quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Para leitura

O tempo corre contra quem defende realizar reformas estruturais no Brasil.
A depender do que fizermos, a direita pode vencer as presidenciais de 2018.
A depender do que fizermos, a direita pode tentar provocar uma crise institucional antes de 2018.
A depender do que fizermos, a direita pode impor (total ou parcialmente) ao novo governo o programa que foi derrotado nas urnas.
Mais precisamente: em parte a depender da capacidade e esperteza dos nossos opositores, em parte a depender de como se posicionem os setores em disputa. em parte a depender de como nosso lado, nosso bloco, nosso campo se posicionar.
Entendendo que nosso lado inclui partidos de esquerda, movimentos sociais, parlamentares e executivos progressistas, assim como gente atuante no campo da arte, da cultura, do educar e do comunicar.
Evidente que ao PT e ao governo Dilma cabe um lugar especial neste campo. 
Evidente, igualmente, que do ponto de vista imediato o governo Dilma cumpre um papel deveras destacado. 
Entretanto, como demonstraram os acontecimentos desde 2003, embora o governo seja importante, no frigir dos ovos o Partido cumpre papel decisivo.
Neste sentido, deveras importante que a executiva nacional do PT tenha aprovado o seguinte documento:  http://www.pagina13.org.br/pt/resolucao-politica-da-executiva-nacional-do-pt/#.VGNwvPmsVZ8

Um dos nossos desafios consiste em transformar as diretrizes deste documento em linha geral do Partido.
Por enquanto, temos apenas um resolutivo da CEN. Cabe trabalhar para o que DN e o V Congresso do PT referendem esta linha. E que ela seja efetivamente implementada pelo Partido e por seus dirigentes mais destacados, inclusive os que ocupam postos executivos e parlamentares.
Uma vez que consigamos consolidar no conjunto do Partido a linha aprovada pela Executiva nacional, isto deve ter reflexo nas diretrizes organizativas, nos dirigentes, no funcionamento da tesouraria, no trabalho de formar, informar e mobilizar.
Nada disto vai transcorrer tranquilamente. Temos inimigos poderosos fora do Partido, temos passivos importantes e temos diferentes posturas no interior do campo popular, a respeito do que fazer.
Um exemplo: os que subiram no muro no segundo turno, torcem agora para que o governo gire para a direita, o que lhes serviria de desculpa.
Outro exemplo: os que acham que o governo pode girar para a esquerda tanto quanto a campanha girou para a esquerda, confundindo o papel e as possibilidades do Partido e do campo popular, com o papel e as possibilidades do governo.
Um terceiro exemplo: os que defendem que o governo gire para a direita, aplicando parcialmente o programa dos derrotados. Dentre estes, existem os que adotam os mesmos pressupostos dos tucanos. Mas existem, igualmente, os que acreditam que girar para a direita permitiria evitar um confronto maior com a direita, num momento em que os setores populares mostraram capacidade de mobilizar, mas perderam votos frente ao que obtivemos em recentes processos eleitorais e ainda carecem de organicidade e instrumentos adequados para comunicar-se com o povo. Os que pensam isto acham que a luta de classes em 2014 obedece ao mesmo design da luta de classes em 2002.
Finalmente, e em grande quantidade, existem aqueles que percebem que precisamos mudar e precisamos mudar urgente, mas que nem sempre percebem que isto constitui um processo bastante complexo, em que precisamos mudar de estrategia (nao apenas de tatica) e que precisamos mudar profundamente nosso funcionamento, nosso comportamento interno e externo.
Alguns dos textos abaixo selecionados (exceto logicamente o de Breno Altman, que cuida de apresentar o documento da executiva nacional) permitem visualizar vários destes pontos de vista que consideramos incorretos ou insuficientes. Destaca-se a dificuldade de perceber os acontecimentos atuais como manifestar de profundos conflitos de classes, que tem hoje um design diferente daquele de 2002. Motivo pelo qual a facilidade com que determinadas pessoas esquecem de analisar seus atos passados e inclusive de assumir a responsabilidade por seus erros, as conduz agora a propor mais do mesmo, sob o disfarce de grande novidade.
Boa leitura.


