segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Aldo Fornazieri, o PT e o "machismo-leninismo"

Acaba de sair mais um artigo de Aldo Fornazieri, intitulado “O PT, a canoa furada e a coragem”.

Reproduzo na íntegra ao final.

Como sempre, o texto de Aldo é uma mistura de afirmações muito interessantes, todas espetadas no mais puro “machismo-leninismo”.

Machismo-leninismo é um olhar que interpreta todos os problemas da esquerda com base no binômio traição/coragem.

Se a esquerda deu errado aqui ou ali, é porque houve traição e faltou coragem.

Claro, a traição e a falta de coragem é sempre dos outros.

Nunca li, mas talvez exista, um texto do Aldo Fornazieri apontando sua responsabilidade pessoal pelos descaminhos seguidos pelo PT.

Afinal, Aldo foi dirigente do PT e já esteve nos dois extremos: na ultra-esquerda e na ultra-direita do Partido.

Não sei se Aldo continua filiado ao PT.

Mas há certo tempo, ele tornou-se militante ativo de uma Igreja muito especial: a Igreja-dos-intelectuais-de esquerda-que-dizem-como-as-coisas-deveriam-ser.

Como a maioria dos pastores dessa Igreja não milita em nenhuma organização, sua tarefa de crítica-crítica (cri-cri) é muito mais fácil do que a dura vida dos militantes de partido, especialmente dos petistas e em particular dos que são da chamada esquerda do PT.

Especificamente no que toca a análise do PT, Aldo comete um grande desserviço, pois pior do que um erro, é um erro mal diagnosticado.

Pois neste caso teremos pelo menos dois erros.

E o caso é exatamente esse: Fornazieri constata alguns erros, gravíssimos erros, mas os diagnostica pessimamente.

Como já deixei claro, até compreendo os motivos: um diagnóstico adequado envolveria reconhecer a parcela de responsabilidade que Aldo tem na construção de uma determinada estratégia e de um determinado tipo de partido, naquilo que deu nisso.

Mas, claro, a maioria dos atuais leitores do Aldo Fornazieri desconhece o que ele fez no verão e no século passado.

Ademais, erros passados não movem moinho.

Assim, vamos ao grão.

*

A primeira parte do texto de Fornazieri é dedicada a criticar a opção do PT, na Câmara, de participar no bloco de Rodrigo Maia.

Segundo Aldo, “a principal justificativa oferecida pela presidente (sic) do partido, Gleisi Hoffmann, para entrar no bloco consiste em ter a primazia de escolher um cargo na mesa diretora. Lutar para derrotar o candidato apoiado pelo governo poderia ser feito sem entrar no bloco”.

Na minha opinião, a opção feita pela maioria da bancada do PT, na Câmara, de integrar o bloco de Maia e apoiar Baleia, é errada mesma. E sigo esperando que se adote outro caminho.

Mas já escrevi sobre isso em outros textos e, portanto, não vou retomar o assunto aqui.

Entretanto, se existe, o erro não é só do PT.

Boa parte da esquerda brasileira, inclusive parte da bancada do PSOL, está cometendo o mesmo erro.

O que isto significa?

Que as causas deste erro não devem ser buscadas exclusivamente no PT, devem ser buscadas em análises e opções políticas que transcendem o PT.

Análises sobre o governo Bolsonaro.

Opções acerca de como derrotar o governo Bolsonaro.

E análises sobre a crise mundial, o capitalismo brasileiro e sua crise atual.

O que diz Fornazieri sobre isso?

Nesse texto, nada.

Sobre as esquerdas "em geral", ele limita-se a afirmar o seguinte: “o PT e as esquerdas em geral mostram-se incapazes de fazer uma oposição efetiva ao governo no Congresso. Não conseguiram emplacar nenhuma CPI. (...) As CPIs sempre foram tidas como instrumentos das minorias. Mas o que se vê é uma minoria sem vontade de lutar. A rigor, as oposições terceirizam a necessidade de enfrentar o governo para o STF e deixam de cumprir seu dever e a função que o eleitorado lhe reservou. Triste país  que não tem governo e não tem oposição”.

Curioso: Fornazieri é profundamente realista ao diagnosticar o comportamento da imensa maioria do Congresso: tanto a turma de Baleia quanto de Lira são linha auxiliar de Bolsonaro. 

