domingo, 5 de julho de 2015

Polêmica


Da minha parte, faço as seguintes observações sobre a tréplica assinada pelo companheiro Marcelo Barbosa (ver abaixo):

1. Realmente o ajuste fiscal não é "apenas um conjunto de medidas econômicas". Mas não é exato dizer que "trata-se de solução de compromisso para diminuir a intensidade e os efeitos da crise política que quase levou ao afastamento da presidenta". Não é exato, porque esta explicação omite o fato de que em 2014 Mantega já falava em ajuste. A escolha de Levy também foi feita em 2014. Ou seja, a decisão de fazer o ajuste foi anterior aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2015. Logo, o ajuste não pode ser explicado nem justificado pela ofensiva da direita que é posterior à sua concepção. Ao contrário, a ofensiva da direita é que foi facilitada pelo ajuste. 
2.Exatamente por isto temos que dar um “cavalo de pau” na economia. Aliás, seria um "cavalo de pau" corretivo, pois o verdadeiro "cavalo de pau" foi dado pelo ajuste. Quem causa instabilidade é o ajuste, que aliás é um fracasso segundo seus próprios parâmetros. Ademais, o argumento segundo o qual "não há atalho para derrotar essa mal fadada política de austeridade" na prática impede uma frente em defesa de outra política econômica.
3.As coalizões no Congresso detém importância "numa via que se pretende democrática ao socialismo" a depender do programa, dos aliados e de quem dirige estas coalizões. Claro que há um vínculo direto e outro indireto entre a atual política econômica e a política de alianças. Mas o mais importante é: outra política econômica exige outra política de alianças. Ou alguém acha que a atual aliança (que inclui Cunha e Temer) é compatível com uma política de transformações profundas?
4.Vou pensar com meus botões acerca dos vínculos entre o que eu disse acerca da questão nacional, a resposta dada pelo Marcelo Barbosa a respeito do antiimperialismo, a relação disto com a Operação lava-jato e o diálogo entre as escolas do Iseb e da USP. Não estou seguro de que o "arsenal crítico da esquerda" ganhe com isto, mas certamente terei elementos para uma versão atualizada do famoso samba-enredo que falava de Xica da Silva e de Tiradentes.
5.Não basta ter lucidez tática, é preciso também ter lucidez estratégica. Por isto o tema Constituinte não deve "voltar à pauta" apenas quando a situação melhorar, sob pena de acontecer o que aconteceu em 2003. Aliás, a esquerda brasileira tem disso: quando estamos fortes, modera; quando estamos fracos, se dispersa entre os que lamentam não ter radicalizado na hora certa, os que pedem para esperar tempos melhores e os que acreditam que quem sabe faz a hora não espera acontecer.
6.Por fim: existem várias classes sociais, várias frações de classe e vários representantes políticos de cada um destes setores. Nem todo mundo concorda em "imprimir transformações profundas nas estruturas econômicas, culturais, políticas, sociais – entre outros nexos – de uma sociedade ainda extremamente desigual como a nossa". Não se trata de expectativas, se trata de diferenças profundas. Motivo pelo qual não existe um único "projeto de Nação". A não ser, é claro, naquele plano em que consideramos que o nosso é o único, os dos demais são falsa ideologia.
A seguir, a tréplica de Marcelo Barbosa.

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Por Marcelo Barbosa

Inicialmente, agradeço ao companheiro Valter Pomar a disposição de dialogar com as questões apresentadas por mim e por Kadu Machado no documentoMito e realidade no cotidiano petista. Pelo respeito que nos merece esse companheiro, me enche de satisfação constatar a existência de pontos em comum em nossas análises de conjuntura, nada obstante as divergências de concepção existentes.

Pelo que pude constatar, as discordâncias se concentram em cinco pontos: ajuste fiscal, política de alianças, questão nacional, constituinte exclusiva e projeto de nação. Creio já ter tratado de tais questões antes. Porém, acho que se apresenta uma oportunidade de retomar, ainda que brevemente, tais temas, sob novos ângulos.