ODED GRAJEW
A frustrada aliança entre PT e PSDB
No final de 1993, as eleições gerais se aproximavam. O país estava traumatizado pelos escândalos da era Collor. Eu achava que PT e PSDB deveriam tentar construir uma aliança política. Lideranças dos dois partidos estiveram juntas nas Diretas-Já, no impeachment de Collor, tinham a ética na política, a prosperidade econômica, a redução da desigualdade e o combate à pobreza como principais bandeiras.
Fui compartilhar essa ideia com meu amigo Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda, na época militando no PSDB. Bresser topou iniciar uma mobilização que pudesse levar à aproximação dos dois partidos.
Fizemos uma reunião na minha casa convidando lideranças do PT e do PSDB para validar o processo. Todos foram favoráveis. Elaboramos um manifesto intitulado "Conclamação" para ser subscrito por atores sociais e políticos.
Eis alguns trechos do documento: "Como retomar a ética na condução da política? As eleições gerais de 1994 oferecem uma oportunidade de ouro para retomarmos o caminho das reformas e do controle da sociedade sobre a atividade pública."
"Precisamos eleger governantes e representantes parlamentares que estejam comprometidos com um programa de garantia de direitos sociais, de geração de novos empregos e, consequentemente, de crescimento com maior justiça na distribuição da renda e de combate à corrupção, à sonegação e ao desperdício do setor público, colocando o Estado a serviço do bem comum".
No manifesto, afirmávamos que, naquele contexto, existia a necessidade de aproximação entre os partidos e grupos comprometidos com as reformas éticas e sociais, entre eles PT, PSDB e as alas progressistas do PMDB, que, apesar de diferenças de origem e atuação, cresciam em respeito e credibilidade aos olhos da sociedade.
O texto também apontava o resultado esperado pelos signatários: "Que o debate construtivo possa conduzir a um programa realista e factível que seja a base de uma composição de forças comprometidas com mudanças sociais e políticas".
Em pouco tempo, aproximadamente 500 pessoas subscreveram o manifesto, entre elas Elza Berquó, Fernando Abrucio, Antonio Palocci, Cândido Mendes, Dalmo e Pedro Dallari, Eduardo Jorge, Francisco de Oliveira, Francisco Weffort, Jair Meneguelli, Lourdes Sola, José Aníbal, José Eduardo Cardozo, José Genoino, Lourdes Sola, Paul Singer, Paulo Sérgio Pinheiro, Vicentinho, Roberto Schwarz, José Eli da Veiga e Ricardo Tripoli.
Em evento público, entregamos o manifesto a Lula e a Tasso Jereissati, presidentes, respectivamente, do PT e do PSDB na época. Eles deram sinal verde à iniciativa designando equipes que começaram a elaborar um programa comum.
As reuniões foram produtivas, resultando facilmente em várias propostas consensuais. No meio dos trabalhos fomos surpreendidos pelo lançamento da candidatura de Fernando Henrique Cardoso à Presidência, em aliança com o PFL.
Os trabalhos foram interrompidos. PT e PSDB foram fazendo suas alianças e a luta pelo poder os transformou em inimigos mortais. Até hoje me pergunto como estaria o nosso país e a nossa política se aquele processo tivesse prosperado.
ODED GRAJEW, 70, é coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, presidente emérito do Instituto Ethos e idealizador do Fórum Social Mundial. Foi presidente da Fundação Abrinq e assessor especial do presidente da República (governo Lula)


