Motivo não
falta, mas por razões profissionais evito polemizar com o Gilberto
Maringoni.
Infelizmente,
não há espírito natalino capaz de suportar quieto o que diz Maringoni, em sua
postagem de apoio ao Cid Benjamin.
O que diz
Cid Benjamin?
Que não
considera acertada “a posição do PT, depois acompanhada pelo PSol, de que seus
parlamentares não estejam presentes na posse oficial de Bolsonaro na
Presidência”.
A crítica de
Cid Benjamin seria totalmente correta, se estivéssemos enfrentando uma situação
normal, se estivéssemos diante de um governo que respeita as liberdades
democráticas.
Mas não estamos.
Vide os
assassinatos durante e depois da campanha eleitoral. Vide o que ocorreu na
diplomação, em vários estados, com agressões aos parlamentares de esquerda. Vide
as posições adotadas pelo STF e pelo TSE. Vide a campanha de fake news. Vide o tratamento dado ao
caso Queiroz. Vide..
O fato é que
não vivemos uma situação normal.
Por qual
motivo, então, deveríamos adotar uma postura normal?
Sendo assim,
acho perfeitamente defensável e correta a posição do meu partido (PT) e a
posição do partido de Cid Benjamin (PSOL), de não comparecerem à posse de
Bolsonaro.
Cid Benjamin
diz que “não será um ato festivo (e aí, sim, se justificaria a ausência), mas
uma formalidade de posse ao vencedor da eleição”.
Realmente
não será um ato festivo, pelo menos não para nós.
Mas alguém
tem alguma dúvida acerca do que ocorrerá no dia 1 de janeiro de 2019? Alguém
espera que não ocorram provocações? Devemos fingir que Brasília não está em
situação de semi-sítio?
Cid Benjamin
acentua que se trata apenas de uma “formalidade de posse”.
Pois bem, pergunto:
por qual motivo nós devemos respeitar esta formalidade, especificamente?
Cid Benjamin
argumenta que “por pior que seja o eleito, os demais partidos participaram da
disputa. Esta foi marcada por distorções, é verdade. Mas um questionamento à
sua legitimidade teria que ser feito antes”.
Não acho que
estamos diante de “distorções” apenas. Cid Benjamin deve lembrar que o PT fez
vários questionamentos acerca do processo eleitoral. Foram todos
desconsiderados.
Não me
refiro apenas aos protestos contra a interdição de Lula, o que constitui o caso
mais claro de fraude. Refiro-me também às ações impetradas junto ao TSE, contra
os crimes cometidos pela campanha de Bolsonaro.
Frente à
postura parcial da justiça, temos ou não o direito de subir o tom de nosso
protesto?
Ou devemos
aceitar que estamos numa situação normal, que nossos questionamentos foram
acatados e que a decisão do Judiciário é justa?
Cid coloca
entre parêntesis a seguinte frase: “não se sustenta a posição defendida por
alguns petistas: ‘eleição sem Lula é fraude’, se depois se participa da eleição
sem a presença de Lula”.
Podemos
discutir longamente a respeito disto, mas não é isto o que está em
questão.
O que está em questão é: o governo de Bolsonaro não é um governo que
respeite as liberdades democráticas e, por isso, os democratas têm o direito de
não respeitar certas formalidades.
Entretanto,
concordo com Cid Benjamin que “esta não é só uma questão formal”.
Corretamente,
Cid afirma que “com a aplicação do programa de Bolsonaro, parte de sua base
eleitoral vai começar a se descolar dele. E teremos que dialogar com essa base,
sob pena de não revertermos a situação de sermos minoria”.
Se entendi
direito, Cid acha que este diálogo ficaria “dificultado” pela atitude de “participar
da eleição e questionar sua legitimidade depois de perdê-la”.
Segundo ele,
dificultaria “o diálogo com quem votou no vencedor, talvez com quem não votou
em ninguém mas quer esperar o que vem por aí ou mesmo em parcela dos que
votaram em Haddad no segundo turno, mas que reconhecem que Bolsonaro ganhou e
tem o direito de começar seu governo”.
Eu não acho
que este argumento seja despropositado, longe disso. Mas eu sugiro desenvolver a lógica contida no argumento de Cid, para ver onde ela vai dar.
Nós
participamos da eleição. A eleição foi marcada por “distorções”. Estas "distorções" influíram de maneira decisiva no resultado final. O presidente eleito dá todos
os sinais de que vai continuar lançando mão de “distorções” semelhantes, com a
vantagem de ter na sua mão a “legalidade” e a “legitimidade”. O que devemos
fazer frente a isso? Agir como uma “oposição leal”, que admite que o presidente tem
o direito de fazer o que está fazendo? Ou devemos também questionar a “legalidade”
e a “legitimidade”?
