O jornal Folha de S. Paulo publicou, no dia 31 de
outubro de 2018, uma entrevista com Ciro Gomes, terceiro colocado no primeiro
turno da eleição presidencial de 2018.
Lembrado pela
Folha de que teria dito que “choraria e deixaria a política se Bolsonaro
ganhasse”, Ciro comete a resposta mais reveladora – do ponto de vista psicológico
-- de toda a entrevista, por três motivos.
O primeiro
motivo: Ciro diz que “um país que elege o Bolsonaro eu não compreendo tanto
mais, o que me recomenda não querer ser seu intérprete”.
Apesar disso, mais adiante na entrevista, ele não terá dúvida em responsabilizar o PT. Acusar o PT é no fundamental uma obsessão, não uma análise ou "interpretação".
Apesar disso, mais adiante na entrevista, ele não terá dúvida em responsabilizar o PT. Acusar o PT é no fundamental uma obsessão, não uma análise ou "interpretação".
O segundo
motivo: Ciro não quer apenas ser presidente da República, ele tem a pretensão
de ser “intérprete” do Brasil.
Talvez esteja aí parte da explicação para o ziguezague político de Ciro: uma tentativa eternamente frustrada de abarcar, no discurso e na prática de um indivíduo, os imensos conflitos e contradições que atravessam nossa sociedade.
Talvez esteja aí parte da explicação para o ziguezague político de Ciro: uma tentativa eternamente frustrada de abarcar, no discurso e na prática de um indivíduo, os imensos conflitos e contradições que atravessam nossa sociedade.
O terceiro
motivo: Ciro diz que “o país ficou órfão”.
Até onde eu consigo entender, ele deve estar querendo dizer “órfão de pai”. Ciro parece pretender, através de sua “luta”, ocupar o lugar desta figura paterna, que ele curiosamente não diz quem é.
Até onde eu consigo entender, ele deve estar querendo dizer “órfão de pai”. Ciro parece pretender, através de sua “luta”, ocupar o lugar desta figura paterna, que ele curiosamente não diz quem é.
Perguntado
se “tomou uma decisão se será candidato em 2022”, Ciro responde que não. Diz
que isto seria um mero exercício de especulação, “porque a adrenalina não
pacificou”. E como prova disto, disfere o primeiro ataque contra seu inimigo
principal: “Só essa cúpula exacerbada do PT é que já começou a campanha de
agressão. Eu não. Tenho sobriedade e modéstia. Acho que o país precisa se renovar”.
Portanto, para
Ciro Gomes a definição sobre uma candidatura presidencial não envolve
estratégia, tática e programa, envolve níveis de adrenalina. E seja qual
for sua decisão a respeito, já há um inimigo a derrotar: o Partido dos
Trabalhadores, que teria começado uma campanha de agressão.
Contra quem?
Onde? Quando?
Evidentemente, os fatos são outros: o PT foi vítima de uma sistemática campanha de agressão física e verbal por parte da campanha de Bolsonaro, campanha que matou pelo menos 2 pessoas e que prosseguiu depois de domingo 28 de outubro.
Evidentemente, os fatos são outros: o PT foi vítima de uma sistemática campanha de agressão física e verbal por parte da campanha de Bolsonaro, campanha que matou pelo menos 2 pessoas e que prosseguiu depois de domingo 28 de outubro.
A quem
interessa acusar o PT de promotor de uma campanha de agressão?
Perguntado
se deixou de confiar no povo brasileiro, Ciro explica que não e apresenta sua
viagem à três países da Europa como um “distanciamento” que permitiu a ele “entender
o que aconteceu”: “uma reação impensada, espécie de histeria coletiva a um
conjunto muito grave de fatores que dão razão a uma fração importante dessa
maioria que votou no Bolsonaro”.
E qual seria
este “conjunto muito grave de fatores”?
Teria algo
que ver com a operação política, iniciada logo após o segundo turno de 2014,
operação que envolveu amplos setores da classe dominante e dos setores médios
tradicionais, do aparelho de Estado, dos meios de comunicação, das forças
armadas e das polícias militares, com apoio da comunidade de inteligência de
pelo menos dois países?
