O PT fez 43
anos.
Muita gente
escreveu a respeito.
Por exemplo,
o Rudá Ricci.
Foi uma
amiga que me chamou a atenção para o “fio” do Rudá sobre o PT.
O fio está
aqui:
https://twitter.com/rudaricci/status/1624804486752440321?t=LP5azjY_TxBv8Eywlm4GQA&s=08
Neste fio Rudá
começa reconhecendo que "a contribuição do partido à democracia brasileira
é inquestionável".
Em seguida, ele
procura "analisar as mudanças no ideário e prática petistas nessas 4
décadas".
O começo é
um pouco insólito.
Ele diz que
o PT "nasceu em 1979" e que a sigla "tinha sido definida como
política dos trotskistas das diversas edições da 4ª Internacional. Um encontro
dessas correntes criou o PT por aqui, mas logo se deram conta que faltavam
justamente os líderes das greves metalúrgicas. Deram um passo atrás".
Diz também
que "PT existe na Espanha (1979), Uruguai (1984), Costa Rica. Temos
Partido Socialista dos Trabalhadores na Argentina, todos trotskistas. A sigla
está no México (1975), Panamá (1983, de inspiração trotskista), Peru, Reino
Unido".
Em seguida Rudá
afirma que "o PT criado em 1980 nasceu como um freio de arrumação na
iniciativa de 1979 e, logo se descobriu o jeito metalúrgico de fazer política.
Num piscar de olhos, os trotskistas ficaram numa posição menor que a de
sindicatos, movimentos sociais, católicos e intelectuais".
Ou seja, segundo Rudá o PT não teria nascido para ser uma expressão política do setor mais combativo da classe, mas sim para ser um "freio de arrumação" na iniciativa de um setor minoritário...
Na
sequência, Rudá comenta que "na foto clássica de fundação do PT num
colégio paulista, Paulo Skromov aparece na mesa principal do evento. Skromov
era trotskista e foi presidente do Sindicato dos Coureiros do Estado de São
Paulo. Foi um dos organizadores do Movimento pelo PT de dezembro de 1979. Skromov
presidiu a plenária de fundação do PT no Colégio Sion, em 10 de fevereiro de
1980. Era trotsksista desde 1968 e fez parte da Organização de Mobilização
Operária (OMO) e a Organização Marxista Brasileira (OMB)”.
Para resumir
a ópera, Rudá adota um específico ponto de vista, como sendo o melhor observatório
do ponto de conjunto. O resultado é, na minha opinião, bastante anedótico, mas para
lá de insatisfatório enquanto relato histórico.
Sigamos o
fio.
Rudá afirma
que a “concepção inicial do PT passa por uma primeira fase, de 1980 a 1983. No
primeiro momento, articulou forte vertente basista e anti-institucional baseada
na Teologia da Libertação, embora o sindicalismo ‘autêntico’ (que daria origem
à CUT) tivesse influência de marxistas”.
Depois
escreve que “em 1982, o PT participou de sua primeira campanha eleitoral com
campanha nitidamente classista. Os candidatos apareciam como militantes de
esquerda, muitos se diziam ex-guerrilheiros ou ex-presos políticos. Lula,
candidato ao governo paulista, fez 10% dos votos. É no bojo do baque que as
eleições de 1982 causaram no PT que surge o famoso “Manifesto dos 113”. O
número se deve às assinaturas que subscreveram este documento. O Manifesto logo
se torna um divisor de águas no partido”.
Rudá
reproduz então algumas passagens do tal Manifesto: “O Manifesto começa
afirmando que ‘defendemos o PT como partido de massas, de lutas e democrático.
Combatemos, por isso, as posições que, por um lado, tentam diluí-lo numa frente
oposicionista liberal, como o PMDB’. Prossegue e critica a ‘ação
predominantemente parlamentar-institucional’, algo que criaria uma cisão
interna nas direções petistas atuais. Segue se opondo aos que ‘se deixam
seduzir por uma proposta socialista sem trabalhadores, como o PDT.’ Continua: ‘Também
combatemos aqueles que (...) se encerram numa proposta de partido vanguardista
tradicional’.”