Como se vê,
quando se desenvolve o pressuposto da crítica de Cid Benjamin, chegamos numa
postura tática que seria acertada no caso do PSOL fazendo oposição ao PT, ou (com
ressalvas) no caso do PT fazendo oposição ao PSDB. Mas que não considero uma
postura acertada, no caso da esquerda fazendo oposição a um governo como o de
Bolsonaro.
Não é por
coincidência, aliás, que Cid Benjamin inclua, neste momento de seu post, a
seguinte lembrança: “Esse caso agora me lembrou o debate havido no PT em 1988
(na época eu estava no partido), sobre assinar ou não a Constituição aprovada.
Ora, os parlamentares petistas tinham participado ativamente da elaboração da
Carta e foram decisivos para a aprovação de alguns de seus pontos. Só porque
não conseguiram emplacar outros, seria o caso de não assinarem sua versão
final? Alguém questionava a legitimidade do processo?”
Cid poderia ter
falado a história inteira: o PT de fato assinou a Constituição de 1988. Mas o
PT também decidiu fazer um gesto formal: na última votação, aquela em que todos
os constituintes votam SIM ao texto final, a bancada do PT votou contra. Era
mera formalidade. Mas aquela mera formalidade tinha um enorme simbolismo, que
junto com outros – por exemplo, não comparecer ao Colégio Eleitoral – ajudaram o
PT a se consolidar como força oposicionista.
Cid conclui
seu post dizendo que “participar do jogo institucional implica conviver num
mesmo espaço com bandidos ou com direitistas (o que não significa conviver
amigavelmente ou mesmo deixar de combatê-los com firmeza)”.
É curioso
ouvir isto de alguém que foi para o PSOL. Confirma uma blague acerca da comparação entre o PT e o PSOL, que em respeito
ao Natal não vou citar aqui. Até porque o que interessa é: ao não comparecer à
posse formal de Bolsonaro, a esquerda está mandando um recado, o de que vamos “combater
com firmeza” a direita bandida.
O que Cid propõe seria, exatamente, começar o
governo num ambiente de convívio amigável.
Até aqui
comentei o que disse Cid Benjamin.
Agora vou
falar do que disse Gilberto Maringoni.
Maringoni
elogia o “corajoso post de Cid Benjamin”, reconhece
que “pode” (!!!???) ser “montada alguma provocação” contra a esquerda durante a
posse e acrescenta
que “a posse se dá no Congresso e é um ato de Estado e não de governo”.
Maringoni,
como Cid Benjamin, dá aqui um sinal de não ter percebido que as regras mudaram.
Foi o Estado
brasileiro quem operou para derrotar a esquerda.
O fato da
posse ser um “ato de Estado” e não “de governo” não possui, hoje, o significado
que tinha no período 1989-2014.
Neste ponto,
Maringoni esquece do PSOL (seu partido) e passa a atacar "abaixo da linha da cintura" o PT.
Reproduzo
aqui a frase: “De resto, para um partido, como o PT, que subestimou o perigo
fascista, que não atacou Bolsonauro no primeiro turno e que o considerava o
adversário preferencial no segundo, o gesto nada tem de corajoso ou radical. É
birra pura. Ainda mais levando-se em conta que o governo B. conta com um dos
principais quadros dos governos petistas - Joaquim Levy - em posto de comando
da nova gestão. Não é um filiado do PT, mas sua presença no novo governo expõe
sérias contradições nas gestões do partido”.
Vamos lá,
ponto a ponto.
O PT
subestimou o perigo fascista!
O PT não atacou
Bolsonaro no primeiro turno!
O PT
considerava Bolsonaro o adversário preferencial no segundo turno!
Vamos supor,
apenas para facilitar a conversa, que tudo isso fosse verdade.
Pergunto: esses
supostos erros maculam, para todo o sempre, tudo o que o PT fizer?
Ou o PT pode ter errado ontem e pode estar acertando hoje?
O gesto do
PT “nada tem de corajoso ou radical”!
Vamos supor,
também apenas para facilitar a conversa, que isto também seja verdade.
Até porque o
gesto de não comparecer a posse de um cavernícola pode ser, apenas e tão
somente, um sinal de apreço pelas liberdades democráticas.
Não é preciso ser
radical para fazer isto, basta ser coerente.
Além disso,
os atos políticos não precisam ser sempre e necessariamente “corajosos”. A luta
política não é roteiro de história em quadrinhos.
Ademais, se coragem é um
atributo que muitas vezes pode ser decisivo, inteligência, decência, coerência,
honestidade, consciência de classe, fidelidade a certos princípios e senso de
ridículo também são importantes.
