segunda-feira, 24 de junho de 2019

Pepe Escobar e o Morogate

Acompanho com muito interesse tudo que Pepe Escobar escreve sobre os conflitos EUA/China/Rússia, sobre o Irã e a Eurásia. E achei ótimo que ele tenha aberto uma janela para tratar do Morogate.

Concordo com parte do que Pepe Escobar escreveu a respeito, no artigo intitulado “Brazilgate está se transformando no Russiagate 2.0”, divulgado originalmente em inglês. 

Aqui vou falar basicamente daquilo de que divirjo, baseando-me na tradução divulgada por 247.

Começo pelo menos importante: tomar como fonte confiável um mitômano e adepto de teorias conspiratórias, cujo comportamento de agente provocateur já foi denunciado inúmeras vezes, alguém que é apresentado na tradução como “advogado internacional suíço e conselheiro da ONU”.

Passo ao mais importante: o que Pepe Escobar fala acerca do Morogate.

Ele destaca que o vazamento divulgado por Intercept confirma “que a máquina judicial / de lei da investigação unilateral da lava jato era de fato uma farsa maciça e um negócio criminoso”.

Pepe Escobar lembra que “a gênese do lava jato envolve (...) o governo dos Estados Unidos. E não apenas o Departamento de Justiça (DoJ) (...) A operação foi Deep State”.

Depois de elencar os efeitos da Lava Jato, Pepe Escobar vai ao que considera o “cerne da questão do Brazilgate: (...) o confronto sem barreiras entre os EUA e a Rússia-China”. 

Pepe Escobar acrescenta: “Para o Deep State, o controle do fluxo de petróleo do Brasil para o agronegócio é igual a contenção / alavancagem contra a China”.

Em seguida ele diz que “os militares brasileiros sabem que as relações próximas com a China - seu principal parceiro comercial, à frente dos EUA - são essenciais, o que quer que Steve Bannon possa reclamar. Mas a Rússia é uma história completamente diferente.”

Tenho muitas dúvidas a respeito desta afirmação peremptória acerca da percepção dos “militares brasileiros” acerca da China. Acho que nesta percepção há excesso de “empatia antropológica”. Mas concordo com o que é dito acerca da visão deles sobre a Rússia.
É nessa dupla percepção acerca dos militares  (supostamente positiva sobre China, negativa sobre Rússia) que Pepe Escobar se baseia para afirmar que “assim, o Estado dos EUA pode estar cumprindo pelo menos parte do objetivo final: usar o Brasil em sua estratégia Divide et Impera  de dividir a parceria estratégica Rússia-China”.

Nesta chave de interpretação, o Morogate serviria para acentuar a oposição dos militares brasileiros contra a Rússia.

A maneira como Pepe Escobar argumenta sugere, segundo eu entendi, que a fonte do vazamento foi o Deep State. 

Esta é uma hipótese, claro. Conspirações existem. Mas o volume e a natureza das informações divulgadas indicam que, das duas, uma:

-ou alguém ligado a OLJ passou os últimos anos colecionando todas as mensagens trocadas pela quadrilha; 

-ou a OLJ foi alvo de espionagem sistemática, de alguém que dispõe de tecnologia e estrutura para isso. 

Neste segundo caso, as hipóteses são:  

-empresários atingidos pela operação;

-inteligência do Estado brasileiro; 

-inteligência de algum Estado que disputa com os gringos;

-inteligência gringa. 

E neste último caso, nada comprova que estejamos diante de uma operação planejada por algum setor do Deep State. Afinal, onde há um Snowden, podem existir outros.

Pepe Escobar, segundo interpreto, se concentra apenas numa destas hipóteses. 

Diz ele: “Moro era um ativo certificado pelo FBI, CIA, DoJ e Deep State. Seu uber-chefe seria, em última análise, Robert Mueller (assim, Russiagate). No entanto, para Team Trump, ele seria facilmente dispensável - mesmo que ele seja o Capitão Justice trabalhando sob o ativo real, o menino Bannon Bolsonaro. Se ele cair, Moro terá a garantia do indispensável paraquedas dourado - completo com residência nos EUA e palestras em universidades americanas.” 

Que há uma guerra na elite dos EUA, todos sabemos. Mas por qual motivo um dos setores envolvido nesta guerra lançaria uma “bomba” do tamanho do Morogate sobre o atual governo brasileiro? 