Mas o mesmo Fornazieri deixa de ser realista na hora de cobrar uma “oposição efetiva ao governo no Congresso”.

As bancadas de esquerda podem e devem fazer mais? Claro!

Mas não se pode pedir peras a los olmos.

Há um limite imposto pela correlação de forças interna ao Congresso, limite que só pode ser alterado a partir de fora.

Integrar o bloco do Maia e apoiar Baleia é errado, entre outros motivos, porque não contribui em nada para esta pressão que precisa ser feita, de fora para dentro.

Pelo contrário: gera ilusões e confusões, embora alguns dos defensores desta tática acreditem que não, muito antes pelo contrário.

*

A partir deste ponto, o texto de Fornazieri torna-se um discurso contra o PT.

E o discurso começa com um exemplo clássico de machismo-leninismo: “Sob as últimas direções, o PT foi transformado num partido lamentável e num partido de lamentações. Perdeu a combatividade e a coragem de lutar. A coragem é a virtude primária e fundante da ação política. Sem ela, não há atividade, não há luta, não há grandeza e não se conquista a glória. A coragem é uma virtude que requer o exercício permanente de sua pedagogia. Caso contrário, ela fenece e morre em um corpo político – Estado, partido ou movimento”.

“A coragem é a virtude primária e fundante da ação política” é uma frase que caberia bem em algum livro fascista, pois a pegada é a mesma: substituir a luta de classes pela ação dos fortes e valentes.

Aliás, a frase poderia estar no brasão da escuderia Ferreira Gomes, pois a eles pode faltar tudo, mas não falta coragem.

Tendo isto como ponto de partida, tudo o que Aldo escreve em seguida acerca do PT é da mesma natureza. Às vezes aparece uma crítica correta, mas no bojo de uma interpretação incorreta.

*

Por exemplo: o problema do PT “em 2013” não foi o que diz Aldo: “recolher suas bandeiras”. 

O erro foi não ter percebido que o grande capital e seus instrumentos políticos haviam mudado de estratégia; e que o PT também deveria mudar de estratégia. 

Não se tratava apenas, como propõe Aldo, de “construir um caminho próprio de mobilizações e de defesa do governo”. 

O problema é que a maioria do PT insistiu na velha estratégia, achou que tinha dado certo porque vencemos (ainda que a duras penas) as eleições de 2014, Dilma chamou Levy para a Fazenda e a vida seguiu mais ou menos como sempre, sem que a maioria do Partido percebesse que estava em curso um golpe de Estado. 

Não era covardia, mas insistência numa estratégia equivocada.

A “narrativa” de Fornazieri é totalmente equivocada, porque é baseada no binômio traição/coragem. 

Quando se observa o comportamento de Dilma na fase final do impeachment, quando se observa o comportamento de Lula na cadeia, fica claro que não houve traição, nem faltou coragem. 

O problema é outro: é de linha política.

Importante registrar: covardes e traidores existem e sempre vão existir, tanto na esquerda moderada, quanto no esquerdismo. Mas o que determinou nossas derrotas entre 2015 e 2020 foi e segue sendo a linha política.

*

Minha impressão é que Aldo não consegue compreender esta dimensão do problema. 

Ele chega a dizer que “o PT do século XXI destruiu o PT do século XX”.

Ou seja: o PT de 2001 a 2020 destruiu o PT de 1980 a 2000.

Aldo praticamente reduz nosso período no governo federal a uma obra de destruição do PT. E resume tudo assim: “gabinetes, hotéis de luxo, restaurantes finos, vinhos caros”.

Na boa, não é um insulto, é um desrespeito à inteligência. Aliás, uma curiosidade: o que Aldo pensava a respeito na época? Não lembro direito. Mas talvez ele próprio lembre e possa nos agraciar, num gesto de pedagógica “coragem” intelectual.

Mas seja lá o que ele pensava, o que importa é que:

1/ nossa chegada ao governo não pode ser compreendida sem levar em conta a opção política estratégica feita a partir de 1995, pela maioria do Partido. Esta opção não é a única variável, mas teve sua óbvia importância para definir qual partido e qual política seria implementada depois que conquistássemos o governo. Portanto, não dá para compreender o PT do século XXI sem levar em consideração o PT do século XX;

2/ nossa ação no governo e depois nossa resistência ao golpe não pode ser reduzida a uma obra de “destruição” do PT. Claro que há elementos que contribuem nesse sentido. Mas o reducionismo brutal que Aldo opera é da mesma natureza teórica daquele que produziu aberrações do tipo “social-fascismo” e “social-imperialismo”. 

