terça-feira, 22 de novembro de 2016

A entrevista de Haddad

Recomendo a leitura da entrevista de Fernando Haddad para o jornal Folha de SP: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1833961-disputa-sera-da-direita-com-a-extrema-direita-afirma-haddad.shtml

Nela, ele parte do lugar certo: a análise da situação mundial, mais exatamente dos movimentos do capital a partir dos anos 1970 e 1980.

Entretanto, ao menos na entrevista Haddad desemboca numa conclusão estranha: "Trump é só um elemento a mais da reação da classe trabalhadora tradicional, europeia e americana".

Convenhamos: não dá para entender Trump sem levar em conta as divisões na classe dominante nos Estados Unidos, que por sua vez têm relação com as contradições entre o papel internacional e a dinâmica nacional dos EUA.

Tampouco dá para entender Trump sem levar em conta as políticas neoliberais dos Democratas (Clinton e Obama incluídos), assim como a atitude da esquerda dos EUA, que não dispõe de uma alternativa partidária e eleitoral de massas autônoma.

Finalmente, Trump é incompreensível sem levar em conta as peculiaridades do sistema político dos EUA. 

Levando em conta tudo isto, é correto apontar o dedo para o fato de setores importantes da classe trabalhadora terem votado em Trump, inclusive nos estados que antes deram vitória a Obama. 

Entretanto, sem levar em conta tudo isto, imputar à classe trabalhadora a responsabilidade pode nos levar ao ponto de partida, a saber, às opções "sem classe" que certa esquerda fez nos últimos vinte anos. 

Haddad também está certo ao dizer que o golpe de 31 de agosto de 2016 encerrou a Nova República. E que as opções da classe dominante nos levam de volta ao país agroexportador do início do século 20.

Uma pergunta que caberia responder é: em que medida este desfecho deve-se ao fato do próprio PT ter aceito atuar nos marcos desta "Nova República"? 

Ou, dito de outra forma, ter acreditado que o cenário internacional favorável permitiria ampliar direitos sem rupturas estruturais.

Se o PT tivesse adotado outra postura, o desfecho poderia ter sido outro.

O mesmo vale, aliás, para 2013. 

Se o PT em geral e o prefeito Haddad em particular tivesse adotado outra postura frente as manifestações daquele ano, o desfecho poderia ter sido outro.

Mas a opção feita pelo prefeito foi incorreta, do começo ao fim, com destaque para o anúncio feito em conjunto com o governador Alckmin.

Mesmo admitindo que fosse correta a tese de Haddad sobre o que foram as manifestações de 2013, ainda assim caberia perguntar o que deveria ter sido feito para disputar e ganhar os setores médios.

Mas -- se a entrevista publicada corresponde ao que foi dito -- repete-se algo curioso: nos EUA o problema estaria na classe trabalhadora tradicional, no Brasil o problema estaria nos setores médios. 

A classe dominante, o grande capital, não aparece com o destaque devido na análise.

E, no terreno eleitoral, são os problemas do PT que explicariam a derrota nas eleições municipais de 2016. 

Já os exemplos de bom governo estão na redução da dívida, na ampliação das receitas próprias e na folha de pagamentos sob controle.

Sendo esta a análise, não espanta a conclusão de que a política no Brasil vai ser polarizada entre direita e extrema-direita. 

Não espanta, é possível, mas não precisa ser assim.

E para que não seja assim, é preciso que o PT faça autocrítica de suas ilusões, inclusive das ilusões "republicanas" de que Haddad foi e segue sendo um portador.













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