Recomendo a leitura do texto de Aldo Fornazieri, publicado no
dia 7 de maio e intitulado “PT:
construindo uma nova derrota?”
O texto pode ser lido no seguinte endereço: https://jornalggn.com.br/noticia/pt-construindo-uma-nova-derrota-por-aldo-fornazieri
Recomendo a leitura, não por concordar com o que é dito, mas porque
a maneira com que Aldo expõe seu argumentos facilita a discussão das questões
em jogo.
(Aliás, uma nota a parte: conheço Aldo Fornazieri desde 1980,
creio eu, quando ele defendia a partir do PRC posições que para mim pareciam
esquerdistas. Depois convivi com ele na direção do Partido dos Trabalhadores, época
em que Aldo defendia posições que a mim pareciam ultramoderadas, algumas das
quais contribuíram para os problemas que o PT vive hoje. Hoje sigo leitor de alguns
seus textos. Nestes três tempos, respeito sua argumentação lógica e a
honestidade de propósitos.)
Aldo diz que o PT vem “colhendo derrotas sucessivas desde o
início de 2015”. E depois de descrever a via
crucis do petismo, Aldo arremata: “o PT dos últimos tempos está longe de
ser o PT dos comandos de Lula, de José Dirceu e de José Genoino. Naqueles
tempos, o partido tinha unidade de comando”; hoje, “os dirigentes são generais
sem exército e os militantes são um exército sem generais”.
É uma maneira de expor o problema. Mas, do meu ponto de vista,
está muito longe de explicar adequadamente como aquilo deu nisso.
Aldo fala de “erros de avaliação, imobilismo e falta de comando”;
“perda de combatividade e virtude”; “acreditar mais nos juízes e nos embates advocatícios
do que na mobilização social”; “acomodado às sombras do poder nos anos de
bonança, adoentado pelo burocratismo, comandado por direções fracas nas últimas
gestões”; “perdendo a capacidade de formulação e enfraquecendo sua competência
para ler corretamente as conjunturas e de deduzir ações eficazes a partir
dessas leituras”.
Tudo pode ser verdade. Mas falta dizer que todos estes erros têm
suas raízes no que se fez ou deixou de fazer, no que se acreditou ou deixou de
acreditar, exatamente naqueles tempos gloriosos em que o PT foi presidido por Lula,
Dirceu e Genoíno.
Para ser mais concreto: foi naqueles tempos gloriosos que se
fizeram determinadas escolhas e apostas no Ministério Público, na Polícia Federal,
no Supremo Tribunal Federal, na conciliação com o Capital, com os grandes meios
de comunicação e com a centro-direita.
Aquilo deu nisso, que não se entende sem aquilo.
Porque é importante ter clara esta conexão?
Primeiro, para não cair na ilusão de achar que os problemas atuais
do PT estariam principalmente na composição das direções e dos dirigentes. O
problema principal é de orientação política.
Segundo, para não cair na ilusão de que será fácil superar os
problemas atuais do PT. Não basta mudar os dirigentes, é preciso mudar a
direção, ou seja, o rumo geral. E não é nada fácil, muito menos rápido, fazer isto.
Como não sou cristão-novo na crítica dessas posições, prefiro
não cair em ilusões a respeito.
*
Apesar das críticas, Aldo reconhece que o PT adotou uma tática
correta: a de manter a candidatura Lula.
Mas Aldo considera que a direção do PT “vem dando sinais, nas
últimas semanas, de que está disposta a construir uma nova derrota”.
Esta possibilidade sempre existe. Mas o exemplo que Aldo dá foi
escolhido sine cura.
Diz ele: “a presidente do partido, Gleisi Hoffmann,
vem se especializando em dar declarações politicamente inconvenientes. O seu
maior feito nesta arte consistiu em emitir uma nota em defesa do mandato de
Aécio Neves quando o STF o havia suspendido”.
Não votei na Gleisi, no recente congresso partidário. E achei um grave erro a citada nota sobre
Aécio. Mas dizer que Gleisi vem se “especializando em dar declarações
politicamente inconvenientes” é mais que um exagero, é simplesmente
falso.
