Nos dias 21 e 22 de março, o companheiro Edinho Silva esteve em Aracaju (SE).
O tema central do discurso de Edinho foi o “fascismo”.
O problema central do discurso é que Edinho não respeita a premissa que ele próprio estabeleceu, a saber: “a gente não pode errar no diagnóstico”.
Edinho comete diversos erros no diagnóstico do fascismo e, portanto, erra no procedimento que propõe ao Partido.
Alguns dos erros de diagnóstico escapam da minha compreensão; é o caso, por exemplo, de suas afirmações sobre o sindicalismo e sobre o símbolo adotado pelos fascistas italianos nos anos 1920.
Disse Edinho: “como nasce o fascismo? nasce no movimento popular nasce numa articulação do movimento sindical italiano aquele feixe que é o símbolo do fascismo é o símbolo do movimento sindical italiano”.
[estas e outras transcrições são de minha responsabilidade e podem conter alguns erros, mas nada que altere o sentido do que foi dito]
Mas o que realmente importa é o que Edinho não disse.
Edinho não disse uma palavra sobre a guerra mundial, que foi decisiva no surgimento da “primeira geração” do fascismo e do nazismo.
Edinho também não falou nada sobre o ascenso revolucionário ocorrido - tanto na Alemanha quanto na Itália - depois da Grande Guerra. Foi em parte como reação a este ascenso que a classe dominante passou a financiar e a apoiar o fascismo e o nazismo.
E aí está outro silêncio de Edinho: zero referência sobre o papel das classes dominantes na ascensão da extrema-direita.
O curioso é que Edinho fala da crise de 1929, mas não fala do que fizeram as classes dominantes frente àquela crise. Sua “análise” resume-se ao seguinte: “o mundo empobrece e nasce um nacionalismo de direita e o fascismo vai crescendo, crescendo”.
E quando fala do “que caracteriza o fascismo”, Edinho (supostamente apoiado em Gramsci) diz o seguinte: “culto à personalidade”, “expansionismo, portanto imperialismo, ocupar outros territórios a não aceitação do diferente e uma concepção extremamente autoritária”. E quem “eram os diferentes" na primeira metade do século XX? Eram "os imigrantes, os ciganos e os judeus”.
Nessa caracterização, desaparecem totalmente o capital e o trabalho. E desaparecem a esquerda, o socialismo, o comunismo, o marxismo, que também foram alvos prioritários do ataque da extrema-direita.
Finalmente, mas não menos importante, Edinho não fala nada sobre como o nazifascismo assumiu o controle institucional e depois total do Estado italiano e alemão. Nem fala sobre como o nazifascismo surgido nos anos 1920 foi derrotado.
Dos anos 1920 Edinho pula para o início do século 21, dizendo o seguinte: a “crise econômica de 2008 (…) é uma crise longa do capitalismo e o que que acontece no pós 2008? O capitalismo, os capitalistas do começo do século XXI diziam não existe mais estado nacional, a dinâmica do capitalismo vai se dar pelas grandes corporações, são as grandes empresas do planeta que vão dar a dinâmica do capitalismo (...) o conceito de globalização é derrotado, a crise do capitalismo derrota o conceito de globalização. E o que que emerge com a derrota do conceito de globalização? …um nacionalismo xenofóbico”.
Não estou seguro de que eu tenha conseguido entender o que Edinho disse ou quis dizer. Mas tenho certeza acerca do que ele não disse: não há uma única palavra acerca do papel jogado pela China, pela Rússia, pelo Brasil, pela América Latina, pelos BRICS.
Certo ou errado, o “diagnóstico” de Edinho se limita a Europa e aos Estados Unidos.
Talvez por isso ele não se dê conta de que sua crítica ao “nacionalismo xenofóbico e racista” presente nos slogans “Itália pros italianos a Espanha pros espanhóis a França pros franceses a Inglaterra pros ingleses a Alemanha pros alemães e os Estados Unidos pros americanos e assim por diante” poderia ser estendida ao slogan “Brasil é dos brasileiros”.
Mas há outras limitações no diagnóstico de Edinho. Por exemplo: ele simplesmente não trata da dimensão econômica do que ele chama de nacionalismo xenofóbico e fascista.
Sua caracterização do fascismo - culto a personalidade, expansionismo, não aceitação do outro e autoritarismo - omite completamente os interesses econômicos envolvidos.
Essa omissão, como é óbvio, é bastante confortável para quem mantém ou pretende manter boas relações com o capital financeiro e com o agronegócio. Assim como é conveniente para quem deseja manter boas relações com a direita neoliberal tradicional.