Não!!!!
Num
movimento de prestidigitação mental típico do jeito de pensar nas redes
sociais, Ciro reduz o “conjunto muito grave de fatores” ao seguinte: “o
lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor que criou uma força
antagônica que é a maior força política no Brasil hoje. E o Bolsonaro estava no
lugar certo, na hora certa. Só o petismo fanático vai chamar os 60% do povo
brasileiro de fascista. Eu não, de forma nenhuma”.
Um
comentário lateral: tenho dúvidas se Ciro foi mesmo para a Europa. Afinal, a frase
“o lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor” parece ter saído da
boca de um importante intelectual brasileiro que mora nos Estados Unidos.
Mas vamos ao
que interessa: não foi 60% do povo brasileiro que votou em
Bolsonaro. Aliás, não foi nem mesmo 60% do eleitorado. Foi menos de 60% dos que
votaram em algum candidato no segundo turno. E o PT nunca chamou todos estes
eleitores de fascistas.
Em segundo
lugar, não foi por acaso que Bolsonaro “estava no lugar certo, na hora certa”. Todo
mundo sabia que que as mesmas pesquisas que davam Lula em primeiro lugar, davam
Bolsonaro em segundo lugar. Portanto, quem decidiu tirar Lula da disputa, sabia
exatamente quem estava “no lugar certo, na hora certa”. Moro que o diga.
Em terceiro
lugar: o lulopetismo, seja lá o que for isto, disputou 8 eleições presidenciais
desde 1989. Em 6 destas eleições, disputou contra o PSDB, ganhando 4 e perdendo
duas. Nas outras duas eleições, perdeu para a extrema direita: Collor e
Bolsonaro.
Considerando
estas estatísticas, então o lógico seria atribuir ao PT a criação não só de Bolsonaro,
mas também e antes disso, a criação do PSDB, que foi sua "força antagônica" por mais tempo. Mas, é claro, adotar esta lógica e fazer este tipo de interpretação não interessa a Ciro, pois
seu objetivo não é fazer uma análise séria; o que ele pretende, ao acusar o PT de ter criado Bolsonaro, é o equivalente a
acusar uma vítima de ser a culpada pelo estupro.
Não foi o
PT, nem Lula, quem criou seu “antagonista”. Quem pariu Mateus, que o embale:
quem criou o bolsonarismo, quem alimentou a extrema-direita, foi a coalizão
golpista.
Acusar o PT serve,
também, para anistiar Ciro de qualquer responsabilidade pelo resultado.
Perguntado pela Folha se “uma viagem à Europa não passou uma impressão de descaso”, Ciro responde: “Descaso não, rapaz, é de impotência. De absoluta impotência. Se tem um brasileiro que lutou, fui eu. Passei três anos lutando”.
Perguntado pela Folha se “uma viagem à Europa não passou uma impressão de descaso”, Ciro responde: “Descaso não, rapaz, é de impotência. De absoluta impotência. Se tem um brasileiro que lutou, fui eu. Passei três anos lutando”.
Tirante a
sobriedade e modéstia da resposta acima, o fato é que Ciro não quis declarar
publicamente, nem muito menos convocar seu eleitorado a votar em Haddad. Aliás,
mesmo agora ele segue sem explicitar em quem votou. Mas fornece uma resposta
ao enigma de seu vídeo na véspera da eleição: “o que estava dizendo, por uma
razão prática, não iria com eles se fossem vitoriosos, já estaria na oposição.
Mas estava flagrante que já estava perdida a eleição”.
Ou seja: se
entendi direito, a razão prática citada
no vídeo divulgado na véspera da votação de segundo turno, vídeo em que Ciro fez
sua não-declaração de voto, é que a
eleição já estava perdida.
Suponhamos
que isso fosse verdade, no dia 27 de outubro. Isto também seria verdade no dia
8 de outubro? Ou o engajamento de Ciro na campanha de Haddad poderia ter
produzido outro resultado?
