hoje, o significado que tinha no período 1989-2014.

Neste ponto, Maringoni esquece do PSOL (seu partido) e passa a atacar "abaixo da linha da cintura" o PT.

Reproduzo aqui a frase: “De resto, para um partido, como o PT, que subestimou o perigo fascista, que não atacou Bolsonauro no primeiro turno e que o considerava o adversário preferencial no segundo, o gesto nada tem de corajoso ou radical. É birra pura. Ainda mais levando-se em conta que o governo B. conta com um dos principais quadros dos governos petistas - Joaquim Levy - em posto de comando da nova gestão. Não é um filiado do PT, mas sua presença no novo governo expõe sérias contradições nas gestões do partido”.

Vamos lá, ponto a ponto.

O PT subestimou o perigo fascista!

O PT não atacou Bolsonaro no primeiro turno!

O PT considerava Bolsonaro o adversário preferencial no segundo turno!

Vamos supor, apenas para facilitar a conversa, que tudo isso fosse verdade. 

Pergunto: esses supostos erros maculam, para todo o sempre, tudo o que o PT fizer?

Ou o PT pode ter errado ontem e pode estar acertando hoje?

O gesto do PT “nada tem de corajoso ou radical”!

Vamos supor, também apenas para facilitar a conversa, que isto também seja verdade.

Até porque o gesto de não comparecer a posse de um cavernícola pode ser, apenas e tão somente, um sinal de apreço pelas liberdades democráticas. 

Não é preciso ser radical para fazer isto, basta ser coerente.

Além disso, os atos políticos não precisam ser sempre e necessariamente “corajosos”. A luta política não é roteiro de história em quadrinhos. 

Ademais, se coragem é um atributo que muitas vezes pode ser decisivo, inteligência, decência, coerência, honestidade, consciência de classe, fidelidade a certos princípios e senso de ridículo também são importantes.

E é sobre senso de ridículo que quero falar, para terminar.

Maringoni diz que a decisão do PT, em não comparecer a posse, é “birra pura. Ainda mais levando-se em conta que o governo B. conta com um dos principais quadros dos governos petistas - Joaquim Levy - em posto de comando da nova gestão. Não é um filiado do PT, mas sua presença no novo governo expõe sérias contradições nas gestões do partido”.

Quanto as tais contradições, Maringoni está arrombando porta aberta há muito tempo. 

Para ficar em exemplo recente, no dia 31 de novembro de 2018 a presidenta Dilma Rousseff reconheceu, em sua fala ao Diretório Nacional do PT, o caráter neoliberal da política monetária adotada em 2015.

Mas a questão é: o que uma coisa tem que ver com a outra?

Qual a relação que existe entre a presença de Levy no governo Bolsonaro e a decisão do PT de não comparecer a posse do cavernícola?

Birra?

Lula está preso, e a atitude do PT é birra??

Um cavernícola foi eleito presidente, e a atitude do PT é birra??

Birra???

Suponhamos que o PT esteja errado. Que o correto fosse fazer o que Cid diz. Ainda assim, porque qualificar a atitude do PT de "birra"???

O termo é tão insólito que me lembrei de um comentário que ouvi de um velho comunista, acerca do macarthismo: era uma época de ataque generalizado contra a classe, contra a esquerda, contra o partido. Éramos atacados por leões, lobos e urubus. Mas chato mesmo era suportar algumas hienas.

Demorei para entender a "birra" dele com "algumas" hienas. Até entender porque algumas riem mais do que as outras. Aí tudo fez sentido.

Aqui estão os textos comentados: https://www.facebook.com/100006008748448/posts/961589207384695/

Sobre a risada de algumas hienas, ver no final: https://www.bbc.com/portuguese/ciencia/2009/05/090512_hiena_risada_mv


3 comentários:

  1. Caro Valter, não vou me alongar.
    Apenas registro algumas coisas rapidamente, até porque não considero essa questão - estar presente ou não à posse formal de B - tão relevante assim.
    1. Não se trata de estender a mão a B. Aliás, sabemos bem que não foi o PSol que tentou aplacar a direita tentando agradar e dando poder a direitistas. Agora, situação normal ou não, a questão é outra: saber que política e que comportamento nos ajudam a reverter a situação em que estamos. Penso que é aí que o debate deve se situar, e não em quanto B é isso ou aquilo. E - menos, Valter - é clara forçação de barra dizer que estar presente à posse formal, organizada pelo TSE, seria "começar o governo num ambiente de convívio amigável".
    2. Depois daquela última resolução do DN do PT (não vou adjetivá-la), você vem dizer que Dilma fez autocrítica do estelionato eleitoral? Numa reunião fechada? Menos, Valter.
    3. Releia meu post. Não disse que o PT se recusou a assinar a Constituição de 88. Eu me referi à polêmica aberta no partido sobre assinar ou não. Ou você não se lembra que ela existiu? Menos, Valter.

    Fico por aqui, te mandando um abraço com a certeza de que estaremos lado a lado nas próximas trincheiras.

    Cid Benjamin

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  2. Atualmente - em debates superficiais - alguns militantes, na falta de argumentos convincentes, pedem "menos". O que há de igual no pensamento de alguns dirigentes da CNB e de parte do PSOL é a continuidade da ilusão na neutralidade das instituições de Estado. Essa ilusão influencia em todas as outras análises decorrentes.

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  3. Eu estava errado
    Postei ontem considerações no Facebook em que manifestava a discordância da posição assumida por partidos de esquerda ao decidirem não ir à posse de Bolsonaro.
    Imaginei que fosse apenas uma cerimônia formal, como outra qualquer.
    Não foi.
    E o tratamento dado aos profissionais de imprensa, que coadunava com o espírito e o clima geral da cerimônia, mostrou isso.
    Os jornalistas foram obrigados a se apresentar às 7h da manhã para cobrir uma atividade que começaria às 15h; tiveram que ficar sentados no chão; não tiveram acesso a água potável para beber; os que não levaram lanche ficaram sem comer todo esse tempo; tinham que pedir permissão para ir ao banheiro e, como se não bastasse mais nada, estiveram praticamente em cárcere privado, sendo ameaçados de serem alvo de tiros se saíssem do espaço que lhes foi destinado.
    Eu estava errado.
    Cid Benjamin

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