Erra quem entende o chamado ajuste fiscal apenas como conjunto de medidas econômicas. O pacote tem, na realidade, outra natureza. Trata-se de solução de compromisso para diminuir a intensidade e os efeitos da crise política que quase levou ao afastamento da presidenta Dilma durante os meses de janeiro, fevereiro e março deste ano. Período em que a direita, já detentora de iniciativa política nas instituições, assumiu protagonismo nas ruas. Dar um “cavalo de pau” na economia, conforme pretendem alguns, significa retornar à uma instabilidade que não interessa ao movimento democrático-popular. Nas atuais condições, apenas pode lucrar com a anomia de poder o novo centro dinâmico da direita brasileira, liderado pelo deputado Eduardo Cunha.

Uma nova orientação para a economia brasileira, voltada para a retomada do crescimento e o combate à recessão, tem de nascer de outro processo, que deverá incluir o que ainda não existe: clareza programática, unidade das forças interessadas na mudança e crescente mobilização do sindicalismo, dos movimentos sociais e dos coletivos de cultura. Não há atalho para derrotar essa mal fadada política de austeridade.

De uma maneira geral, concordo com as críticas daqueles que acusam o PT e nossos governos, entre 2003 e o presente, de ter contribuído para a despolitização da sociedade. De privilegiar atuação institucional em detrimento da organização popular. Porém, isso não significa, no meu caso, subestimar a importância da ação “por cima”. De fato, as alianças partidárias, as coalizões no congresso detém importância – numa via que se pretende democrática ao socialismo. Por isso, considero fundamental a nós – da esquerda – o desenvolvimento de relações produtivas com os setores moderados do espectro ideológico. Considero inteiramente fora de propósito a afirmativa pela qual o PT se deslocou tanto ao centro que se desligou de suas bases. Em realidade, o deslocamento foi numa outra direção: para a direita. A atual política econômica poderia tranquilamente ser subscrita por um governo tucano. É esse receituário econômico, repito – equivocado – que deve ser revisto, e não a política de alianças.

Quanto à questão nacional a minha posição é bastante óbvia: num quadro da divisão internacional do trabalho, os países periféricos precisam lutar para se libertar das relações econômicas de caráter espoliativo com os países centrais e suas empresas transnacionais. Por outras palavras, um pouco mais de antimperialismo, ao meu ver, só faria bem ao PT, companheiro Valter. Caso essa consciência existisse de maneira mais clara no senso comum do partido, a operação lava-jato não teria causado a devastação que provocou na economia brasileira.

Por outro lado, um manejo adequado da questão nacional exige o recurso à leitura de autores ligados ao chamado “desenvolvimentismo”. Mas, não só. Impõe, de igual maneira, o conhecimento das contribuições de nomes vinculados às teorias da dependência, entre outros ramais da ciência econômica. Já passou da hora de promover o diálogo – provavelmente tenso, embora rico de possibilidades – entre a obra de clássicos do pensamento social como Celso Furtado e Florestan Fernandes, ou por exemplo,  entre as escolas do Iseb e da USP. O arsenal crítico da esquerda só tem a ganhar com isso.

Constituinte exclusiva? É, sem dúvida, um debate estratégico. Ao momento, por uma questão de lucidez, tal discussão sofre uma moratória. Afinal, tanto os defensores dessa tese quanto os seus críticos, refletindo sadias divergências no interior das forças populares, já colocaram no centro da sua tática a defesa da legalidade democrática. Isso está ocorrendo na orientação das lutas contra as contrarreformas constitucionais patrocinadas pelas áreas mais reacionárias do Congresso Nacional. Entre as quais: terceirização das atividades laborais, diminuição da maioridade penal, financiamento empresarial de campanhas políticas e a legitimidade do mandato da Presidenta Dilma, entre outros itens.  Num futuro, que esperamos melhor, certamente a proposta da Constituinte Exclusiva voltará à pauta.

Por último não creio que existam vários projetos de nação, mas só um, singularizado pela necessidade imprimir transformações profundas nas estruturas econômicas, culturais, políticas, sociais – entre outros nexos – de uma sociedade ainda extremamente desigual como a nossa. O que pode variar são expectativas dos diferentes setores comprometidos com a mudança. Nesse sentido, devem ser saudadas todas as iniciativas visando nuclear as forças democrático-populares numa frente comum em favor de reformas, a exemplo do chamado Grupo Brasil.