Chegando
neste ponto, Rudá afirma que “o PT se definia como socialista, antissoviético e
antipopulista. É de se estranhar que, hoje, neopetistas citem a experiência
soviética como alinhada ao PT”.
Não sei quem
seriam esses “neopetistas” que Rudá critica.
Mas sem
dúvida o que ele fala é de estranhar mesmo.
É de
estranhar porque, entre outros motivos, palavras como soviético ou antisoviético
não comparecem no Manifesto dos 113.
O alvo do
Manifesto dos 113 foi duplo: os que desistiam do Partido pela direita e os que
tentavam aprisionar o PT nos moldes das pequenas organizações autoproclamadas
revolucionárias e supostamente de vanguarda.
Ser vanguardista
tradicional não era um ato soviético, ser crítico a “proposta de partido vanguardista
tradicional” não era um ato antissoviético.
Aliás, basta
ler os nomes de alguns dos signatários do Manifesto para suspeitar isso...
De 1983, Rudá
pula para 1989.
É um salto e
tanto, uma vez que foi neste período (1984-1988) que o PT começou a formular a
denominada estratégia democrático, popular e socialista.
Mas enfim,
não se deve pedir peras ao olmo, digo, aos fios.
Sobre 1989, Rudá
afirma que “a candidatura de Lula foi para o 2o turno, disputando com Collor e,
por pouco, não vence a eleição. Eu participei como coordenador da elaboração do
programa agrário e posso atestar que sabíamos que a vitória seria ameaçada pela
extrema-direita. Passadas as eleições de 89, o debate interno na corrente
majoritária – a Articulação – apontava para o PT se preparar para ganhar as
eleições como possibilidade concreta. Significava ampliar as alianças, abrandar
o marco socialista e se aproximar do alto empresariado. As campanhas de 1994,
1998 e 2002 seguiram este marco de alteração significativa do ideário original
do PT. Mas, o que mudou de mais importante a partir de 1994? Vou listar 4
mudanças que consideram mais radicais”.
Vejamos.
“A primeira
mudança foi a relação com movimentos sociais. A relação original era umbilical.
Não era de mera escuta, mas de alinhamento. A partir de 1994, a relação passou
a ser de, no máximo, consulta. Outra mudança foi no
processo de tomada de decisão do partido. Antes, a base mandava. Os famosos
núcleos de base do PT tinham mais poder que parlamentares petistas. Eu mesmo
vivenciei este poder durante a Constituinte e quando fui coordenador de
sub-região em SP. A partir de 1994, as decisões passaram a ser mais
centralizadas. Os militantes e intelectuais do partido perderam força e os
dirigentes da corrente majoritária e marqueteiros passaram a dominar o cenário”.
Façamos uma pausa. Sem dúvida houve
mudanças na relação entre o Partido e os movimentos sociais. Mas dizer que
antes havia uma relação “umbilical”, de “alinhamento” e depois passou a ser uma
relação de, no máximo, “consulta”, me parece simplificar demasiado a coisa. Sem
falar que desconsidera a vida real, na qual estava em curso um refluxo das
lutas sociais, sob impacto do neoliberalismo.
Mas o esquisito mesmo é dizer que antes a
base “mandava”, mas a partir de 1994 os “militantes e intelectuais” perderam
força e “os dirigentes da corrente majoritária e marqueteiros” passaram a dominar
o cenário.
Para começo de conversa, a corrente
majoritária entre 1995 e 2005 nunca passou de 60% dos votos nos encontros
nacionais ou nas eleições diretas.
