No dia 6 de novembro fui contatado por um jornalista, interessado em informações sobre o Foro de São Paulo.
Concedi a entrevista por escrito, via correio eletrônico.
A matéria a respeito acabou não sendo publicada.
Entretanto, como o Foro continua sendo objeto de todo tipo de informação desencontrada, considero útil divulgar as perguntas que me foram feitas e as respostas que dei, revisadas e complementadas.
Omito as referências ao jornalista, pois como já disse a matéria não foi publicada.
1 – Quem representa
O Foro é uma reunião anual: os encontros.
Como não se vota nada, nessas reuniões cada partido escolhe quantas pessoas vai mandar como delegação e quais.
No caso do PT, é a executiva que decide e, quando o encontro foi no Brasil, todo petista filiado que quis participar, foi credenciado como delegado.
Entre um encontro anual e outro, reúne-se o Grupo de Trabalho(GT), composto por X países.
Não sei o número atual, mas acho que podem ser 18 países.
Quando um país faz parte do GT, a princípio todos os partidos deste país passam a ser automaticamente membros. Mas no GT, cada país tem um voto.
Ou seja, pode ter um partido (caso de Cuba e Nicarágua) ou 12 (caso de Argentina), mas tem um só voto.
Como tudo é decidido por consenso (salvo questões de encaminhamento), na prática isto é mera formalidade.
A regra acima (todos os partidos de um país fazem parte) vale, como é óbvio, para os que são integrantes do Foro. E para ser integrante, ou se é fundador ou se é aceito pelos atuais integrantes, também por consenso.
Outra coisa: em alguns casos, nem todos os partidos de um país fazem parte oficialmente do GT. No caso do Brasil, por exemplo, o PPS, o PSB , o PDT, o PPL, o PCB , o PCdoB e o PT fazem parte do Foro. Mas só PT e PCdoB são do GT.
Quem representa o PT nas reuniões do GT é quem ocupa a SRI do PT. [No caso, Monica Valente] O que não impede que numa ou noutra reunião, o PT vá com mais de uma pessoa, a titular da SRI e mais alguém. Como tb não impede que outra pessoa vá no lugar da titular da SRI.
Eu, por exemplo, representei o PT no GT do Foro entre 2005 e 2013, mas só fui titular da SRI até 2010.
2- Como os dirigentes são escolhidos? Quem são eles?
Não há dirigentes pessoas física.
São os partidos que fazem parte e indicam quem querem.
O que acontece é que o PT foi escolhido para cuidar da secretaria executiva do Foro.
E o PT escolheu para cuidar disto o/a titular da SRI.
Como este cargo de SRI foi ocupado no Brasil, durante muitos anos, pelo Marco Aurélio Garcia e depois por mim, e como por isso durante muitos anos assumimos a secretaria executiva do Foro, ficou a impressão de que há eleição de pessoas.
3 – Qual o processo de tomada de decisões?
Consenso.
4 – Qual a periodicidade dos encontros?
Anual.
5 – Qual a forma de financiamento? Qual o orçamento?
Cada partido paga seus custos.
E quando o encontro acontece num determinado país, o(s) partido(s) anfitrião (ões) paga o que pode e cobra dos outros o que precisa.
Ou seja: não tem orçamento, não tem conta bancária, não tem personalidade jurídica a parte, própria.
6 – De que forma o Foro se relaciona com os governos de partidos associados?
Politicamente.
7 – Desde 1990 muita coisa mudou e o Foro acompanhou estas mudanças. Quais foram as “fases” do Foro?
Isto está no prefácio e no último capítulo [de um livro sobre o Foro, publicado pela editora da Fundação Perseu Abramo, escrito por Roberto Regalado e por mim.]
Basicamente as "fases" foram: resistência ao neoliberalismo (1990-1998), chegada aos governos (1998-2006), contra-ataque da direita (2006-2014) e decorrente equilíbrio relativo.
8 – De que forma a chegada ao poder de partidos que integram a entidade afetou o Foro?
Passamos a ter partidos capazes de levar a prática seu programa, com as decorrências que isto tem.
[Lembrando que na minha opinião, na maioria dos países os partidos do Foro não detém o "poder"]
9 – No sentido contrário, de que forma o Foro influenciou os governos?
