Como avalia
os acontecimentos da última semana da Operação Lava Jato, desde a suposta delação premiada de Delcídio Amaral, o suposto
pagamento das contas da campanha de Dilma Rousseff por empreiteiras e as
buscas na casa e depoimento do ex-presidente Lula? E qual a repercussão
política do fato de Eduardo Cunha ter se tornado réu da Lava Jato?
De fato, a conjuntura está do jeito
que o diabo gosta. Falando sério, estamos diante de uma crise política que está
se agravando, crise política que reflete uma crise mais profunda na sociedade
brasileira e que, por isto mesmo, inclui uma dimensão de crise institucional.
Olhando o período, fica mais claro o
que ocorreu durante a semana. Desde 2011, o grande capital mudou de atitude
frente a presença do PT na presidência. O consórcio conservador desencadeou uma
campanha em todas as frentes, para vencer as eleições de 2014. Quase tiveram
êxito. Não aceitaram a derrota e passaram o ano de 2015 fazendo dois movimentos
distintos, mas que se combinavam.
Um movimento era pressionar o governo
Dilma a cumprir o programa de Aécio. O outro movimento era interromper o
mandato da presidenta, via impeachment ou cassação no TSE. Este movimento quase
teve êxito, mas foi interrompido em boa
medida porque uma das peças tornou-se
disfuncional. Esta peça é, exatamente, Eduardo Cunha.
E tornou-se disfuncional por quais
motivos? Porque o movimento conservador tem como bandeira principal a luta
contra a corrupção. Bandeira que ficaria desmascarada, se o impeachment fosse conduzido por alguém visto como corrupto por setores da própria direita. Isto ficou claro nas manifestações de dezembro de 2015: a direita
ficou na defensiva e dividiu-se.
Assim, tirar Cunha da presidência da
Câmara é necessário para o xadrez da direita; não por coincidência, um lance
importante neste sentido foi dado, pouco antes deles darem outros dois lances:
o vazamento das preliminares da delação premiada de Delcídio e o sequestro de
Lula. Lances que visam atingir, de maneira coordenada, a presidenta da República e
o presidenciável do PT para 2018.
Noutras palavras: o movimento
conservador está promovendo uma escalada e está cada vez mais próximo de seus objetivos. Mas, como
as vezes acontece neste tipo de situação, quem está muito perto de vencer
também pode estar muito perto de perder.
A repercussão política do sequestro
de Lula não foi aquilo que a direita esperava. A reação da militância em todo o
país e o impacto popular mostram que haverá uma grande resistência ao golpe por
antecipação (pois eles estão querendo impedir a esquerda de concorrer, ou pelo
menos concorrer com chances de vitória, em 2018).
A direita domina os principais meios
de comunicação de massa e domina o fundamental do aparato de Estado. A
presidenta Dilma está neutralizada, como ficou claro no discurso em que ela
manifesta “inconformismo” com ações que foram praticadas por funcionários
públicos que supostamente estão sob seu comando.
Mas a reação de Lula, do PT e da
esquerda obriga a direita a disputar novamente as ruas e, talvez, ser obrigada
a lançar mão de outros expedientes. A Globo, por exemplo, está açulando as
forças armadas.
Para usar uma expressão que não é
minha, estamos assistindo uma “venezuelização” da política brasileira, por
iniciativa dos radicais da direita. Os temores acerca do que isto significaria
(lembrai-vos de 1954) fazem com que setores da direita fiquem na dúvida acerca
da condução política que está sendo dada por Moro e seus templários.
Embora o grande empresariado tenha
comemorado (vide as bolsas) o sequestro de Lula, muitos se perguntam se não
seria melhor deixar que a presidenta Dilma Rousseff vá até o fim, até porque ela está
implementando o ajuste fiscal, está defendendo a reforma da previdência, está
retomando as privatizações, o desemprego está aumentando muito, o que reduz
salários... sendo assim, para que correr riscos?
Mas aí outro setor lembra que também
é arriscado deixar Lula
livre e o PT solto, pois como ocorreu em 2006, a esquerda pode apesar de tudo vencer as eleições presidenciais de 2018.
