O roteiro abaixo foi utilizado em palestra feita no dia 22 de junho, para a direção nacional do MST.
1/ "Después
de 214 años logramos un gobierno del pueblo, un gobierno popular. El gobierno
de la gente, de las manos callosas, el gobierno de la gente de a pie, el
gobierno de los nadies y las nadies de Colombia", disse Francia Márquez em
seu primeiro discurso depois da vitória. Noutra mensagem ela dedicou a vitória
aos setores populares. E enfatizou temas como o combate ao racismo e ao
patriarcado, a defesa do meio ambiente, os direitos lgbt.
2/ No caso
do Brasil, muitos de nós defendíamos uma vice mulher e negra, representante
deste tipo de embocadura. Mas a “fórmula” que predominou foi outra, como sabemos.
3/ O mapa do
resultado eleitoral na eleição presidencial da Colômbia mostra uma correspondência
entre o voto dado em 2016, favoravelmente ao acordo de paz, e o voto dado em
2022 na “fórmula” Petro/Francia. Lembrando os números:
-NO ao
acordo de paz: 50,21% versus SI ao acordo de paz: 49,78%
-votos em Hernandes:
47,31% versus votos em Petro: 50,44%
4/ Vitória
na Colômbia foi resultado combinado de:
-acúmulo de
forças
-organização
-dificuldades
e divisões na direita
-situação econômico
e social da Colômbia
-Paro Nacional
de 2021
5/ "A
responsabilidade do eleitor brasileiro só aumenta. Já não é mais ‘tão somente’
pelo Brasil, é por toda a região", escreveu o deputado federal Eduardo Bolsonaro
(PL), filho do presidente Bolsonaro.
6/ Mais do que
antes, a eleição brasileira de 2022 é um importante evento internacional. Principal
agente internacional interessado no resultado das eleições brasileiras: os Estados
Unidos.
7/ Dificuldades
dos EUA:
-divisão na
classe dominante dos EUA sobre a política externa correta neste momento
-Bolsonaro é
alinhado com Trump, oposição a Biden
-acontecerão
eleições este ano nos EUA (8 de novembro)
-governo
Biden está focado no conflito Ucrânia x Rússia
8/ As
dificuldades enumeradas não significam que não possa haver intervenção dos EUA
no processo eleitoral brasileiro. Aliás, haverá, sempre há, já está havendo. Mas
as dificuldades dos EUA indicam que teremos mais margem de manobra. Entretanto,
não devemos esperar neutralidade, muito menos favorecimento (salvo se mudássemos
totalmente de linha e nos dispuséssemos a nos alinhar com os EUA na batalha
geopolítica global).
9/ Importante
lembrar que há outros agentes internacionais intervindo: Israel, redes de
extrema direita (Espanha e Portugal) etc.
10/ A hipótese
principal é que -salvo acontecimentos extraordinários, como uma escalada na
guerra ou uma nova crise – a intervenção estrangeira contra nós não se dará principalmente
na eleição propriamente dita, mas principalmente no pós-eleição. Isto foi, em
certa medida, demonstrado na eleição colombiana.
11/ Voltando
à eleição colombiana:
-se
confirmou o país estar dividido politicamente, socialmente, ideologicamente,
regionalmente
-a divisão é
confirmada pelo fato de 47% dos eleitores votarem a favor de um energúmeno
-apesar da
maioria eleitoral, a maior parte dos poderes institucionais e fáticos estão alinhados
contra o governo Petro/Francia
12/ Um agravante
no caso da Colômbia: o histórico anterior (em 214 anos nunca fomos governo,
direita muito violenta, aliança de esquerda recente).
13/ Vale
destacar: não é coincidência a vitória eleitoral ter ocorrido depois dos acordos
de paz, a divisão profunda entre duas estratégias distintas impedia ambas de
terem sucesso. Mas é preciso interpretar corretamente o significado disto: uma
maior unidade estratégica na esquerda em torno do papel da disputa eleitoral
facilitou a vitória na peleia pelo governo, mas ter o governo NÃO resolve o
problema do poder, NÃO resolve o problema do modelo econômico e muito menos garante
o respeito do outro lado à democracia.
14/ O governo
Petro/Francia enfrentará muitas dificuldades. Aliás os atuais governos progressistas
e de esquerda estão enfrentando dificuldades em certo sentido maiores do que no
período anterior.