Os debates travados no Foro ajudaram a esquerda de cada país a refletir sobre qual deveria ser sua estratégia nacional. Mas cada um refletiu à sua maneira.
10 – É possível perceber na prática resultados das ideias defendidas pelo Foro? Quais?
A integração latino-americana e caribenha é o aspecto fundamental.
11 – O PPS diz que se afastou do Foro por causa da “hegemonia bolivarianista”. Seja lá o que isso signifique, é verdade?
Pergunte ao PCB e ele dirá que o PT e os social-liberais é que hegemonizam o Foro.
Cada um vê o que quer.
Na minha opinião, a única hegemonia inconteste no Foro é a da integração.
12 – Qual a influência de Lula e Chávez no Foro?
Imensa.
13 – Como e porquê o Foro proibiu a participação de grupos que defendiam a luta armada? Quais são estes grupos? Eles ainda tem algum vínculo com o Foro?
A pergunta está construída baseada em um pressuposto equivocado.
O Foro não proíbe nem permite genericamente o ingresso de ninguém.
Cada caso é um caso.
Por exemplo, quando o Foro fez sua primeira reunião, em 1990, a FMLN de El Salvador participou. E na época havia luta armada em El Salvador.
Assim, você é que precisa me dizer de que grupos você está falando.
Agora, quanto a situação atual, não participa do Foro nenhum partido que esteja envolvido em luta armada.
14 – É possível notar a influência do Foro na América Latina? Como?
Em vários países, partidos vinculados ao Foro fazem parte dos governos nacionais e/ou são os principais partidos da oposição.
15 – O Foro virou uma espécie de fetiche da extrema direita, a exemplo de Cuba. Aquele setor aponta o Foro de SP como ameaça à democracia da região. Existe algum motivo para isso que não seja de ordem patológica ou psicanalítica?
Quem ameaça a democracia na região é quem defende a volta das ditaduras.
16 - Ficaram duas dúvidas. A primeira é sobre o grupos armados. Baseei a pergunta numa matéria que dizia que as Farc foram proibidas de participar em 2005. É verdade? Algum outro grupo passou pelo mesmo processo?
Por partes: desde sempre o Foro foi e é a favor da paz na Colômbia.
Existe um processo de negociação em curso entre as Farc e o governo colombiano.
Assim, eu prefiro não falar nada a respeito da Colômbia.
Agora, o que vc está me perguntando já me foi perguntando "n" vezes, especialmente em 2010.
Pesquise na internet e vc verá lá minhas respostas, que continuam valendo.
Sobre a matéria que vc cita, me envie, mas se entendi o que é dito, o suposto fato citado não ocorreu.
17 - A segunda dúvida é sobre Lula e Chavez. Gostaria de saber se existe algum antagonismo, divisão ou matiz baseado na influência de um e de outro e de que forma e quando cada um deles teve seus momentos de maior ou menor influência.
Sobre Lula e Chavez, veja: o Foro sempre combateu a ideia de que existam duas esquerdas na América Latina.
Achamos que existem várias esquerdas, mais que duas.
Logo, não aceitamos a ideia de que existiria uma esquerda de tipo lulista e outra esquerda de tipo chavista.
Claro que dentro e fora do Foro, tanto na esquerda quanto na direita, existe gente que tem uma visão dicotômica e por isso construiu uma (na verdade, mais que uma) "teoria" que contrapõe Lula e Chavez, os convertendo em pólos de duas correntes antagônicas.
Isto é o que posso te dizer em termos gerais.
Agora, sobre temas concretos haveria o que dizer acerca de pontos de convergência ou diferenças, mas ai vc tem que fazer perguntas concretas.
17 - Quais as diferenças entre o que se poderia chamar de "chavismo" e "lulismo? Quais partidos e países estão mais alinhados a Lula e a Chavez? Houve períodos em que Lula ou Chavez exerceram mais ou menos influência sobre o Foro? Qual foi o periodo de maior influência de cada um deles?
Não existe uma definição inequívoca acerca do que seria o lulismo e do que seria o chavismo.
Para complicar, ambos (Lula e Chavez) são intelectuais orgânicos do mesmo tipo de Fidel, ou seja, não tem uma obra estruturada, mas sim vão construindo uma interpretação ao longo do caminho. O que reforça a possibilidade de múltiplas leituras, que vão se multiplicando por ação de amigos e inimigos.
