sexta-feira, 21 de maio de 2021

Lula, FHC e o "cardápio democrático"

Está publicado na conta oficial de Lula no twitter: "A convite do ex-ministro Nelson Jobim, o ex-presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se reuniram para um almoço com muita democracia no cardápio. Os ex-presidentes tiveram uma longa conversa sobre o Brasil, sobre nossa democracia, e o descaso do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia". 

Considerando que Lula é adulto e vacinado, com quem ele almoça e conversa deveria ser um problema (quase só) dele.

E tendo em vista a lista de personagens com que Lula se reuniu nos últimos dias, que diferença faz um a mais, um a menos?

Mas como envolve Nelson Jobim e FHC, espero que tenham posto alguém para provar o tal "cardápio democrático" antes de Lula levar algo à boca.

Lembro uma frase de FHC sobre Lula, dita em abril de 2018: "Lula não é um preso político. É um político preso". E acrescentou: "justiça se cumpriu". 

Quanto a Nelson Jobim, trata-se de um "grande estadista" envolvido em muitas “operações especiais”, como se pode confirmar lendo os textos abaixo:

... sobre uma "arrumada" no texto constitucional de 1988: 

https://www.migalhas.com.br/quentes/288732/especial-30-anos--dois-artigos-da-constituicao-nao-foram-votados-pela-constituinte

... sobre Gilmar Mendes, a Abin e PF:

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/495597/noticia.htm?sequence=1

... sobre os militares chantageando Lula:

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Carta-aberta-de-Alipio-Freire-a-Paulo-Vannuchi/4/15256

Que gente nossa acredite que FHC e Jobim gostam de um "cardápio democrático", só confirma que Bolsonaro cumpre bem o papel de bode na sala.

O que preocupa a classe dominante e a maioria de seus representantes, como FHC e Jobim, não é o sofrimento do povo, nem a soberania nacional, nem as liberdades democráticas.

O que os preocupa é que as pesquisas indicam que - se a eleição presidencial fosse hoje - Lula venceria. 

Claro que as pesquisas também indicam que há uma parcela expressiva da população que gostaria de uma “terceira via”. Mas até agora não apareceu um “ator” capaz de desempenhar tal papel.

O que a classe dominante e seus representantes podem fazer diante deste cenário? Não sei e talvez nem eles saibam ao certo. Mas uma coisa é certa: o ambiente exige que eles façam alguma “operação especial”. 

Motivo a mais para estarmos alertas para todas as possibilidades que vêm sendo consideradas e cozinhadas pelo lado de lá, na cada vez mais alta temperatura proveniente da crise sanitária, social, econômica, política, nacional e internacional.

Uma alternativa para a classe dominante seria apoiar novamente Bolsonaro, que ainda preserva uma importante base eleitoral, base que pode aumentar se a pandemia refluir e se a situação econômica melhorar um pouco. Sendo bom lembrar que importantes setores do grande empresariado estão lucrando como nunca e neste particular não têm do que reclamar do cavernícola. Mas apoiar Bolsonaro significaria mais polarização e, portanto, mais riscos, pois o risco que corre o pau corre o machado.

Neste sentido, “inventar uma terceira via” seria o melhor para “elles”, mas até o momento não conseguiram tirar da cartola um “artista” capaz de desfazer a polarização. 

Entretanto, não vamos nos esquecer que em 2018 Lula também liderava as pesquisas e foi a direita gourmet (e não Bolsonaro) que viabilizou o golpe contra Dilma, assim como a condenação, prisão e interdição eleitoral de Lula. 

Os que em 2018 tiraram Lula, hoje poderiam tentar “tirar Bolsonaro”, já que isso os ajudaria a abrir espaço para uma “terceira via” da direita gourmet. Foi mais ou menos isto que ocorreu quando Collor foi afastado. Mas há muitas diferenças e riscos, a começar pelo vice Mourão, pela tutela militar e pela extrema direita.

Outra alternativa para a classe dominante seria tentar “cooptar a esquerda”. A chamada Carta aos Brasileiros mostrou que este caminho é possível. Mas o mundo e o Brasil mudaram muito. Uma das diferenças é que se hoje nos comprometêssemos a “respeitar os contratos” – ou seja, se a esquerda se comprometesse a preservar as contrarreformas adotadas desde o golpe de 2016 – teríamos imensas dificuldades até mesmo para repetir o que fizemos entre 2003 e 2014.

Este talvez seja o maior dos obstáculos para uma “frente ampla” da esquerda com a direita gourmet (mesmo quando esta direita se apresenta fantasiada de “centro”). Que sentido faria elegermos Lula e mudarmos muito pouco, quase nada?

