O jornalista Luís Nassif publicou neste
domingo, 6 de maio, um simpático texto intitulado “A esquerda que quer voltar ao gueto”.
A esquerda que quer voltar ao gueto, por Luis Nassif
DOM, 06/05/2018 - 08:54
Luis Nassif
Há dois momentos que ameaçam um grupo político: o do sucesso e o da derrota.
O sucesso tende a minimizar os riscos e os inimigos. Melhor exemplo foi o incomparável sucesso de Lula no período 2008-2010 e o de Dilma Rousseff nos dois primeiros anos, que os fez cegos aos movimentos de desestabilização que já estavam em andamento.
A derrota tende a promover a desesperança, como reação, despertar a busca de saídas mágicas. É um momento em que proliferam oportunistas, vendedores de poções mágicas do velho oeste, anunciando balas de prata aqui e acolá, que resolverão todos os problemas instantaneamente. Usam despudoramente o recurso aos fake news para oferecer informações ou análises falsas, explorando a boa fé dos que precisam se iludir para superar a decepção com os rumos do país.
Hoje em dia, os vendedores de poções e os radicais de gueto são as maiores ameaças à reconstrução de um centro-esquerda que consiga recuperar o poder.
Há dois enormes desafios pela frente: vencer as eleições e montar a governabilidade. Suponha-se, numa hipótese distante, que Lula conseguisse concorrer e vencer as eleições. Como governaria? Poderia abrir mão do PDT, do PSB, do PCdoB, de setores progressistas do PMDB, de lideranças da indústria e do trabalho? É evidente que não. E uma eleição sem Lula torna a construção de consensos uma necessidade ainda maior.
A maneira como parte da militância reage ao exercício da política, batendo em Fernando Haddad, o emissário de Lula para o pacto político, e investindo contra candidatos de outros partidos, como Ciro Gomes, é o caminho mais fácil para jogar a esquerda de volta ao gueto e aguardar algumas décadas a chegada de outro profeta para recompor a perspectiva de poder.
Nunca a negociação política foi tão crucial. O que se tem, na outra ponta não é Ciro Gomes, Haddad, Pimentel – eles são do mesmo lado de Gleisi, Lindbergh, Viana -, mas uma quadrilha que está desmontando o país, promovendo uma regressão de décadas nas políticas públicas, um partido da Justiça que avança cada vez mais sobre os direitos fundamentais. E tudo isso abrindo caminho para riscos ainda maiores, como o de Bolsonaro.
É momento que exige enorme dose de bom senso especialmente das lideranças; e realismo e compreensão da parte dos militantes e uma avaliação correta da correlação de forças.
Nesses tempos bicudos, há espaço para as posturas aguerridas, importantes para manter a chama acesa. Mas não da parte das lideranças. Há que se ter os guerreiros e os estadistas, os negociadores. A estes cabe a responsabilidade de deixar de lado mágoas, quizílias, idiossincrasias, e buscar o consenso.
Em poucos momentos da história, a presença de negociadores se fez tão necessária.
Ótimo título.
O pai dos burros que consultei traz algumas
definições para a palavra “gueto”.
Uma delas diz assim: “local onde uma
minoria está separada do resto da sociedade”.
Quando foi que a esquerda esteve “no gueto”?
Certamente, durante parte da ditadura
militar.
Quando foi que a esquerda começou a sair do
gueto?
Certamente, quando a mobilização política e
social contra a ditadura ganhou amplos setores da sociedade brasileira.
Talvez o maior exemplo disto tenha sido o
apoio popular às grandes greves dos metalúrgicos do ABC.
Quando foi que, com certeza, a esquerda já estava
fora do gueto?
Certamente, quando parcela muito expressiva
da população brasileira passou a votar nos partidos de esquerda.
O ponto de virada? As eleições de 1988 e
1989.
Com certeza desde então e até 2014, em
todas as eleições nacionais, a esquerda demonstrou estar fora do gueto.
Em 1989, 1994 e 1998, o candidato da
esquerda à presidência da República ficou em segundo lugar.
Em 2002, 2006, 2010 e 2014, a esquerda conquistou
a presidência da República.
Hoje, apesar do golpe, apesar da
perseguição jurídica e midiática, apesar dos que capitulam, a principal
candidatura da esquerda lidera as pesquisas de opinião.
Portanto, a esquerda saiu do gueto faz
tempo.
Detalhe importante: a história deste
esquerda-fora-do-gueto é a história do Partido dos Trabalhadores.
Destruir o PT, desmoralizar o PT, fazer o
PT abrir mão de seu protagonismo, é exatamente a operação dos que querem
colocar a esquerda no gueto.
Aí vem a pergunta: de quem é mesmo que
Nassif está falando?
Existe mesmo alguma esquerda que deseja
voltar ao gueto?
Ou a verdade é o contrário disto?
Noutra passagem do texto, Luís Nassif diz
que o “foi o incomparável sucesso de Lula no
período 2008-2010 e o de Dilma Rousseff nos dois primeiros anos, que os fez
cegos aos movimentos de desestabilização que já estavam em andamento”.
Isto é apenas meia-verdade.