E – mesmo discordando de seus métodos e de
suas posições – os tais “dirigentes” da “corrente majoritária” neste período
citado eram dirigentes... porque tinham imensa base social, influência
política, apoio na militância de base e inclusive na chamada intelectualidade partidária.
Negar isso e contrapor militantes e intelectuais
a dirigentes e marqueteiros é pior que uma simplificação.
Rudá diz que “dessa mudança decorreu o
institucionalismo. Se havia rejeição ao campo institucional nos primeiros 15
anos do PT, a partir da segunda metade dos anos 1990, o campo institucional
passou a ser prioritário, alinhado à meta de vencer eleições. Vejam que uma
mudança leva à outra”.
O jeito com que Rudá descreve os fenômenos
é assaz curioso.
Como é possível dizer que “havia rejeição
ao campo institucional” nos primeiros 15 anos do PT, se nesses primeiros 15
anos o PT participou das eleições de 1982, 1985, 1987, 1988, 1989, 1990, 1992 e
1994? Se o PT participou do Congresso Constituinte? Se o PT governou inúmeras
cidades?
Talvez o que Rudá esteja querendo dizer é
que o lugar do “institucional” na estratégia do PT se alterou.
Mas dizer que antes havia “rejeição” e
depois deixou de haver “rejeição” é simplesmente falso.
Assim como é falso insinuar que só a partir
de 1995 passamos a ter a “meta de vencer eleições”, como se antes disputássemos
sem querer ganhar.
Mas o pior está por vir.
Palavras de Rudá: “Finalmente, o ideário e
o programa do partido. De socialista o PT passou a adotar um viés
socialdemocrata. Depois, eliminou a palavra ‘socialista’ de seu discurso e,
finalmente, já no século XXI, caiu de boca no ideário social-liberal, afeto aos
interesses do mercado”.
O socialismo perdeu peso? Certamente.
Cresceu o “viés socialdemocrata”?
Certamente.
Apareceu uma turma “social-liberal”? Certamente,
aliás Palocci é o exemplo clássico.
Mas simplesmente não é verdade que a
palavra “socialista” tenha sido “eliminada” do discurso do PT, a partir de
1995.
Basta ler as resoluções do 3º Congresso do
PT ou do 6º Congresso do PT (este realizado em 2017), para ver que isto não é
fato.
É verdade que se deixar na mão de algumas
pessoas ou setores, o termo “socialismo” simplesmente sumirá.
Mas ao menos por enquanto o termo “eliminou”
é incorreto.
Tampouco é fato que o PT “caiu de boca no
ideário social-liberal, afeto aos interesses do mercado”.
Se isto fosse verdade, o tal mercado não
teria tido motivos para estimular e apoiar o golpe de 2016, a fraude contra Lula
e a eleição do cavernícola.
Segundo Rudá, “o lulismo passou a ser a
marca desta mudança. Para além da figura de Lula, é uma concepção de Estado e
de política que adota o referencial do parlamentarismo como eixo. Outra
inspiração evidente é o rooseveltianismo, aquela concepção de alavancou o New
Deal”.
Como diria um amigo, Rudá nos oferece uma
salada e tanto.
Primeiro tem este componente chamado “lulismo”,
acerca do qual já se escreveu muito, mas se esclareceu pouco.
Depois tem o FDR; sem dúvida há um amplo
setor da esquerda brasileira que tem o New Deal como inspiração para suas
políticas econômicas.
Infelizmente para este setor, não foi o
New Deal que tirou os EUA da crise dos anos 1930, mas sim o envolvimento dos
EUA na Segunda Guerra.
E, finalmente, tem o mais complicado: será
verdade que no PT existe uma concepção de Estado e de política que adota o “referencial
do parlamentarismo como eixo”?
Minha opinião: em 1993 um setor importante
do PT defendeu o parlamentarismo e foi solenemente derrotado.
Prevaleceu no Partido, em 1993, o bom
senso: era mais fácil ganhar a presidência do que fazer maioria no Congresso.