-Argentina
-Chile
-Peru
-Venezuela
-Cuba
-Bolívia
-Nicarágua
-Honduras
15/ Tais dificuldades
se originam:
-de uma situação
objetiva interna pior que antes
-de uma situação
externa pior que antes
-de uma extrema
direita mais radicalizada que antes
-de
problemas estratégicos presentes no ciclo anterior de governos e já então mal
resolvidos, seguindo assim no atual ciclo
-do desaparecimento
ou do enfraquecimento de certos “liderazgos” (exceto Lula, as principais
figuras do ciclo anterior se foram ou estão em segundo plano)
-da fragilização
(em comparação com o período anterior) das organizações coletivas
16/ Do ponto
de vista da liderança e das organizações, o Brasil é uma meia exceção:
-por um lado,
Lula segue protagonista e concentra mais poderes que antes
-por outro
lado, partidos, sindicatos e movimentos estão mais fracos do que no período
anterior
-se nada for
feito para corrigir este descompasso, no médio prazo a situação tende a piorar
muito, com alto risco de surgir um vácuo e uma forte dispersão e debilitamento
plus
17/ As
dificuldades enumeradas antes não seriam tão problemáticas em condições normais.
Acontece que a situação atual exige mais radicalidade para conseguir o mesmo
que conseguimos antes com menos radicalidade (exemplo: o papel da Petrobrás no
ciclo anterior e o que se faz necessário para que a Petrobrás possa jogar um
papel similar agora).
18/ A rigor,
a situação atual exige mais audácia estratégica, sob pena de nos adaptarmos ao “novo
normal”, ou seja: podemos ter sucesso em tirar o bode da sala, mas isto não
alterará o fato da sala estar muito mais apertada que antes.
19/ A opção
política feita até agora pela maior parte da esquerda brasileira, desde 2016
até agora, contorna este problema de fundo. A maior parte da esquerda
brasileira – inclusive, ironicamente, setores que fizeram “oposição de esquerda”
aos governos Lula e Dilma – trabalha como se estivéssemos enfrentando uma situação
estratégica similar a de 2002. É por isso, aliás, que falam e agem como se o
golpe de 2016 não tivesse existido e comprovado que havia um problema não
resolvido na estratégia adotada em 2002 e nos anos seguintes)
-em
decorrência da visão acima descrita, decorreu entre 2016 e 2022 uma concentração
crescente das energias na disputa eleitoral (não apenas por isso, mas também
por isso, nosso país não viveu grandes mobilizações comparáveis ao Chile,
Bolívia, Colômbia, EUA etc.)
-também em
decorrência da visão acima descrita, prevaleceu por ampla maioria a construção
de uma aliança com parte dos neoliberais e golpistas responsáveis pelo golpe de
2016 [aliás, uma curiosidade: em ato recente em Natal, a companheira Gleisi
Hoffmann, presidenta do PT, iniciou seu discurso falando do golpe contra a democracia
em 2016 e terminou dizendo que em nossa coligação há diferenças, mas todos estamos
unidos em defesa da democracia, raciocínio que só tem sentido lógico se a/parte
de nossos aliados tivesse feito autocrítica sobre seu apoio ao golpe de 2016 OU
se b/nós aceitássemos que em 2016 houve um impeachment, não um golpe)
-finalmente,
como decorrência da visão exposta, no programa debatido há uma crescente ênfase
na RECONSTRUÇÃO e um crescente secundarização da TRANSFORMAÇÃO [a esse
respeito, ver o banner e a maioria dos discursos feitos no ato de apresentação
das diretrizes]
20/ A opção
política adotada pela maioria da esquerda tem como objetivos declarados:
-facilitar a
vitória
-tornar
possível uma vitória NO PRIMEIRO TURNO
-facilitar o
governo
21/ Como estamos
liderando as pesquisas, isto é apresentado como comprovação do sucesso da linha
adotada. Obviamente é impossível comprovar o oposto: de que com outra linha
estaríamos liderando da mesma forma. Mas se observarmos os dados desde o ano
passado até hoje, eles indicam a/que a ampliação das alianças incide pouco ou
nada nos resultados; b/que os motivos pelos quais Bolsonaro está atrás nas pesquisas
NÃO decorrem das alianças feitas por nós, mas essencialmente de erros cometidos
por eles. Obviamente, entretanto, as alianças reduziram o espaço da terceira
via e nesse sentido podem contribuir para uma vitória no primeiro turno. Mas se
essa vitória não vier, a antecipação das alianças pode – paradoxalmente –
tornar muito mais difícil para nós o quadro do segundo turno (menos espaço para
crescer).
