segunda-feira, 6 de julho de 2015

Prosseguindo na polêmica com Marcelo Barbosa

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Não sei com base no que Marcelo acredita que o programa “ideado” pelo Mantega não “tinha a abrangência que assumiu em 2015”.

O que sei é que a campanha de 2014 estava em curso e Guido Mantega já falava em ajuste fiscal.

O que também sei é que, na mesma época, Nelson Barbosa esteve em reunião do grupo de conjuntura da Fundação Perseu Abramo e defendeu algo na linha do que está sendo feito agora.

Estes entre outros são meus elementos para considerar que o Levy foi convidado para aplicar um determinado programa.

Agora, é bom lembrar por quais motivos isto entrou em discussão. A saber: o ajuste pode ser explicado ou justificado pela ofensiva da direita? Ou a ofensiva da direita é facilitada pelo ajuste? Este é o centro da polêmica.

E a prova dos 9, na minha opinião, está no seguinte: é possível derrotar a ofensiva da direita sem parar o ajuste? As grandes massas populares terão ânimo para defender a democracia, se o governo democrático estiver fazendo um ajuste recessivo??

2

É acaciano dizer que a instabilidade política “teve e tem natureza política”. A questão que discuto é outra: para derrotar a instabilidade política, é preciso recuperar a confiança popular. E isto é muito difícil de fazer, se o governo não lembra a última vez que deu boas notícias para o povo (copio aqui a síntese feita pelo Lula).

Por isto, não vejo separar a luta por outra orientação econômica no futuro, da luta no presente contra o ajuste. Aliás, tentar fazer esta separação foi o maior erro do recente 5º Congresso do PT.

3

Me surpreende que Barbosa diga que os efeitos da atual orientação econômica “ainda não se fazem sentir com tanta intensidade”. 

Que vai piorar muito, eu sei. 

Mas que já piorou o suficiente, basta ver os índices de popularidade da presidenta, do Lula e do PT.

4

Claro que há diferenças entre Cunha e Temer. 

O problema – aqui e em outras passagens da polêmica – é que Barbosa passa do plano estratégico para o plano tático e vice-versa, sem dar seta.

Por partes: no plano estratégico, concordamos que Cunha e Temer não são nossos parceiros.

No plano tático, concordamos que há diferenças entre um e outro. Cunha está na oposição. Já Temer defende a legitimidade do mandato da presidenta a depender da cotação do dia.

Seja como for, qual a consequência que tiramos disto tudo, quando a discussão diz respeito a aliança com o PMDB? 

Continuaremos a aliança estratégica com o PMDB, aprovada num congresso do Partido? 

Ou esta aliança esgotou-se? 

Esta é a polêmica.

5

Barbosa diz não ver “vínculo direto entre a nossa política de alianças e atual política econômica”.

Repito aqui o que disse antes: Claro que há um vínculo direto e outro indireto entre a atual política econômica e a política de alianças. Mas o mais importante é: outra política econômica exige outra política de alianças. Ou alguém acha que a atual aliança (que inclui Cunha e Temer) é compatível com uma política de transformações profundas?

Repito o mesmo, agora sob forma de pergunta: é possível outra política econômica com a atual política de alianças?

6

O fato do PMDB ser uma agremiação fisiológica e não um partido dotado de uma ideologia clara não tem nada que ver com isto. 

Ele poderia ser ideológico e honesto e o problema estaria colocado, pois a questão é: que setores sociais o PMDB representa, nacionalmente?

Aliás, a resposta de Barbosa me lembra a crença de alguns amigos nossos acerca de como seria "fácil" lidar com os partidos fisiológicos. Não terminou bem aquele história, mas pelo visto já tem gente se esquecendo dela.

7

Não fico surpreso com o fato de um ajuste de corte “tucano” estar sendo patrocinado por um setor do PT. 

Não esqueci de Palocci.

8

Barbosa apresenta uma dúvida divertida: “com qual Walter Pomar devo manter diálogo? Aquele que defende a tese do fim do ciclo da Carta de 1988, ou aquele que assina o memorável Manifesto do Grupo Brasil, documento que coloca no centro da tática do campo democrático-popular a mobilização contra o programa de contrarreformas constitucionais encabeçado por Eduardo Cunha?”