A verdade completa deve
incluir um fato que todos conhecemos: nos anos 1990, uma parte importante do PT
aderiu a concepções ideológicas, programáticas e estratégicas fundamentadas em
contos da carochinha.
Nassif deve lembrar muito
bem disso.
Cito, a título de exemplo
do que deu acreditar em contos da carochinha, frases que ouvi recentemente de três
ex-ministros, em locais públicos: “acreditávamos que fazendo um governo
moderado, o outro lado se moderaria”; “não acreditei que haveria golpe, porque
achava que a direita brasileira tinha feito as pazes com as urnas”; “não
acreditava que o TRF-4 decidiria esta questão por unanimidade”.
Foram estas concepções “republicanas”
e “conciliadoras”– e não apenas a euforia do sucesso – que fizeram alguns
setores do PT e da esquerda ficarem cegos aos movimentos de desestabilização.
Outros setores, adeptos de
outro tipo de orientação, pensavam outra coisa e propuseram dura reação.
Nassif também deve lembrar
muito bem disso.
Nassif diz também que a “derrota
tende a promover a desesperança, como reação, despertar a busca de saídas
mágicas”.
Isto é meia-verdade.
Afinal, hoje, em meio a
derrota, continua existindo na esquerda gente que acredita em contos da carochinha,
em conciliação, em boa vontade do lado de lá etc. e tal.
Em alguns casos, trata-se
de negação pura e simples.
Noutros casos, trata-se de
uma concepção arraigada, construída como já dissemos nos debates travados nos
anos 1990.
O alvo de Nassif neste texto, infelizmente,
não são os adeptos dos contos da carochinha.
O que mobiliza Nassif são
os “os vendedores de poções e os radicais de gueto são as maiores ameaças à
reconstrução de um centro-esquerda que consiga recuperar o poder”.
Quem dera!!!
Quem dera algum dia a esquerda tivesse chegado tão perto do poder!!
E quem dera a solução para
uma crise aguda como a nossa fosse pelo caminho da centro-esquerda!!!
Seria tão fácil, né?
Frente a uma aguda
polarização, a turma do deixa-disso e da coluna-do-meio separaria os brigões e
buscaria uma solução intermediária.
Seria tão bom se isso fosse
verdade.
Mas isto, para usar um
termo de Nassif, não passa de exploração da boa fé dos que precisam se
iludir.
A crua, nua e dura verdade
é que desta vez, como de outras vezes em nossa história, não haverá saída pelo
meio.
A direita sabe disso.
Uma parte da esquerda
insiste em não perceber isso e se aferra a um jeito conservador de pensar.
Por exemplo: Nassif diz
que há “dois enormes desafios pela frente: vencer as eleições e montar a
governabilidade”.
Quem já não ouviu e leu
isto em 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014?
Pois então, naquela época
era mais ou menos verdade que aqueles fossem os dois “enormes desafios pela
frente”.
Mas em 2018, aqueles dois
desafios, embora reais e enormes, são apenas pequena parte da verdade.
A verdade inclui alguns outros
“detalhes”: um golpe, uma eleição que se pretende fraudar, um líder das
pesquisas que está preso, uma direita que não aceita mais o resultado das
urnas, uma classe capitalista que não deseja acordos nem concessões e por aí
vai.
Reduzir o problema todo a aqueles
dois desafios (eleições e governabilidade, pior ainda: governabilidade
institucional) é querer tratar 2018 como tratamos as sete últimas conjunturas
presidenciais, desconsiderando que em 2018 vivemos uma conjuntura totalmente
distinta.
Nassif propõe que
consideremos o que ele considera uma “hipótese distante”, a saber, “que Lula
conseguisse concorrer e vencer as eleições”. E pergunta: “como governaria?
Poderia abrir mão do PDT, do PSB, do PCdoB, de setores progressistas do PMDB,
de lideranças da indústria e do trabalho? É evidente que não. E uma eleição sem
Lula torna a construção de consensos uma necessidade ainda maior”.
Alguém um dia me ensinou
que este jeito de raciocinar tem nome: sofisma.
Afinal, se Lula puder
concorrer, vencer, tomar posse e governar, estaremos numa situação totalmente
diferente daquela em que os golpistas impedem Lula de concorrer.
No primeiro caso teremos
eleições. No segundo caso, uma fraude.
Portanto, o que vale para uma
situação, não necessariamente vale para a outra.
Num e noutro caso pode-se
buscar “consensos”, mas os protagonistas, o conteúdo e o significado de “consenso”
não serão os mesmos, numa e noutra situação.
Um exemplo menor: há um determinado
candidato que não admite nem mesmo que Lula seja um preso político, espanca o
partido de Lula dia sim e dia não, mas quer receber o apoio do eleitorado de
Lula e do PT.
Convenhamos: que consenso
é possível nestes termos?
Nassif reclama da “maneira”
como “parte da militância reage ao exercício da política”, “batendo em Fernando
Haddad, o emissário de Lula para o pacto político, e investindo contra
candidatos de outros partidos, como Ciro Gomes”.
Nassif considera que este
seria “o caminho mais fácil para jogar a esquerda de volta ao gueto e aguardar
algumas décadas a chegada de outro profeta para recompor a perspectiva de poder”.