Uma curiosidade: Aldo começa sinalizando para a esquerda ao criticar
Gleisi pela nota branda acerca de Aécio; mas seu propósito é converter à
direita, pois termina reclamando de Gleisi ter dito que o nome de Ciro Gomes
não passa no PT "nem com reza brava".
Segundo Aldo, uma “declaração desnecessária e inconveniente.
Rendeu-lhe uma retribuição de Ciro dizendo que sente pena dela”.
Aldo talvez tenha esquecido como é lidar com um partido de
massas. Ou talvez não tolere ouvir na boca de Gleisi um tipo de declaração muito
comum na boca de alguém mais famoso, neste caso aplaudida como obra de um gênio no diálogo com as massas.
Seja como for, os fatos são: frente a
confusão criada a partir de uma declaração desmentida por Jaques Wagner, Gleisi
teve que “torcer o bastão” para o lado oposto.
Quanto a Ciro falar que tem “pena”, atribuo a escolha da palavra
a um traço de personalidade de que este senhor não consegue se desvencilhar
nunca. Lamento (mas não tenho pena) que Aldo pareça não perceber isto.
Farpas a parte, Aldo diz que a declaração de Gleisi “derruba
pontes num momento em que é preciso agregar as forças progressistas para
enfrentar a direita, o conservadorismo e o neofascismo. Mas parece que Gleisi e
outros dirigentes do PT estão dispostos a empurrar forças para o lado do
inimigo”.
A acusação é, além de exagerada, duplamente falsa.
É exagerada porque não será a referência à “reza brava” (nem a
alça do caixão) que derrubará pontes. Chumbo trocado não dói tanto assim.
É falsa, porque – ao contrário do que sugere Aldo – tanto Gleisi
quanto a maior parte da direção do PT continuam insistindo em alianças amplas.
Na minha opinião, erram no sentido oposto ao criticado por Aldo.
Vide a recente decisão do encontro estadual do PT de Alagoas, de
aliança com Calheiros; ou setores do PT em Sergipe e Pernambuco, que seguem na defesa de alianças com candidatos de centro-direita.
É duplamente falsa, porque omite que é Ciro quem vem sistematicamente
“bombardeando pontes”, não porque seja mais ou menos sectário e grosseiro, mas
porque este bombardeiro é útil para a “saída” que ele defende para a crise
nacional.
O erro cometido pelos petistas que acenam para Ciro não está em
acenar, mas em não perceber qual a política real que Ciro defende. Até na
perspectiva de fazer uma aliança com ele, é indispensável perceber o que ele de
fato expressa.
Aldo diz que foram as declarações de Gleisi que fizeram as redes
sociais serem “tomadas por uma onda de sectarismo de setores petistas contra
Ciro”.
Não sei se Aldo teve acesso a alguma pesquisa a respeito. Eu não
tive. Mas minha “experiência empírica” revela algo diferente: que a reação de
Gleisi foi “fogo contra fogo”.
Graças a declaração de Gleisi, a base percebeu que a posição do
Partido não era aquela expressa na declaração desmentida por Jaques Wagner. E
com isso a “onda de sectarismo” não chegou a existir.
(Estou chamando de “onda de sectarismo” apenas para usar o termo
de Aldo. Afinal, a reação da base do PT contra Ciro é no fundamental de
auto-defesa. Ciro vem deliberadamente provocando isto, não por erro, mas porque
isso é conveniente para a política que ele defende.)
Aldo diz ser “engraçado que estes setores se incomodam com Ciro
e não se iraram com Michel Temer, repetido duas vezes como vice de Dilma”.
Eu não acho engraçado. Pois mesmo no caso dos que defenderam Temer no passo, acho que a postura atual faz parte do aprendizado: assim
como o próprio Aldo mudou de posição ao longo destes anos, setores da base do
partido também estão aprendendo.
O que há de “engraçado” é ver Aldo criticar as bases do PT por
já antecipar uma “suposta traição de Ciro”, ao mesmo tempo em que diz que “não
se pode negar a Ciro o direito de fazer o que Lula fez: tornar-se palatável às
elites (Carta ao Povo Brasileiro) e encaminhar uma reforma da Previdência,
entre outras coisas”.