Resumo da ópera: há uma radicalização
que tende a se aprofundar. E no limite quem vai decidir esta parada é quem
tiver mais base social, iniciativa política e disposição de ir até o fim.
Em que medida o cenário político do Brasil de hoje
revela os limites do atual sistema de representação?
Num sistema capitalista, a “representação” é
imperfeita por definição. Os teóricos neoliberais sabem disto e por isto mesmo
defendem, desde os tempos do
liberalismo clássico no século XIX até os prenúncios neoliberais nos anos 1970, uma democracia restrita.
Em alguns casos conseguiram fazer isto mediante
dispositivos legais, como acontece nos EUA. Na maioria dos casos, entretanto, a
restrição é feita mediante a combinação entre financiamento empresarial e
ditadura comunicacional.
No caso brasileiro, há algumas particularidades.
Nos anos 1980, a
crise econômica e social foi acompanhada de um crescimento das liberdades
democráticas. Os conservadores conseguiram impedir que a Constituição de 1988
refletisse isto: vide a desproporcionalidade na composição da Câmara e o papel
revisor do Senado. Mesmo assim, o PT
quase ganhou as eleições de 1989.
Como reação a este susto tomado pelas elites,
durante os anos 1990 foram feitos ajustes importantes no sistema eleitoral e
político, entre os quais a consolidação do financiamento empresarial e o
crescimento da influência da mídia.
A política brasileira foi americanizada ao extremo, o que não impediu, mas
retardou a vitória do PT e fez esta vitória ser acompanhada de “salvaguardas”
diversas (as privatizações, a autonomia de fato do Banco Central, as agências,
a maioria conservadora nas casas legislativas etc.).
O problema, inclusive para um setor das elites, é que isto criou um sistema
político eleitoral cada vez mais corrupto, cada vez mais clientelista, cada vez
mais paroquial.
Se o Brasil fosse um país tranquilo, sem grandes
problemas, isto não seria grave. Mas a situação é outra: os problemas do país
são imensos, a situação internacional os agrava, e o conjunto da obra exige
soluções para as quais são necessários instrumentos e força política. E nosso
sistema político eleitoral, assim como nosso aparato de Estado, não estão à
altura disto.
Para ficar mais claro: o “sistema de representação” que
temos não representa adequadamente a população brasileira. Mas a crise política
não resulta disto. A crise política resulta de que temos um sistema político (e
um Estado) que não é “perfeito” para aquilo que a elite quer fazer contra o
povo, nem muito menos é adequado para fazer aquilo que o povo precisa fazer
contra a elite.
É por isto que entre os setores populares cresce a
percepção de que é preciso outro tipo de Estado e também por isso a defesa de uma Constituinte; é a solução democrática
para uma crise política e institucional de envergadura.
Já as elites não querem solução democrática. Por
isto praticam a judicialização da política, a partidarização da justiça, a
criminalização dos movimentos sociais, o fortalecimento do conservadorismo
ideológico, tudo para reforçar a blindagem do Estado contra os setores
populares.
Como compreender as questões de fundo que estão no
bojo da crise política e do desgaste pelo qual passa o governo petista? Quais
as reações dentro do partido?
A crise política estaria ocorrendo em qualquer
caso, pois ela tem origem na ofensiva da direita. Mas a forma assumida pela
crise política está vinculada, principalmente, a atitude que a presidenta Dilma
adotou frente a ofensiva da direita.
A presidenta parece acreditar que vai deter a
ofensiva política da direita, fazendo concessões econômicas ao grande capital.
Só que ela não foi eleita pelos defensores do programa do Aécio. Ao aplicar um
programa conservador, ela desagrada sua base social e eleitoral, tornando mais
fácil o caminho para a direita política, que pretende fazer o impeachment,
destruir o PT e
prender Lula.
Uma questão adicional é entender por quais motivos
a presidenta Dilma converteu-se em defensora do ajuste fiscal, logo ela que
durante os dois governos Lula foi fundamental no combate às posições de Antonio
Palocci.