É um jeito assaz curioso
de apresentar os fatos.
Afinal, a militância que
ele critica não reage ao “exercício da política”.
Esta militância está
fazendo política.
Esta militância não
concorda com determinada “maneira” de fazer política, não concorda com
determinado tipo de “pacto político” e não aceita ficar calada quando vê seu
Partido atacado, de modo continuado e agressivo, por determinado candidato.
E, mais importante que
tudo: ao defender o PT, esta militância está evitando que a esquerda volte para
o gueto.
Pois é disto que se trata:
quem trabalha para destruir o PT – não importa as cores que use ou as intenções
que tenha – está na prática operando para jogar a esquerda no gueto.
Nassif parece achar que,
se a militância apanhar calada, a esquerda não será enviada para o gueto.
Este tipo de ilusão foi
compartilhada por muitas pessoas ao longo da história, o que não as impediu de serem levados ao gueto.
Claro, pode-se argumentar
que devemos saber diferenciar as contradições com o golpismo, das contradições
existentes entre os que lutaram contra o golpe.
De acordo, devemos.
Mas, voltando ao ponto do
início: para derrotar a quadrilha, para derrotar Bolsonaro, é preciso
negociar... o quê mesmo e com quem mesmo?
Os que pretendem negociar
com o centro, entregando ao centro o protagonismo, não estão preparando a
derrota da direita. Estão preparando a derrota da esquerda e do próprio centro.
Vale dizer que Ciro Gomes
percebe isto. Mas a solução que ele busca, como bem demonstrou Paulo Moreira
Leite (ver https://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/353841/Ciro-bate-no-PT-porque-quer-atacar-a-Previd%C3%AAncia.htm)
é sinalizar para o capital e para a direita.
Por esses e outros motivos, podemos dizer que existe mesmo o risco da esquerda ir parar no gueto; e que uma parte da esquerda contribui neste sentido.
O detalhe é que a esquerda cujos atos contribui, objetivamente, para nos empurrar para o gueto, é exatamente aquela que continua acreditando em contos da carochinha.
No caso, a crença de que a saída da presente crise nacional estaria pelo caminho do centro.
No caso, a crença de que a saída da presente crise nacional estaria pelo caminho do centro.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
A esquerda que quer voltar ao gueto, por Luis Nassif
DOM, 06/05/2018 - 08:54
Luis Nassif
Há dois momentos que ameaçam um grupo político: o do sucesso e o da derrota.
O sucesso tende a minimizar os riscos e os inimigos. Melhor exemplo foi o incomparável sucesso de Lula no período 2008-2010 e o de Dilma Rousseff nos dois primeiros anos, que os fez cegos aos movimentos de desestabilização que já estavam em andamento.
A derrota tende a promover a desesperança, como reação, despertar a busca de saídas mágicas. É um momento em que proliferam oportunistas, vendedores de poções mágicas do velho oeste, anunciando balas de prata aqui e acolá, que resolverão todos os problemas instantaneamente. Usam despudoramente o recurso aos fake news para oferecer informações ou análises falsas, explorando a boa fé dos que precisam se iludir para superar a decepção com os rumos do país.
Hoje em dia, os vendedores de poções e os radicais de gueto são as maiores ameaças à reconstrução de um centro-esquerda que consiga recuperar o poder.
Há dois enormes desafios pela frente: vencer as eleições e montar a governabilidade. Suponha-se, numa hipótese distante, que Lula conseguisse concorrer e vencer as eleições. Como governaria? Poderia abrir mão do PDT, do PSB, do PCdoB, de setores progressistas do PMDB, de lideranças da indústria e do trabalho? É evidente que não. E uma eleição sem Lula torna a construção de consensos uma necessidade ainda maior.
A maneira como parte da militância reage ao exercício da política, batendo em Fernando Haddad, o emissário de Lula para o pacto político, e investindo contra candidatos de outros partidos, como Ciro Gomes, é o caminho mais fácil para jogar a esquerda de volta ao gueto e aguardar algumas décadas a chegada de outro profeta para recompor a perspectiva de poder.
Nunca a negociação política foi tão crucial. O que se tem, na outra ponta não é Ciro Gomes, Haddad, Pimentel – eles são do mesmo lado de Gleisi, Lindbergh, Viana -, mas uma quadrilha que está desmontando o país, promovendo uma regressão de décadas nas políticas públicas, um partido da Justiça que avança cada vez mais sobre os direitos fundamentais. E tudo isso abrindo caminho para riscos ainda maiores, como o de Bolsonaro.
É momento que exige enorme dose de bom senso especialmente das lideranças; e realismo e compreensão da parte dos militantes e uma avaliação correta da correlação de forças.
Nesses tempos bicudos, há espaço para as posturas aguerridas, importantes para manter a chama acesa. Mas não da parte das lideranças. Há que se ter os guerreiros e os estadistas, os negociadores. A estes cabe a responsabilidade de deixar de lado mágoas, quizílias, idiossincrasias, e buscar o consenso.
Em poucos momentos da história, a presença de negociadores se fez tão necessária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário