terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Nassif: quando a relevância sobe à cabeça

A vitória de Dilma Rousseff é resultado de muito esforço coletivo. 

Tem especial relevância a contribuição dada por muitos comunicadores progressistas e de esquerda, entre eles blogueiros como Luís Nassif.

Cada blogueiro tem seu estilo e sua linha. 

Nassif, por exemplo, é capaz de perpetrar artigos como A perda de relevância do PT, divulgado no dia 16 de dezembro de 2014 pela Carta Capital.

O artigo de Nassif está reproduzido na íntegra ao final deste e está também disponível no endereço  http://bit.ly/1AgE9oq

O artigo começa ao estilo de 9 de cada 10 artigos publicados pela grande imprensa a respeito do PT: falando de Lula.

Diz Nassif: "Lula tem dois enormes desafios pela frente. O mais distante são as eleições de 2018; o mais premente, é dar relevância ao PT."

Claro que alguém que concebe a política desta maneira, como extensão dos desafios de um indivíduo, seja lá quem for, só pode mesmo concluir que o Partido é irrelevante.

O papel de Lula é com certeza relevante. Mas vencer as eleições de 2018 e dar protagonismo ao PT são tarefas coletivas. Quem não percebe isto e quem não age em consonância com isto, contribui para nossa derrota, mesmo que pretenda o oposto disto.

Segundo Nassif, "nos últimos anos, o PT tornou-se um partido insignificante. Tem apenas um porta-voz, o presidente Rui Falcão, que em geral não se pronuncia em momentos cruciais. Intelectuais, personalidades públicas, juristas simpatizantes surgem em seu apoio quando a democracia é ameaçada, mas há muito deixaram de ter voz ativa no partido".

Além de bela, como é gozada esta nossa vida. 

Não há na história brasileira um Partido com o protagonismo alcançado pelo PT. Nos últimos 25 anos, polarizamos todas as disputas presidenciais. Nos últimos doze anos, vencemos todas as eleições presidenciais. Qual o critério para nos considerar um partido "insignificante"?

O PT tem defeitos? Certamente. Aliás, como dirigente do PT entre 1997 e 2013, sou responsável por parte destes defeitos. Mas entre reconhecer nossos defeitos e dizer que o PT "tornou-se um partido insignificante", vai uma distância enorme.

Sei que atacar a política, os políticos, os partidos e o PT virou o esporte predileto de muitos jornalistas, comentaristas e "analistas" da política nacional, especialmente os de coração tucano. Mas até neste esporte, é preciso um pouco de seriedade.

Não é sério, por exemplo, atribuir a uma pessoa a solução dos problemas do PT. Pelas mesmas razões, tampouco é sério atribuir a uma pessoa os problemas do PT.

Segundo Nassif, o "isolamento" do PT "tem muito a ver com a personalidade de Rui Falcão". E para criticar Falcão, Nassif faz um paralelo entre o que teria ocorrido no Sindicato dos Jornalistas nos anos 1980 e o que está ocorrendo no PT atualmente.

Sei dos Sindicato dos Jornalistas mais ou menos o mesmo que Nassif demonstra saber sobre o PT: muito pouco ou quase nada. 

Exemplo: quem conhece um pouco o PT sabe que viajar o país não "consolida estrutura de influência": trata-se apenas uma necessidade incontornável em um Partido nacional e diversificado. 

Outro exemplo: não é o presidente do Partido quem define a composição da direção partidária. 

E se "grandes nomes" foram rumo ao governo, isto é devido à concepção dominante em certos meios, segundo a qual o governo é mais "significante" do que o Partido.

Nassif, noves fora o desconhecimento acerca do PT e algum problema mal resolvido com Falcão, comete uma inaceitável fulanização dos problemas do petismo. 

Nossos problemas financeiros, organizativos, comunicacionais, democráticos e éticos não tem "muito a ver" com a "personalidade" de Rui Falcão, nem com as "personalidades" de Dirceu, Genoíno, Tarso Genro, Ricardo Berzoini, Marco Aurélio Garcia, Zé Eduardo Dutra, Lula e Dilma.

Claro que cada uma destas "personalidades" tem seu papel na nossa história, inclusive nos nossos problemas. 