Vale dizer que a rapidez com que o Congresso e o governo estão realizando mudanças estruturais têm também o propósito de criar fatos consumados. O que cria dificuldades tanto para os que desejam fazer de novo o que já fizemos, quanto para os que pretendem dar um salto de qualidade.

Para derrotar Bolsonaro e eleger Lula, não nos interessa -a preços de hoje - que a “terceira via” (ou seja, a direita gourmet, os neoliberais tradicionais) se viabilize eleitoralmente. Mas tampouco nos interessa passar o pano nesta gente, indigesta demais inclusive do ponto de vista eleitoral.

E já que estamos tratando de neoliberais, vamos lembrar que eles adoram lembrar que não existe almoço grátis. Alguém almoça, alguém é almoçado e alguém paga a conta. Que não sejamos nós.

ps. duas companheiras me enviaram a mensagem abaixo, que fala por si mesma



3 comentários:

  1. Stalin errou ao se aliar a Inglaterra para derrotar o Marxism alemão? Prestes errou ao se aliar ao Ditador Vargas para derrotar o fascismo... na Itália?! Lula erra ao buscar a aliança com os liberais conservadores para derrotar o neofascismo... no Brasil?! (Prestes teria de lembrar a Getúlio que o pôs na prisão e enviou sua companheira aos Nazistas? Lula teria de remoer que FHC lavou as mãos no golpe de 2016?)

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    1. Essa perspectiva política centrada em líderes nos leva necessariamente a enquadramentos equivocados da realidade, inclusive pelo alto grau de mitologia que análises de tipo abstrato e esvaziado nos conduzem. Stalin não derrotou ninguém. Suas políticas em relação à Alemanha nazista foram completamente desastrosas. Quem derrotou o nazismo foi em primeiro luigar uma gigantesca mobilização popular em toda a Europa, com os "partisans" combatendo o fascismo de fuzis nas mãos. Não nos estendamos aqui, mas a verdade concreta do que realmente aconteceu é muito diferente desses lugares-comuns que você lista.

      O centro do seu argumento é que um pacto da esquerda com a direita tradicional seria o caminho para derrotar o fascismo. A história, ao contrário do que você pensa, prova o contrário. A frente popular francesa de 1936 é o melhor exemplo de como essa ideia tem consequências catastróficas. Em todas as formas de fascismo, os direitistas tradicionais foram os padrinhos de honra dos fascistas. Traduzindo para o Brasil: o DEM, o PSDB e o PMDB cumprem papel de padrinhos do fascismo brasileiro.

      A tarefa número 1 da burguesia brasileira é neutralizar Lula, é impedir que Lula utilize sua excepcional liderança para mobilizar a classe trabalhadora contra a direita. Essa é a chave da situação. Assim como o nazismo foi derrotado por uma intensa mobilização popular, assim como a ditadura militar brasileira foi derrotada por uma intensa mobilização popular (a qual gestou Lula), o regime golpista de 2016 e o fascimo brasileiro só podem ser derrotados por obra e graça de uma grande mobilização da classe trabalhadora.

      Vamos ser práticos:
      1) Lula já ganha a eleição no 1º turno, não precisa compor com ninguém eleitoralmente.
      2) A chamada "governabilidade" é uma fantasia, porque o regime político da chamada "Nova República" está caindo de podre. Maior prova disso é o surgimento, crescimento e mobilização da extrema-direita, abertamente pró-ditadura.
      3) Por conta disso, as condições políticas são de intenso enfrentamento, e não de relativa paz social, como no período 2002-2012.
      4) [Muito importante!!!]O que determinará o que um novo governo Lula será capaz de fazer não será um acordo com a direita tradicional, mas sim o nível de mobilização dos trabalhadores que existir.
      5) [Muito importante!!!] A extrema direita ficará mais golpista, raivosa e mobilizada que nunca no caso de uma vitória de Lula. NÃO HAVERÁ PAZ SOCIAL!
      6) Por todo o exposto, podemos chegar à conclusão de que as condições políticas de hoje são radicalmente diferentes das de 2002, e de que, portanto, é necessária OUTRA ESTRATÉGIA!

      A candidatura de Lula deve ter como base, para ser vitoriosa não só eleitoralmente,como também historicamente, uma gigantesca mobilização popular! Caso a estratégia adotada seja igual à de 2002, de simples acordo com a direita, haverá uma grande derrota histórica da classe trabalhadora, uma verdadeira catástrofe no fim do túnel.

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