A resposta é: ambos são a mesma pessoa. Aliás tenho enorme identidade com a pessoa que redigiu o tal Manifesto. 

Acontece que o fato de estarmos num momento de defensiva não pode nos impedir de pensar estrategicamente. 

Aliás, um dos grandes motivos dos problemas que estamos vivendo foi a incapacidade de pensar estrategicamente.

Noutras palavras: adotar uma tática defensiva contra um inimigo momentaneamente superior em forças, não me impede de discutir por quais caminhos poderei impor uma derrota estratégica a este inimigo, quando houver condições de sair de defensiva e passar para a ofensiva.

Estou seguro, por sinal, que o Manifesto dá conta destes dois aspectos.

Atenciosamente


Valter Pomar

Resposta de Marcelo Barbosa a novo texto de Valter Pomar – o debate em torno do documento Mito e realidade no cotidiano petista continua
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Após a última réplica do meu diálogo com o companheiro Valter Pomar recebi, quase simultaneamente, duas mensagens: a primeira, do próprio Valter (reproduzida abaixo), espinafrando meu novo texto. A segunda, de felicitações ao conteúdo da minha resposta, assinada por esse grande brasileiro, o senador Saturnino Braga. Ao primeiro respondo abaixo, ao segundo agradeço o apoio.

Vamos, então, na ordem proposta pelo Valter:
1- Em 2014, a ajuste ideado pelo ministro Mantega era pensado como conjunto de medidas para reequilibrar as contas públicas. Não tinha a abrangência que assumiu em 2015. Foi o quadro surgido nos meses de janeiro a março que lhe deu a atual configuração, inclusive no que diz respeito à violência dos cortes orçamentários aprovados.
2- Concordo quando você diz que o ajuste provocará mais instabilidade. Porém, ao momento, a instabilidade teve e tem natureza política. A tarefa das forças democrático-populares é a de disputar o governo para a realização de uma outra orientação econômica, antes que os efeitos da atual, que ainda não se fazem sentir com tanta intensidade, se generalizem.
3- Não considero o Cunha e o Temer parceiros na construção de um projeto de nação. No entanto, há que se fazer distinções entre um e outro. Enquanto Cunha trama a derrocada do nosso governo, Temer defende a legitimidade do mandato da Presidenta Dilma.
4- Não vejo vínculo direto, como você diz, entre a nossa política de alianças e atual política econômica. O PMDB se singulariza por ser uma agremiação fisiológica e não um partido dotado de uma ideologia clara. Para nossa surpresa, quem propôs um ajuste de corte “tucano” foi o PT e, não o PMDB. O problema apresenta uma complexidade maior do que você deseja admitir.
5- Gostei de saber que você irá pensar sobre a minha argumentação acerca da atualidade da questão nacional.
Recomendo a você a leitura (ou a releitura) de textos que constroem pontes de diálogo entre as diferentes vertentes do pensamento social brasileiro, mesmo quando conduzindo a conclusões diferentes das minhas, a exemplo de “Subdesenvolvimento: fênix ou extinção”, de Chico de Oliveira, a respeito da obra de Celso Furtado.
6- Com relação à Constituinte Exclusiva, uma dúvida me vem à mente: com qual Walter Pomar devo manter diálogo? Aquele que defende a tese do fim do ciclo da Carta de 1988, ou aquele que assina o memorável Manifesto do Grupo Brasil, documento que coloca no centro da tática do campo democrático-popular a mobilização contra o programa de contrarreformas constitucionais encabeçado por Eduardo Cunha?
7- Com relação ao projeto de nação, não alimento ceticismo igual ao seu. Ao contrário. Considero que a elaboração programática a ser proposta pela grande frente popular em gestação, vai encontrar muito mais consensos que divergência, nada obstante as diferenças de expectativas entre seus participantes. A vida dirá.
Polêmica
Por Valter Pomar
Da minha parte, faço as seguintes observações sobre a tréplica assinada pelo companheiro Marcelo Barbosa:
1- Realmente o ajuste fiscal não é “apenas um conjunto de medidas econômicas”. Mas não é exato dizer que “trata-se de solução de compromisso para diminuir a intensidade e os efeitos da crise política que quase levou ao afastamento da presidenta”. Não é exato, porque esta explicação omite o fato de que em 2014 Mantega já falava em ajuste. A escolha de Levy também foi feita em 2014. Ou seja, a decisão de fazer o ajuste foi anterior aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2015. Logo, o ajuste não pode ser explicado nem justificado pela ofensiva da direita que é posterior à sua concepção. Ao contrário, a ofensiva da direita é que foi facilitada pelo ajuste.