Marcelo Barbosa é advogado, doutor em Literatura Comparada pela UERJ e diretor-coordenador do Instituto Casa Grande e autor, entre outros, de A Nação se concebe por ciência e arte – três momentos do ensaio de interpretação do Brasil no século XIX

Sobre "Mitos e realidade no cotidiano petista"
Por Valter Pomar

O companheiro Kadu Machado solicitou uma opinião acerca do texto http://jornal-algoadizer.blogspot.com.br/2015/06/mitos-e-realidades-no-cotidiano-petista.html

Aqui vai.

O texto está certo quando diz que as políticas da chamada “austeridade” aprofundam a crise, ao invés de resolvê-la.

O texto me parece errado quando diz que o problema consiste em abreviar, de maneira a mais acelerada, o tempo de vigência e a extensão de tais medidas.

Para tirar rapidamente o pais da rota da recessão, é preciso dar cavalo-de-pau.

Cavalo-de-pau que comece reduzindo a taxa de juros, passe pela execução plena do orçamento, prossiga com um imposto extraordinário sobre grandes fortunas e inclua um lava-jato na Lava-jato.

O texto está certo quando diz que a retomada do crescimento depende em maior medida da política do que da economia.

O texto me parece errado quando diz ser mito a afirmação segundo a qual o PT deve construir uma frente de esquerda.

E o texto me parece ainda mais errado ainda quando diz que o governo Dilma está isolado e sofrendo derrotas porque não construiu alianças ao centro.

O paradoxo está nisto: as alianças foram tão longe, mas tão longe, que o governo terminou isolado de sua própria base. E quando isto acontece, os aliados deixam de ser aliados e passam a protagonizar contra nós.

Por isto o PT precisa antes de mais nada recompor suas alianças com os setores democráticos e populares, aqueles que foram às ruas garantir a vitória de Dilma no segundo turno.

Isto não está em contradição com manter e ampliar o diálogo com todas as correntes democráticas, inclusive frações do empresariado. Mas é uma ilusão achar que nossa solução está, como no Dia da Marmota, em fazer de novo uma frente ampla com caráter de centro-esquerda.

O texto está certo quando relativiza a ideia de que o PT precisa voltar às origens.

O texto está errado quando acha que a solução estaria em assumir a defesa de temas pertencentes ao universo programático da esquerda que o precedeu, nomeadamente os trabalhistas e os comunistas.

Não é solução, porque se fosse este o problema, não teríamos problemas: há anos que o PT incorporou a retórica do desenvolvimentismo, do trabalhismo, da questão democrática etc e tal.

A ironia reside exatamente nisto: do mesmo jeito que os neoliberais tucanos são filhotes do desenvolvimentismo peemedebista, setores do petismo "evoluíram" do socialismo, fizeram rápida escala no desenvolvimentismo e terminaram no social-liberalismo.

Assim, o problema não está em assumir a defesa de temas. O problema está em como articular a questão democrática e a questão nacional, com a "questão socialista”.

Mas para fazer esta articulação, é preciso colocar em primeiro lugar aquilo que é distintivo (ou que deveria ser) do PT: o socialismo. Até porque, dada a natureza monopolista do capitalismo brasileiro, não há como escapar da palavra proibida…

O texto está certo quando diz que ciclo da Constituição de 1988 não está encerrado.

O texto me parece errado quando não percebe que os limites da Constituição de 1988 tem relação direta com a crise atual. A Carta é demasiado progressista para a direita, mas é também insuficiente para a esquerda.

Por isto, considero ilusão achar que o centro da ação tática estaria na defesa da Carta de 88, uma vez que sua defesa é insuficiente como linha de contenção à ofensiva da direita.

O texto está certo quando diz que precisamos de um projeto de nação, que articule as aspirações do proletariado urbano e rural, dos camponeses e camadas médias urbanas.

O texto está errado quando diz que o PT não tem um projeto de nação. Na verdade tem. Vários. Desde o que defendemos, até aquele "país de classe média" que a presidenta Dilma defendeu na campanha.

Projeto de nação são como os mitos: existem vários.

Publicado no blog do Valter Pomar.

Um abraço e boa leitura

Kadu Machado
(21) 99212-3103

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