sábado, 14 de setembro de 2019

Roteiro para balanço do PED 2019


O texto abaixo é a primeira parte de um roteiro para o debate que será feito na reunião da direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, no domingo 15 de setembro de 2019. A segunda parte do roteiro (que não segue abaixo) trata do desempenho da chapa Em tempos de guerra, a esperança é vermelha, dos congressos estaduais e nacional do PT, da análise da conjuntura e de resoluções organizativas e políticas decorrentes do PED 2019. Algumas das conclusões apresentadas na primeira parte do roteiro são provisórias e baseadas em informações também provisórias. E todas as opiniões ainda são de responsabilidade pessoal dos redatores do roteiro. Portanto, pede-se leitura e crítica, mas com a devida piedade. 

No dia 8 de setembro de 2019, centenas de milhares de pessoas filiadas ao Partido dos Trabalhadores votaram em direções zonais e/ou municipais e respectivas presidências, bem como votaram nas delegações aos respectivos congressos estaduais e ao congresso nacional do PT.

A secretaria nacional de organização do PT divulgou, na tarde do dia 11 de setembro de 2019, um boletim intitulado “Eleições Internas 2019/Totalização de Votos das Chapas de Delegados Nacionais/Resultado Parcial”.

Este boletim é “parcial”, por dois motivos: contém números cuja exclusão é solicitada por diversos recursos; e não contém números cuja inclusão é solicitada por outros recursos. Estima-se que tanto num, quanto noutro caso, estamos falando de cerca de 30 mil votos.

O prazo para recursos encerrou no dia 13 de setembro; ainda não foi divulgado um balanço do número total de votos afetados. O prazo limite para votação dos recursos é o dia 5 de outubro. Portanto, até este dia 5/10/2019, qualquer análise deve ser feita com os dados fornecidos pelo boletim divulgado na tarde de 11 de setembro.

O referido boletim (que está disponível para acesso na página www.pagina13.org.br) informa o total de votos e o número obtido por cada uma das nove chapas nacionais que disputaram o PED, distribuídos por estados. A análise a seguir baseia-se, exceto quando expressamente indicado, nos números deste boletim.

Comparecimento

A primeira análise que deve ser feita diz respeito ao número de petistas que compareceram às urnas. O boletim informa que foram 310.909 (incluindo votos válidos, brancos e nulos).

Este número pode ser comparado com dois outros: com o número total de filiados aptos a votar e com a série histórica de comparecimento, nas eleições (PED) anteriores.

O boletim informa que o número de filiados aptos a votar era de 2.040.882. Portanto, teriam comparecido 15,2%.

O boletim informa, também, o número de filiados aptos a votar nos municípios onde a votação efetivamente ocorreu. Neste caso, o número de aptos cai para 1.786.900. E, também neste caso, o comparecimento teria sido de 17,3%.

Agora vejamos a série histórica. Infelizmente, a secretaria nacional de organização do PT não disponibiliza uma tabela oficial, consolidando os dados de todos os PED realizados pelo PT, nos anos de 2001, 2005, 2007, 2009, 2013, 2017 e 2019. Na falta de uma consolidação oficial, compilamos os dados e chegamos ao seguinte:

2001, 867 mil filiados, compareceram 221.516, 26%.
2005, 825 mil filiados, compareceram 315 mil, 38%
2007, 849 mil filiados, compareceram 330 mil, 38%
2009, 1.322 mil filiados, compareceram 516.093, 39%
2013, 1.619 mil filiados, compareceram 421.507, 26%
2017, 1.691 mil filiados, compareceram 308.687, 18%

Os dados acima foram obtidos em tabelas fornecidas pela própria Secretaria nacional de organização. Suspeito que há incongruências, mas só a Sorg dispõe dos dados que permitiriam tirar a dúvida. Assim, trabalharemos com o que temos.

Se exatos os dados, o comparecimento de 2019 foi o menor da série histórica: algo entre 15,2% (considerando o total de filiados) e 17,3% (considerando o total de filiados aptos nos municípios que realizaram o PED). Claro que, a depender dos recursos, pode haver uma oscilação para baixo ou para cima.

Entretanto, em números absolutos e relativos, há uma semelhança entre os números nacionais do PED de 2019 e o PED de 2017: 308 mil e 310 mil votantes, 17,2% e 18%.