Isto não está explicado no texto de Pepe Escobar.

A relação entre o Intercept e Pierre Omidyar também é conhecida. Mas, novamente, é preciso demonstrar o que esta relação tem que ver com a tal “bomba” do Morogate.

Isto também não é explicado no texto citado de Pepe Escobar.

Pepe diz que a “questão crucial a frente é o que as forças armadas brasileiras estão realmente fazendo neste pântano épico - e quão profundamente elas estão subordinadas ao Divide et Impera de Washington”.

De fato, as forças armadas (sobre quem, reitero, é recomendável fazer uma análise mais política e menos antropólogica) voltaram a ser peça  chave na dinâmica brasileira. E, também de fato, aos militares é conveniente culpar “os russos” pelo Vaza Jato. E é igualmente correto dizer que para um setor dos EUA interessa concentrar fogo nos russos (dai a provocar o Morogate, vai uma enorme distância).

Mas nada disso que foi dito antes indica qual a fonte.

Vale dizer que Pepe Escobar, embora fale de Garganta Profunda, é cauteloso a respeito da fonte. 

Mas ele faz gozação com o “principal site militar” e sua “crença fervorosa em uma Guerra Híbrida Rússia-China contra o Brasil”; com os ataques ao Telegram; e com as teorias conspiratórias acerca da visita de Dilma à Rússia. 

E, por outro lado, diz que “o cenário de Vaza Jato como parte de uma psyops ( operação psicológica ) extremamente sofisticada, de domínio de espectro completo, um estágio avançado da Hybrid War ( guerra híbrida), deve ser seriamente considerado”.

“Seriamente considerado”, seguramente que sim! Mas é preciso considerar, também “seriamente”, as outras possibilidades citadas anteriormente, a saber:

-alguém ligado a OLJ; 

-empresários atingidos pela operação;

-inteligência do Estado brasileiro; 

-inteligência de algum Estado que disputa com os gringos;

-alguém “do bem” com acesso à inteligência gringa.

E aqui entro na minha principal divergência com o texto de Pepe Escobar: a hipótese segundo a qual “as forças armadas brasileiras - com o total apoio do Deep State dos EUA - poderiam estar instrumentalizando uma mistura de Vaza Jato e Guerra Híbrida "Russos" para criminalizar a esquerda para sempre e orquestrar um golpe silencioso para se livrar do clã Bolsonaro e seu QI coletivo de sub-zoologia”.

Esta hipótese — que Pepe Escobar toma o cuidado de tratar no condicional: “poderiam” — mistura alhos com bugalhos. E na prática pode conduzir (como fica claro na ação do agente provocador) a alimentar desconfianças no conteúdo do Morogate, em nome de um debate sobre quem seria a fonte e sobre quais seriam seus interesses mais ou menos ocultos.

O que é fato?

Fato: as forças armadas estão numa operação de criminalização da esquerda. E todo “argumento” lhes é útil.

Fato: o clã é cavernícola. E há sim diferenças entre alguns setores da cúpula militar e Bolsonaro.

Mas não é fato que esteja em curso, neste momento, um “golpe silencioso” contra Bolsonaro. O que “poderia” estar em curso é um golpe “nada silencioso” de Bolsonaro em aliança com os militares. Em sendo assim, é fundamental desmoralizar, desgastar e enfraquecer o governo. 

Objetivamente, seja qual for a fonte, e sem ingenuidade nem terceirizar tarefas para o Intercept (e seus novos e velhos parceiros), o Morogate contribui, ao menos para quem defende a palavra-de-ordem “nem Bolsonaro, nem Mourão, nem centrão, nem conciliação: Lula livre e eleições livres”.

De resto, as análises de Pepe Escobar são sempre ótimas de ler!









4 comentários:

  1. O trágico nesta história toda é que a grande vítima de toda essa história é o Lula. Lembrando que toda essa turma do PT jurídico não seria nem síndico de prédio se não fosse o Lula. Me decepciona muito como filiado ao PT ver que suas lideranças nada fazem em favor do Lula. Acho que se capitularam com o golpe. É esquerdinha de merda que está entregando tudo para salvar seus pescoços.

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  2. Valter Pomar,
    Ontem no blog Duplo Expresso foi mencionado este post seu. Eu já havia visto outros textos seu e de modo geral concordo com a maioria dos seus argumentos. A sua crítica ao artigo de Pepe Escobar, que é um jornalista que eu admiro, é semelhante ao que eu provavelmente já dissera.
    Considero que ficar na possibilidade de o vazamento ter originado no Deep State é apenas uma aposta segura à medida que o NSA desde a década de 70 grava todos os telefonemas no mundo. Li isso naquela época. E recentemente alguém falou que, com o desenvolvimento dos mecanismos de buscas, esse amontoado de informações pode ser armazenado de forma mais consistente. E agora eles estão usando para fazer a investigações que precisam. E contam com mais equipamento de escuta, como os drones.
    O que não considerei correto, ou talvez devesse dizer, o que divirjo é a fórmula depreciativa que você trata o Romulus Maya do Duplo Expresso. Desde a desavença com Luis Nassif eu tenho criticado o Romulus pelos exageros da reação dele, mas vale acompanhar o que tem sido discutido lá no blog que era dele e do jornalista Wellington Calazans e hoje é só dele, mas com bons comentaristas o acompanhando.
    Há demérito também no trabalho lá do Duplo Expresso. Um é que quase todos os comentaristas que eles agregam, salvo o Samuel Pinheiro Guimarães, infelizmente, são contra o PT e discutem a realidade brasileira como se para a esquerda houvesse alternativa eleitoral ao PT.
    E ontem eu fui à cata do que seria uma réplica sua a um de dois posts mencionados no post de ontem do Duplo Expresso: O post "O estupro do Brasil e a (ultra!) camuflagem: onde se esconde o último militar nacionalista?" de terça-feira, 22/05/2018, e de autoria de Piero Leirner e o post "Como a pequeno-burguesia petista jogou os militares – e o Brasil – no colo dos EUA" de quinta-feira, 08/11/2018 e fora apresentado com transcrição de matéria de autoria de O.G.M.
    Disse que estava à cata da sua réplica porque segundo Romulus você respondeu a acusação de que sua família era lobista de empresas chinesas. Fiz um comentário ontem no blog dele junto ao post "Duplo Expresso 25/jun/2019" de terça-feira, 25/06/2019, censurando ele exatamente pelo termo lobista para aquilo que alguém da família, diante de reportagem da Folha de S. Paulo considerou como atividade de consultoria de empresas. Ele mesmo usa o termo consultor para ele.
    Assim, em busca de sua réplica ao que teria sido dito como acusação à família Pomar nos posts lá do Duplo Expresso eu acabei lendo bons posts seus replicando textos de autores (Gilberto Maringoni, Eliane Brum e Aldo Fornazieri) com os quais eu tenho discordância semelhante à sua, nos assuntos que você abordou.
    Enfim, não considerei adequado tratar o Romulus como o mitômano, mas concordo com a sua crítica ao texto de Pepe Escobar e concordo também com os elogios.
    Abraços
    Clever Mendes de Oliveira
    BH, 26/06/2019

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  3. Valter Pomar
    Então, como eu disse considero um exagero seu qualificar o Romulus de mitômano. Utilizei o termo exagero porque é assim que eu me refiro a algumas colocações de Romulus.
    Já quanto a dizer que ele é adepto de teorias conspiratórias, eu não o crítico, mas não faço questão de o acompanhar, uma vez que eu também tenho as minhas teorias conspiratórias. E as cultivo há muito tempo.
    Uma das minhas teorias conspiratórias mais recente, mas nem tanto pois é da época do vazamento de Snowden, diz respeito a certa cumplicidade entre a Rússia e os Estados Unidos. Em avaliação ainda mais antiga, eu considerava que a Rússia e os Estados Unidos não seriam tão inimigos como parecem se se observa que os dois têm como inimigo os muçulmanos radicais. Os dois países se apresentam como inimigos apenas para justificar junto a população os gastos com armamentos que é o que sustenta a economia principalmente dos Estados Unidos com gastos conhecidos de mais de 700 bilhões de dólares anualmente, como gabou Trump recentemente de que os Estados Unidos gastaram mais de 1 trilhão e meio de dólares com o orçamento para as forças armadas, nos dois primeiros anos do governo dele.
    Se Estados Unidos e Rússia são mais amigos do que parecem e o grande inimigo dos dois são os muçulmanos radicais, eu passei a considerar que teria sido o vazamento de Snowden um vazamento feito pelo próprio Estados Unidos.
    E qual seria o interesse de os Estados Unidos permitir um vazamento que prejudicaria o si próprio? Bem, o vazamento serviu para encobrir o relatório da ONU sobre o uso dos Drones que iria sair na época.
    Sobre isso deixo o link para a matéria do G1, intitulada “ONU lança investigação sobre ataques de drones, publicado sexta-feira, 25/01/2013 às 07h26, e que pode ser visto no seguinte endereço:
    http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/01/onu-lanca-investigacao-sobre-ataques-de-drones-.html
    E a intenção não era só encobrir o relatório. De um lado tinha-se a Rússia interessada que os Estados Unidos continuassem usando os drones para matar líderes muçulmanos radicais em festas de casamento, de aniversário ou em qualquer ocasião, pois aquele país cristão sofre mais do que os Estados Unidos com a presença dos muçulmanos nas suas fronteiras.
    E para quem foi atrás dos relatórios, observando que eles não tiveram as consequências punitivas que deveriam ter que seria acusar o pais que usasse drone de crime de guerra, ia já sabendo pelo vazamento do Snowden que os Estados Unidos acompanhava tudo que acontecia no mundo e só usava o drone pela real necessidade do seu uso.
    Assim, para mim o Greenwald estava em papel de mensageiro do Deep State americano. Eu digo isso desde quando o evento ocorreu. É certo que eu não sabia da ligação do The Intercept com o Pierre Omidyar. E nesse caso há que considerar que o Pierre Omidyar, como os irmãos Koch, seja apenas alguém contrário ao Estado e não aos Estados Unidos e, portanto, os vazamentos que ele tenha favorecido sejam com o viés contra o Estado e aí sim poderia ser contra o próprio Deep State americano.
    Assim, não vejo muita importância em acusar Romulus de adepto de teorias conspiratórias nem em criticar o Pepe Escobar de o ter como fonte.
    Abraços,
    Clever Mendes de Oliveira
    BH, 26/06/2019

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  4. Valter Pomar,
    Por último faço restrição também a você dizer que Romulus teria um "comportamento de agente provocateur" e que este comportamento já teria sido "denunciado inúmeras vezes".
    Sempre critiquei o Romulus pelo exagero das críticas dele. E há também esse caso de referir a sua família como lobistas de empresas chinesas, que também não considerei uma forma adequada de referir à atividade que saiu publicada na Folha de S. Paulo, qual seja, consultoria de empresas.
    Agora, parece que você apresenta o comportamento provocador dele como sendo uma prática rotineira. Você tem outros exemplos? E, embora ele não seja jornalista, não lhe parece que se trata apenas de uma forma de ganhar audiência mediante a assunção de posições polêmicas. Também não sou jornalista, mas pelo que acompanho a mídia há bem mais de 40 anos, vejo jornalistas ganharem destaque mais por trazer posições polêmicas do que por trazer a informação correta. Até porque a informação correta não tem muito atração na população, a menos que ela gere polêmica.
    E por último, pelo que eu já disse antes da exposição de Romulus sobre o problema causado pelo artigo sobre a sua família, eu gostaria de conhecer a sua réplica ao artigo se é que ela houve e se é que ela foi redigida por você.
    Não é mera curiosidade ou interesse em fofoca, ou menos ainda ver alguma importância ou mesmo verdade na afirmação de Romulus sobre a atividade de lobista.
    Muitas vezes uma explicação simples torna a acusação completamente desqualificada. É o que ocorreu por exemplo no post lá no Duplo Expresso de terça-feira, 25/06/2019 intitulado "Duplo Expresso 25/jun/2019". Eles fizeram um cavalo de batalha sobre o Decreto 8.515 de 03/09/2015, mas passando em brancas nuvens sobre a "Nota Esclarecimento Decreto 8515" do Ministério da Defesa e que foi publicado pelo Defesanet na terça-feira, 08/09/2015 às 20:30. É claro que o Decreto 8.515/2015 criou no seu momento inicial problemas na relação do governo com as Forças Armadas. E embora o Decreto tenha sido revogado logo no início do governo de Michel Temer, a revogação foi mais para satisfazer os grupos de pessoas foram da realidade dentro das Forças Armadas seja na ativa ou na aposentadoria.
    Abraços,
    Clever Mendes de Oliveira
    BH, 27/06/2019

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