Mas os grandes problemas do PT derivam da política, mais especialmente da estratégia e do respectivo modelo de organização e funcionamento adotado pelo Partido desde 1995. 

Se não modificarmos esta estratégia e o derivado padrão de organização e funcionamento, não haverá "personalidade" que nos salve.

Resumidamente, trata-se de retomar -- não apenas como discurso, mas como prática -- uma orientação que vem desde os anos 1980: para transformar o Brasil, é preciso combinar ação institucional, mobilização social e organização partidária, operando uma verdadeira “revolução cultural” no modo de fazer politica das classes trabalhadoras.

Um detalhamento destes problemas estratégicos pode ser lido em http://www.valterpomar.blogspot.com.br/2014/11/carta-sobre-o-pt-o-governo-e-assuntos.html

Outro texto que trata destes problemas está em http://www.valterpomar.blogspot.com.br/2014/10/comemoracao-e-luta.html

Claro que Nassif não é o único a desconsiderar a estratégia como a causa de fundo dos problemas do PT. 

Este erro é cometido até mesmo por gente muito diferente de Nassif. Lula, por exemplo, no discurso que fez no ato de lançamento do Congresso do PT, depositou nas "cotas" de jovens, negros/as e mulheres a responsabilidade por problemas que são essencialmente de outra natureza.

Nassif, entretanto, incorre em algo mil vezes pior do que a desinformação e uma perspectiva incorreta.

O problema principal é que, para Nassif, tudo já era: "O PT envelheceu, perdeu o viço dos movimentos sociais, a vitalidade intelectual, a dimensão pública. E, especialmente junto à juventude, a Lava Jato terá um poder corrosivo mil vezes maior do que a AP 470. Fica o País órfão de partidos, entre o PT, que perdeu a dimensão do nacional, e o PSDB, que tornou-se um partido golpista, com suas principais lideranças se permitindo ser coadjuvantes de revoltados online. E sem Marina, que continua chorando pelos cantos como uma hárpia autocompadecida".

O mais desolador em Nassif é a desesperança.

Desesperança compartilhada, aliás, por muitos que sonhavam numa aliança entre PT e PSDB.

Desesperança que as vezes resulta em textos alarmistas sobre o golpismo da direita, que desembocam em textos alarmantes justificando concessões à direita golpista.

A este respeito, ler os dois textos abaixo: 

http://jornalggn.com.br/noticia/armado-por-toffoli-e-gilmar-ja-esta-em-curso-o-golpe-sem-impeachment

http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/161992/Nassif-Dilma-acerta-na-largada-do-segundo-mandato.htm

Quem insiste em manter uma estratégia de conciliação, fica mesmo sem muita alternativa para explicar o que está dando de errado, salvo por exemplo colocar a culpa em pessoas.

Não há dúvida: os problemas do mundo, do Brasil e do PT são imensos. Mas é possível enfrentá-los e resolvê-los, sob três condições. 

A primeira condição é buscar a solução não em indivíduos geniais, mas no coletivo, mais exatamente na conscientização, organização e mobilização da classe trabalhadora.

A segunda condição é buscar a solução não na conciliação, mas no enfrentamento com aqueles setores  políticos e sociais contrários à soberania. à democracia e à igualdade.

A terceira condição é não perder nem a esperança, nem a cabeça e muito menos o bom humor.  Em nome disto, aliás, peço licença para concluir citando uma "piada interna": contra quase tudo, contra quase todos e contra a maioria de nós mesmos, venceremos.




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Política

Opinião

A perda de relevância do PT

O PT envelheceu, perdeu o viço dos movimentos sociais, a vitalidade intelectual, a dimensão pública. E, junto à juventude, a Lava Jato terá um poder corrosivo mil vezes maior do que a AP 470
por Luis Nassif — publicado 16/12/2014 06:20


Lula tem dois enormes desafios pela frente. O mais distante são as eleições de 2018; o mais premente, é dar relevância ao PT.

A proposta de criação de um gabinete de crise ― composto, entre outros, por Gilberto Carvalho, Marco Aurélio Garcia, Luiz Dulci e Humberto Costa ― não se refere propriamente à crise política atual, mas ao próprio partido.