22/ Seja
como for, é importante analisar os problemas existentes e ver como se pode
enfrentar e prevenir. Entre eles:
-um problema
acumulado já citado é a reduzida aposta e investimento em lutas sociais e também
no Fora Bolsonaro. Isto evidentemente não impede uma vitória eleitoral, mas funciona
como um freio contra a massificação da campanha (massificação dificultada também
por inúmeros outros fatores);
-ilusão
indevida nos aliados (já citamos anteriormente a confusão entre tomada e focinho de
porco: os neoliberais golpistas de 2016 podem ser antibolsonaristas e podem ser
nossos aliados, mas isto não os converte em democratas. Tal confusão é ainda
mais intensa nos estados, onde figuras conservadoras vem recebendo nosso apoio
ou compondo nossas chapas. Novamente um episódio ocorrido no ato de Natal é
ilustrativo a respeito: a governadora Fátima denunciou a herança maldita
deixada pelas oligarquias, relatou tudo o que foi feito no nosso governo,
ressaltou a importância de não perder a eleição e concluiu dizendo que para isso
é fundamental fazer aliança... com parte das mesmas oligarquias que deixaram a
tal herança maldita. Por óbvio, isso significa que se tudo correr bem teremos
um segundo governo de coabitação com parte dos promotores da herança maldita). Como
as alianças já estão feitas, o tema é: não se deve esperar destes aliados muita
firmeza na defesa da democracia e, pelo contrário, se deve esperar deles
exigências programáticas no sentido oposto ao defendido por nós.
23/ Estas
concessões apareceram no debate petista acerca das diretrizes de governo da coligação
de 7 partidos apoiadores da pré-candidatura de Lula.
24/Supostamente,
PT, PSOL e PCdoB deveriam ser a ala esquerda da coligação. Mas vem prevalecendo
uma postura de “ceder antes da negociação começar”. Concordemos ou não, da
parte do PCdoB trata-se de uma atitude perfeitamente coerente com a estratégia
geral deste partido. No caso do PSOL, há uma evidente contradição com a atitude
adotada por este partido frente aos governos Lula e Dilma e, também, uma
contradição com a imagem construída por este partido, de estar supostamente “à
esquerda” do PT. Mas como já foi dito por alguém, não se deve medir um partido
pelo que ele diz de si mesmo.
25/ No caso
do PT, os argumentos para adotar tal postura de “ceder antes de negociar” são
variados, mas podem ser resumidos a três:
-primeiro, a
clássica “vamos fazer, mas não vamos falar agora disto”
-segundo, a também
clássica “vamos ganhar primeiro, depois a gente decide os detalhes do que
faremos”
-terceiro, a
igualmente clássica afirmação de que “a correlação de forças não é boa e,
portanto, precisamos escolher nossas batalhas”;
Os três
argumentos, resumidos acima de forma evidentemente grosseira e caricatural, não
são descabelados. Nem tudo precisa ser dito, é preciso ganhar primeiro e a
correlação de forças realmente é difícil. Mas atenção: há problemas
inescapáveis (Petrobrás, forças armadas, segurança pública, agronegócio, setor
financeiro e BC) e correlação de forças não se altera espontaneamente. Assim, a
conclusão é: as concessões programáticas estão sendo feitas porque prevalece o “espírito
de 2002”: achar que é possível melhorar substancialmente a vida do povo essencialmente
através de políticas públicas, sem fazer reformas estruturais. Se isto for verdade,
ótimo. Se não for, teremos muitos problemas.
26/ Além das
dificuldades de mobilização, da ilusão nos aliados e das concessões programáticas,
é preciso citar outro problema: em grande número de estados, não teremos
candidaturas de esquerda, nem a governador, nem ao senado. Em grande número de
estados a esquerda apoia candidaturas de direita, ou de centro, ou abriu espaço
nas chapas, ou está um pouco atrapalhada devido a tentativa de fazer ou manter
certas alianças
-a esse
respeito, vale atenção especial para a situação da Bahia, Ceará, SP, RJ e MG
-a ver qual
será a decorrência eleitoral deste movimento (inclusive seu efeito nas
campanhas proporcionais) e a ver também qual será a postura dos governadores de
centro e direita que venham a ser eleitos
27/ Outro
ponto a considerar é a ofensiva neoliberal no Congresso nacional. Esta ofensiva
é em parte precaução: a direita busca aproveitar o tempo restante. Mas os efeitos
desta ofensiva sobre a campanha e inclusive sobre nosso futuro governo são ou
podem ser imensos.
