quarta-feira, 17 de março de 2021

Exposição sobre conjuntura na reunião da Direção Nacional do MST (17/3/2021)

Boa tarde companheiras.

Boa tarde companheiros.

Agradeço o convite para falar nesta reunião da Direção Nacional do MST, compartilhando a tarefa com o Wellington Dias, com Cristiano Zanin e com o João Pedro.

Meu ponto de partida é o seguinte: desde a crise de 2008, o mundo, a América Latina e o Brasil entraram num período de crise profunda.

Não sabemos que desfecho esta crise vai ter. 

O que sabemos é que, neste contexto de crise, a classe dominante brasileira fez uma opção, a de reconverter o Brasil em uma nação primário-exportadora, campeã mundial da exploração da classe trabalhadora, com o mínimo possível de liberdades democráticas e com o máximo possível de submissão aos Estados Unidos.

Esta opção não é do Bolsonaro apenas, não é dos militares apenas, não é da extrema direita apenas. 

É uma opção do conjunto da classe dominante brasileira, embora possa haver e de fato existam entre eles diferenças de grau, de ritmo, de decisão; e embora também, à medida que a crise se aprofunda e as consequências desta opção regressiva vão ficando claras, uma parte da classe dominante queira “parar na metade do caminho”.

Seja como for, é esta opção regressiva -- fazer o Brasil voltar ao que era em 1920 -- é esta opção que está na base de nossa crise social, econômica, política e cultural. 

Afinal, não é fácil fazer o Brasil de 2021 (urbano e com 220 milhões de habitantes) caber no molde estreito do Brasil de 1920 (rural e com 40 milhões de habitantes).

Mas é esta "opção regressiva" que eles trilham faz tempo, especialmente desde a "ponte para o futuro" e do golpe do impeachment, passando pela decisão de condenar-prender-interditar o Lula, pela decisão de votar no cavernícola no segundo turno de 2018, opção que também orientou e segue orientando todas as anti-reformas e privatizações e políticas ultraliberais que adotaram nesse período (EC95, trabalhista, previdência etc.).

Neste caminho regressivo, há dois acontecimentos importantíssimos, com impactos conjunturais, táticos e estratégicos.

O primeiro acontecimento é a pandemia, que agrava todas as tendências a que me referi antes, que aumenta o sofrimento do povo e que, ademais, permite enxergar de maneira didática qual o preço que esta elite de merda está disposta a nos fazer pagar, nessa operação de tentar fazer um país de 220 milhões de pessoas caber no molde de um país de 40 milhões de pessoas.

Em resumo: falar de "genocídio" não é um exagero retórico.

O segundo acontecimento importante foi o que ocorreu no dia 8 de março, quando por uma decisão monocrática do ministro Edson Fachin, Lula recuperou os direitos políticos.

Não tenho tempo aqui para comentar os motivos e as intenções reais do Fachin. Mas quero destacar duas coisas.

Primeiro: a decisão do Fachin deve-se principalmente à disputa feroz que está em curso entre eles.

Segundo: é típico dos momentos de crise este tipo de situação, quando decisões subjetivas, individuais, pessoais, precipitam acontecimentos de dimensão histórica. 

Mas atenção: isto pode valer a nosso favor, mas também pode valer contra nós. Ou seja: outras decisões subjetivas de inimigos podem nos surpreender e causar imenso dano, assim como decisões subjetivas de pessoas do nosso campo podem nos fazer perder oportunidades (e claro, também muito antes pelo contrário, podem nos fazer avançar melhor).

Seja como for, é extremamente positivo que Lula tenha recuperado seus direitos, aliás, NOSSOS direitos, porque o que roubaram foi nosso direito de ter votado nele em 2018 e com isso ter voltado a governar o país, fazendo no Brasil o que ocorreu na Argentina, na Bolívia e que espero que venha a ocorrer também no Equador.

Qual a consequência política da recuperação dos direitos políticos de Lula?

Antes a luta política no Brasil estava sendo polarizada pela direita gourmet versus a direita bolsonarista.

Foi assim na eleição de 2020 e foi assim na eleição do Senado e da Câmara. E até mesmo no debate da pandemia, parecia as vezes que a disputa se restringia a Dória versus Bozo.

Pois bem: com Lula em cena, a luta política no Brasil volta a ser polarizada pela esquerda versus a direita. Como foi por exemplo em 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018.

Mas tem algumas novidades importantes: a direita com que polarizamos agora não é liderada por Collor, nem por FHC, mas por Bolsonaro.

E, portanto, ilude-se quem achar que esta disputa vai ser resolvida de acordo com as regras do jogo antigo.

O jogo é novo e as regras são novas.

Neste sentido:

1/não podemos achar que a situação jurídica está resolvida. Eles podem reverter no plenário do STF a decisão de Fachin. Aliás, há quem ache que Fachi decidiu o que decidiu exatamente para empurrar uma decisão para um ambiente onde os defensores da Lava Jato podem ter maioria, diferente da chamada segunda turna, onde existe maioria para derrotar Moro;

2/não podemos achar que a disputa se trava em 2022, a disputa se trava aqui e agora, se não formos capazes de impor derrotas aqui e agora ao Bolsonaro, 2022 pode não ocorrer, assim como podemos não chegar como gostaríamos em 2022;

3/não podemos achar que 2022 está garantido, primeiro porque não se pode subestimar a força do Bolsonaro (o que ele mantém de apoio ainda é suficiente para ele ir ao segundo turno e a situação pode mudar nos próximos meses); e também porque a classe dominante (diferente de nós) dispõe de várias alternativas, sobre as quais eu quero falar um pouco.

3.1.eles podem dar um "golpe dentro do golpe", seja voltando a interditar juridicamente o Lula, seja atacando fisicamente o Lula, seja fazendo um movimento do tipo "tirar o bode da sala", ou seja, os militares afastarem o Bolsonaro e por exemplo colocando Mourão no comando;

3.1.1.sobre isso vale apontar um efeito paradoxal da devolução dos direitos de Lula: ficou muito evidente o papel desta personalidade na história e se voltarem a interditar, resta saber qual será a reação: o povo vai reagir ou virá um profundo desânimo?

3.2.eles podem construir uma candidatura alternativa da direita gourmet; tem o Ciro desejando este lugar (mas o comportamento dele não ajuda), mas há outros nomes possíveis e além disso há disposição, vontade e necessidade deles de buscar uma alternativa e não podemos subestimar a direita gourmet, nem nos encantar bestamente com declarações recentes como as de Delfim Netto e de FHC;

3.3.eles podem terminar apoiando Bozo mais uma vez, até porque para um pedaço da classe dominante o cavernícola está entregando o que prometeu e no curto prazo eles estão lucrando como nunca (e para eles o lucro de curto prazo é o que interessa);

3.4.eles podem oferecer um abraço de afogado, apresentando Lula como uma espécie de "candidatura de União Nacional", desde que por exemplo Lula se comprometa a não desfazer o que eles fizeram desde 2016. Cabe lembrar, neste sentido, que se voltarmos à presidência da República, as condições de fazer políticas de transformação social serão menores do que eram em 2003. Sem rupturas, não vai...

3.4.1.vale dizer que contribui para esta pressão em favor de uma suposta unidade nacional a “dinâmica dos palanques estaduais”, ou seja, a busca por amplas alianças em alguns estados, com a conta sendo paga pela nacional (o oposto do que ocorria entre 2002 e 2014, quando em nome da vitória da candidatura nacional da esquerda, se empurrava governadores a fazer políticas de aliança com a direita nos estados).

Por conta do que expus antes, é essencial:

1/achar maneiras de retomar a mobilização ANTES da vacinação ser completada, pois se deixarmos para fazer depois pode ser tarde demais (sem o "vidas negras importam" talvez Trump não tivesse sido derrotado);

2/ampliar a pressão sobre Bolsonaro, pelo Fora Bolsonaro, pelo impeachment, pela interdição imediata do cavernícola. Não faz sentido (nem político, nem moral) dizer que temos um genocida, um miliciano, um beneficiário de golpes e fraudes na presidência... e se comportar como se fosse aceitavel ele ficar até 2022 lá;

3/debater e tomar medidas práticas para lidar com a força da direita pentecostal e com a força da direita armada (FFAA, polícias, mílicias e armamento na mão de ricos);

4/tirar consequências práticas da análise segundo a qual vivemos num ambiente de tensão crescente, crise crescente, instabilidade crescente... e uma das consequências práticas é a de que precisamos de estratégia adequada, tática adequada e comando unificado.

Encerro lembrando que comecei falando que os acontecimentos aqui no Brasil foram e seguem sendo muito influenciados pela situação mundial.

E esta situação mundial continua muito, mas muito tensa. A chegada do Biden não significou mais paz mundial, como alguns imaginavam.

E o imenso pacote de investimento que os EUA estão colocando não significa que não possamos ter um novo e brutal ciclo de crise, muito antes pelo contrário. 

Enfim, tudo exige mais capacidade política e mais capacidade de comando. 

E aconteça o que acontecer no curto prazo, segue sendo fundamental recuperar maioria política, ideológica e organizativa na classe trabalhadora brasileira; e construir uma nova estratégia de luta pelo poder, que vá muito além das disputas institucionais e eleitorais, da presença em mandatos e governos.

SEM REVISÃO

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