Há várias hipóteses a respeito. A causa
fundamental, em nossa opinião, é política.
A tradição política e ideológica em que ela foi
formada (o nacional-estatismo) deposita todas as suas fichas na ação do Estado
como “promotor do desenvolvimento”, supostamente acima dos conflitos sociais.
Quando o Estado tem recursos, o nacional-estatismo exibe imenso vigor. Mas
quando o Estado esgota seus recursos, o nacional-estatismo enfrenta um impasse:
para recuperar a capacidade de investimento, é preciso escolher entre taxar os
ricos ou sangrar os pobres. E não há como taxar os ricos e, ao mesmo tempo,
conciliar com eles.
Acontece que a presidenta Dilma, como aliás grande
parte do PT e da esquerda brasileira, segue prisioneira da estratégia da
conciliação. Esta estratégia deu resultados positivos, quando o capitalismo
internacional oferecia condições adequadas para isto e enquanto os capitalistas
aqui instalados conseguiam compatibilizar pequenas concessões feitas à classe
trabalhadora com os imensos lucros com que estão acostumados. Hoje, a situação
mudou. E também por
isso a estratégia da esquerda precisa mudar.
Em entrevista concedida à IHU On-Line
no fim do ano passado, o senhor destacava uma "contraofensiva
reacionária" como questão central da crise política. Como responder a essa
contraofensiva para além do atual sistema polarizador, que coloca esquerda X
direita, empresariado X trabalhador, burguesia X operariado?
Não vejo como. Existe uma parcela da sociedade que
acha que a crise é produto da polarização política. A verdade é o contrário: a
crise política é produto da polarização social. E a polarização social resulta
da dinâmica econômica da nossa sociedade, de seus impasses estruturais.
A polarização esquerda versus direita, PT versus
PSDB, não é artificial. Ela vem sendo afirmada desde 1994 e corresponde a conflitos de fundo que existem na
sociedade brasileira.
Aliás, é gozado: as pessoas acham que a polarização
petistas versus tucanos é artificial e desagradável, mas acham normalíssima a “eterna” polarização entre
republicanos e democratas...
Os
grupos políticos que tentam escapar da polarização (como PSOL, Marina, PMDB)
acabam sendo arrastados de volta para ela, sendo obrigados a se aliar, de fato
ou de direito, com um dos pólos da disputa.
Claro,
se a contraofensiva reacionária for até o final, o PT pode ser destruído. Este
é o sonho dos tucanos, fazer com o PT algo similar ao que os EUA conseguiram
fazer com a URSS, ao que fizeram com o Partido Comunista Italiano etc.
Mas
mesmo que eles tenham êxito, ainda assim vão continuar existindo esquerda e
direita, expressando no âmbito da política a polarização entre trabalhadores e
empresários. Numa sociedade divida em classes, falar contra o sistema
polarizador em geral é útil apenas para quem defende a classe dominante, que
pode se dar ao luxo de defender seus interesses egoístas ao tempo que finge estar defendendo, supostamente, os
interesses gerais.
Qual é o peso das mudanças na política
econômica-social do governo petista no atual estado de crise? O que está em
questão e, consequentemente em crise, é um projeto político econômico ou
civilizacional?
Hoje, o governo não está conseguindo proteger os
trabalhadores da crise e, pior, está adotando ou deixando adotar medidas que
aprofundam os efeitos da crise sobre a classe trabalhadora.
Se isto não mudar imediatamente, será cada vez mais
difícil convocar os trabalhadores para defender as liberdades democráticas e
lutar contra o golpismo. E se tornará cada vez mais difícil manter a esquerda
como alternativa de governo.
Também por isto, o Diretório Nacional do PT aprovou, no dia 26 de
fevereiro de 2016, uma proposta de política econômica alternativa.
A reação furiosa da direita contra esta proposta
mostra que ela vai no rumo certo.
A reação do ministro da Fazenda Nelson Barbosa às
propostas feitas pelo Diretório Nacional do PT foi de indiferença irritada.