Nos últimos anos, o PT tornou-se um partido insignificante. Tem apenas um porta-voz, o presidente Rui Falcão, que em geral não se pronuncia em momentos cruciais. Intelectuais, personalidades públicas, juristas simpatizantes surgem em seu apoio quando a democracia é ameaçada, mas há muito deixaram de ter voz ativa no partido.

Esse isolamento tem muito a ver com a personalidade de Rui Falcão. Repete-se, em escala nacional, o mesmo que ocorreu com o Sindicato dos Jornalistas nos anos 80.

O Sindicato entrou na década com enorme peso devido à gestão Audálio Dantas e mesmo a de David de Moraes, que presidiu-o na infausta greve de 1979.

Na sucessão de David, montou-se uma frente composta por membros do recém-criado Partido dos Trabalhadores com a esquerda independente contra o Partidão. A frente elegeu Gabriel Romeiro e a chapa contava com diversos jornalistas de peso, mas não alinhados.

Rui era a liderança de fato por trás de Romeiro. E, durante todo o primeiro ano, seu trabalho foi o de ocupar todos os espaços do sindicato, focado muito mais em reduzir o espaço dos aliados do que dos adversários.

Ao final de um ano, todos os independentes ― que nunca haviam feito da política sua missão principal ― afastaram-se. Ficaram Rui e os chamados "tarefeiros" ― a jovem rapaziada pau para toda obra. Com a saída dos independentes, o Sindicato perdeu expressão e tornou-se desinteressante para Rui que, logo, depois de tê-lo utilizado como escada, se afastou.

Nunca mais o Sindicato foi sombra da expressão que havia adquirido na década anterior.

No PT, repetiu-se essa estranha autofagia. Primeiro, Rui tratou de viajar o País tentando consolidar uma estrutura de influência em cima da herança de José Dirceu ― com quem rompeu.

Quando sentiu o terreno consolidado, fechou-se, não deu espaço para mais ninguém e tratou de ocupar todos os espaços internos, deixando o partido do tamanho do seu presidente. As personalidades ligadas ao partido foram se afastando gradativamente. Grandes nomes já haviam saído rumo ao governo.

Aliás, essa autofagia ficou nítida nas disputas com Fernando Pimentel durante a campanha de 2010.

O PT assistiu inerte à eclosão das manifestações de junho de 2013. Perdeu o bonde dos novos movimentos, pois poderiam gerar novas lideranças, colocando em risco o predomínio dos jurássicos. Não se apropriou do intenso trabalho intelectual da Fundação Perseu Abramo, pois dali poderiam emergir novos rumos e, com eles, novas lideranças.

Agora, segundo notícias de ontem, a primeira missão do tal gabinete de crise será correr atrás da nova geração de movimentos que emergiu das manifestações de 2013.

Vai chegar tarde. O PT envelheceu, perdeu o viço dos movimentos sociais, a vitalidade intelectual, a dimensão pública. E, especialmente junto à juventude, a Lava Jato terá um poder corrosivo mil vezes maior do que a AP 470.

Fica o País órfão de partidos, entre o PT, que perdeu a dimensão do nacional, e o PSDB, que tornou-se um partido golpista, com suas principais lideranças se permitindo ser coadjuvantes de revoltados online. E sem Marina, que continua chorando pelos cantos como uma hárpia autocompadecida.

4 comentários:

  1. Nassif vem apostando no pior: a queda da democracia. Quer cenário mais propício pra isso!? O fim do PT e dos partidos? É o terreno sendo preparado de onde menos se espera.

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  2. Nassif está certo. Veja-se o congresso em que o poste de Lula, Dilma, foi imposta, vinda do PDT. O PT simplesmente foi forçado a engolir a "ungida" de Lula. O PT virou aquilo que condenava no PDT, o partido "dependente do caudilho", "siderado pelo mito do líder" (e isso eu lia na revista Veja. Ela apoiava).

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    1. Nassif está errado. E voce também. Se Dilma fosse um "poste", não teria ganho duas eleições presidenciais. Por outro lado, veja quantas diferenças existem entre o PT e o PDT. Deixe as simplificações para a direita.

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    2. Prezado Valter Pomar, ótimas observações sobre o texto do Nassif. Apesar de divergir das considerações dele sobre o PT, enfrentaremos uma situação difícil no próximo período. Abraços, Mariante

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