Tarso Genro
Fim de ciclo e memória da Carta aos Brasileiros

Estamos chegando num novo momento de transição, no qual se revigora, de um lado, a questão democrática e, de outro, a questão da unidade da esquerda.
A postura que a direita conservadora, em geral, e o centrismo neoliberal vem assumindo, depois da confirmação da vitória da Presidenta Dilma, demonstra que estamos chegando num novo momento de transição, no qual se revigora, de um lado, a questão democrática e, de outro, cobra atualidade a questão da unidade da esquerda, para continuar mudando o Brasil. Esta transição está com seu futuro indeterminado, mas poderá ser para melhor, como foi o ciclo aberto pela Carta aos Brasileiros em 2002.
Mas uma "Carta aos Brasileiros" nos mesmo moldes da anterior, seja agora (no início do novo governo Dilma), seja num futuro governo em 2018, não só não teria nenhum efeito para "acalmar os mercados", mas também não alinharia as mesmas forças políticas, no Legislativo e na sociedade, para dar sustentação a um novo ciclo de reestruturação das classes sociais no Brasil. Falamos num novo ciclo frontal de combate às desigualdades sociais, que ainda persistem no Brasil de maneira dramática e vergonhosa.
Se é verdade que, em outros momentos, a estratégia daquela carta foi necessária e funcionou, para permitir a reestruturação da sociedade de classes no Brasil - interferindo positivamente na vida de 50 milhões de pessoas - não é menos verdade que a própria sociedade, reestruturada, gerou sujeitos sociais e políticos mais exigentes em relação aos seus direitos fundamentais, cujos espaços, na democracia, ou se alargarão, ou passarão a ser sonegados por governos "mudancistas", saudosos das "exigências" do mercado.
Trata-se de um impasse mais profundo: a disputa pela renda, a disputa pela qualidade dos serviços públicos, a disputa pela liberdade de fazer circular livremente a opinião, a disputa pela participação direta da sociedade - como orienta a própria Constituição de 88 - para produzir políticas públicas, a disputa em torno de um novo modelo para o sistema político, todas estas disputas farão sucumbir o velho sistema de alianças ainda vigente, originário da transição da ditadura para a democracia.
A aliança que se formou no segundo turno da eleição da Presidenta Dilma, permitiu que velhos e novos companheiros se reencontrassem, para defender o país do retrocesso originário do "perigo Aécio". Este expressou, durante a sua campanha (seguido pelos seus militantes radicais nos bairros da alta classe média) um ódio antipetista e antiesquerda, que lembrou os meses que antecederam o Golpe de 64.
O governo da presidenta Dilma deve, não só ser defendido da direita tradicional dos tucanos, mas também da direita que integra a base parlamentar do seu próprio governo. Esta base tudo fará para que a Presidenta assuma, na verdade, a agenda derrotada nas eleições presidenciais. Isso significa, não só retroceder nas políticas sociais e no privilegiamento da manutenção do emprego, mas também significa assumir a ortodoxia econômica para a administração financeira do Estado.
A gigantesca dívida da União e as manipulações do mercado financeiro mundial, compõem um terreno fértil para a direita neoliberal operar a redução das funções públicas do Estado, desde que não se construam novas políticas de financiamento da União, capazes dar lastro ao desenvolvimento do país e, ao mesmo tempo, capazes de combater a volta da inflação.
O imposto sobre as grandes fortunas, a redução dos gastos com juros da dívida pública e um novo CPMF, por exemplo -no âmbito de um novo pacto tributário- podem ser instrumentos poderosos para enfrentar esta nova transição: sair do bloqueio do crescimento causado pelo financiamento especulativo, para uma situação de crescimento baseado no aumento da produção e da demanda, bem como nas exportações com valor agregado.
A esquerda deve debater, desde logo, a formação de uma ampla Frente Política, já com vistas em 2018 e também para dar suporte, hoje (pelo menos aquela parte da esquerda que está comprometida com o não-retrocesso) ao Governo Dilma. O mero suporte político do governo atual, sem projeção da unidade da esquerda para o futuro, não travará o retrocesso que pode vir de dentro da própria aliança governamental.
O ideal seria que, desta feita, um novo tipo de "carta aos brasileiros" fosse discutida desde logo, para ser publicada em meados de 2016. Uma carta, não de Governo, mas de personalidades políticas de vários partidos e frações de partidos, acadêmicos, lideranças da sociedade civil e dos movimentos sociais, intelectuais de todo o país. Uma carta para ser entregue aos partidos progressistas, chamando uma Frente de Esquerda, com uma plataforma mínima de unidade plural, através da qual se escolheria um candidato vinculado àqueles compromissos. O redesenho do futuro já começou. Alguns pelo ódio. Por nós, será através de um novo projeto, que começa já.