Nesse particular, chega a ser tocante ver a passada de pano que Edinho dá em Macron (“o Macron faz piruetas na França para que os fascistas não se tornem maioria no parlamento francês”) e nos Democratas gringos (“a ofensiva do Trump contra o partido democrata americano é algo inédito na história dos Estados Unidos, ele foi pra cima pra aniquilar o partido democrata, que é uma instituição secular”).
Na vida real, precisamos lembrar, Macron e Biden pavimentaram o caminho para a extrema-direita.
Edinho diz que o “erro" do "mundo democrático” foi achar que “o Trump estava enterrado”. Da minha parte, acho que o erro de parte da esquerda (inclusive Edinho) foi e pelo visto segue sendo não perceber que Trump e outros iguais a ele expressam uma tendência do capitalismo contemporâneo.
Perceber isto leva a seguinte conclusão: a presença de uma grande mobilização anticapitalista aumenta as chances de vitória da luta contra o neofascismo.
Dito de outra forma: se queremos triunfar, não basta contrapor democracia versus neofascismo. Aliás, se adotarmos o “procedimento” proposto por Edinho, o que aconteceu nos Estados Unidos - o regresso da extrema direita - tem grandes chances de também acontecer aqui no Brasil.
De maneira geral, o raciocino de Edinho me recorda aquela frase: “ouviu o galo cantar e não sabe aonde”.
Por exemplo: Edinho comenta a relação entre “as mobilizações de junho de 2013” e a “criação do bolsonarismo”. E diz que - “via redes sociais” - aquele movimento girou para a direita. Edinho omite completamente o papel da Rede Globo naquele episódio.
Outro exemplo: Edinho diz que “a gente vê o momento de junho de 2013 sendo a base da direita que se mobiliza contra a reeleição da Dilma e dá sustentação pro golpe”. Edinho esquece que entre 2013 e 2016 nós vencemos a eleição de 2014. E omite que em 2015 implementamos uma politica econômica ortodoxa que confundiu, desmobilizou e dividiu nossa base, facilitando a ação dos golpistas.
As omissões de Edinho, como se vê, são frequentes. Ele geralmente esquece de tudo que contradiz a linha politica que sua tendência defende.
Por exemplo: a “teoria” de Edinho sobre a “direita anti-sistema”.
Qualquer análise séria sobre o tema deveria reconhecer que a extrema-direita está profundamente enraizada e apoiada em instituições totalmente sistêmicas: as polícias, as forças armadas, as igrejas, os meios de comunicação, as empresas, o congresso nacional, a burocracia de Estado.
Mas como Edinho quer ser o campeão do “sistema”, ele não pode reconhecer que o neofascismo é um dos filhos do grande capital com as instituições do Estado.
Um segundo exemplo: a “crise na democracia representativa”.
Edinho fala da superfície do problema - as abstenções, a descrença popular etc.- mas não se pergunta sobre as causas de fundo. Entre as quais a incompatibilidade entre capitalismo e democracia popular, especialmente nos momentos de crise.
Com um diagnóstico tão cheio de lacunas, não admira que Edinho diga tolices como a seguinte: “em 2018 elege um presidente da república com 25 segundos de televisão e sem nenhuma aliança num voto anti-sistema, num voto contra o sistema”.
A verdade é outra: o cavernícola foi eleito pelo sistema, parte dele pelo menos, contra nós. O discurso anti-sistema foi, digamos assim, uma ferramenta política utilizada para cooptar setores da classe trabalhadora e para confundir dirigentes que tem mais empáfia que estofo.
O único remédio contra a demagogia antisistêmica da extrema-direita é a sinceridade antisistêmica da esquerda. Nós somos anti-sistema e devemos agir de acordo com isso.
Seja como for, como Edinho não conseguiu diagnosticar o problema, tampouco consegue explicar corretamente nossa vitória de 2022.
Segundo ele: “impusemos uma derrota ao fascismo porque era o Lula e porque era o Brasil pós pandemia, porque o bolsonaro errou terrivelmente na pandemia”.
Ser o Lula ajudou, óbvio. Mas por que os mesmos que prenderam tiverem que soltar Lula? Por que parte dos golpistas de 2016 se aliou aos então golpeados? A resposta não é apenas nem principalmente a política do cavernícola na pandemia. A resposta está, ao menos em parte, nas contradições no interior da classe dominante.
Ademais, Lula ajudou na vitória por qual motivo? É óbvio que pesou a reação popular contra a economia política ultraliberal. O que deveria nos levar a ganhar total distância de qualquer tipo de austericidio neoliberal. Assunto que não aparece no discurso de Edinho.
Edinho fala de racismo, de homofobia, de machismo, de misoginia. Mas não fala nada acerca do neoliberalismo, do capital financeiro, do agronegócio. E quando fala de algo correlato, Edinho erra na mão.