Aliás, o senhor Barbosa está se demonstrando mais
nocivo ao país, do que foi seu antecessor Joaquim Levy.
A insistência no ajuste fiscal de longo prazo, na
reforma da previdência e em outras concessões aos mercados – entre as quais a
retomada de fato das privatizações – está tendo como consequência desmontar
tudo o que de positivo fizemos desde 2003.
Recomendo a todos que leiam o documento aprovado pela
direção do PT. Sinteticamente, o documento diz que a forma de sair da crise é dobrar
a aposta feita no segundo mandato de Lula. Mais mercado interno, mais
integração regional, mais recursos para a classe trabalhadora, mais
planejamento e ação do Estado, mais desenvolvimento.
Evidente que, embora sigam no rumo certo, falta muita
coisa às propostas aprovadas pela direção nacional do PT.
Por exemplo, faltam: a) uma análise crítica da
primeira etapa do governo Lula, quando predominou a política social-liberal de
Palocci; b) uma ênfase e consequência maiores no combate aos oligopólios em
geral e ao oligopólio financeiro em particular; c) uma compreensão mais precisa
do papel da (re)industrialização como decisiva para o sucesso de uma
alternativa democrático-popular e socialista; d) a afirmação clara de que um
novo governo petista não pode ser (e não será, mesmo que quiséssemos) uma
repetição do que foi feito no segundo
mandato de Lula.
“Dobrar a aposta” significa não apenas fazer mais:
implica em fazer diferente, implica em fazer reformas estruturais, implica em
enfrentar os oligopólios.
Portanto, não acho que o problema que enfrentamos
no Brasil seja “civilizacional”, salvo no seguinte sentido: a volta do
neoliberalismo duro e seco é uma catástrofe social, é a barbárie.
É possível afirmar que as estratégias do PT – e de
seu governo - de aproximação às lógicas do capital e do atual jogo político, em
nome da governabilidade, distanciaram-o dos princípios da esquerda? Justifique.
Na minha opinião, a questão está invertida. As
concessões ao programa do capital não foram feitas em nome da governabilidade.
É o contrário.
O problema principal não é a governabilidade, nem
as lógicas do jogo político.
Estas lógicas e a “teoria” da governabilidade prevaleceram,
porque elas eram (e seguem sendo) uma decorrência lógica de determinados objetivos
programáticos, de determinadas diretrizes estratégicas, de determinadas alianças
de classe.
Não devemos ser contra a governabilidade em si.
Precisamos de uma governabilidade que nos permita aplicar um programa de
reformas estruturais. E por isto não podemos nos fiar em alianças com os
inimigos destas reformas.
Para retomar o crescimento com ampliação dos
direitos sociais, da democracia e da soberania nacional, é preciso fazer o
grande capital pagar a conta, e isto implica em abandonar a estratégia da
conciliação.
A presidenta Dilma venceu as últimas eleições
presidenciais defendendo o legado do período 2003-2014. Reeleita, tornou-se
prisioneira de um aspecto deste legado: a conciliação de classe. Desde 2011, a
conciliação não resulta mais em bônus para as classes trabalhadoras.
A esquerda brasileira está convocada a mudar de
estratégia. É preciso derrotar os que insistem em defender, explícita ou
implicitamente, a estratégia de conciliação, que nas condições atuais conduz a
capitular frente ao programa social-liberal.
Você me pergunta se isto distanciou o PT dos
“princípios da esquerda”. Esta pergunta só admite uma resposta. Mas qual a decorrência que se tira
desta resposta?
Eu acho que os partidos reais, compostos por gente
de verdade, que atuam em condições concretas, não são perfeitos, não acertam
sempre.
Por isto, estou mais preocupado em saber o
seguinte: de todos os caminhos e alternativas possíveis, o PT continua sendo um
instrumento útil para a classe trabalhadora? O Brasil estaria melhor ou estaria
pior, se o PT e o petismo deixassem de existir.
Basta olhar a maravilhosa reação contra o sequestro
de Lula para perceber o valor da militância e do enraizamento que o petismo tem
nos setores populares.