Ops! Ciro tem o direito de fazer o que ele quiser. Assim como
Aldo tem o direito de sofismar. Mas o que Ciro está tentando fazer não é o mesmo que
Lula fez.
Pode ser parecido. Mas não creio ser preciso recordar Aldo acerca
daquelas frases sobre “se a essência fosse igual a aparência”, ou da relação entre tragédia e
farsa na história.
Lula e grande parte do PT (Aldo também? Não lembro.) acreditavam
que tornar-se palatável às elites em 2002 possibilitaria avanços. E, em pequena
escala e por curto tempo, esses avanços ocorreram.
Pergunto: alguém acredita que hoje tornar-se palatável às elites vai possibilitar algum avanço?
E, caso não possibilite nenhum avanço, então a
movimentação de Ciro só pode ter dois desfechos: ou a derrota (a direita tem
melhores candidatos para implementar seu programa) ou traição (receber os votos
e devolver nada).
A base, portanto, tem motivos de sobra para suspeitar.
Já Aldo está totalmente errado quando diz que “um eventual
governo Ciro será conciliador como foram os governos petistas e como será um
eventual novo governo do PT”.
Não discuto intenções. Apenas digo que nenhum novo governo
resultado de 2018, não importando que o eleito seja de centro, direita ou
esquerda, poderá ser conciliador.
Quem acredita que a crise brasileira vai ser superada pelo caminho da conciliação, prepara a derrota da esquerda.
Neste sentido, quem está “construindo uma nova derrota” é
quem defende esta premissa.
Aldo diz que “quem não concorda com este caminho precisa, por
coerência, votar em Guilherme Boulos”.
Precisa? Por coerência? Por qual motivo mesmo?
Aldo superestima Boulos e o PSOL. Afinal, gostemos ou não, nenhum deles tem physique
du rôle para ganhar as eleições de 2018 e construir uma saída pela
esquerda para a crise nacional.
Quem não concorda com o caminho proposto por Aldo tem como alternativa
realista votar em Lula, votar no PT.
O “engraçado” é que, logo depois de apresentar Boulos como um
radical, Aldo sugere que “Gleisi e os setores sectários do PT deveriam
aprender com Boulos e Manuela: mesmo criticados inúmeras vezes por petistas,
colocaram-se na linha de frente na solidariedade a Lula e na defesa do direito
de ele ser candidato. Boulos, inclusive, convenceu a maior parte do PSol,
partido recorrentemente atacado por petistas, a defender Lula”.
Novamente, Aldo sofisma. Claro que há sectarismo, aliás quem não
seria um pouco sectário, sendo tão espancado?
Mas é óbvio para qualquer petista que, divergências políticas à
parte, a postura de Manuela e Boulos sempre foi diferente da postura de Ciro.
Apesar disso, a postura que prevalece no PT é não conflitar com
Ciro. Agora, não conflitar é uma coisa; submissão é outra. Falando claro: a "chapa esquentou" apenas quando se insinuou a possibilidade do PT apoiar Ciro.
**
Aldo afirma que “a liderança política, além da coragem, precisa
ter autocontrole, não deixar se dominar pelas emoções próprias descurados das
consequências políticas que eles proporcionam. Dirigentes não podem jogar
palavras ao vento sem pressupor que elas não geram consequências”.
Falando francamente, eu acho que isto parece conselho sacado de
livro de auto-ajuda: palavras válidas para toda e qualquer época, todo e
qualquer dirigente, de todo e qualquer partido. E, geralmente, palavras que se
recomendam a terceiros, mas que não são adotadas por quem as profere.
A questão substantiva é outra: frente à movimentação em favor de
uma aliança com Ciro Gomes, foi necessário reagir. E foi necessário reagir por
dois motivos: o primeiro diz respeito ao conteúdo real da tática e do programa
de Ciro; o segundo diz respeito ao famoso “plano B”.
Podemos gostar mais ou menos da forma como a reação foi feita.
Mas o conteúdo dela é correto. Aldo não gosta do conteúdo. Mas grande parte de
sua crítica diz respeito à forma.