Frei Betto
A fábula petista


A disputa presidencial se resumiu em um verbo predominante na campanha: desconstruir. Em 12 anos de governo, o PT construiu, sim, um Brasil melhor, com índices sociais "nunca vistos antes na história deste país". Porém, como partido, houve progressiva desconstrução.

A história do PT tem seu resumo emblemático na fábula "A cigarra e a formiga", de Ésopo, popularizada por La Fontaine. Nas décadas de 80 e 90, o partido se fortaleceu com filiados e militantes trabalhando como formigas na base social, obtendo expressiva capilaridade nacional graças às Comunidades Eclesiais de Base, ao sindicalismo, aos movimentos sociais, respaldados por remanescentes da esquerda antiditadura e intelectuais renomados.
No fundo dos quintais, havia núcleos de base. Incutia-se na militância formação política, princípios ideológicos e metas programáticas. O PT se destacava como o partido da ética, dos pobres e da opção pelo socialismo.
À medida que alcançou funções de poder, o PT deixou de valorizar o trabalho da formiga e passou a entoar o canto presunçoso da cigarra. O projeto de Brasil cedeu lugar ao projeto de poder. O caixa do partido, antes abastecido por militantes, "profissionalizou-se". Os núcleos de base desapareceram. E os princípios éticos foram maculados pela minoria de líderes envolvidos em maracutaias.
Agora, a cigarra está assustada. Seu canto já não é afinado nem ecoa com tanta credibilidade. Decresceu o número de sua bancada no Congresso Nacional. A proximidade do inverno é uma ameaça.
Mas onde está a formiga com suas provisões? Em 12 anos, os êxitos de políticas sociais e diplomacia independente não foram consolidados pela proposta originária do PT: "Organizar a classe trabalhadora" e os excluídos.
Os avanços socioeconômicos coincidiram com o retrocesso político. Em 12 anos de governo, o PT despolitizou a nação. Preferiu assegurar governabilidade com alianças partidárias, muitas delas espúrias, em vez de estreitar laços com seu esteio de origem, os movimentos sociais.
Tomara que Dilma cumpra sua promessa de campanha de avançar nesse quesito, sobretudo no que diz respeito ao diálogo permanente com a juventude, os sem-terra e os sem-teto, os povos indígenas e os quilombolas.
O PT até agora robusteceu o mercado financeiro e deu passos tímidos na reforma agrária. Agradou as empreiteiras e pouco fez pelos atingidos por barragens. Respaldou o agronegócio e aprovou um Código Florestal aplaudido por quem desmata e agride o meio ambiente.
É injusto e ingênuo pôr a culpa da apertada e sofrida vitória do PT nas eleições de 2014 no desempenho de Dilma.
Se o PT pretende se refundar, terá que abandonar a postura altiva de cigarra e voltar a pisar no chão duro do povo brasileiro, esse imenso formigueiro que, hoje, tem mais acesso a bens materiais, como carro e telefone celular, mas nem tanto a bens espirituais: consciência crítica, organização política e compromisso com a conquista de "outros mundos possíveis".