Entretanto, nem os presidencialistas, nem
o conjunto do Partido, conseguiu resolver o problema de conjunto, a saber: como
ganhar a presidência e ao mesmo tempo fazer maioria no congresso.
Como o problema não foi resolvido
adequadamente, foi se constituindo a tal “política de governabilidade”.
Chamar esta “governabilidade” de “parlamentarismo”
é simplesmente forçar a mão.
Rudá passa destas afirmações para outras
ainda mais maraquexe (não confundir com mequetrefe).
Diz ele que “a concepção social-liberal do
lulismo preserva o mercado. O alto empresariado, ao contrário, flerta com o
ultraliberalismo que desagrega a sociedade. O lulismo não gera risco algum ao
mercado financeiro”.
Que há social-liberais no PT, não tenho
dúvida.
Que Lula não quer destruir o “mercado”,
também não tenho dúvida.
(Aliás, eu também não quero destruir o
mercado, entre outras coisas porque o mercado não pode ser “destruído”, ele
pode ser “superado” numa fase muito avançada do socialismo.)
Que o alto empresariado é ultra-liberal,
também não tenho dúvida.
Mas dizer que Lula é social-liberal e que
não gera “risco algum ao mercado financeiro” é puro negacionismo.
Neste ponto do seu fio Rudá faz os elogios
de praxe (afinal, é aniversário): “O PT é o maior partido brasileiro, o que
chegou 7 vezes ao segundo turno das eleições presidenciais desde o fim do
regime militar, ganhando duas. É o partido que mantém sempre uma das principais
bancadas federais e o que efetivamente dita a agenda nacional. No ano passado,
o Datafolha revelou que o PT é o partido preferido de 28% dos brasileiros entre
os 3.666 ouvidos em 191 cidades entre os dias 13 e 16 de dezembro”.
Sobre o elogio acima, duas correções.
O PT chegou ao segundo turno em 1989, 2002,
2006, 2010, 2014, 2018 e 2022. E ganhou 5 vezes (2 com Dilma e 3 com Lula), não
duas vezes.
E o PT não dita a agenda nacional. Quem
dera isso fosse verdade. O PT disputa, polariza, influencia, mas não dita.
Mas depois de elogiar, Rudá enfia a faca.
Suas palavras: “Não dá para comparar com
nenhum outro partido brasileiro. Sua importância é incontestável. Porém, não se
trata mais de um partido de esquerda. A questão posta não é o da legitimidade e
importância do PT, mas que apito ele efetivamente apita no século XXI. (FIM)”
Realmente, é o fim.
“Não se
trata mais de um partido de esquerda”.
Como diria o
mineiro: cumbasenoqueocebaseaestabesteira?
Se Rudá
dissesse que o PT não é mais revolucionário ou não é mais socialista, ainda
seria compreensível, mesmo que questionável.
Mas dizer
que o PT não é de esquerda??
Ele seria o
que?
De centro?
De direita?
As
categorias de esquerda e direita expressam posições relativas.
Na política
brasileira, goste ou não Rudá, o PT lidera um bloco contraposto a outro bloco.
O nome dado
aos blocos pode variar, mas eles expressam forças sociais contrapostas. E os
nomes precisam indicar isso.
Se Rudá
quiser chamar o bloco liderado por nós de direita, teria que chamar o outro bloco
de esquerda. E assim por diante.
Podemos
debater o que significa concretamente ser de esquerda, mas dizer que o PT não é
de esquerda levaria a dizer que, no Brasil de 2022, o bolsonarismo e o
neoliberalismo não são de direita.
Isto posto, só
me resta apelar ao velho e bom alemão: ao se deparar com uma ideia, pergunte sempre a quem ela presta serviços.
A quem presta
serviços, a quem interessa, dizer que o PT não é de esquerda?
Que apito toca o fio de Rudá?
TEXTO SEM REVISÃO
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