Por exemplo: “parece que o PT não consegue se curar do
vício da arrogância - mal adquirido quando o partido estava no poder. O PT quer
a solidariedade de todos, mas se mostra pouco propenso a ser solidário com os
outros; quer a compreensão de todos e se mostra pouco compreensivo com os erros
e com os acertos dos outros. Sua arrogância o leva para o unilateralismo e para
o isolamento. Pensa ser a encarnação de uma verdade superior e não aceita
críticas. Vê-se portador de um destino manifesto e não consegue aceitar a ideia
de que boa parte da crise que está aí se deve aos seus erros. Foge de sua
responsabilidade”.
Não sei quando o PT esteve no “poder”. Deve ter sido em algum universo
paralelo. No universo onde vivemos, o poder esteve na mão dos de sempre. E se o
PT pode ser acusado de algo durante os anos em que esteve na presidência da
República, foi de ter sido excessivamente tolerante e compreensivo com os poderes fáticos, os aliados
de centro-direita, os meios de comunicação e o grande capital.
Não nego que parte dos problemas apontados por Aldo sejam reais.
Mas tenho a impressão de que ele customizou a crítica feita por ele mesmo, em tempos
passados, ao bolchevismo, aplicando esta crítica ao PT, sem fazer mediação
alguma.
Sou minoria no PT desde 1995. Durante a maior parte da história
do PT, militei em posições opostas às de Aldo. Evidentemente, não compartilho
as posições do grupo atualmente majoritário no Diretório Nacional do PT. Mas discordo do aspecto essencial da crítica feita por Aldo Fornazieri neste
texto, pois ao atacar os “dirigentes do partido e seus setores sectários”, o
que realmente está em jogo é a famosa defesa do plano B.
***
No seu estilo sizudo-porém-divertido, Aldo diz que “Gleisi e outros dirigentes vêm declarando que Lula sairá da prisão para a presidência da República. De três uma: ou se acredita que o Judiciário libertará Lula, algo inverossímil até o momento; ou se acredita que o PT tem força de mobilização capaz de libertá-lo, coisa que não está sendo vista; ou se acredita que Lula é um novo Daniel, que será salvo na cova dos leões pelo Anjo do Senhor. Admitindo-se a hipótese de que Lula seja liberto nesta semana pelo STF, haverá pela frente a enorme encrenca da viabilização legal de sua candidatura”.
No seu estilo sizudo-porém-divertido, Aldo diz que “Gleisi e outros dirigentes vêm declarando que Lula sairá da prisão para a presidência da República. De três uma: ou se acredita que o Judiciário libertará Lula, algo inverossímil até o momento; ou se acredita que o PT tem força de mobilização capaz de libertá-lo, coisa que não está sendo vista; ou se acredita que Lula é um novo Daniel, que será salvo na cova dos leões pelo Anjo do Senhor. Admitindo-se a hipótese de que Lula seja liberto nesta semana pelo STF, haverá pela frente a enorme encrenca da viabilização legal de sua candidatura”.
Feita esta introdução, vem a acusação: a direção está
estimulando a despolitização de uma militância ressentida que vai assumindo a tese
igualmente despolitizada do "Lula ou nada".
(Nota: usar a expressão “militância ressentida” me faz recordar os
defensores da ditadura, segundo os quais os familiares de presos, torturados,
mortos e desaparecidos eram movidos pelo desejo de vingança. É uma retórica clássica
dos que pretendem desqualificar as vítimas de uma injustiça. Aldo perde ao adotar tal termo.)
Depois da acusação, vem a conclusão: “da tática correta da manutenção
da candidatura Lula, dirigentes petistas parecem estar construindo a estratégia
da ilusão”.
Ops! Peço aos leitores que leiam de novo o texto de Fornazieri,
reproduzido ao final, e ajudem a responder a seguinte questão: se é correta a
tática da manutenção da candidatura Lula, então onde exatamente estaria o
erro de lutar por manter a candidatura Lula?
Aldo diz que “a política real continua correndo e o PT bloqueia
a sua própria tática, se ausenta do debate eleitoral e programático e não
oferece uma perspectiva de poder. A sua perspectiva está encarcerada em
Curitiba, exilada no silêncio e na dúvida”.
A política real está correndo? O PT bloqueia sua própria tática?
