quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Uma nova estratégia, para um novo período histórico


Jandyra Uehara e Valter Pomar

O golpe de 2016 confirmou duas hipóteses. Primeiro, que o fato de um partido de esquerda ter conseguido conquistar o governo federal, mesmo que por quatro vezes seguidas, não é igual ou equivalente a este mesmo partido (e muito menos a classe trabalhadora) conquistar o poder.
Segundo, confirmou que para defender ou para derrubar um governo eleito, é essencial combinar luta institucional com mobilização social, uma vez que parcelas fundamentais do aparato de Estado obedecem aos interesses da classe dominante. As duas ideias são quase obvias e é provável que grande parte da esquerda brasileira concorde com ambas. Entretanto, quando se trata de tirar consequências práticas destas ideias, a esquerda brasileira se divide em diferentes posições.
Alguns setores argumentam, por exemplo, que entre 2003 e 2014 a esquerda brasileira não tinha correlação de forças para fazer muito além do que priorizou fazer: disputar eleições, governar, implementar políticas públicas. Argumentam que se a esquerda tivesse tentado fazer mudanças que ultrapassassem estes limites, teria sido derrubada do governo!
Acontece que a esquerda brasileira disputou eleições presidenciais em 1989, 1994 e 1998; ganhou as eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014; sempre respeitou as leis e as instituições, não fez nada além do permitido pela Constituição e, em muitos casos, ficou aquém do que a Constituição previa. Entretanto, apesar deste comportamento ordeiro, a esquerda foi derrubada assim mesmo.
Portanto, ou bem a esquerda brasileira escolher mudar de lado e passar a defender o programa da centro-direita, na esperança de agindo assim poder governar em paz com as classes dominantes. Ou bem a esquerda brasileira discute qual a estratégia adequada para acumular forças, conquistar governos, usar estes governos como instrumentos de transformações mais profundas, e também como impedir que ocorram futuros golpes vitoriosos.
Discutir a estratégia significa, no fundamental, definir como articular a luta cultural, a luta social, a luta eleitoral-institucional, a auto-organização da classe, as relações internacionais, a política de alianças, o programa e a questão do poder. Como é óbvio, há sobre cada um destes pontos uma enorme polêmica na esquerda brasileira. Nossa posição é de que a esquerda deve:
1) estabelecer como objetivo a conquista do poder, isto é, converter as classes trabalhadoras em classes dominantes, não se contentando em ser governo e sem ter ilusões no caráter supostamente neutro do aparato estatal;
2) construir um programa de transformações para o Brasil que combine medidas democrático-populares com medidas socialistas, isto é, que combine medidas em favor das classes trabalhadoras com medidas que restrinjam severamente a propriedade dos capitalistas;
3) abandonar a ilusão em que a classe capitalista, ou qualquer uma de suas frações, é ou pode vir a ser aliada estratégica das classes trabalhadoras. Ou, em outras palavras, a esquerda deveria abandonar a ideia de que seria correto ter como objetivo estratégico a construção, no Brasil, de um "capitalismo democrático e popular". A aliança capaz de transformar o Brasil seria entre a classe dos trabalhadores assalariados e a classe dos pequenos trabalhadores proprietários;
4) perceber que a política de alianças inclui, também, governos, partidos e movimentos de outros países, especialmente da América Latina;
5) colocar no mais alto nível de importância a) a auto-organização da classe, através de seus diferentes instrumentos, com ênfase nos sindicatos e no partido político e b) a luta cultural, necessária para construir uma consciência de classe socialista-revolucionário, democrático-radical e nacional-popular;
6) entender que a luta social (a mobilização independente das classes trabalhadoras em torno de seus objetivos imediatos), a luta eleitoral (a disputa por espaços no aparato estatal, pelos partidos ligados às classes trabalhadoras) e a ação institucional (dos mandatos, governos e de outras instituições do Estado conquistadas através da luta eleitoral) são diferentes formas que a luta de classes assume, sendo necessário analisar concretamente a centralidade de cada uma e a relação entre elas, a cada momento dado.
Nossa opinião sobre a estratégia decorre de duas hipóteses, a nosso ver confirmadas pela crise de 2008 e pelo que ocorreu depois. Primeiro, que o capitalismo em sua forma atual é extremamente instável, propenso a crises brutais, que se desdobram em guerras comerciais, políticas, culturais e militares. Segundo, que o capitalismo em sua forma atual tem baixa capacidade de reformar a si mesmo. Dito de outra forma: é cada vez menor a chance de convivência pacífica entre o capitalismo, as políticas de bem estar social e as liberdades democráticas. Assim como é cada vez menor a chance de convivência pacífica das grandes potências entre si e destas frente aos países periféricos. Logo, a luta entre as classes e a luta entre os Estados tendem ao acirramento.
Parte da esquerda já sabia disto, antes de 2008. Mas parte da esquerda não acreditava nisto, antes de 2008. E segue sem querer acreditar, mesmo depois de 2018. Por isso mesmo, esta parte da esquerda continua deixando o socialismo na “fila de espera”. Antes, fazia isso porque considerava que o socialismo não seria necessário ou pelo menos não seria urgente. Afinal, do ponto de vista deste setor da esquerda brasileira, o país estaria supostamente conseguindo avançar, melhorar a vida do povo, ampliar as liberdades, afirmar a soberania, construir a integração regional, mudar pouco a pouco o mundo, mesmo que sem tocar nas bases estruturais do capitalismo existente no Brasil. E agora, depois do golpe de 2016 e da eleição de Bolsonaro, aquele setor da esquerda defende continuar mantendo o socialismo na “fila de espera”, porque pensa que a luta pelo socialismo não seria realista, factível na conjuntura atual. Afinal, dizem, a classe trabalhadora estaria perdendo tudo o que conquistou antes, logo a tarefa seria resistir, impedir o desmonte, recuperar o terreno perdido. E depois, quem sabe, quando tudo voltar ao normal, recolocar na ordem do dia bandeiras de mais longo prazo, tais como o socialismo.
O jeito de pensar resumido nas linhas anteriores converte o socialismo em absolutamente nada. Pois ele não seria necessário quanto a classe trabalhadora está forte e não seria possível quanto a classe trabalhadora está fraca.
Evidente que é possível conquistar muitos avanços, muitas reformas sociais e políticas, sem colocar em questão a propriedade privada sobre os meios de produção e sobre os instrumentos de poder. Mas a experiência latino-americana (1998-2018) e, antes disso, a experiência da social-democracia europeia (1945-1991), demonstram que a sobrevivência das reformas e dos avanços depende não do capitalismo, mas sim da correlação de forças entre a classe capitalista e as classes trabalhadoras. E por mais que as classes trabalhadoras melhorem suas posições, se elas não avançarem sobre a propriedade dos meios de produção e dos instrumentos de poder, os capitalistas sempre terão os meios para colocar as coisas no seu devido lugar. Por isso é que consideramos imprescindível adotar uma estratégia socialista, ou seja, uma estratégia que visa fazer a classe trabalhadora construir e conquistar os meios de produção e os instrumentos de poder.