*

O melhor momento do texto de Aldo não é percebido por ele mesmo.

Está aqui: “Dizer que a sociedade em que surgiu o PT não existe mais é uma verdade que não resolve o problema. O Brasil, fundamentalmente, não mudou. Em vários aspectos, até piorou. As tragédias do povo se agravaram. O PT também piorou”.

Este é o problema de fundo: pioramos.

E como poderíamos ter impedido que o PT piorasse junto com todo o resto?

Isso exigiria outra linha política, outra estratégia, outra política de formação, outra política de comunicação, outro método de funcionamento.

Temas que passam longe, muito longe, da reflexão de Aldo.

Que reduz tudo a uma questão de... coragem.

Exagero meu? 

Não é! 

Vejam quase no final do texto de Aldo: “O fato é que hoje o manto vermelho do combate não é mais hasteado na frente da tenda dos comandantes do PT. (...) Não se vê, nas linhas de frente do PT, combatentes a exemplo de centuriões como Caio Crastino que, com sua coragem e um punhado de companheiros, avançou contra a infantaria inimiga de milhares de homens, para abrir fileiras para seus camaradas inferiorizados. O PT não tem em seu comando alguém destemido como o cônsul Públio Décio Mus que, montado em seu cavalo, avançou sozinho contra um exército inteiro, sacrificando-se para estimular a coragem dos soldados amedrontados ante a superioridade inimiga. O seu sacrifício e o seu destemor salvaram a pátria. Essa devoção ao sacrifício pela causa ou pela pátria perdeu-se no transitar dos séculos”.

Como imagem, tudo muito tocante. 

Mas não quero fazer parte de uma guerra tendo como comandante alguém que pretenda se comportar, no século XXI, como um centurião romano. 

Quero vencer a guerra de classes, não ser lembrado como individualmente valente. 

Sempre houve e continuará havendo lugar para a valentia individual, mas a valentia de que precisamos, especialmente em nossos comandantes, vai muito além do tipo de valentia citada no texto de Aldo.

Sem falar no detalhe: contra quem aqueles comandantes romanos lutavam? De que lado estaríamos?

(A respeito, recomendo Barbarians, uma série da Netflix)

Um comentário adicional: leiam os textos do chanceler Eduardo Araújo e verão neles o mesmo tom em favor da “devoção ao sacrifício pela causa ou pela pátria” que “perdeu-se no transitar dos séculos”. 

Fornazieri, infelizmente, parece estar entrando numa viagem que talvez não tenha volta.

*

Mas e o PT?

Aldo diz: “O PT de hoje pode  ter uma certeza: os jovens combativos que estão nas lutas procurarão outras agremiações, outros movimentos, outros camaradas para exercitar a sua coragem e sua valentia pelas causas se o PT não mudar. E se não mudar, será cada vez mais o partido da burocracia e da aristocracia parlamentar que até pode vencer eleições, mas não mudará o Brasil”.

Neste ponto lembro dos comunistas que faziam duríssimas e muitas vezes corretas críticas à União Soviética; mas que agora constatam e reclamam que o mundo piorou muito depois que a URSS acabou.

Lembro também de um amigo que era da esquerda italiana e que reconheceu recentemente que esta esquerda só pode existir, enquanto existia o velho PCI.

Seja como for, de fato há um dilema: se o PT não mudar, e se não mudar rápido, o que virá pela frente será ainda pior. 

Pois se o pior acontecer, levará bastante tempo até que surja algo, na política brasileira, capaz de ocupar um lugar similar ao ocupado pelo PT.

Por outro lado, e nisto está o dilema, o PT tem demonstrado baixa capacidade de mudança. 

Nem o golpe, nem a prisão de Lula, nem a eleição de Bolsonaro, nem a derrota de 2020, foram capazes de fazer um pedaço do Partido se dar conta de que é preciso mudar profundamente, tanto de estratégia quanto de modelo de funcionamento.

Como se resolve isso?

O jeito de Aldo é dando o jogo por jogado. E evocando... a coragem dos centuriões romanos!! 

(Não consigo parar de pensar: com tanto exemplo politicamente correto de liderança corajosa, por quais motivos ele foi escolher logo esses??)