O fato é que o petismo tem imensas debilidades, mas
tem imensas qualidades. Alias, se não fosse assim, a direita não estaria
tentando nos destruir.
Pode ser que o petismo seja derrotado? Pode. Há
grandes riscos disto ocorrer? Sim. Mas as consequências disto seriam tão
profundas, tão danosas, que eu considero que nosso dever, como militantes de
esquerda, consiste em fazer absolutamente tudo o que estiver ao nosso alcance
para que o PT sobreviva.
Em que medida a esquerda brasileira entende o
momento político-social atual? O espaço aberto à "contraofensiva" não
é efeito justamente da (in)compreensão do governo com relação aos novos atores
sociais?
Eu não acho que o problema esteja no terreno da
“incompreensão” entre “atores”, nem acho que o problema seja com os “novos”
atores. Aliás, só
haverá solução positiva se os “velhos” atores, como os sindicatos, jogarem papel
decisivo.
Existe uma divergência política de fundo entre a
política do governo e as grandes e “velhas” organizações da esquerda
brasileira, a começar pelo PT e pela CUT.
O governo está aplicando uma política econômica que
prejudica e deixa prejudicar a classe trabalhadora. É isto que abre grande
espaço para a contraofensiva da direita, pois a base social e eleitoral da
esquerda tem cada vez menos motivos para defender o governo.
A presidenta Dilma Rousseff ouve pouco os movimentos sociais? Ouve
pouco a esquerda? Sim, claro. Mas o problema não está em ouvir, nem está em
compreender. Não é uma questão de diálogo, mas de força: se a presidenta não
mudar o rumo da política econômica, ela arrastará para o fundo toda a esquerda,
partidos e movimentos incluídos.
Arrastará inclusive setores da esquerda (como o
PSOL e setores do PSTU) que são contra o governo de tal forma que, em diversos
momentos, se convertem em linha auxiliar da direita.
Voce me pergunta se a esquerda brasileira entende o
momento político-social atual. Depende da esquerda.
Existe um setor social-liberal, que é forte no
governo. Existe um setor de ultra-esquerda, que acha que todos os demais são
inimigos. Mas o que mais me interessa discutir é o setor ainda hoje majoritário
da esquerda brasileira, que acreditou que “chegaríamos lá” sem rupturas com o
grande capital, através de uma estratégia reformista lenta, segura e gradual, estratégia
que alguém já denominou de melhorismo.
Esta crença, baseada por sua vez numa crítica mal
realizada tanto das tentativas de construção do socialismo realizadas no século
XXI, quanto das tradições de esquerda pré-1980, ajudou bastante a nos enfiar na
crise atual.
Espero que este pedaço da esquerda faça um balanço
crítico e autocrítico e adote outra estratégia.
Parte dessa crise política que o governo vem
vivendo pode ser debitada da promessa de reforma política prometida por Dilma
no calor das manifestações de 2013, mas logo depois abandonada? Por quê?
Eu não diria debitada. A crise não é produto da ausência de reforma
política, nem da tibieza com que o governo agiu nesta questão, primeiro
propondo, depois recuando.
Mas é evidente que uma reforma política nos ajudaria a enfrentar a crise
em melhores condições.
Por isto, aliás, que a direita fez de tudo para impedir a reforma. Que
continua sendo necessária. Mas para isto precisamos deter a ofensiva da
direita, recuperar a iniciativa, mudar a política econômica, vencer as eleições
de 2018...
Como radicalizar o conceito de democracia no mundo
de hoje e fugir das armadilhas de uma democracia restritiva? O que dá
sustentação à democracia restritiva?
O que dá sustentação à democracia restrita é a
força do Capital, que investe em grandes aparatos de poder,
construídos e continuamente reforçados há décadas.
Um dos aspectos mais destacados da contraofensiva conservadora
é, exatamente, sua imensa potência cultural, seja pela radicalidade na defesa
de ideias racistas, homofóbicas, machistas, antidemocráticas, conservadoras,
fascistas, entreguistas, seja pela profunda penetração em todo o território
nacional, em todas as camadas da população.