Exemplo: segundo Edinho, o “pior” do bolsonarismo seria não permitir e não aceitar a “ascensão social”. A rigor, a extrema direita defende um tipo de ascensão social: meritocrática e baseada na prosperidade exclusivamente individual.
Isto tudo posto, Edinho conclui que “o PT tem que estar mais organizado do que ele está hoje para enfrentar e derrotar o fascismo”. Isto é verdade, mas está muito longe de ser toda a verdade. A rigor o PT precisa estar mais organizado para derrotar o neoliberalismo, seja na vertente neofascista, seja na vertente direitista tradicional.
No discurso de Edinho em Aracaju, é como se o neoliberalismo não existisse. Ou, se quisermos falar do mesmo assunto, mas a partir de outro ângulo, é como se não existissem a hegemonia do capital financeiro e do agronegócio, em consórcio com o imperialismo.
Para além deste torcicolo estratégico, Edinho adota um procedimento irresponsável: ele fala dos problemas do PT como se ele e sua tendência não fossem os principais responsáveis pelos problemas que cita.
Por exemplo: “não existe partido forte se as instâncias não funcionarem, para o partido ser forte tem que ter democracia interna, para ter democracia interna as instâncias tem que funcionar, diretório tem que se reunir, executiva tem que se reunir e o partido tem que ter organização popular”; “temos que perguntar por que nós estamos perdendo base social e base eleitoral”.
Ao invés de falar da linha política e organizativa hegemônica no Partido, Edinho faz uma catilinária diversionista sobre “o processo de modernização do sistema produtivo", "a robótica avançou as novas tecnologias”.
Claro que o tema é muito relevante, mas não é a IA nem a uberização que explicam o déficit organizativo do Partido.
Tanto isto é verdade que Edinho corretamente defende medidas “nostálgicas”, que poderiam estar sendo implementadas se o grupo atualmente hegemônico no Partido e ele próprio não tivessem adotado o método de falar uma coisa e fazer outra.
Outro exemplo deste discurso de PED é a crítica que Edinho faz acerca da relação entre mandatos e instâncias.
Registre-se que, sobre o chamado mundo do trabalho e sobre o sistema prisional, Edinho emite várias opiniões corretas. Assim como ele está certo ao falar da importância da economia solidária. Mas de nada adianta falar de economia solidária e não falar nada contra o capital financeiro, contra o agronegócio. Ou nada falar a favor da industrialização.
No fundo, Edinho capitula frente a atual correlação de forças. E como capitular é politicamente incorreto, ele tenta naturalizar o status quo.
Um exemplo dessa naturalização é o seguinte: "muitas vezes a gente fica reclamando do governo do presidente Lula (…) o governo do presidente Lula é um governo de coalizão (…) o Brasil não é mais presidencialista, nós não somos mais presidencialistas, quando o congresso executa mais de 50 bilhões em emendas esse regime é qualquer coisa menos presidencialista (…) como é que você volta para trás e traz de novo a capacidade de execução orçamentária para a mão do executivo? só se fizer uma reforma constitucional, mas se for fazer uma reforma constitucional hoje o Brasil será pior do que hoje, porque o Chile a gente viu isso, o Chile foi fazer uma reforma constitucional, o Chile saiu mais de direita do que era, então nós não temos correlação de força para fazer reforma constitucional, portanto a gente vai viver o próximo período em um governo de coalizão”.
A lógica é paralisante: a direita está cometendo uma ilegalidade, esta ilegalidade causa imensos danos, mas se tentarmos acabar com isso a coisa pode piorar, logo vamos atuar nos marcos das coisas como elas são. E como faríamos isso?
Edinho diz assim: "governo de coalizão é um governo onde vários partidos estão nos ministérios, a pergunta que a gente tem que fazer é qual é o papel do PT no governo de coalizão, o papel do PT é disputar os rumos do governo via os nossos parlamentares que são parlamentares combativos".
Confesso que é impressionante ouvir isso: vamos disputar o governo através de nossos parlamentares. Zero menção a pressão e mobilização social, zero menção a ação do próprio governo, que tem muita margem de manobra.
Edinho, corretamente, cita bandeiras do Partido que devem ser defendidas. Mas ele diz assim: "temos que pautar no governo a universalização da educação integral, que a gente coloque até 2035, não sei quando, mas coloque lá que o Brasil vai ter educação integral (...) mesmo que a gente tome pau na comissão de justiça, tome pau na comissão de finanças, mas até o projeto morrer a gente já fez 20 audiências públicas, nessas 20 audiências públicas que nós vamos levar o debate pra dentro do congresso".
Sobre o tema das creches, Edinho diz assim: "eu acho que a gente tem que ir pra dentro do congresso e debatermos com os nossos parlamentares".
Ou seja: vamos disputar o governo de coalizão no congresso e através do Congresso. Zero menção à pressão social, à mobilização popular. Não sei como, agindo desta forma, vamos conseguir "polarizar com o fascismo".