O outro jeito é prosseguindo o debate em favor de outra linha política. E concentrando todos os esforços práticos em reconquistar a classe trabalhadora, organizar a classe trabalhadora e colocar em movimento e luta a classe trabalhadora.

Coragem individual é importante. Mas luta de massas é muito mais. E não basta dar "exemplo individual de coragem" para produzir luta de massas. 

Aguardemos a próxima missa da Igreja Cri-Cri.


 

SEGUE O TEXTO CRITICADO

https://jornalggn.com.br/artigos/o-pt-a-canoa-furada-e-a-coragem-por-aldo-fornazieri/

O PT, a canoa furada e a coragem, por Aldo Fornazieri

Por Aldo Fornazieri -04/01/2021

Ao entrar no bloco de Rodrigo Maia, o PT embarcou numa canoa furada…, ou furou sua própria canoa. Não comanda; é comandado. Não dirige; é dirigido. Perdeu sua autonomia nessa questão. A principal justificativa oferecida pela presidente do partido, Gleisi Hoffmann, para entrar no bloco consiste em ter a primazia de escolher um cargo na mesa diretora. Lutar para derrotar o candidato apoiado pelo governo poderia ser feito sem entrar no bloco.

 

Com a entrada no bloco, o PT montou uma armadilha para si mesmo. Se sair do bloco e Arthur Lira vencer, o PT será acusado de ser o responsável. Se ficar no bloco de Maia, além de apoiar um notório conspirador, traidor e golpista, estará reforçando a linha auxiliar de Bolsonaro. Sim, porque o MDB não é oposição a Bolsonaro, mas linha auxiliar do governo. Baleia Rossi votou em cerca de 90% das propostas do governo na Câmara. O MDB ocupa lideranças do governo no Congresso, a exemplo de Fernando Bezerra no Senado.

 

O PT e as esquerdas em geral mostram-se incapazes de fazer uma oposição efetiva ao governo no Congresso. Não conseguiram emplacar nenhuma CPI. Nem mesmo uma CPI da Saúde para investigar os desmandos criminosos de Bolsonaro e do general Pazuello, as suspeitas de omissões da ANVISA e a absurda produção de cloroquina do Exército. As CPIs sempre foram tidas como instrumentos das minorias. Mas o que se vê é uma minoria sem vontade de lutar. A rigor, as oposições terceirizam a necessidade de enfrentar o governo para o STF e deixam de cumprir seu dever e a função que o eleitorado lhe reservou. Triste país  que não tem governo e não tem oposição.

 

Sob as últimas direções, o PT foi transformado num partido lamentável e num partido de lamentações. Perdeu a combatividade e a coragem de lutar. A coragem é a virtude primária e fundante da ação política. Sem ela, não há atividade, não há luta, não há grandeza e não se conquista a glória. A coragem é uma virtude que requer o exercício permanente de sua pedagogia. Caso contrário, ela fenece e morre em um corpo político – Estado, partido ou movimento.

 

 

Não há pedagogia da coragem sem a capacidade e o sentimento da indignação ativa. O PT dos últimos anos vem matando aos poucos a coragem, substituindo-a pela covardia. Em 2013, quando a direita começou a tomar as ruas, o PT recolheu suas bandeiras. Não foi capaz de construir um caminho próprio de mobilizações e de defesa do governo.

 

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Esta batida em retirada provocou graves danos em 2015. A direita se pôs nas ruas desde o início do ano para derrubar o governo. O PT ficou aquartelado o ano inteiro, confiando no Judiciário, na Polícia Federal, na Câmara dos Deputados, nos ministros do centrão e no seu principal aliado, o então PMDB. Somente no final do ano ocorreu um ato na Faculdade São Francisco e uma caminhada da Avenida Paulista à Praça da República. Em 2016, os atos na Paulista nunca atraíram o apoio do povo. Eram atos de militantes e ativistas. A derrota já tinha sido construída nos anos pregressos. O resultado foi a deposição da Dilma da presidência.