Não há como
responder esta questão. Mas é ela que realmente importa, e não a falta de uma declaração
na véspera. Ciro não faltou no dia 28 de outubro, ele faltou no dia 8 de
outubro. Ciro sabe disso e tenta providenciar uma vacina, como fica claro na sequência
seguinte da entrevista.
A Folha
pergunta: “por não ter declarado voto, não teme ser visto como um traidor pelos
eleitores de esquerda?”
Ciro
responde: “A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto. Quem tiver prestado
a atenção no que falei, está muito clara a minha posição de que com o PT eu não
iria.”
A Folha
insiste: “Não se aliará mais ao PT?”
Ciro
responde: “Não, se eu puder, não quero mais fazer campanha para o PT”.
Quem acusa o
PT de sectarismo, favor tomar nota destas frases. Mesmo diante de um Bolsonaro,
Ciro se recusou a fazer campanha.
E por qual
motivo esta postura? A resposta já foi dada antes e volta agora, no momento em
que Ciro fala que Leonardo Boff é um “bosta”: “Qual a opinião do Boff sobre o
mensalão e petrolão? Ou ele achava que o Lula também não sabia da roubalheira
da Petrobras? O Lula sabia porque eu disse a ele que, na Transpetro, Sérgio
Machado estava roubando para Renan Calheiros. O Lula se corrompeu por isso,
porque hoje está cercado de bajulador, com todo tipo de condescendências”.
Ou seja: a “narrativa”
de Ciro, a aparente justificativa para ele não ter feito campanha, o motivo para não ter declarado voto em Haddad, concentra-se no tema corrupção.
Como ele já tinha dito antes, na mesma entrevista: “o lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor”.
Como ele já tinha dito antes, na mesma entrevista: “o lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor”.
Duvido que Ciro
afirmaria isto, se Lula e o PT tivessem decidido apoiar a candidatura dele a
presidente da República. Pois, falemos claro, sua irritação não é com a corrupção, mas com
a tática que o PT adotou nas eleições 2018. Tática que Ciro apresenta como “fraudar
a opinião pública do país, mentindo que [Lula] era candidato”.
Mentindo?
Alguém
duvida que o PT realmente queria que Lula fosse o candidato?
Alguém
duvida que o PT tinha certeza de que, se Lula fosse candidato, ela venceria as
eleições?
Alguém
duvida que o PT está convicto de que Lula tinha direito de ser candidato?
Aliás, o
CIDH da ONU também estava “mentindo” quando afirmou que este direito deveria
ser garantido?
Ciro tem todo
o direito de discordar da tática adotada pelo PT, mas reduzir isto a uma
mentira é, para ser gentil, algo meio pueril.
Ciro pode chamar os petistas de “fanáticos” e pode dizer que Haddad cumpriu um “papelão”; mas o fato é que a tática do PT foi implementada à luz do dia.
Não houve fraude, não houve engano.
Haddad virou vice de Lula dia 5 de agosto e substituiu Lula dia 11 de setembro. E foi ao segundo turno.
Ciro pode chamar os petistas de “fanáticos” e pode dizer que Haddad cumpriu um “papelão”; mas o fato é que a tática do PT foi implementada à luz do dia.
Não houve fraude, não houve engano.
Haddad virou vice de Lula dia 5 de agosto e substituiu Lula dia 11 de setembro. E foi ao segundo turno.
Ciro diz que
foi convidado e não quis estar no lugar de Haddad: “não aceitei. Me considerei
insultado”. Insultado?
Qual o "insulto" que poderia haver em ser vice de Lula, depois substituir Lula, ir ao segundo turno e lutar contra a extrema direita??
Qual o "insulto" que poderia haver em ser vice de Lula, depois substituir Lula, ir ao segundo turno e lutar contra a extrema direita??
Consciente
da dificuldade em sustentar seu ponto de vista, Ciro acusa o “petismo ululante”
de ser “igual o bolsominion, rigorosamente a mesma coisa”.
Rigorosamente???
Dizer algo assim é que constitui um insulto à memória dos petistas e eleitores em geral que foram vítimas, inclusive fatais, da violência da extrema-direita.
Dizer algo assim é que constitui um insulto à memória dos petistas e eleitores em geral que foram vítimas, inclusive fatais, da violência da extrema-direita.