28/ Apesar
dos problemas citados e de outros não comentados, continuamos liderando, em
parte por qualidades nossas, em parte em decorrência da situação geral do país,
em parte devido a imensa confusão do lado de lá:
-crise
social
-política econômica
-dificuldades
políticas do governo e seus aliados
-conflitos
dentro do aparato de Estado (vide a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, ou a “novela”
entre FFAA e TSE)
29/ Esses e
outros elementos contribuem para a nossa dianteira. Entretanto, apesar dos
resultados favoráveis das pesquisas, é preciso reafirmar: a vitória na eleição presidencial
não está garantida. Entre outros motivos pelos seguintes: o inimigo não
desistiu, não entregou os pontos, luta pela sua (deles) vida e pela sua (deles) liberdade, está
motivado, tem força e tem muito ódio.
-atenção
para o simbólico Projeto “Desenvolvimento Brasil 2035 – o país que queremos”
30/ O que
pode ser feito pelo lado de lá? Primeiro, política. A ênfase com que falamos de
“golpe” reflete – além das ameaças reais – a crença de grande parte de nós de que
só assim eles poderiam nos derrotar. E essa visão é incorreta. O nosso inimigo
ainda pode vencer as eleições. No momento, o esforço principal do cavernícola é
levar a eleição para o segundo turno. Para isto podem, entre outras coisas,
inflar um pouco (alguns pontos percentuais) a terceira via e a candidatura de Ciro.
Cabe lembrar, ainda, a existência de uma grande reserva de eleitores que votam
em branco, nulo ou se ausentam das eleições; um movimento de parte destes
eleitores pode levar a disputa para o segundo turno. Finalmente, existem os
mecanismos tradicionais da política, acessíveis para quem controla a máquina do
governo.
31/ Evidentemente,
além da política estrito senso, o cavernícola e seus apoiadores vão lançar mão
de operações extraordinárias de variados tipos, desde as organizadas pelo “gabinete
do ódio”, ações de violência sistemática, sabotagem nas urnas, questionamento
do resultado, tumultuar o processo. Sem descartar nunca, pois estamos diante de
gente com mentalidade e prática assassina, a hipótese indizível.
32/O que
devemos fazer?
-o essencial
é massificar a campanha: sobre isto há um acordo muito grande entre todos os
setores da esquerda, diferenças outras a parte
-tomar as
medidas preventivas para neutralizar operações golpistas
-não baixar
a guarda e não acreditar que “já ganhamos”
33/ Além
disso, há ações com foco na campanha mas principalmente no day after.
-debate
programático (é preciso criar uma correlação de forças que nos permita transformar
o país)
-ampliar a organicidade (dos partidos, sindicatos e movimentos) para enfrentar os neoliberais
e os neofascistas, que aconteça o que acontecer, seguirão atuando
-construir um
polo de esquerda (um dos balanços do ocorrido entre 2003-2016 é: se estaremos
diante de um governo em disputa, é preciso travar esta disputa de maneira
explícita e organizada)
34/ Finalmente,
como não podemos deixar de falar das flores, é preciso pelo menos tentar usar o
vice para ganhar votos e apoios do lado de lá. Até agora temos levado o Alckmin
para falar para nosso povo. E, vamos reconhecer, cada vez que ele fala cresce a
impressão de que este Alckmin estava preso num calabouço e que era seu irmão
gêmeo que estava governando São Paulo. Entretanto, cantar a Internacional não
ajuda no diálogo com o eleitorado do lado de lá
35/ Temos
muitos motivos para ter otimismo e podemos ganhar a eleição, mas como já foi dito
não podemos baixar a guarda. E isso inclui lembrar do seguinte: a eleição de
Lula abre a possibilidade de retomarmos o processo de transformação do Brasil,
soberania, bem-estar social, desenvolvimento e socialismo. Mas para transformar
esta possibilidade em realidade, será preciso muito suor e linha justa.
(sem
revisão)
Gostei da análise.
ResponderExcluirDe fato, não temos como "observar" o resultado se outra linha fosse proposta. Mas é certo que os desafios eleitorais e mudança na estrutura (econômica e política) não se resolvem com a mesma tática. E antes de escolher um ou outro (desafio), não seria o caso de pensar em que momento (e como) passar de um desafio a outro!?
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