2- Exatamente por isto temos que dar um “cavalo de pau” na economia. Aliás, seria um “cavalo de pau” corretivo, pois o verdadeiro “cavalo de pau” foi dado pelo ajuste. Quem causa instabilidade é o ajuste, que aliás é um fracasso segundo seus próprios parâmetros. Ademais, o argumento segundo o qual "não há atalho para derrotar essa mal fadada política de austeridade" na prática impede uma frente em defesa de outra política econômica.
3- As coalizões no Congresso detém importância “numa via que se pretende democrática ao socialismo” a depender do programa, dos aliados e de quem dirige estas coalizões. Claro que há um vínculo direto e outro indireto entre a atual política econômica e a política de alianças. Mas o mais importante é: outra política econômica exige outra política de alianças. Ou alguém acha que a atual aliança (que inclui Cunha e Temer) é compatível com uma política de transformações profundas?
4- Vou pensar com meus botões acerca dos vínculos entre o que eu disse acerca da questão nacional, a resposta dada pelo Marcelo Barbosa a respeito do antiimperialismo, a relação disto com a Operação lava-jato e o diálogo entre as escolas do Iseb e da USP. Não estou seguro de que o “arsenal crítico da esquerda” ganhe com isto, mas certamente terei elementos para uma versão atualizada do famoso samba-enredo que falava de Xica da Silva e de Tiradentes.
5- Não basta ter lucidez tática, é preciso também ter lucidez estratégica. Por isto o tema Constituinte não deve “voltar à pauta” apenas quando a situação melhorar, sob pena de acontecer o que aconteceu em 2003. Aliás, a esquerda brasileira tem disso: quando estamos fortes, modera; quando estamos fracos, se dispersa entre os que lamentam não ter radicalizado na hora certa, os que pedem para esperar tempos melhores e os que acreditam que quem sabe faz a hora não espera acontecer.
6- Por fim: existem várias classes sociais, várias frações de classe e vários representantes políticos de cada um destes setores. Nem todo mundo concorda em “imprimir transformações profundas nas estruturas econômicas, culturais, políticas, sociais – entre outros nexos – de uma sociedade ainda extremamente desigual como a nossa”. Não se trata de expectativas, se trata de diferenças profundas. Motivo pelo qual não existe um único “projeto de Nação”. A não ser, é claro, naquele plano em que consideramos que o nosso é o único, os dos demais são falsa ideologia.

Publicado no blog do Valter Pomar.

Um abraço e boa leitura.

Kadu Machado
(21) 99212-3103
O documento que originou esta conversa pode ser lido no blog do jornal Algo a DizerMito e realidade no cotidiano petista.

A réplica e a tréplica anteriores também no blog do jornal Algo a DizerRespondendo a Valter Pomar.

Um comentário:

  1. Caro Valter,

    O duro é ter que ler um artigo de um alto dirigente do PT: "Tudo isso, demonstra o quanto é necessário organizarmos a volta às ruas e praças das áreas populares, para dialogarmos com a população, ouvirmos seus reclamos e apresentarmos soluções....sic...Alberto Cantalice: Por um partido unido e nas lutas


    Pare de criticar a proposta do ajuste. Tá feita. Novas propostas é o caso.

    Mas, e a condução do Partido?...esses dirigentes, conforme apresentei acima, estão a altura do desafio e das tarefas?....

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