No que me diz respeito, eu penso o seguinte:
A) embora tenham nascido e vivido em países diferentes, com trajetórias pessoais também distintas, ambos chegaram à presidência no mesmo momento histórico, enfrentaram dilemas estratégicos similares e conquistaram uma lealdade popular de perfil semelhante.
B) suas diferenças fundamentais, na minha opinião, são três:
*Chavez tinha uma política para as forças armadas e sobre o papel das forças armadas. Nem Lula, nem o PT , nem a esquerda brasileira conseguiram elaborar uma política para as forças armadas, seja qual fosse;
*Chavez organizava seu pensamento em torno de uma idéia central: o bolivarianismo. Nem Lula, nem o PT , nem a esquerda brasileira adotam uma ideia-força semelhante;
*Chavez construiu uma política internacional em torno do objetivo de enfrentar os EUA. A política externa do governo Lula foi baseada na ideia de independência frente aos EUA.
C) há uma quarta diferença importante, acerca de como lidar com o capitalismo. Mas sobre esta quarta diferença há que se tomar três cuidados:
*há diferenças profundas, não apenas de escala, mas de formação, entre o capitalismo venezuelano e o brasileiro;
*a política de Chavez a respeito mudou muito e várias vezes, entre 1998 e seu falecimento;
*neste tema, diferente dos três citados no ponto B, há uma grande distância entre o nome que se dá às coisas e as coisas como efetivamente são, o que gera muita confusão na hora de compreender a realidade.
Respondendo a sua outra pergunta, não há nenhum país alinhado com ninguém.
Claro que há alguns partidos que se consideram mais alinhados com o que acham que um ou outro representa.
Mas entre os grandes partidos, ou seja, aqueles que possuem base de massa, nenhum comete a tolice de se considerar "alinhado" com fulano ou com beltrano. Como disse Lula acerca da candidatura Chavez: tua vitória é a nossa vitória. E para Chavez a recíproca sempre foi verdadeira.
Finalmente: até 1998 Chavez não tinha influência relevante. Ele se tornou influente no Foro depois de sua eleição. Portanto, até 1998 a influência de Lula era maior. Mas ambos se tornam presidentes no mesmo período, sendo que Lula foi fundamental para ajudar Chavez em 2002. E desde então, até o falecimento de Chavez, atuaram junto com outros líderes importantes da região. Liderança compartilhada.
18 - Vc considera "bolivarianismo" um termo adequado? O que é bolivarianismo?
Nem como dirigente político, nem como historiador, me cabe considerar "adequado" um termo como bolivarianismo. [Até porque isto suporia o contrário: poder julgar inadequado um fenômeno histórico, político e social.]
Há uma história na América Latina que explica porque Bolívar e outros são considerados pais da pátria em algumas regiões e ao mesmo tempo são praticamente desconhecidos noutras. Eu entendo as razões pelas quais Chavez se apoia em Bolívar (e Fidel em Marti; e muitos gringos em George Washington).
Quanto ao que é o bolivarianismo, entendo como uma corrente política e intelectual que busca encontrar num determinado recorte do passado de luta contra a colônia espanhola, as raízes da luta atual contra o imperialismo e seus efeitos na região. Quem ler Garcia Márquez vai entender, aliás, quão profundo isto pode ser.
Sr. Valter Pomar, a questão das FARC é nebulosa. É indubitável que representantes das FARC participaram do Foro de SP no passado, já que o próprio Raul Reyes confessou ter conhecido o Lula nesses encontros. Se as FARC, direta ou indiretamente, continuam participando dos encontros do Foro, é uma questão que ficou em aberto, pois o sr. apenas afirmou que nenhum PARTIDO envolvido em luta armada participa do Foro, e as FARC ainda não são um partido. Fica subentendido, aliás, que assim que as FARC adquirirem o estatuto jurídico-formal de partido, poderão sair da moita, e sua participação no Foro será plena, pública e oficial, e todos os crimes que pesam nas suas costas serão transmutados em feitos heróicos anti-imperialistas por alguma comissão de inverdades presidida por "historiadores" como o senhor.
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