Mas quando olhamos a participação dos estados, verificamos que em alguns houve uma oscilação expressiva na votação de 2019 em relação a 2017, Vejamos abaixo, por enquanto sem citar os números, o comportamento da votação em cada estado, em 2019 comparando com 2017:

Acre caiu
Alagoas subiu
Amapá caiu
Amazonas subiu
Bahia é um mistério, por razões que explicaremos adiante
Ceará subiu
Distrito Federal subiu
Espírito Santo caiu
Goiás caiu
Maranhão subiu
Minas Gerais caiu
Mato Grosso do Sul caiu
Mato Grosso subiu
Pará subiu
Paraíba caiu
Pernambuco subiu
Piauí subiu
Paraná caiu
Rio de Janeiro caiu
Rio Grande do Norte subiu
Rondônia caiu
Roraima caiu
Rio Grande do Sul subiu
Santa Catarina subiu
Sergipe subiu
São Paulo caiu
Tocantins subiu

Em doze estados a votação caiu. Em catorze a votação cresceu. São do nordeste 7 dos 14 estados em que a votação subiu. A exceção é a Paraíba, onde por acaso havia chapa única na disputa da direção estadual do Partido. No caso da Bahia, não há como fazer a comparação, pois devido às fraudes cometidas no PED de 2017, foi feito um acordo para compor direção e delegações, mas não existe um número oficial de comparecimento com o qual se possa fazer a comparação.

Mas atenção: os números nacionais de 2017 e 2019 são similares. Assim, poder-se-ia imaginar que a oscilação para cima ou para baixo foi pequena. Mas isto não é verdade. Há alguns estados onde o crescimento no número de votantes foi imenso. Vejamos os números absolutos:

Alagoas subiu de 2.039 para 4.095 (+100%)
Amazonas subiu de 8.070 para 9.767 (+21%)
Ceará subiu de 22.780 para 33.949 (+49%)
Distrito Federal subiu 4.603 para 5.651 (+22%)
Maranhão subiu de 9.254 para 14.236 (+53%)
Mato Grosso subiu de 3.608 para 4.428 (+22%)
Pará subiu de 10.255 para 18.527 (+80%)
Pernambuco subiu de 9.981 para 19.493 (+95%)
Piauí subiu de 10.543 para 16.143 (+53%)
Rio Grande do Norte subiu de 2.774 para 3.148 (+13%)
Rio Grande do Sul subiu de 18.859 para 22.102 (+17%)
Santa Catarina subiu de 8.316 para 8.591(+3%)
Sergipe subiu de 4.740 para 6.359 (+34%)
Tocantins subiu de 3.137 para 3.934 (+25%)

Os dados são claros: o PED de 2019 manteve um número absoluto de votantes parecido com o de 2017, apesar da queda expressiva do comparecimento em alguns estados, porque em 14 estados cresceu expressivamente o comparecimento. Metade dos estados em que houve crescimento está no nordeste e, nestes estados, o crescimento oscilou entre 35% e 100%! O Pará também exibiu um imenso crescimento: 80%!

Detalhe importante: exatamente nos oito estados onde o crescimento da participação foi mais expressivo, o PT participa dos governos estaduais, seja como partido do governador, seja como aliado.

Para alguns isto é boa notícia: onde somos mais fortes eleitoralmente, o PT é mais forte. Para outros, a “boa nova” vem acompanhada de um preocupante senão: a influência (não apenas política) destes governos nos respectivos processos eleitorais do Partido, revelando uma crescente “estatização” e “estadualização” do Partido. O que, na ausência de um “projeto nacional” claro e forte, pode levar a uma crescente influência dos interesses de governantes estaduais na definição da nossa política nacional.

Isso nos remete para uma discussão complexa, mas necessária: a qualidade da participação.

Para um partido como o PT, ter 2 milhões de filiados é ótimo. Mas temos um problema se destes 2 milhões de filiados, apenas 300 mil estão dispostos a participar, mesmo que minimamente, da vida partidária.

E temos outro grave problema, se uma parte destes 300 mil votou sem compreender o que estava fazendo, sem ter conhecimento das diferentes alternativas; ou, em alguns casos, “votou” sem existir, como é o caso dos eleitores criados por fábricas de atas e por apurações fraudulentas.