Não oferece uma perspectiva de poder? Sua perspectiva está encarcerada?
Ou seja: se entendi direito, Aldo acha que a tática de “manutenção
da candidatura Lula” foi correta, mas não é mais correta. Ou, pelo
menos estaria se esgotando.
Para facilitar o diálogo, suponhamos que isto seja verdade. Qual
a alternativa melhor?
Aldo mesmo responde parcialmente a questão, no último parágrafo
de seu texto, onde pode-se ler o seguinte: “se Lula puder concorrer e vencer,
o PT poderá ganhar tempo para se reconstituir, buscar um prumo, lembrando
sempre que o poder torna arrogantes forças pouco virtuosas,
degradando-as. Se Lula não concorrer, o PT será submetido a poderosas forças
centrífugas internas e externas e terá que enfrentar a sua própria verdade -
algo que não fez até agora”.
Ou seja: a
insistência do PT na candidatura Lula é totalmente lógica, se observada do
ponto de vista dos interesses do PT. Inclusive do ponto de vista daqueles petistas que admitem discutir, mais a frente, outras possibilidades.
Seria isto “hegemonismo” ou “partidismo”? Estaria o PT colocando
seus interesses acima dos interesses dos aliados e do país?
Poderia ser "hegemonismo", por exemplo, se o PT estivesse trabalhando
para impedir que outras forças lançassem suas candidaturas. Mas não é este o
caso. Aliás, como já foi dito antes, o PT deu várias demonstrações, nas últimas décadas,
de sua disposição em fazer alianças e ceder a cabeça de chapa. Mas na situação
atual, qual lógica eleitoral e política haveria em abrir mão de Lula e ceder a
cabeça de chapa na disputa presidencial??
Poderia ser "partidismo", por exemplo, se o PT estivesse impedindo
a construção de uma saída política democrática para a crise nacional. Mas tampouco
é este o caso. Quem está bloqueando uma saída política democrática para a crise
nacional é quem deseja impedir uma eleição democrática, é quem deseja impedir
Lula de concorrer.
E também quem insiste, mesmo com a melhor das intenções, para
que o PT abaixe a cabeça frente ao arbítrio. Aliás, abrir mão da candidatura Lula seria a maneira mais
rápida de construir uma nova derrota.
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PT: construindo uma nova derrota?
por Aldo Fornazieri
O PT
vem colhendo derrotas sucessivas desde o início de 2015. Erros de avaliação,
imobilismo e falta de comando foram os principais móveis dessa desditosa
caminhada. A rigor, os sinais de perda de combatividade e virtude já se
verificavam nas eleições de 2014. Na reta final do embate entre Dilma e Aécio
foi a mobilização de setores da sociedade civil, da intelectualidade e de
petistas afastados e desgostosos que garantiu a vitória ante a ameaça do
triunfo do tucano.
Nas andanças pelas sendas espinhosas das derrotas o mais duro revés foi ter
sido o PT apeado do poder pelo golpe do impeachment. A segunda vicissitude
duríssima, que se equivale à primeira, consiste em ver Lula preso, com forte
tendência de ficar fora do pleito de 2018. No meio desses dois tormentos, o
devastador resultado das eleições municipais de 2016, que reduziu praticamente
pela metade o número de prefeituras comandadas pelo partido. Se o PT não havia
respondido de forma satisfatória ao longo de todo o processo do
golpe-impeachment, o mesmo aconteceu durante via crucis judicial de
Lula. A direção pareceu acreditar mais nos juízes e nos embates advocatícios do
que na mobilização social.
Acomodado
às sombras do poder nos anos de bonança, adoentado pelo burocratismo, comandado
por direções fracas nas últimas gestões, o PT foi perdendo o vigor da luta e as
virtudes do combate dos tempos de ascensão, ao mesmo tempo em que foi perdendo
a capacidade de formulação e enfraquecendo sua competência para ler
corretamente as conjunturas e de deduzir ações eficazes a partir dessas
leituras.