Esta potência cultural foi construída e é mantida
por três grandes aparatos: a indústria de comunicação, a indústria cultural e a
indústria educacional.
Hoje, setores importantes das elites aprofundam sua
opção por uma visão de mundo conservadora, num fenômeno que recorda, sob vários
aspectos, o que ocorreu na Europa nos anos 1920 e 1930.
Os clássicos da esquerda já diziam que o componente
cultural-ideológico é parte fundamental da disputa política e não deve ser
subestimado.
Se os clássicos perceberam isso já no século XIX,
espera-se que as atuais gerações, vivendo numa época atravessada pela internet,
pela televisão, pelo cinema e pelo rádio, fossem capazes não apenas de manter,
mas também de aprofundar esta visão.
Como sabemos, não foi esta a postura majoritária na
esquerda brasileira. Embora o discurso apontasse naquele sentido, as vezes
inclusive de maneira deslumbrada com as novas tecnologias, a prática oscilou
entre o pontual, o imobilismo e a rendição.
Ações meritórias, mas pontuais, oásis num deserto
controlado pelas indústrias do inimigo. Imobilismo frente aos grandes temas,
frente aos quais nada se fez. Rendição frente as práticas, aos costumes e aos
créditos do inimigo, como se vê no fomento à indústria educacional privada e no
subsídio publicitário à indústria comunicacional privada.
Frente a tudo isto, nosso problema não se limita a
radicalizar o “conceito”, ou fugir das “armadilhas”. Isto pode e deve ser feito
no âmbito do debate de ideias.
Mas no âmbito da prática, precisamos é implementar
ações práticas de democratização da política, da cultura, da educação, da
comunicação, do trabalho, da família etc.
No fundo, o que está em jogo no futuro da política
brasileira? Qual deve ser o futuro do PT e da esquerda nacional? Que
perspectivas se abrem?
Depende do que está ocorrendo nestes dias, semanas
e meses.
Se a direita vencer, se conseguirem fazer o
impeachment, cassar a legenda do PT e interditarem Lula, eles vão implementar
seus três objetivos estratégicos: a) realinhar o Brasil aos Estados Unidos,
afastando-nos da integração regional e dos BRICS; b) reduzir substancialmente a
remuneração direta e indireta da classe trabalhadora, visando assim ampliar ao
máximo a rentabilidade do capital; c) diminuir o exercício das liberdades
democráticas pelos setores populares, para poder implementar o neoliberalismo
versão 2.0.
Se
conseguirmos derrota-los e se vencermos as eleições 2018, teremos que aplicar o programa
oposto: a) integração regional e BRICS; b) ampliar a força econômica e social
da classe trabalhadora; c) ampliar as liberdades, para poder ter a força
necessária para implementar o programa democrático, popular e socialista.
No
primeiro cenário, de derrota, a esquerda vai passar um bom período na
defensiva, até se reorganizar. Em que bases, é difícil dizer hoje, até porque
não seria algo fácil nem tranquilo.
No
segundo cenário, de vitória, a reorganização também será necessária, mas tendo
o petismo como elemento estruturante. Obviamente, eu trabalho por este segundo
cenário.
Em que medida uma articulação como a da
"frente de esquerda" dá conta de pensar uma nova forma de
representatividade (como no caso das escolas de São Paulo em que a voz dos
estudantes se fez ouvir pela mobilização horizontal e não pela ação de uma
forma representativa como a UNE)?
Não
acho que devamos construir uma frente apenas de esquerda.
Acho
que devemos construir a Frente Brasil Popular, dirigida pelos setores de
esquerda, mas que incorpora setores democráticos e populares que não defendem o
socialismo, mas defendem as reformas estruturais, os direitos sociais, as
liberdades democráticas, a integração regional.
Aliás,
foi graças a existência da Frente Brasil Popular que conseguimos ter algumas
vitórias parciais neste período tão duro.
A Frente Brasil
Popular deve fazer um esforço para capilarizar-se,
para incorporar todos os movimentos sociais e inclusive setores da população
que querem ter militância, mas não querem filiar-se a um partido ou organização
social específica.
E a Frente Brasil Popular deve fazer um
esforço imenso para incorporar os jovens trabalhadores e filhos de
trabalhadores. Embora isto não seja uma tarefa principalmente da Frente
enquanto tal, mas sim das organizações que integram a Frente.
A
mobilização dos secundaristas de São Paulo mostrou que existe um imenso
potencial de luta na juventude. Mas para que este potencial tenha continuidade,
não basta horizontalidade. Isto é uma ilusão autonomista, que volta e meia
reaparece, mas que sempre a realidade demonstra ser uma ilusão. Sem
organizações nacionais fortes, enraizadas na base, nenhum movimento consegue
derrotar a direita, o capital e o oligopólio da mídia.
Por
isto, nada contra a UNE e a Ubes, pelo contrário. Quero que a UNE e a Ubes
consigam criar raízes em todas as escolas. Evidentemente, para isto é preciso
mudança no funcionamento e na linha política destas entidades.
Deseja acrescentar algo?
A contraofensiva da direita tem grande impacto na esquerda. A massa dos militantes quer reagir, quer lutar e cobra das direções que faça o mesmo e cumpra seu dever: oferecer uma linha política e dar diretrizes claras sobre o que fazer.
Nas
direções, há diferentes posturas. Organizações esquerdistas dividem-se entre os
que apoiam a mobilização popular contra o golpe e aqueles que preferem fazer
coro, explicita ou implicitamente, ao discurso da direita acerca do
envolvimento dos petistas com casos de corrupção.
Na
Frente Brasil Popular, com destaque para a Central Única dos Trabalhadores,
percebe-se vontade e capacidade de reação.
Aliás,
os fatos demonstram o acerto que foi construir a Frente Brasil Popular e o erro
daqueles que insistem em dividir forças e gastar energias na construção de
outro tipo de frente, mais estreita e mais confusa politicamente.
A
direção do Partido dos Trabalhadores, por sua vez, não está conseguindo
corresponder às necessidades.
Isto
ocorre por diversos motivos: em parte por ser alvo direto de grande parte dos
ataques, em parte por debilidade de sua direção nacional, mas principalmente
devido aos erros políticos acumulados por um setor do Partido que insiste em manter
uma estratégia superada pela vida.
Na
ausência de uma direção à altura dos fatos, abre-se caminho para a confusão,
com direito a manifestações múltiplas e variadas de desânimo, derrotismo,
desmoralização, recriminações mútuas e traições.
Frente
a esta situação, é preciso manter a cabeça fria, produzir análises
consistentes, construir atividades e instrumentos unitários, oferecer pontos de
referência prática e teórica para quem estiver disposto a combater a direita, o
oligopólio da mídia, o grande capital, o imperialismo.
A
contraofensiva da direita é poderosa, mas não é onipotente. Eles podem vir a
nos derrotar, mas não nos derrotaram. O esforço para desmoralizar, julgar e
prender Lula é um dos muitos sinais disto.
Enquanto
setores da esquerda (inclusive do próprio PT) dão
o Partido como destruído ou pelo menos
neutralizado eleitoralmente, o comportamento hegemônico na direita é outro:
continuam considerando Lula e o PT como forte alternativa eleitoral para 2018.
Portanto,
ainda existem condições para deter a contraofensiva conservadora e criar as
condições para retomar nossa ofensiva. No curto prazo, atingir estes objetivos exige alterar a estratégia da esquerda, mudar a
política do governo, reconquistar o apoio da classe trabalhadora, mobilizar as
forças populares e vencer as eleições de 2018.
Ao
mesmo tempo, o Partido dos Trabalhadores, a esquerda brasileira e o campo
democrático-popular estão chamados a construir uma estratégia que não se limite
às disputas eleitorais.
Enfim,
vamos ter muito trabalho pela frente. Mas temos tudo para vencer, desde que, é
claro, a gente consiga mudar de estratégia, consiga errar menos e consiga ter
um pouquinho de sorte.
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