Não temos como estimar quantos votantes estavam minimamente informados acerca das alternativas. O que sabemos é que o número de pessoas que participou dos debates presenciais (nos três níveis) foi bem menor do que o número de eleitores. E que o número de pessoas que acessou os debates entre as chapas nacionais também foi menor do que o número de votantes. Além disso, ao menos nacionalmente o Partido não fez chegar, a todos os filiados e filiadas, nenhum material informando quais eram as chapas que estavam disputando as eleições.

A verdade é que o Partido organiza uma eleição de grande porte, porém com métodos e com meios extremamente precários. Basta dizer que já registramos vários casos de erros materiais na transcrição dos votos para as planilhas e boletins oficiais.

Mas, para piorar, alguns setores do Partido adotam meios que corrompem a qualidade do processo: abuso de poder econômico, interferência de outros partidos, transporte de filiados, fabricação de atas, ingerências ilegais, alteração das regras no meio do processo, monopolização dos dados oficiais do processo por parte de uma única tendência etc.

Infelizmente, a reiteração dos problemas acima citados revela que eles já se tornaram parte integrante do modus operandi de um setor do Partido. Portanto, se faz necessário denunciar e combater publicamente estas práticas.

Quando escrevemos este texto, ainda não foram consolidados todos os recursos sobre o processo. Mas os dados preliminares reafirmam a tese que temos defendido, desde 2001: o PED não é um bom método para eleger direções e definir política. Ele não é a causa da degeneração de alguns setores do Partido, mas o PED facilita e estimula a degeneração, à medida que impõe uma dinâmica que traz junto todos os problemas dos processos eleitorais tradicionais, agravados por práticas que mesmo no terreno eleitoral conseguimos coibir e evitar com certo êxito.

Chapas nacionais: a CNB

O boletim divulgado pela Sorg no dia 11 de setembro informa que a chapa Lula Livre para Mudar o Brasil obteve 154.263 votos ou 52,9%. Esta chapa foi apresentada pela tendência petista Construindo um Novo Brasil (CNB).

Esta maioria absoluta foi possível graças ao resultado obtido em alguns estados. Vejamos aqui o número total de votos de cada estado e o respectivo número de votos obtido pela chapa Lula Livre para Mudar o Brasil. Indicamos aqueles casos em que o número de votos foi maior que 50% do total de votos válidos no respectivo estado.

Acre 1.613, 1.428 88%
Alagoas 4.095, 2.975 72%
Amapá 3.237, 907
Amazonas 9.767, 2.137
Bahia 8.062, 1.438
Ceará 33.949, 22.682 66,8%
Distrito Federal 5.651, 1.260
Espírito Santo 5.104, 2.480
Goiás 7.042, 4.186 59,4%
Maranhão 14.236, 5.086
Minas Gerais 34.961, 20.313 58%
Mato Grosso do Sul 5.466, 2.905 53%
Mato Grosso 4.428, 2.957 66,7%
Pará 18.527, 13.957 75,3%
Paraíba 4.224, 1.722
Pernambuco 19.493, 10.466 53,6%
Piauí 16.143, 7.936
Paraná 7.626,5.304 69,5%
Rio de Janeiro 17.115, 9.113 53,2%
Rio Grande do Norte 3.148, 1.024
Rondônia 1.693,751
Roraima 233, 209 89,6%
Rio Grande do Sul 22.101, 1.652
Santa Catarina 8.591, 3.956
Sergipe 6.359, 1.988
São Paulo 44.098, 24.380 55%
Tocantins 3.934, 1.048

Portanto, em 13 estados a chapa da CNB obteve mais do que 50% dos votos. Em alguns destes estados, o número absoluto de votantes é muito baixo (Roraima, Acre). Em outros estados, o percentual obtido pela CNB é próximo ao percentual nacional.

Mas há alguns pontos fora da curva, ou seja, estados que contribuem com parcela expressiva da votação nacional e onde a CNB obteve uma vantagem expressiva: Ceará (11,6% do total de votos válidos nacionais e 66% dos votos da CNB), Minas Gerais (12% dos votos válidos nacionais e 58% dos votos da CNB), Pará (6% dos votos válidos nacionais e 75% dos votos na CNB), São Paulo (15% dos votos válidos nacionais e 55% dos votos na CNB).