Para não dizer que não falei de flores, Edinho diz que o tema da segurança pública deve ser discutido "com a sociedade brasileira, porque se nós tivermos uma agenda, a gente fura a bolha da polarização que hoje é como se a gente vivesse num grande estádio de futebol de um lado a torcida A grita do outro lado a torcida B grita e a gente fica vendo quem é que grita mais alto e num estádio onde todo mundo grita ninguém conversa, e onde não conversa ninguém convence a gente precisa convencer quem votou no Bolsonaro na última eleição a gente tem que convencer da nossa proposta e aí nós temos que conversar".
Claro que devemos conversar. Mas a polarização que existe na sociedade não vai desaparecer, se nós da esquerda conversarmos. A polarização é um efeito colateral da crise do capitalismo, mais precisamente da estratégia que o grande capital adotou frente a esta crise, a saber: aumentar a exploração do trabalho. É isso que causa polarização. Não há "conversa" que resolva isto. O grande capital e quem os representa na disputa política precisam ser derrotados.
Portanto, uma coisa é a necessidade de "conversar" com o conjunto da classe trabalhadora, inclusive com aqueles que votam e apoiam nossos inimigos. Outra coisa é a postura que devemos adotar frente ao grande capital e a seus representantes. Aqui fica evidente o problema criado quando, na análise do fascismo, Edinho omite totalmente a relação entre a extrema-direita e a classe dominante.
Edinho terminou seu discurso dizendo que "o centro da nossa tática é a gente derrotar o fascismo em 2026" e que "só tem uma figura capaz de derrotar o fascismo é o presidente Lula".
Curiosamente, Edinho incorre aqui no erro que ele diz ter criticado num texto elaborado em 2018. A saber: derrotar o fascismo é uma coisa, derrotar eleitoralmente o fascismo é outra coisa. Óbvio que precisamos vencer em 2026, óbvio que Lula é nossa melhor candidatura. Mas deveria ser óbvio, também, que para derrotar o fascismo, é preciso fazer muito mais do que vencer eleições, é preciso fazer muito mais do que administrar.
Infelizmente, desse muito mais que é preciso fazer, Edinho só fala de uma: "pra derrotar o fascismo o PT sozinho não consegue", "o PT sozinho não derrota o fascismo". Isto é verdade. Mas a questão é: a depender das alianças que façamos, a depender do programa adotado, não criaremos as condições econômicas, sociais e políticas necessárias para derrotar o fascismo.
Dizendo de outra maneira: aqui no Brasil, o fascismo se alimenta do neoliberalismo, o fascismo defende bandeiras neoliberais. Por isso, se queremos derrotar o fascismo, é preciso derrotar o neoliberalismo. E isso impõe limites às alianças que podemos fazer.
Assim, o problema para "nossas gerações" vai além de "derrotar o fascismo no Brasil". Se queremos derrotar a extrema-direita, teremos que enfrentar o capitalismo realmente existente no Brasil, a começar pelo capital financeiro e o agronegócio.
Se queremos "ter unidade", se queremos caminhar "com um único projeto e um único objetivo", se queremos ser não um partido "democrata" e "progressista", mas sim um partido das trabalhadoras e dos trabalhadores, então é preciso atacar o fascismo, mas também o capitalismo realmente existente em nosso país.
“Por isso, se queremos derrotar o fascismo, é preciso derrotar o neoliberalismo.”
ResponderExcluirCom Haddad comandando a política econômica do governo Lula, nenhuma chance.
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“E isso impõe limites às alianças que podemos fazer.”
Gleisi Hoffmann há 3 dias:
"Quero estabelecer a melhor convivência possível, porque defendo que a gente tenha uma frente ampla para a eleição do presidente Lula, maior até do que a gente teve em 2022"
(Jucemir R. da Silva)
Li com mais atenção alguns trechos de Edinho e também a sua crítica.
ResponderExcluirTenho sérias restrições sobre a concepção educacional exposta no atual debate.
De uma maneira geral os pais trabalham o dia inteiro e gostam que seus filhos fiquem protegidos no ambiente escolar durante o mesmo período.
Mesmo nas capitais brasileiras e cidades médias do sudeste e sul as escolas não tem infraestrutura e as crianças ficam num presídio.
Mesmo que com o tempo os investimentos resolvam a questão material, não é inteligente separar da casa, da comunidade e dos avós.
Não chega a ser espartana essa visão?
No séculos xix e xx a burguesia precisava de "mão de obra" e a escola foi necessária para reproduzir e treinar uma força de trabalho para as fábricas.
Não tenho tanta fé como a maioria na escola de tempo integral.
Vou apanhar mas é preciso revisar isso ai