A Folha
pergunta “quais foram os erros cometidos pelos pedetistas?”
Pessoa autodeclarada sóbria e modesta, Ciro responde que “devemos ter cometido algum (!!!) erro e merecemos a crítica. Mas, nesse contexto, simplesmente multiplicamos por um milhão as energias que nos restaram para trabalhar. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é traição, traição mesmo. Palavra dada e não cumprida, clandestinidade, acertos espúrios, grana”.
Pessoa autodeclarada sóbria e modesta, Ciro responde que “devemos ter cometido algum (!!!) erro e merecemos a crítica. Mas, nesse contexto, simplesmente multiplicamos por um milhão as energias que nos restaram para trabalhar. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é traição, traição mesmo. Palavra dada e não cumprida, clandestinidade, acertos espúrios, grana”.
Traição?
Recordo a
frase anterior de Ciro: “A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto”.
O PT por acaso deu a
palavra a Ciro?
Ao invés de
cobrar satisfação de quem prometeu algo para ele e não cumpriu, Ciro ofende a
lógica derramando acusações sobre o PT: “Você imagina conseguir do PSB
neutralidade trocando o governo de Pernambuco e de Minas? Em nome de que foi
feito isso? De qual espírito público, razão nacional, interesse popular?
Projeto de poder miúdo. De poder e de ladroeira”.
Mesmo que
isso tudo acima fosse verdade, ainda assim não faz o menor sentido acusar o PT
de “traição”. Se houve alguma, não foi cometida pelo PT.
Mas Ciro não
parece muito preocupado com a lógica, nem com os fatos.
Seu objetivo é acusar o PT. E é nesse ponto da entrevista que ele chega ao extremo de dizer o seguinte: “O PT elegeu Bolsonaro. Todas as pesquisas, não sou eu quem estou dizendo, dizem isso”.
Seu objetivo é acusar o PT. E é nesse ponto da entrevista que ele chega ao extremo de dizer o seguinte: “O PT elegeu Bolsonaro. Todas as pesquisas, não sou eu quem estou dizendo, dizem isso”.
Tudo bem que
vivemos na era das fake news, mas falta de lógica tem limite. Quem elegeu Bolsonaro
foi quem votou nele. Com ajuda de quem lavou as mãos.
A frase
tosca (“O PT elegeu Bolsonaro”) é a síntese descabelada de uma “teoria” segundo
a qual, se o PT não existisse, se o PT não tivesse a força que tem, se o PT
tivesse decidido abrir mão de Lula, se o PT tivesse pedido voto para Ciro
Gomes, se, se, se, se tudo isso fosse de um jeito diferente do que é, quem sabe Ciro não teria sido eleito presidente da República?
Esta teoria
nunca será provada, assim como nunca provaremos que Haddad poderia ter sido
eleito "se" Ciro tivesse feito campanha para ele desde o dia 8 de outubro.
O que está
provado é que Ciro não teve voto suficiente para ir ao segundo turno, que só
teria estes votos aliado com o PT, mas como do PT ele só queria submissão e
como o PT sabia de sua força, a aliança não saiu, o candidato do PT foi ao
segundo turno da eleição e teve 47 milhões de votos, enquanto Ciro foi curtir
sua “absoluta impotência” na Europa.
A postura de
Ciro acerca do PT não é um ato impensado. Ele mesmo confirma não querer “participar
dessa aglutinação de esquerda. Isso sempre foi sinônimo oportunista de
hegemonia petista. Quero fundar um novo campo, onde para ser de esquerda não
tem de tapar o nariz com ladroeira, corrupção, falta de escrúpulo, oportunismo.
Isso não é esquerda. É o velho caudilhismo populista sul-americano”.
Claro, o
personagem não combina com o discurso, mas este tipo de discurso contra o “velho
caudilhismo populista sul-americano” tem duas fontes. Uma é gringa e outra é europeia.
É nesse “campo” que Ciro quer plantar. E para isto o PT não pode existir. Neste
sentido, sua política é absolutamente coerente e não tem nada de emocional.