Sem o desempenho obtido nestes quatro estados, é possível que a CNB não alcançasse maioria absoluta. Também por este motivo, vale analisar como foi o desempenho estadual da CNB em eleições passadas, especialmente nestes estados. Por enquanto, entretanto, queremos destacar a série histórica.

Novamente vamos nos basear em dados compilados a partir de informações não consolidadas pela Sorg, portanto dados que apresentam incongruências (incluindo aí o fato de que em 2017 não se votou diretamente nas chapas nacionais). Lembramos, ademais, que a atual configuração da CNB não é a mesma da Articulação Unidade na Luta ou do Campo Majoritário. Lembramos, finalmente, que em alguns PED a CNB apresentou chapas nacionais em aliança com outros setores. Com as ressalvas indicadas, vejamos o desempenho “da” CNB em cada PED:

2001: 105 mil votos, 51,7%
2005: 116 mil votos, 41,9%
2007: 126 mil votos, 42,6%
2009: 252 mil votos, 55,1%
2013: 200 mil votos, 53,6%
2017: 141 mil votos, 46%
2019: 154 mil votos, 52,9%

A partir destes números, podemos desenhar duas curvas.

A curva de números absolutos cresce suavemente entre 2001 e 2007 (ganho de 20 mil eleitores), depois cresce muito entre 2007 e 2009 (ganho de 125 mil eleitores), depois decresce entre 2009 e 2017 (perde 110 mil eleitores), depois cresce modestamente entre 2017 e 2019 (ganha 13 mil eleitores).

Ao que tudo indica, esta curva de números absolutos acompanha, com algumas discrepâncias, o comparecimento geral dos petistas.

Já a curva de números relativos é diferente: cai muito entre 2001 e 2005, se mantém estável entre 2005 e 2007, cresce muito entre 2007 e 2009, se mantém estável entre 2009 e 2013, cai bastante entre 2013 e 2017, cresce entre 2017 e 2019.

Esta curva de números relativos, ao que tudo indica, é no essencial comandada pela política. A CNB é sempre maioria, mas esta maioria é absoluta ou relativa a depender de razões políticas.

Foi por razões essencialmente políticas que a CNB obteve a maioria absoluta em 2001: marchávamos para conquistar a presidência da República, orientados por uma linha política respaldada pela maioria do Partido.

Foi por razões essencialmente políticas que a CNB perdeu a maioria absoluta em 2005 e não a reconquistou em 2007: a chamada “crise do mensalão” desorganizou o grupo dirigente e, ao mesmo tempo, provocou uma reação muito crítica na base partidária.

Foi por razões essencialmente políticas que a CNB recuperou a maioria absoluta em 2009: a mudança na política do governo, os impactos positivos sobre o país, a atitude frente a crise de 2008 e, inclusive, a ilusão de que os desgastes causados pelo chamado “mensalão” haviam sido superados.

Foi por razões essencialmente políticas que a CNB perdeu a maioria absoluta em 2017: o impeachment, a radicalização da base partidária e o repúdio aos que queriam “virar a página do golpe”.

Se isto é verdade, se é verdade que a curva de votos relativos da CNB é comandada pela política, como explicar a maioria absoluta conquistada (ao menos segundo a “última parcial”) em 2019???

A questão é: em 2019, a maioria absoluta do eleitorado petista votou na chapa apresentada pela CNB porque considerou que ali está uma política adequada (como aconteceu em 2001 e em 2013)? Ou será que em 2019 a maioria absoluta foi obtida graças a outros fatores? Ou estamos diante de uma combinação de variáveis?

Pensamos que podemos nos aproximar da resposta para esta questão, fazendo uma análise do desempenho obtido pela CNB nos estados. Como demonstramos, a maioria absoluta não foi obtida em todo o país, mas em 13 estados. A saber:

Acre 1.613, 1.428 88%
Alagoas 4.095, 2.975 72%
Ceará 33.949, 22.682 66,8%
Goiás 7.042, 4.186 59,4%
Minas Gerais 34.961, 20.313 58%
Mato Grosso do Sul 5.466, 2.905 53%
Mato Grosso 4.428, 2.957 66,7%
Pará 18.527, 13.957 75,3%
Pernambuco 19.493, 10.466 53,6%
Paraná 7.626,5.304 69,5%
Rio de Janeiro 17.115, 9.113 53,2%
Roraima 233, 209 89,6%
São Paulo 44.098, 24.380 55%

Em todos eles, a CNB é maioria nas respectivas direções estaduais. Em quatro deles (Alagoas, Ceará, Pernambuco, Pará) pode-se argumentar que o PT foi “vitorioso” nas eleições de 2018, mesmo que esta “vitória” tenha sido apoiar no primeiro ou no segundo turno candidaturas de outros partidos. Nos demais casos, fomos derrotados, as vezes de maneira aplastradora.