3 comentários:

  1. A questão é sempre a mesma, ou seja, como conquistar os meios e os instrumentos de produção e poder, e não se trata agora de se fazer essa pergunta como se pudéssemos retroceder ao século XIX e propor o socialismo ou a revolução como se o XX não tivesse existido. A luta política passa sempre pelo controle do Estado que é o único poder capaz de fazer frente ao poder econômico, ao capitalismo e suas forças destruidoras, disruptivas. E o controle do Estado passa necessariamente pelo domínio do poder político democrático. É nessa esfera que a luta dos trabalhadores e dos cidadãos pode ter alguma possibilidade de vencer os poderes e as forças assimétricos do capital. Os partidos políticos continuam sendo a principal arma e o principal instrumento de luta. O esforço de nossos adversários em minar e destruir essa ferramenta deveria ser a principal lição que deveríamos tirar das contra-revoluções do capital. E o Partido político deve ser sempre preservado e preparado como qualquer tipo de arma ou instrumento. A força do Partido deve vir das lutas que trava e dos apoios que recebe a medida que representa os interesses e os anseios da maioria social cidadã e das classes trabalhadoras. Sua luta deve ser ampla mas ao mesmo tempo eficaz, isto é, que a população tenha motivos para defender o Partido como instituição e como arma de representação. O Partido deve ter uma prática de formação de novas lideranças e disputa democrática entre as diversas correntes de opinião. Portanto, o PT é o próprio modelo político a ser seguido. As corporações privadas e algumas corporações públicas são controladas pelo capital, somente o poder político do Estado controlado pela cidadania e pelos trabalhadores pode desafiar esses verdadeiro Leviatã descontrolado do capitalismo. Precisamos conquistar uma vez mais como já fizemos no passado corações e mentes e reintegra--los em um projeto solidário e planetário capaz de recuperar a natureza humana e a própria natureza. Ass. Policarpo