 

O 17 de abril de 2016 foi um dia da vergonha em duplo sentido. Foi um dia da vergonha pelo espetáculo dantesco e degradante que a maioria dos deputados ofereceu no processo de votação na Câmara. E foi um dia da vergonha para quem estava no Vale do Anhangabaú e viu a militância se retirar silenciosa, desolada e cabisbaixa, sem luta e sem protestos e sem comando. Aquela atitude prenunciava os anos seguintes: todas as mobilizações contra Temer e suas políticas antissociais fracassaram. Contra Bolsonaro as mobilizações escassearam ainda mais. E quando as torcidas organizadas convocaram atos contra o fascismo e em defesa da democracia, a bancada do senado do PT exercitou a pedagogia da covardia desaconselhando o comparecimento nos protestos.

 

O fato é que o PT do século XXI destruiu o PT do século XX. Destruiu suas virtudes, sua combatividade, sua coragem. O PT das portas de fábricas, da luta contra a carestia, do apoio aos sem terra, das greves universitárias, dos enfrentamentos nas ruas, foi substituído pelo PT dos gabinetes, dos hotéis de luxo, dos restaurantes finos, dos vinhos caros e, mais recentemente, pelo PT das lives.

 

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O PT de Xapuri, de Imperatriz do Maranhão, dos peões de Santarém, de Chico Mendes, do enfrentamento da Lei de Segurança Nacional, do enquadramento dos seus líderes pela LSN, das prisões de seus líderes, esse PT não existe mais. O PT do enfrentamento da UDR, da violência no campo, da luta contra a carestia, do assassinato dos indígenas e do massacre de Leme, ficou no passado. Para Leme foram Suplicy, Jacó Bittar e Hélio Bicudo. No dia do tiroteio e da chacina lá estavam os deputados Djalma Bom, Anísio Batista e José Genoino.

 

Onde querem estar os deputados do PT de hoje? Na mesa diretora da Câmara dos Deputados… O PT da guerreira bancada do Congresso Constituinte foi substituído pelo PT das bancadas acomodadas e conciliadoras. O PT que construiu a democracia nas lutas, nas greves, no campo, nas cidades, nas universidades foi substituído pelo PT que apoia aqueles que traíram a democracia.

 

O espírito de combate e de grandeza do PT do século XX foi substituído pelo espírito do cálculo mesquinho dos cargos, salários e fundo partidário do PT do século XXI. Este PT até pode vencer eleições, mas não mudará o Brasil. O lamuriento PT de hoje invoca o passado recente para acobertar a sua incompetência e incapacidade de enfrentar os grandes desafios de hoje. De enfrentar nas ruas e nas lutas um governo de extrema-direita que destrói o Brasil e infelicita o povo. É esse mesmo PT que tem em suas hostes próceres que não convencem o povo e culpam o povo pela tragédia que se abate sobre ele. O PT da burocracia e da aristocracia parlamentar parece que se esqueceu de uma lição básica da política de toda a história: os povos precisam de direção e sentido ofertados por líderes virtuosos e persuasivos, capazes de comandar e liderar.

 

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Dizer que a sociedade em que surgiu o PT não existe mais é uma verdade que não resolve o problema. O Brasil, fundamentalmente, não mudou. Em vários aspectos, até piorou. As tragédias do povo se agravaram. O PT também piorou.

 

O fato é que hoje o manto vermelho do combate não é mais hasteado na frente da tenda dos comandantes do PT. Até porque não estão mais em tendas, mas em gabinetes perfumados. Guardaram aquele manto no baú do esquecimento. Não se vê, nas linhas de frente do PT, combatentes a exemplo de centuriões como Caio Crastino que, com sua coragem e um punhado de companheiros, avançou contra a infantaria inimiga de milhares de homens, para abrir fileiras para seus camaradas inferiorizados.

 

O PT não tem em seu comando alguém destemido como o cônsul Públio Décio Mus que, montado em seu cavalo, avançou sozinho contra um exército inteiro, sacrificando-se para estimular a coragem dos soldados amedrontados ante a superioridade inimiga. O seu sacrifício e o seu destemor salvaram a pátria. Essa devoção ao sacrifício pela causa ou pela pátria perdeu-se no transitar dos séculos.

 

O PT de hoje até penetra nas fileiras inimigas, mas para abraçar o seu oficialato. O PT de hoje pode  ter uma certeza: os jovens combativos que estão nas lutas procurarão outras agremiações, outros movimentos, outros camaradas para exercitar a sua coragem e sua valentia pelas causas se o PT não mudar. E se não mudar, será cada vez mais o partido da burocracia e da aristocracia parlamentar que até pode vencer eleições, mas não mudará o Brasil.

 

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).

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