E aí vale perguntar: em estados como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Acre, Paraná, quais seriam os motivos essencialmente políticos capazes de explicar que a CNB tenha conseguido maioria absoluta dos votos?

Dizendo de outra forma: caso a CNB tivesse obtido maioria relativa, a explicação poderia ser apenas política. Mas uma maioria absoluta, garantida pelo desempenho da chapa nacional da CNB nesses estados, não pode ser explicada apenas ou essencialmente pela política.  

E quando se olha o cenário nacional, parece óbvio que o cenário de 2019 não pode ser comparado a 2001, 2009 e 2013. Diferente desses três anos, em 2019 a política nacional da CNB está muito longe de ser clara e atrativa.

Entretanto, pode-se argumentar que: a) a prisão de Lula e a vitória de Bolsonaro empurraram o Partido para uma posição mais cautelosa; b) que a postura da atual presidenta do PT, pelo menos a postura que adotava antes de virar candidata oficial da CNB, parecia o máximo do radicalismo possível e garantiu muitos votos para a CNB, embora a cúpula desta tendência e a presidenta se choquem com frequência; c) que o apoio de Lula conta muito; d) que os setores da CNB defensores de “virar a página do golpe” foram muito cautelosos, até terminar a eleição (logo depois veio a entrevista de Rui Costa nas páginas da revista Veja).

Mas algumas destas razões também estavam presentes em 2005, em 2007 e em 2017, anos em que a CNB obteve maioria relativa. Portanto, para explicar a maioria absoluta obtida em 2019, consideramos necessário levar em conta outros fatores: a incapacidade de forjar uma alternativa política e eleitoral, o peso da inércia no “eleitorado” petista, a influência das máquinas parlamentares e governamentais, além das fraudes.

Destes outros fatores, nos parecem essenciais a influência das máquinas (que jogaram um papel decisivo exatamente nos estados onde a CNB obteve um resultado fora da curva) e das fraudes (que incluem desde transporte ilegal, intimidação a fiscais, engravidamento de urnas, falsificação de atas, alteração das regras no meio do processo etc.).

Quais serão os efeitos da maioria absoluta obtida pela CNB? Em nossa opinião, serão desastrosos.

Na prática, a CNB poderá decidir sozinha quais serão os rumos do Partido. E como a CNB está dividida, mas aderiu a uma versão franciscana do centralismo democrático, isto quer dizer que quem for maioria na CNB poderá decidir os rumos do Partido. Ou seja: em tese, 26,5% do PT poderão impor sua vontade sobre 100% do PT.

Isto já seria ruim em qualquer situação. Mas na situação atual pode ser desastroso. Pois hoje estamos enfrentando uma “operação em pinça” contra o PT: de um lado a extrema-direita, que nos quer aniquilar; de outro lado, a centro-direita-com-aliados-na-esquerda, que nos quer anular. Frente a esta operação em pinça, qual será a política da maioria? Melhor dizendo, qual será a política da “maioria da maioria”?

Tudo indica que será uma repetição canhestra da política de alianças adotada entre 1995 e 2016. Acontece que, naquele momento, o PT liderava aquela política de alianças. Querer que o mesmo ocorra agora, é querer o impossível. Construir uma política alternativa, nesta situação, será difícil em quaisquer condições. Construir uma política alternativa, com o Partido dirigido por uma maioria absoluta conquistada nas bases que foram conquistadas, é praticamente impossível. Especialmente levando em consideração o peso assumido pelos governadores, que possuem agenda própria, como se vê na reforma da previdência e, também, nas recentes declarações do governador da Bahia.

Noutras palavras, a maioria absoluta da CNB não garante que o Partido tenha “estabilidade” para enfrentar o que já está acontecendo, muito menos o que virá. Esta maioria absoluta indica que novas crises e novas derrotas virão. Haverá uma alternativa?