E é sobre
senso de ridículo que quero falar, para terminar.
Maringoni
diz que a decisão do PT, em não comparecer a posse, é “birra pura. Ainda mais
levando-se em conta que o governo B. conta com um dos principais quadros dos
governos petistas - Joaquim Levy - em posto de comando da nova gestão. Não é um
filiado do PT, mas sua presença no novo governo expõe sérias contradições nas
gestões do partido”.
Quanto as
tais contradições, Maringoni está arrombando porta aberta há muito tempo.
Para
ficar em exemplo recente, no dia 31 de novembro de 2018 a presidenta Dilma
Rousseff reconheceu, em sua fala ao Diretório Nacional do PT, o caráter
neoliberal da política monetária adotada em 2015.
Mas a
questão é: o que uma coisa tem que ver com a outra?
Qual a
relação que existe entre a presença de Levy no governo Bolsonaro e a decisão do
PT de não comparecer a posse do cavernícola?
Birra?
Lula está
preso, e a atitude do PT é birra??
Um
cavernícola foi eleito presidente, e a atitude do PT é birra??
Birra???
Suponhamos que o PT esteja errado. Que o correto fosse fazer o que Cid diz. Ainda assim, porque qualificar a atitude do PT de "birra"???
Suponhamos que o PT esteja errado. Que o correto fosse fazer o que Cid diz. Ainda assim, porque qualificar a atitude do PT de "birra"???
O termo é tão insólito que me lembrei de um comentário que ouvi de um velho
comunista, acerca do macarthismo: era uma época de ataque generalizado contra
a classe, contra a esquerda, contra o partido. Éramos atacados por leões, lobos
e urubus. Mas chato mesmo era suportar algumas hienas.
Demorei para entender a "birra" dele com "algumas" hienas. Até entender porque algumas riem mais do que as outras. Aí tudo fez sentido.
Aqui estão os textos comentados: https://www.facebook.com/100006008748448/posts/961589207384695/
Sobre a risada de algumas hienas, ver no final: https://www.bbc.com/portuguese/ciencia/2009/05/090512_hiena_risada_mv
Caro Valter, não vou me alongar.
ResponderExcluirApenas registro algumas coisas rapidamente, até porque não considero essa questão - estar presente ou não à posse formal de B - tão relevante assim.
1. Não se trata de estender a mão a B. Aliás, sabemos bem que não foi o PSol que tentou aplacar a direita tentando agradar e dando poder a direitistas. Agora, situação normal ou não, a questão é outra: saber que política e que comportamento nos ajudam a reverter a situação em que estamos. Penso que é aí que o debate deve se situar, e não em quanto B é isso ou aquilo. E - menos, Valter - é clara forçação de barra dizer que estar presente à posse formal, organizada pelo TSE, seria "começar o governo num ambiente de convívio amigável".
2. Depois daquela última resolução do DN do PT (não vou adjetivá-la), você vem dizer que Dilma fez autocrítica do estelionato eleitoral? Numa reunião fechada? Menos, Valter.
3. Releia meu post. Não disse que o PT se recusou a assinar a Constituição de 88. Eu me referi à polêmica aberta no partido sobre assinar ou não. Ou você não se lembra que ela existiu? Menos, Valter.
Fico por aqui, te mandando um abraço com a certeza de que estaremos lado a lado nas próximas trincheiras.
Cid Benjamin
Atualmente - em debates superficiais - alguns militantes, na falta de argumentos convincentes, pedem "menos". O que há de igual no pensamento de alguns dirigentes da CNB e de parte do PSOL é a continuidade da ilusão na neutralidade das instituições de Estado. Essa ilusão influencia em todas as outras análises decorrentes.
ResponderExcluirEu estava errado
ResponderExcluirPostei ontem considerações no Facebook em que manifestava a discordância da posição assumida por partidos de esquerda ao decidirem não ir à posse de Bolsonaro.
Imaginei que fosse apenas uma cerimônia formal, como outra qualquer.
Não foi.
E o tratamento dado aos profissionais de imprensa, que coadunava com o espírito e o clima geral da cerimônia, mostrou isso.
Os jornalistas foram obrigados a se apresentar às 7h da manhã para cobrir uma atividade que começaria às 15h; tiveram que ficar sentados no chão; não tiveram acesso a água potável para beber; os que não levaram lanche ficaram sem comer todo esse tempo; tinham que pedir permissão para ir ao banheiro e, como se não bastasse mais nada, estiveram praticamente em cárcere privado, sendo ameaçados de serem alvo de tiros se saíssem do espaço que lhes foi destinado.
Eu estava errado.
Cid Benjamin