O PT
dos últimos tempos está longe de ser o PT dos comandos de Lula, de José Dirceu
e de José Genoino. Naqueles tempos, o partido tinha unidade de comando, mesmo
sendo uma agremiação de formação plural. Já em 2014 Lula fez várias
admoestações sobre a necessidade de o PT mudar, se renovar, se revigorar. A
rigor, com a atual direção, ocorre o mesmo que ocorria durante o movimento pela
derrubada de Dilma: os dirigentes são generais sem exército e os militantes são
um exército sem generais.
A
partir de uma tática correta - a de manter a candidatura Lula - a direção do PT
vem dando sinais, nas últimas semanas, de que está disposta a construir uma
nova derrota. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, vem se especializando
em dar declarações politicamente inconvenientes. O seu maior feito nesta arte
consistiu em emitir uma nota em defesa do mandato de Aécio Neves quando o STF o
havia suspendido.
Agora,
declarou que o nome de Ciro Gomes não passa no PT "nem com reza
brava". Declaração desnecessária e inconveniente. Rendeu-lhe uma
retribuição de Ciro dizendo que sente pena dela. Ademais, a declaração derruba
pontes num momento em que é preciso agregar as forças progressistas para
enfrentar a direita, o conservadorismo e o neofascismo. Mas parece que Gleisi e
outros dirigentes do PT estão dispostos a empurrar forças para o lado do
inimigo.
A
partir da declaração de Gleisi as redes sociais foram tomadas por uma onda de
sectarismo de setores petistas contra Ciro. Engraçado que estes setores se
incomodam com Ciro e não se iraram com Michel Temer, repetido duas vezes como
vice de Dilma. Agora, tomados pela síndrome da traição, adquirida com Temer e
sua quadrilha, já antecipam uma suposta traição de Ciro. Não se pode negar a
Ciro o direito de fazer o que Lula fez: tornar-se palatável às elites (Carta ao
Povo Brasileiro) e encaminhar uma reforma da Previdência, entre outras coisas.
Um eventual governo Ciro será conciliador como foram os governos petistas e
como será um eventual novo governo do PT. Quem não concorda com este caminho
precisa, por coerência, votar em Guilherme Boulos.
Gleisi
e os setores sectários do PT deveriam aprender com Boulos e Manuela: mesmo
criticados inúmeras vezes por petistas, colocaram-se na linha de frente na
solidariedade a Lula e na defesa do direito de ele ser candidato. Boulos,
inclusive, convenceu a maior parte do PSol, partido recorrentemente atacado por
petistas, a defender Lula. A liderança política, além da coragem, precisa ter
autocontrole, não deixar se dominar pelas emoções próprias descurados das
consequências políticas que eles proporcionam. Dirigentes não podem jogar
palavras ao vento sem pressupor que elas não geram consequências.
Parece
que o PT não consegue se curar do vício da arrogância - mal adquirido quando o
partido estava no poder. O PT quer a solidariedade de todos, mas se mostra
pouco propenso a ser solidário com os outros; quer a compreensão de todos e se
mostra pouco compreensivo com os erros e com os acertos dos outros. Sua
arrogância o leva para o unilateralismo e para o isolamento. Pensa ser a
encarnação de uma verdade superior e não aceita críticas. Vê-se portador de um
destino manifesto e não consegue aceitar a ideia de que boa parte da crise que
está aí se deve aos seus erros. Foge de sua responsabilidade.
Aqui
é preciso registrar duas coisas: o PT tem um imenso capital político e social
acumulado por mais de três décadas de lutas. Os dirigentes do partido e seus
setores sectários não têm o direito de destruir esse capital, pois ele pertence
ao povo. Da mesma forma em que foi erguido, pode ruir se não houver virtude e
competência para comandá-lo. A virtude combativa e a boa fortuna podem estar se
deslocando para outros pontos e encarnar-se em outros partidos e outros
líderes. Sem as virtudes e a capacidade de comando de outrora, a direção do PT
não consegue mais manter a fidelidade daqueles tempos. Em que pese toda a
mobilização de vontades em torno de Lula, o fato é que a direção partidária
suscita muitas desconfianças.