O desempenho nacional das chapas minoritárias

Além da chapa Lula Livre para mudar o Brasil, da CNB, havia outras 8 chapas. Somadas, elas obtêm 47% dos votos. Mas estas chapas minoritárias não se coligaram, nem se coligarão. Duas fazem parte do campo ampliado da CNB. Outras duas fazem parte do campo de alianças construído pela CNB na gestão 2017-2019. E cada uma das 8 chapas obteve, isoladamente, votações muito inferiores a obtida pela CNB.

Aliás, uma das constantes em todos os PED realizados desde 2001 até 2019 é que a segunda chapa (seja qual for) nunca chegou perto de ter a metade dos votos da chapa da CNB.

Mesmo quando a CNB teve seu pior desempenho, em 2005 (42% dos votos), a segunda chapa obteve 12,2%. Ou seja, nenhuma das chapas minoritárias nunca recebeu, isoladamente, uma votação que fosse eleitoralmente competitiva. Quem se jacta de estar em “segundo lugar” deveria refletir a esse respeito.

Como, por variados motivos, as chapas minoritárias nunca se uniram, nunca a CNB enfrentou uma disputa contra uma oposição que fosse eleitoralmente competitiva. Outra questão, tão importante quanto, é verificar se o “discurso” apresentado pelas chapas minoritárias foi efetivamente uma alternativa global ao “discurso” da maioria, ou se em alguns casos tratava-se de uma variante frente a qual o original podia ser até mais convincente e atrativo.

Outros elementos a considerar, ao analisar o desempenho das chapas minoritárias, é sua composição e seu histórico. No caso do PED 2019, temos duas chapas novatas em termos de PED (Repensar o PT e Nas lutas, ruas e redes) e 6 chapas veteranas (ou seja, que já disputaram outros PED, com esta ou com conformações parecidas).

Das chapas veteranas, duas se organizam em torno de uma única tendência (Articulação de Esquerda, no caso da chapa Em tempos de guerra, a esperança é vermelha; O Trabalho, no caso da chapa Diálogo e Ação Petista). Outras 4 chapas foram organizadas a partir de coalizões de tendências (Movimento PT e Tribo; DS, Avante e MS; Novo Rumo e EPS) ou de parlamentares (Resistência).

A maioria destas chapas e de seus integrantes fez alianças cruzadas nos estados e municípios, inclusive com a CNB. Em alguns casos, há sinais de que estas alianças locais incluíram a transferência de votos para chapas nacionais. Isto torna ainda mais difícil saber, com certeza, qual a força isolada de cada uma das chapas e de cada um de seus componentes. Um número aproximado poderá ser deduzido das indicações que serão feitas ao DN, em novembro de 2019.

De toda forma, o ranking no PED 2019, conforme o boletim da Sorg de 11 de setembro, é o seguinte:

290 13,3%
200 10,7%
250 9,1%
220 5,2%
270 3,7%
210 2,1%
260 1,7%
230 1,3%

Quanto a análise da série histórica: como já dissemos, o PED de 2017 foi feito com base em regras diferentes do PED 2019. Em 2017 os filiados não votaram em chapas nacionais. Este fato altera pouco a análise do desempenho da chapa da CNB, devido ao seu volume; mas pode afetar muito o desempenho relativo de cada uma das chapas minoritárias. Assim, para uma análise da evolução histórica, o ideal seria comparar os resultados do PED de 2013, de 2017 e de 2019. Um problema é que em 2013 e 2017, a composição de algumas chapas minoritárias era muito distinta da atual.

Independente da análise do desempenho eleitoral de cada uma e do conjunto das chapas minoritárias, é óbvio que não foi atingido, no dia 8 de setembro, o objetivo de eleger uma maioria comprometida com uma “nova maioria”, uma “nova estratégia” e um “novo padrão de funcionamento”.



Um comentário:

  1. Esses números são horríveis, a participação é baixíssima, principalmente se levarmos em consideração que o crescimento de militantes é muito menor do que de simpatizantes/eleitores do Partido. Parece que as lideranças — todas, de todas as tendências — ainda não se deram conta que o partido como instituição, instrumento de luta política e transformação social é muito maior e mais importante historicamente que suas dispustas paroquiais. É preciso utilizar métodos mais abertos e mais modernos de participação se não queremos passar o que vem passando com os partidos de esquerda nas democracias avançadas.

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