Mas como
fazer o PT deixar de existir?
Aqui vem a
parte sinistra da operação que Ciro está promovendo: deixar a tarefa para
Bolsonaro.
Exagero?
Não acho.
Vejam a sequência final da entrevista.
- A liberdade de
imprensa está ameaçada?
- É muito epidérmica a
nossa sensibilidade. Não acho que tem havido nenhuma ameaça à liberdade de
imprensa até aqui. Por isso que digo que uma das centralidades do mundo
político brasileiro deveria ser um entendimento amplo o suficiente para cumprir
a guarda da institucionalidade democrática. E um dos elementos centrais disso é
a liberdade de imprensa. A imprensa brasileira nepotista e plutocrata como é
parte responsável também por essa tragédia.
- A imprensa ajudou a
eleger Bolsonaro?
- A arrogância do
[William] Bonner achando que podia tutelar a nação brasileira, falar pela nação
brasileira. A Folha que repercute uma calúnia contra uma cidade inteira que é
reconhecida mundialmente como um elemento de referência de educação para me
alcançar [Ele se refere a reportagem sobre relatos de estudantes de fraudes em
avaliações nas escolas de Sobral, no Ceará].
- E os ataques feitos
pelo Bolsonaro à Folha? É uma ameaça? Não considero, não.
- A Folha tem
capacidade de reagir a isso e precisa ter também um pouco de humildade, de
respeitar a crítica dos outros.
Vejam: se Ciro não é
capaz de ter simpatia pela Folha, terá alguma simpatia pelo PT, se e quando este for atacado
brutalmente pelo governo Bolsonaro?
Ou dirá que
o PT precisa de “um pouco de humildade, de respeitar a crítica dos outros”?
Ah, antes
que me esqueça: Boff não é um “bosta”. E paro por aqui.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
SEGUE
A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA PUBLICADA PELA FOLHA DE S.PAULO DIA 31/11/2018
”Fomos
miseravelmente traídos por Lula, não farei mais campanha para o PT, diz Ciro”*
- Terceiro colocado na eleição presidencial, Ciro Gomes (PDT) afirmou, em
entrevista à Folha, que foi "miseravelmente traído" pelo
ex-presidente Lula e seus "asseclas". Em seu apartamento, onde
concedeu nesta terça-feira (30) sua primeira entrevista desde a eleição de Jair
Bolsonaro (PSL), Ciro nega ter lavado as mãos ao ter viajado para a Europa
depois do primeiro turno. "A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto".
"Não declarei voto ao Haddad porque não quero mais fazer campanha com o
PT", disse. O pedetista critica a atuação do PT para impedir o apoio do
PSB à sua candidatura e diz que considerou um insulto convite de Lula para
assumir o papel de seu vice no lugar Fernando Haddad (PT).
- No
primeiro turno, o senhor afirmou que choraria e deixaria a política se
Bolsonaro ganhasse. Deixará a vida pública?
- Eu disse
isso comovidamente porque um país que elege o Bolsonaro eu não compreendo tanto
mais, o que me recomenda não querer ser seu intérprete. Entretanto, do exato
momento que disse isso até hoje, ouvi um milhão de apelos de gente muito
querida. E, depois de tudo o que acabou acontecendo, a minha responsabilidade é
muito grande. Não sei se serei mais candidato, mas não posso me afastar agora
da luta. O país ficou órfão.
- E não
tomou uma decisão se será candidato em 2022?
- Não. Quem
conhece o Brasil sabe que você afirmar uma candidatura a 2022 é um mero
exercício de especulação, porque a adrenalina não pacificou. Só essa cúpula
exacerbada do PT é que já começou a campanha de agressão. Eu não. Tenho
sobriedade e modéstia. Acho que o país precisa se renovar.
- O senhor
disse que deixaria a vida pública porque a razão de estar na política é confiar
no povo brasileiro. Deixou de confiar?