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  2. A questão é sempre a mesma, ou seja, como conquistar os meios e os instrumentos de produção e poder, e não se trata agora de se fazer essa pergunta como se pudéssemos retroceder ao século XIX e propor o socialismo ou a revolução como se o XX não tivesse existido. A luta política passa sempre pelo controle do Estado que é o único poder capaz de fazer frente ao poder econômico, ao capitalismo e suas forças destruidoras, disruptivas. E o controle do Estado passa necessariamente pelo domínio do poder político democrático. É nessa esfera que a luta dos trabalhadores e dos cidadãos pode ter alguma possibilidade de vencer os poderes e as forças assimétricos do capital. Os partidos políticos continuam sendo a principal arma e o principal instrumento de luta. O esforço de nossos adversários em minar e destruir essa ferramenta deveria ser a principal lição que deveríamos tirar das contra-revoluções do capital. E o Partido político deve ser sempre preservado e preparado como qualquer tipo de arma ou instrumento. A força do Partido deve vir das lutas que trava e dos apoios que recebe a medida que representa os interesses e os anseios da maioria social cidadã e das classes trabalhadoras. Sua luta deve ser ampla mas ao mesmo tempo eficaz, isto é, que a população tenha motivos para defender o Partido como instituição e como arma de representação. O Partido deve ter uma prática de formação de novas lideranças e disputa democrática entre as diversas correntes de opinião. Portanto, o PT é o próprio modelo político a ser seguido. As corporações privadas e algumas corporações públicas são controladas pelo capital, somente o poder político do Estado controlado pela cidadania e pelos trabalhadores pode desafiar esses verdadeiro Leviatã descontrolado do capitalismo. Precisamos conquistar uma vez mais como já fizemos no passado corações e mentes e reintegra--los em um projeto solidário e planetário capaz de recuperar a natureza humana e a própria natureza. Ass. Policarpo

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  3. A questão é sempre a mesma, ou seja, como conquistar os meios e os instrumentos de produção e poder, e não se trata agora de se fazer essa pergunta como se pudéssemos retroceder ao século XIX e propor o socialismo ou a revolução como se o XX não tivesse existido. A luta política passa sempre pelo controle do Estado que é o único poder capaz de fazer frente ao poder econômico, ao capitalismo e suas forças destruidoras, disruptivas. E o controle do Estado passa necessariamente pelo domínio do poder político democrático. É nessa esfera que a luta dos trabalhadores e dos cidadãos pode ter alguma possibilidade de vencer os poderes e as forças assimétricos do capital. Os partidos políticos continuam sendo a principal arma e o principal instrumento de luta. O esforço de nossos adversários em minar e destruir essa ferramenta deveria ser a principal lição que deveríamos tirar das contra-revoluções do capital. E o Partido político deve ser sempre preservado e preparado como qualquer tipo de arma ou instrumento. A força do Partido deve vir das lutas que trava e dos apoios que recebe a medida que representa os interesses e os anseios da maioria social cidadã e das classes trabalhadoras. Sua luta deve ser ampla mas ao mesmo tempo eficaz, isto é, que a população tenha motivos para defender o Partido como instituição e como arma de representação. O Partido deve ter uma prática de formação de novas lideranças e disputa democrática entre as diversas correntes de opinião. Portanto, o PT é o próprio modelo político a ser seguido. As corporações privadas e algumas corporações públicas são controladas pelo capital, somente o poder político do Estado controlado pela cidadania e pelos trabalhadores pode desafiar esses verdadeiro Leviatã descontrolado do capitalismo. Precisamos conquistar uma vez mais como já fizemos no passado corações e mentes e reintegra--los em um projeto solidário e planetário capaz de recuperar a natureza humana e a própria natureza. Ass. Policarpo

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