sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Leonardo Boff, o "TODO" e o Tatto

O conhecido teólogo Leonardo Boff disparou dois tweets neste dia 23 de outubro de 2020.

Num deles, diz o seguinte: “Me desculpe o amigo Lula. Penso que em SP, segundo as pesquisas, o PT tem pouca chance. Seria um gesto político generoso e amigo dos pobres e sem-teto apoiar a chapa BOULOS/ERUNDINA. Trata-se de vencer o bolsonarismo e salvar a dignidade política do Brasil. Faça-o e milhões o apoiarão”.

No segundo deles, diz o seguinte: “Estimo que se o PT e Lula em SP apoiarem BOULOS/ERUNDINA ganharão em respectabilidade. Mostrariam de fato que amam mais as causas do povo que o próprio partido. O partido é parte, o povo é o TODO. Deve-se buscar sempre o que é melhor para o Todo. Boulos/Erundina representam o melhor”.

Como dizem nos filmes, vivemos numa democracia. Assim, as pessoas são livres para escolher em quem votar, assim como são livres para escolher em que partido militar. Portanto, como não é filiado ao PT, se Boff tivesse se limitado a dizer que vota em Boulos/Erundina, eu ficaria na minha.

Mas ele deu um passo além: pediu que o PT abra mão de sua candidatura. Portanto, todos os petistas têm o direito de responder, publicamente, a um pedido também público.

Começo pelo começo: não entendi porque Boff inicia sua mensagem pedindo desculpas ao Lula. O candidato é Tatto, não é Lula. A decisão de que Tatto seria candidato foi adotada por uma maioria (escassa) de votos, no PT de São Paulo, e confirmada por uma maioria (expressiva) de votos, no Diretório Nacional do PT. Portanto, é a estas pessoas e instâncias que se deveria pedir algo, mesmo que desculpas fosse. Mas, enfim, cada um com seu jeito de expressar-se, cada qual com sua maneira de entender como deve ser a política.

Depois, Boff diz que “em SP, segundo as pesquisas, o PT tem pouca chance”. Se dependesse de pesquisas, se dependesse de ter pouca chance, talvez o PT não tivesse nem sido criado. Ademais, se acreditarmos nas pesquisas, no dia de hoje o PT tem pouca chance no Brasil inteiro. Devemos por acaso retirar nossas candidaturas no país inteiro? Ou o gesto só vale em São Paulo capital?? E no caso das candidaturas dos demais partidos de esquerda, que também têm pouca chance em todo o Brasil, elas também devem retirar? 

Boff agrega que seria “um gesto político generoso e amigo dos pobres e sem-teto apoiar a chapa BOULOS/ERUNDINA”. Pois é: de boas intenções, o inferno está cheio. Se eu fosse apoiador de Boulos, eu pediria exatamente o oposto: que a candidatura Tatto continuasse na disputa, tirando votos principalmente de Russomano. Claro, isto se o objetivo real fosse ir ao segundo turno. Mas se o objetivo fosse derrotar o PT, aí claro, desencadearia uma campanha de pressões, mesmo que o efeito prático fosse não levar ninguém da esquerda ao segundo turno.

Boff afirma, ainda, que “trata-se de vencer o bolsonarismo e salvar a dignidade política do Brasil. Faça-o e milhões o apoiarão”. Se for mesmo verdade o que diz Boff, ou seja, que Lula tem este imenso poder de convocatória em São Paulo capital, a conclusão é que Tatto vai ao segundo turno. Da minha parte, acho que este tipo de premissa pode terminar desastrosamente, levando parte da esquerda a votar em Covas-Dória no segundo turno, em nome de derrotar o bolsonarimso e "salvar a dignidade política".

No segundo tweet, Boff diz que “se o PT e Lula em SP apoiarem BOULOS/ERUNDINA ganharão em respectabilidade”. Ou seja, a respeitabilidade do PT estaria em abrir mão de sua candidatura, porque, agindo assim, mostraríamos “de fato que amam mais as causas do povo que o próprio partido”. Não é tocante? A gente passa uns quarenta anos lutando, mas para mostrar DE FATO algo, a gente precisaria... abrir mão de ter candidatura numa eleição específica. Definitivamente, o excesso de velas põe fogo na igreja: sou paulista e paulistano, mas a última vez que vi uma argumentação tão exagerada foi quando um intelectual argentino disse que eleger Lenin Moreno presidente do Equador seria equivalente a triunfar na batalha de Stalingrado. Sabemos o que ocorreu depois.