- Não,
procurei entender o que aconteceu. Esse distanciamento me permitiu isso. O que
aconteceu foi uma reação impensada, espécie de histeria coletiva a um conjunto
muito grave de fatores que dão razão a uma fração importante dessa maioria que
votou no Bolsonaro. O lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor que
criou uma força antagônica que é a maior força política no Brasil hoje. E o
Bolsonaro estava no lugar certo, na hora certa. Só o petismo fanático vai
chamar os 60% do povo brasileiro de fascista. Eu não, de forma nenhuma.
- Naquele
momento do país, uma viagem à Europa não passou uma impressão de descaso? [Ciro
viajou para Portugal, Itália e França após o 1º turno]
- Descaso
não, rapaz, é de impotência. De absoluta impotência. Se tem um brasileiro que
lutou, fui eu. Passei três anos lutando.
- Com a sua
postura de neutralidade, não lavou as mãos em um momento importante para o
país?
- Não foi
neutralidade. Quem declara o que eu declarei não está neutro. Agora, o que
estava dizendo, por uma razão prática, não iria com eles se fossem vitoriosos,
já estaria na oposição. Mas estava flagrante que já estava perdida a eleição.
- Por não
ter declarado voto, não teme ser visto como um traidor pelos eleitores de
esquerda? A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto. Quem tiver prestado
a atenção no que falei, está muito clara a minha posição de que com o PT eu não
iria.
- Não se
aliará mais ao PT? Não, se eu puder, não quero mais fazer campanha para o PT.
Evidente, você acha que eu votei em quem?
- No Haddad?
- Vou
continuar calado, mas você acha que votei em quem com a minha história? Eles
podem inventar o que quiserem. Pega um bosta como esse Leonardo Boff [que
criticou Ciro por não declarar voto a Haddad]. Estou com texto dele aqui. Aí
porque não atendo o apelo dele, vai pelo lado inverso. Qual a opinião do Boff
sobre o mensalão e petrolão? Ou ele achava que o Lula também não sabia da
roubalheira da Petrobras? O Lula sabia porque eu disse a ele que, na
Transpetro, Sérgio Machado estava roubando para Renan Calheiros. O Lula se
corrompeu por isso, porque hoje está cercado de bajulador, com todo tipo de
condescendências.
- Quem são
os bajuladores?
- É tudo.
Gleisi Hoffmann, Leonardo Boff, Frei Betto. Só a turma dele. Cadê os críticos?
Quem disse a ele que não pode fazer o que ele fez? Que não pode fraudar a
opinião pública do país, mentindo que era candidato?
- Por que o
senhor não aceitou ser candidato a vice-presidente de Lula?
- Porque
isso é uma fraude. Para essa fraude, fui convidado a praticá-la. Esses
fanáticos do PT não sabem, mas o Lula, em momento de vacilação, me chamou para
cumprir esse papelão que o Haddad cumpriu. E não aceitei. Me considerei
insultado.
- Por que
não declarou voto em Haddad?
- Aquilo era
trivial. O meu irmão foi a um ato de apoio a Haddad, depois de tudo o que viu
acontecendo de mesquinho, pusilânime e inescrupuloso. É muito engraçado o
petismo ululante. É igual o bolsominion, rigorosamente a mesma coisa. O Cid
está lá tentando elaborar uma fórmula de subverter o quadro e é vaiado. Estou
devendo o que ao PT?
- Não
declarou voto no Haddad por causa do Lula?
- Não
declarei voto ao Haddad porque não quero mais fazer campanha com o PT. Agora,
em uma eleição que tem só dois candidatos, na noite do primeiro turno, disse à
imprensa: "Ele não". O que ele quer mais agora?
- Cid Gomes
cobrou uma autocrítica dos petistas. E quais foram os erros cometidos pelos
pedetistas?
- Devemos
ter cometido algum erro e merecemos a crítica. Mas, nesse contexto,
simplesmente multiplicamos por um milhão as energias que nos restaram para
trabalhar. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é traição, traição mesmo. Palavra
dada e não cumprida, clandestinidade, acertos espúrios, grana.
- Isso por
Lula?
- Pelo
ex-presidente Lula e seus asseclas. Você imagina conseguir do PSB neutralidade
trocando o governo de Pernambuco e de Minas? Em nome de que foi feito isso? De
qual espírito público, razão nacional, interesse popular? Projeto de poder
miúdo. De poder e de ladroeira. O PT elegeu Bolsonaro. Todas as pesquisas, não
sou eu quem estou dizendo, dizem isso. O Haddad é uma boa pessoa, mas ele, jamais,
se fosse uma pessoa que tivesse mais fibra, deveria ter aceito esse papelão.
Toda segunda ir lá [visitar Lula], rapaz. Quem acha que o povo vai eleger
pessoa assim? Lula nunca permitiu nascer ninguém perto dele. E eles empurram
para a direita, que é o querem fazer comigo.
- A postura
do senhor não inviabiliza uma reaglutinação das siglas de esquerda?
- Não quero
participar dessa aglutinação de esquerda. Isso sempre foi sinônimo oportunista
de hegemonia petista. Quero fundar um novo campo, onde para ser de esquerda não
tem de tapar o nariz com ladroeira, corrupção, falta de escrúpulo, oportunismo.
Isso não é esquerda. É o velho caudilhismo populista sul-americano.
- A
liberdade de imprensa está ameaçada?
- É muito
epidérmica a nossa sensibilidade. Não acho que tem havido nenhuma ameaça à
liberdade de imprensa até aqui. Por isso que digo que uma das centralidades do
mundo político brasileiro deveria ser um entendimento amplo o suficiente para
cumprir a guarda da institucionalidade democrática. E um dos elementos centrais
disso é a liberdade de imprensa. A imprensa brasileira nepotista e plutocrata
como é parte responsável também por essa tragédia.
- A imprensa
ajudou a eleger Bolsonaro?
- A
arrogância do [William] Bonner achando que podia tutelar a nação brasileira,
falar pela nação brasileira. A Folha que repercute uma calúnia contra uma
cidade inteira que é reconhecida mundialmente como um elemento de referência de
educação para me alcançar [Ele se refere a reportagem sobre relatos de
estudantes de fraudes em avaliações nas escolas de Sobral, no Ceará].
- E os
ataques feitos pelo Bolsonaro à Folha? É uma ameaça? Não considero, não.
- A Folha
tem capacidade de reagir a isso e precisa ter também um pouco de humildade, de
respeitar a crítica dos outros.
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ResponderExcluirÓtimo texto, Valter. Depois peça ao jornal Brasil de Fato para listar o seu vídeo sobre o governo bolsonaro, infelizmente não está listado na busca e estou com dificuldade de encontra-lo. Abraço
ResponderExcluirValter, sou militante na juventude da articulação de esquerda e, nestes tempos eleitorais, tomei contato com o fronte cibernético, trincheras culturais em grupos de whatsapp, modelo de atuação de robôs do fascista (e alguns, poucos, nossos também), etc. Digo isto para sugerir uma atualização no modelo: O blog é ótimo como arquivo, todos os seus textos ficam categorizados cronologicamente ao longo dos anos, mas não seria uma boa ter um perfil no facebook para realizar o debate público? Tal qual o Darlan Montenegro, da consulta popular, e o Capelli, do PC do B? Muitos jovens (e alguns mais velhos também, pelo que percebo, ehehe) são influenciados por ambos por conta da publicação de ambos no facebook. Fica a dica!
ResponderExcluirOutra importante sugestão: O Breno Altman recorrentemente posta videos com aulas sobre algum assunto específico no facebook. O youtuber Felipe Neto é, hoje, uma das vozes de maior alcance contra o escola sem partido. Onde quero chegar com isso? Gostaria de sugerir para que pense em ter um canal no youtube para realizar comentários sobre a conjuntura, tal qual no vídeo citado àcima. Não precisaria ser algo com o compromisso de ser atualizando de maneira regular, mas um canal com as suas posições que a bolha da nossa militancia conhece, mas mesmo entre os petistas, muitas dos debates colocados por você não chegam. Então ficam ambas as sugestões.
Parabéns pela análise, já repassei a diversos colegas que estão aflitos com o atual momento e não entendem o que representa ciro gomes. um abraço vermelho.
Comungo do desejo do camarada acima!
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