09/11/2014, por Breno Altman (Opera Mundi)
Chamam atenção, na velha mídia, os ataques cerrados e as críticas virulentas contra as últimas deliberações da direção do Partido dos Trabalhadores, em reunião de sua Comissão Executiva Nacional, realizada no dia 3 de novembro.
Quais as razões, afinal, para o documento aprovado pelo comando petista ter alcançado esta repercussão e provocado repulsa em determinados setores?
O primeiro motivo parece saltar aos olhos.
Há quinze dias a imprensa tradicional, a oposição de direita, as frações mais conservadoras da base governista e os áulicos do mercado só fazem chantagear a presidente reeleita. Exercem pressão para que o programa derrotado seja assumido pelo Planalto, como pré-condição para a pacificação política e econômica do país.
O PT rechaçou, com firmeza, a hipótese de capitulação condicional embutida nesta chantagem. Pode ou não ser acompanhado pela chefe de Estado, mas propôs abertura de um novo ciclo de mudanças, além de escalada contra fortificações do bloco político e de classes derrotado em outubro.
Mas a reação iracunda não se explica apenas porque os petistas se recusam a recuar diante de quem foi batido pela soberania das urnas.
Muito do nervosismo contra o texto vem de um trecho fundamental: “é urgente construir hegemonia na sociedade, promover reformas estruturais, com destaque para a reforma política e a democratização da mídia.”
Apesar dos cuidados para não ferir suscetibilidades internas, desponta como evidente uma certa autocrítica.
A continuidade do processo inaugurado em 2003 passou a depender, na nova abordagem, da refundação de instituições do Estado e da informação que bloqueiam o aprofundamento e a aceleração das demais reformas. Esse não era um ponto de vista prevalecente nas hostes petistas durante o período anterior.
O furor do conservadorismo contra o conceito de hegemonia, rotulando-o de “autoritário”, por sua vez, mal disfarça determinação em proteger a própria hegemonia oligárquico-burguesa através de entulhos herdados da ditadura militar, tais como o sistema político controlado pelo poder econômico e o monopólio dos meios de comunicação.
Os propósitos reformadores da resolução petista tampouco esgotam as explicações para o desconforto da direita. A irritação também se manifesta quanto ao caminho que o partido de Lula estaria decidido a trilhar para defender as mudanças.
“As eleições de 2014 reafirmaram a validade de uma ideia que vem desde os anos 1980: para transformar o Brasil, é preciso combinar ação institucional, mobilização social e revolução cultural”, ressalta o texto.
E diz mais: “será necessário, em conjunto com partidos de esquerda, desencadear um amplo processo de mobilização e organização dos milhões de brasileiros e brasileiras que saíram às ruas para apoiar Dilma Rousseff, mas também para defender nossos direitos humanos, nossos direitos à democracia, ao bem-estar social, ao desenvolvimento, à soberania nacional.”
Trata-se de notável guinada em relação aos últimos anos, quando a governabilidade esteve pensada quase exclusivamente em termos institucionais e dependente de acordos parlamentares cujo preço inevitável era o rebaixamento programático, quando não a conspurcação da imagem petista.
A própria política de alianças, na referida resolução, recebe nova embocadura.
Sem desconsiderar a necessidade de impedir, dentro do Congresso, a formação de uma maioria de centro-direita que paralise o governo, o PT decide “compor uma ampla frente onde movimentos sociais, partidos e setores de partidos, intelectuais, juventudes, sindicalistas possam debater e articular ações comuns, seja em defesa da democracia, seja em defesa de reformas democrático-populares”.
No centro da plataforma que poderia constituir esta “ampla frente” está a defesa de plebiscito para convocação de Constituinte exclusiva sobre o sistema político.
Outros itens de relevo, anunciados pelo partido, seriam a adoção de lei para democratização da mídia, a retomada do decreto de participação social, o fim do fator previdenciário, a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, as reformas agrária e urbana, a desmilitarização das polícias militares, mais investimentos em serviços públicos e revisão da Lei de Anistia.
Destaca-se igualmente, na deliberação petista, a seguinte afirmação: “o partido tem que retomar sua capacidade de fazer política cotidiana e sua independência frente ao Estado, …deve buscar participar ativamente das decisões acerca das primeiras medidas do segundo mandato, em particular… é preciso incidir na disputa principal em curso, as definições sobre os rumos da política econômica.”
A reviravolta de atitude manifesta-se também neste tema. Por vários anos, em seguida ao triunfo eleitoral de 2002, o PT aparentava ter optado por ser prioritariamente braço parlamentar do governo. Não destacamento de vanguarda, impulsionador de ideias e movimentos, mas repartição na retaguarda, relativamente desprovida de autonomia e iniciativa, além de fortemente estatizada.
Curiosamente, no seio de um governo de coalizão, fruto de cenário no qual a esquerda não tem maioria parlamentar, o principal partido oficialista talvez fosse o único a evitar protagonismo nos embates internos e na sociedade para estabelecer decisões governamentais.
Este conjunto de paradigmas fixado pela resolução deixa poucas dúvidas, mesmo que não esteja dito com todas as letras, sobre o fato de o PT estar empenhado em formidável virada na sua formulação política.
O documento da Executiva Nacional, aliás, consolida tendência nascida na leitura das manifestações de junho do ano passado.
Retirado abruptamente de sua zona de conforto, o petismo viu-se obrigado a reanalisar o fôlego da estratégia vigente, os impasses no programa de reformas, a relação entre partido e governo, a combinação entre institucionalidade e lutas sociais, a questão da participação popular e da democratização do Estado.
Idas e vindas neste esforço de retificação puderam ser observadas ao longo dos últimos meses, mas as condições dramáticas das últimas eleições presidenciais provavelmente determinaram a decantação do texto aprovado pelo estado-maior petista.
Ainda que possam ser feitas várias críticas pontuais – por exemplo, a ausência de referências à questão ambiental -, a citada resolução tem caráter histórico.
Claro que sua legitimidade depende de unidade, habilidade e força para implementar os enunciados ali contidos. A presidente e o governo podem ou não ser influenciados pelo pensamento emanado da direção petista. A realidade pode ou não dar razão às novas ideias. Nada disso, porém, tira a relevância do que foi decidido.
Talvez seja reconhecido, no futuro, como documento tão importante quanto as deliberações do V Encontro Nacional, de 1987, responsáveis pelas balizas do processo que, quinze anos depois, levaria à vitória de Lula.
A esquerda, a propósito, exibe tradição de dar nomes especiais a textos que forjam giros fundamentais em sua política.
As recentes decisões petistas, quem sabe, um dia venham a ser identificadas como “Resolução da Primavera”. Menos pela estação na qual foi concebida, mais por aceitar o risco de ver cem flores desabrocharem, como diria o revolucionário chinês Mao Tsé-Tung

Por Guilherme Boulos, no site Outras Palavras:

Acabou a batalha do segundo turno. Dilma foi reeleita para a presidência da República em votação apertada. Ao final, a vantagem no Norte e Nordeste foi suficiente para compensar a derrota em São Paulo e no Sul do país.

A campanha deste segundo turno foi marcada por uma polarização que não víamos desde 1989. Mas diferente de 1989 - quando Lula falava em suspender o pagamento da dívida pública e em fazer reformas estruturais - agora não estavam em jogo projetos políticos tão antagônicos.

O PT manteve desde 2003 as linhas mestras da política econômica tucana. O controle da inflação às custas de juros e câmbio sobrevalorizado, a política de superávit primário para pagamento da dívida e as concessões da infraestrutura nacional e da exploração de petróleo para grandes empresas privadas.

Na política, ambos governam alicerçados no que há de mais atrasado na sociedade brasileira. Ambos mantiveram o PMDB como eminência parda da política nacional.

O PT nem ensaiou nestes 12 anos levantar a bandeira das reformas populares - bloqueadas no país desde João Goulart. Reformas urbana e agrária, reforma tributária progressiva, reforma política e do sistema financeiro. Auditoria da dívida pública, desmilitarização das polícias e democratização das comunicações. Estas são as pautas populares e de esquerda para o Brasil. Alguém as viu nos últimos governos?

Porém, a disputa entre Dilma e Aécio foi extremamente polarizada, tendo a elite brasileira e todos os setores mais conservadores se alinhado com o candidato do PSDB. Por que isso, se as diferenças não são tão grandes assim?

Quem polarizou as eleições de 2014 foi a direita. Ao PT não interessava a polarização, afinal governou durante 12 anos com discurso de um pacto social, de que todos se beneficiariam. Mas os setores mais atrasados da sociedade brasileira - assanhadinhos desde o ano passado - resolveram tomar o antipetismo como razão de existência.

Na linha mais conservadora, construíram um discurso racista, antipopular e de ódio aos pobres. As manifestações pró-Aécio fizeram lembrar a Marcha da Família com Deus de 1964. Os protagonistas inclusive foram os mesmos: a classe média de São Paulo e a fina-flor da elite urbana brasileira.

Até dirigentes do PSDB entraram na onda. José Aníbal evocou Carlos Lacerda, o maior golpista da história da República, para dizer que, tomando posse, Dilma não poderia governar. FHC enterrou algum resquício de credibilidade intelectual - se é que tinha - com sua fala sobre o voto dos nordestinos. Dizem que o governo Dilma não terá legitimidade. Legitimidade para essa gente significa o apoio da classe média do Sudeste.

Mas o segundo turno acabou e o PT levou a fatura. A eterna turma do deixa-disso, liderada por Michel Temer, já começa a costurar a repactuação das forças políticas e o fatiamento do novo governo. Polarização foi até domingo, agora é hora da união republicana pela governabilidade.

Ledo engano! Agora é que vai começar a ficar interessante. Polarização política, quando levada ao sentimento popular, não se desmonta com facilidade. E a situação econômica exige decisões que não poderão ser tão conciliadoras.

É claro que a vontade de Dilma é recosturar alianças e fazer um governo de unidade. Deixou claro isso em seu discurso da vitoria. Mas ela sabe que o mar não está para peixe. O crescimento econômico refluiu e isto impacta no Orçamento. A ideia de governar para todos - com lucros recordes para os bancos e empresas e algumas melhorias para os trabalhadores - não se sustenta na nova conjuntura.

A hora é de decisões. Ou se tomam medidas impopulares - daquelas anunciadas com regozijo por Aécio Neves - ou se enfrenta o desafio de reformas populares. O modelo lulista de conciliação nacional dá sinais claros de esgotamento, pois está baseado na combinação de crescimento econômico com desmobilização social. Junho de 2013 e a polarização eleitoral de 2014 foram sintomas disso.

Evidentemente, seria ilusório acreditar que o PT resolverá, de uma hora para outra, fazer as transformações estruturais que tirou de sua agenda desde antes de 2002. Tem de prestar contas para a JBS Friboi e para a Odebrecht, para Katia Abreu e Renan Calheiros. Mesmo que desejasse, não teria condições de dar esta guinada.

Mas é aí que entra o terceiro turno. A polarização da classe média de direita nas ruas reascendeu o outro polo: os trabalhadores organizados. Aliás, desde junho de 2013 as lutas populares urbanas e as greves tiveram um crescimento expressivo e contínuo. Assim como a radicalização da direita, a crise do modelo de conciliação começa a produzir uma radicalização popular.

Nesse cenário, se Dilma começar 2015 com cortes orçamentários e ajuste de tarifas, ela pode pacificar a elite e a turma do PSDB, mas terá de enfrentar a mobilização das ruas.

Pela primeira vez nesses 12 anos de petismo criou-se um caldo que pode recolocar na agenda as reformas populares. Não deixa de ser sintomático que Dilma tenha mencionado o plebiscito pela reforma política em seu discurso de união nacional. As contradições estão pulsando. É claro que a construção desta agenda não se dará por iniciativa nem vontade do PT, mas pela polarização das ruas e pelo fim de um ciclo econômico.

Será o terceiro turno das lutas. Agora sim os grandes antagonismos da sociedade brasileira poderão entrar em jogo.
postado em: 06/11/2014, (Carta Maior)
A campanha eleitoral robusteceu a democracia brasileira através do debate franco sobre os rumos da Nação. Dois projetos disputaram o segundo turno da eleição presidencial. Venceu a proposta que uniu partidos e movimentos sociais favoráveis ao desenvolvimento econômico com redistribuição de renda e inclusão social. A maioria da população brasileira rejeitou o retrocesso às políticas que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais.

É de se esperar que o pluralismo de opiniões fortaleça nossa democracia depois da pugna eleitoral. Desde 26 de outubro, contudo, a difusão de ideias deu a impressão de que existe um pensamento único no diagnóstico e nas propostas para os graves problemas da sociedade e da economia brasileira. Sem o contraponto propiciado pela campanha e pelo horário eleitoral gratuito, os meios de comunicação propagaram quase exclusivamente a opinião que a austeridade fiscal e monetária é a única via para resolver nossos problemas.

Isto vai na contramão da opinião de economistas de diferentes matizes no Brasil, mas reverbera o jogral dos porta-vozes do mercado financeiro. Estes defendem solucionar a desaceleração com a “credibilidade” da adesão do governo à austeridade fiscal e monetária, exigindo juros mais altos e maior destinação de impostos para o pagamento da dívida pública, ao invés de devolvê-los na forma de transferências sociais, serviços e investimentos públicos.

Subscrevemos que este tipo de austeridade é inócuo para retomar o crescimento e para combater a inflação em uma economia que sofre a ameaça de recessão prolongada e não a expectativa de sobreaquecimento. O reforço da austeridade fiscal e monetária deprimiria o consumo das famílias e os investimentos privados, levando a um círculo vicioso de desaceleração ou mesmo queda na arrecadação tributária, menor crescimento econômico e maior  carga da dívida pública líquida na renda nacional.

Entendemos que é fundamental preservar a estabilidade da moeda. Também somos favoráveis à máxima eficiência e ao mínimo desperdício no trato de recursos tributários: este tipo de austeridade, sim, denota espírito público e será sempre desejável. Rejeitamos, porém, o discurso dos porta-vozes do mercado financeiro que chama de “inflacionário” o gasto social e o investimento público em qualquer fase do ciclo econômico.

Tampouco compreendemos o argumento que associa a inflação ao gasto público representado por desonerações que reduzem custos tributários e subsídios creditícios que reduzem custos financeiros. A inflação, aliás, manteve-se dentro da meta no governo Dilma Rousseff a despeito de notáveis choques de custos como a correção cambial, o encarecimento da energia elétrica e a inflação de commodities no mercado internacional.

A austeridade agravou a recessão, o desemprego, a desigualdade e o problema fiscal nos países desenvolvidos mesmo tendo sido acompanhada por juros reais baixíssimos e desvalorização cambial. No Brasil, a apreciação cambial estimulada por juros reais altos aumenta o risco de recessão, ao acentuar a avalanche de importações que contribui para nosso baixo crescimento.

É essencial manter taxas de juros reais em níveis baixos e anunciar publicamente um regime fiscal comprometido com a retomada do crescimento, adiando iniciativas contracionistas, se necessárias, para quando a economia voltar a crescer. A atual proporção da dívida pública líquida na renda nacional não é preocupante em qualquer comparação internacional.

O que nos preocupa é a possibilidade de recessão e a carência de bens públicos e infraestrutura social reclamada pela população brasileira. Atendê-la não é apenas um compromisso político em nome da inclusão social, é também uma fronteira de desenvolvimento, estímulo ao crescimento da economia e em seguida da própria arrecadação tributária.

Esta opinião divergente expressa por parte importante dos economistas brasileiros não pode ser silenciada pela defesa acrítica da austeridade, como se o mantra que a louva representasse um pensamento único, técnico, neutro e competente. Um dos vocalizadores desse mantra chegou a afirmar que um segundo governo Dilma Rousseff só seria levado a caminhar em direção à austeridade sob pressão substancial do mercado, o que chamou de "pragmatismo sob coação". Esperamos contribuir para que os meios de comunicação não sejam o veículo da campanha pela austeridade sob coação e estejam, ao contrário, abertos para o pluralismo do debate econômico em nossa democracia.

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