A eleição de São Paulo capital é importante, derrotar Russomano (e também derrotar Covas) é importante, mas as coisas devem ser colocadas no grau. Se o objetivo é derrotar o PT, ok, sigamos na pressão. Mas se o objetivo for realmente ir ao segundo turno e derrotar a direita, então o melhor que se pode fazer é Tatto seguir disputando e tirando votos de Russomano. Claro, exceto para quem professa a crença de que tirando Tatto, seus votos atuais e principalmente os ex-futuros iriam para Boulos. Ou seja, segundo quem pensa assim, Tatto não seria capaz de crescer para si, mas seria capaz de alimentar a cesta de terceiros.

Boff acrescenta, ao final, que “o partido é parte, o povo é o TODO. Deve-se buscar sempre o que é melhor para o Todo. Boulos/Erundina representam o melhor”.

Notem que o argumento inteiro perde sentido e força, se por acaso Boulos e Erundina não representarem “o melhor”. E, no caso em tela, eles representariam “o melhor” porque, segundo as pesquisas, eles teriam melhores chances de ir ao segundo turno. Onde poderiam, sempre segundo Boff, derrotar o bolsonarismo. Não falarei nada contra Boulos e Erundina, mas acho que esta linha de argumento baseado no “voto útil” é sempre desastrosa para quem se considera de esquerda. Aliás, não vejo movimento nenhum, por parte de outros setores da esquerda, em outras cidades do país, de apoiar candidaturas do PT melhor posicionadas. O que supostamente valeria pedir para o PT, não valeria pedir para os demais?

Mas o que mais me assusta no texto de Boff não é apelo pelo voto útil, nem o erro de análise do que significaria – do ponto de vista eleitoral – uma eventual retirada de Tatto. Afinal, vai que estou errado e ele certo. O que me assusta mesmo é a afirmação de que “o partido é parte, o povo é o TODO. Deve-se buscar sempre o que é melhor para o Todo”. 

Tremo dos pés à cabeça quando vejo argumentos em nome do “TODO”, assim, com maiúsculas. O povo brasileiro são muitos, não é algo homogêneo. Há classes sociais diferentes, há gêneros, há etnias, há gerações, há interesses regionais etc. Esta ideia de que existe um “todo” superior, ao qual a “parte” deve se subordinar, serviu de argumento – na esquerda e na direita – para posições absolutamente inaceitáveis e que tiveram desfechos desastrosos.

Por fim: eu não apoiei Tatto na disputa interna. Como é público, minha posição sempre foi outra e a defendi em vários espaços, inclusive no Diretório Nacional do PT. Isto posto, hoje o defendo não apenas por obrigação, não apenas por centralismo, não apenas por respeito às instâncias. É tudo isto também, mas eu defendo Tatto principalmente por três outros motivos: primeiro, por que acredito que ele, com uma linha política correta e com engajamento efetivo das lideranças (a começar por Lula e Haddad), ele pode crescer e muito; segundo porque é o crescimento de Tatto, e não sua retirada, que podem levar a esquerda ao segundo turno da capital; terceiro, porque não acredito que seja possível derrotar o bolsonarismo e as outras expressões da classe dominante, enfraquecendo o Partido dos Trabalhadores.


 

 

 

27 comentários:

  1. Todo problema é que o Jilmar Tatto é muito fraco no discurso, na retórica. Os votos que serão dados ao Tatto é por fidelidade partidária. É uma lição a ser aprendida nas próximas escolhas. É essencial a esquerda no 2o. turno. O diretorio do PT precisa avaliar com urgência a questão de SP.

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  2. Certíssima, sua análise. O PT incomoda tanto é coloca tanto pavor no alto comando que até homens sensatos como Boff, se perdem!!! Viva o PT!! Vou de Jilmar Tatto!!!!

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  3. Eleição depois de golpe de estado só serve para legitimar mais e dar normalidade à situação.

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  4. Excelente texto Valter.
    Argumentos muito bem fundamentados, bem diferente do Leonardo Boff.
    Aliás, eu fiquei me perguntando: o que é esse melhor que ele tanto enfatiza?

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  5. Sou petista e faço campanha o tempo todo e não só nos tempos de eleição. Precisamos vencer o bolsonarismo com alguém de esquerda e Boulos está inserido na periferia. Estou com Boff, aliás sempre é muito lúcido em suas colocações. O perigo maior é sempre a divisão da esquerda. Aí não chegamos no segundo turno.

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    1. Ok, que tal no Rio de Janeiro convencer o PSOL que o perigo maior é sempre a divisão da esquerda.

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    2. Se as pesquisas estiverem certas, a maioria dos eleitores que dizem que vão votar em Boulos não são periféricos. Se não estiverem certas, aí melhor deixar esta discussão para depois das eleições.

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  6. Desculpe caríssimo, mas Leonardo Boff acerta mais uma vez. É direito, talvez mesmo dever do PT apresentar suas candidaturas. Mas a chapa do PSOL vai muito bem em São Paulo e representa um grande projeto. O PT não vai bem e provávelmente não irá ascender nessa ocasião especificamente. Pensemos no país e não no partido nesse momento. A composição Psol/PT poderia garantir definitivamente uma chapa de esquerda no segundo turno. Quem sabe mais que isso. Seria muito significativo para o pais. Vivemos um momento que urgente pensar no pais e a retomada do democracia e do progressivismo. Sectarismos agora nao contribuem em absolutamente nada. Só atrapalham. As circunstâncias em que o PT lança sua candidatura em São Paulo o torna um fator de desagregação é enfraquecimento da luta.

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    1. Oi Paulo, pois então: pensemos nacionalmente. Na maioria das cidades do país, as candidaturas de esquerda (não só do PT) vão mal nas pesquisas. Qual é a orientação? Ou a orientação só vale para um determinado partido, em um determinado momento? Por outro lado, repito, se eu fosse apoiador do Boulos, não defenderia a tolice de retirar Tatto. As mesmas pesquisas em que se baseiam os que pressionam o PT, indicam que retirar o Tatto ajuda Russomano. Por fim: acusar o PT de "fator de desagregação e enfraquecimento da luta" é versão 2020 do argumento cirista. Menas, menas.

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    2. Paulo e porque no Rio o PSOL não aceitou ser cabeça de chapa? Tendo o PT na vice?

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Desculpe caríssimo, mas Leonardo Boff acerta mais uma vez. É direito, talvez mesmo dever do PT apresentar suas candidaturas. Mas a chapa do PSOL vai muito bem em São Paulo e representa um grande projeto. O PT não vai bem e provávelmente não irá ascender nessa ocasião especificamente. Pensemos no país e não no partido nesse momento. A composição Psol/PT poderia garantir definitivamente uma chapa de esquerda no segundo turno. Quem sabe mais que isso. Seria muito significativo para o pais. Vivemos um momento que urge pensar no pais e a retomada do democracia e do progressivismo. Sectarismos agora nao contribuem em absolutamente nada. Só atrapalham. As circunstâncias em que o PT lança sua candidatura em São Paulo o torna um fator de desagregação é enfraquecimento da luta. Achincalhar um companheiro como o Frei Leonardo Boff é sintomático como setores do PT encaram toda a crise nacional.

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  9. É surpreendente e preocupante o argumento de que a candidatura Tatto tira votos de Russomano! Perdemos anos e mais anos de partido se isso for verdade cristalina porque significaria aceitar que os eleitores do PT são equivalentes aos eleitores do bolsonarista Russomano.

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    1. Pode ser preocupante, mas surpreendente não é. Pois foi exatamente isto que ocorreu em 2018, nas eleições presidenciais. O voto de um setor do povão oscilou entre Lula e Bolsonaro. Portanto, surpresa não há. E querer resolver isto, tirando da disputa a candidatura do PT, é um erro monstruoso.

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  10. É surpreendente e preocupante o argumento de que a candidatura Tatto tira votos de Russomano! Perdemos anos e mais anos de partido se isso for verdade cristalina porque significaria aceitar que os eleitores do PT são equivalentes aos eleitores do bolsonarista Russomano.

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  11. Ficou gagá... argumento ridículo, sou petista e jamais votaria em Boulos sob hipótese alguma!!! Rejeito totalmente!

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  12. Eleição sem Lula foi fraude e as próximas eleições tentam perenizar o golpe. Uma frente de esquerda seria muito importante prá derrotar tudo isso que aí está. Que consigamos passar pro segundo turno.

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  13. Valter Pomar, você tem todo o meu respeito por sua vida e por sua luta. No entanto,penso diferentemente de você.Falar do PT e não falar de povo, não é falar do PT.A palavra povo não ocorre nenhuma vez em seu texto.Arrepia-se quando falo do TODO. O todo deve ser pensado em contraposição da PARTE donde vem partido. Quando irá tirar o passaporte não dirá: sou da classe média ou da classe operária etc... Dirá sou do Brasil, dessa totalidade que transcende as classes.Não precisa se arrepiar,basta entender o sentido de Parte e do Todo. A questão toda para mim é que se as coisas correram como estão correndo,ninguém das esquerdas vai para o segundo turno. Imperará a direita (Russomano) o centro-direita(Covas). E assim Bolsonaro não se sente ameaçado pela cidade maior de nosso país. Como fazer frente à pós-democracia e ao Estado sem lei(RR Casara) de Bolsonaro se ninguém das esquerdas vai ao segundo turno?Vejo que Boulos e Erundina (dizem que foi a melhor prefeita da capital, SP)podem, com o apoio do PT ir para o segundo turno.Em POA o PT apoiou a Manuela do PC do B (certo:)entrando com o vice, o Rossi.Tal apoio seguramente vai dar a vitória à Manuela, o que beneficia em muito o PT. Não pedi licença ao Lula,mas uma justificativa a um amigo de 40 anos que tem o direito de saber da minha posição.Ele mesmo disse várias vezes, até na live que fizemos somente ele e eu, que fui um dos poucos intelectuais que nunca o abandonaram, mesmo na pior das crises.
    A minha questão não é Lula. Nem sou filiado ao PT, mas a causa que Lula e o PT representam, a causa dos humilhados e ofendidos. Essa é a causa da Teologia da Libertação e certamente também a sua. E mais não digo. Um abraço, Leonardo Boff

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    1. Meu camarada Walter, parabéns pela reflexão.Vamos que vamos. As ruas nos fortalece..

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    2. Olá, segue aqui minha resposta: http://valterpomar.blogspot.com/2020/10/prezado-leonardo-boff.html

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  14. Bom, depois de tantos muitos argumentos cheguei numa conclusão: A vida do indivíduo já não pertence mais a ele,será a ideologia que está fora do eixo,ou será que é a vontade de cada um de nós... Querer vencer individualmente com os seus quereres e desejo sem ollhar para o seu companheiro que se esforça a empreitada que li foi posta ao aceitar!!! Eu vus faço a pergunta:Será justa ou injusto tirar o amigo Tato do pleito agora só porque não tá bem nas pesquisas? e se fosse um de nós que,querem tirar o companheiro da disputa ao pleito? Seria honroso? Oque a os outros vai pensar e dizeres...Eu pessoalmente não concordo com essa maluquice de pensamento e do sr.Boff! Quem mija pra traz é cachorro viralata. E eu não acredito que também o Boulos vem a ganhar essa parada!a qual acho que se todos nós pensarmos com ideias e trabalhar para o jogo vira podes crêr que vira a favor de nosso candidato e todos nós sairamos vencedores no final a luta de todos. Juntos samos mais fortesevencedores!

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  15. Bom, depois de tantos muitos argumentos cheguei numa conclusão: A vida do indivíduo já não pertence mais a ele,será a ideologia que está fora do eixo,ou será que é a vontade de cada um de nós... Querer vencer individualmente com os seus quereres e desejo sem ollhar para o seu companheiro que se esforça a empreitada que li foi posta ao aceitar!!! Eu vus faço a pergunta:Será justa ou injusto tirar o amigo Tato do pleito agora só porque não tá bem nas pesquisas? e se fosse um de nós que,querem tirar o companheiro da disputa ao pleito? Seria honroso? Oque a os outros vai pensar e dizeres...Eu pessoalmente não concordo com essa maluquice de pensamento e do sr.Boff! Quem mija pra traz é cachorro viralata. E eu não acredito que também o Boulos vem a ganhar essa parada!a qual acho que se todos nós pensarmos com ideias e trabalhar para o jogo vira podes crêr que vira a favor de nosso candidato e todos nós sairamos vencedores no final a luta de todos. Juntos samos mais fortesevencedores!

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  16. Este texto só mostra a falta de capacidade de análise dos dirigente - e da militância - do PT. Colocar todos que estão querendo uma alternativa de esquerda viável no segundo turno no campo do inimigo, apequena do PT. Sejamos inteligentes, não se trata de achar se o projeto do Tatto é bom ou não, ou se ele será um bom prefeito. A discussão não é esta. O ponto é tirar a extrama-direira do executivo paulistano. Ser grande é reconhecer que, nem sempre, a vitória de todos virá por suas mãos, mas que mesmo assim vc colaborou para ela.

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