Da
tática correta à estratégia da ilusão
Gleisi
e outros dirigentes vêm declarando que Lula sairá da prisão para a presidência
da República. De três uma: ou se acredita que o Judiciário libertará Lula, algo
inverossímil até o momento; ou se acredita que o PT tem força de mobilização
capaz de libertá-lo, coisa que não está sendo vista; ou se acredita que Lula é
um novo Daniel, que será salvo na cova dos leões pelo Anjo do Senhor.
Admitindo-se a hipótese de que Lula seja liberto nesta semana pelo STF, haverá
pela frente a enorme encrenca da viabilização legal de sua candidatura.
Dizer
que Lula sairá da cadeia para a presidência da República cria, na militância, a
crença de uma vitória sagrada. Criaram-se crenças em torno do "não
passarão", do "nenhum direito a menos" etc., e tudo ruiu.
A condução errada do partido vai gerando a despolitização de uma militância
ressentida que vai assumindo a tese igualmente despolitizada do "Lula ou
nada".
Assim,
da tática correta da manutenção da candidatura Lula, dirigentes petistas
parecem estar construindo a estratégia da ilusão. O que fazem com isso? Correm
todos para o muro das lamentações e choram o infortúnio de Lula, fazem a
exegese de seu sofrimento. Enquanto isso a política real continua correndo e o
PT bloqueia a sua própria tática, se ausenta do debate eleitoral e programático
e não oferece uma perspectiva de poder. A sua perspectiva está encarcerada em
Curitiba, exilada no silêncio e na dúvida.
É um
direito de qualquer partido, que tenha condições para tal, querer exercer a
hegemonia de um campo político determinado, dirigindo-o, agregando-o,
ampliando-o e reforçando-o. Mas hegemonia implica concessões aos aliados,
capacidade persuasiva de convencer esse campo pela justeza das propostas, da
distribuição do poder e da capacidade e virtude de comando.
Hegemonia
é diferente do hegemonismo. Este significa a tentativa de imposição pela força
real ou pressuposta e/ou pela suposição de uma superioridade qualquer.
Normalmente, o hegemonismo é exercido por forças políticas (e militares) que alcançaram
o poder em seus patamares mais altos. Quando o hegemonismo se manifesta em um
Império, Estado ou partido é um sinal de declínio e decadência. Tais forças não
conseguem mais manter as lealdades pela evidência de sua força própria e pela
justeza de suas propostas e de seu comando.
O
mundo partidário brasileiro, ou o que resta dele, caminha para uma redefinição
de campos e de linhas de força. À esquerda do PT, parte do que era hegemonizado
por ele se desgarrou, como é o caso do PCdoB e, parte, busca constituir-se como
uma força própria, que é o PSol. Outros parceiros do PT, o PSB e o PDT, também
buscam caminhos próprios. Os principais aliados do PT em seus governos - o PMDB
e partidos do centrão - foram para o golpe. Se Lula puder concorrer e vencer, o
PT poderá ganhar tempo para se reconstituir, buscar um prumo, lembrando sempre
que o poder torna arrogantes forças pouco virtuosas, degradando-as. Se
Lula não concorrer, o PT será submetido a poderosas forças centrífugas internas
e externas e terá que enfrentar a sua própria verdade - algo que não fez até
agora.
Aldo
Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
Muito bom!...
ResponderExcluirAldo Fornazieri sempre foi um dos escolhidos e chamados a dar entrevistas a Globo tv por ser partidario de Boulos ((ex Folha e Vamos financiado de Lemann)e Manuela (useful idiot do sistema)2 esquerdas dissidentes controlados e e globalizados Aldo sempre fez criticas negativas e demasiado contra o PT Ja nao basta SERGIO MORO DO FBI PERSEGUIR LULA E QUERER DESTRUIR O PT ??QUE FALTA DE CARATER!!JA NAO BASTAM OS GOLPISTAS TEREM VENDIDO O BRASIL E TER DADO A CULPA NO PT E O PSDB QUERER DESTRUIR LULA?JA NAO BASTA O GOLPE POLITICAMENTE DIRECIONADO AO MAIOR PARTIDO POLITICO DO BRASIL?A HORA NAO è ESTA!AS MOBILIZACOES DEVEM SER PARA TIRAR O LULA E SALVAR O PT DAS GARRAS DOS GOLPISTAS ALIADOS AOS EUA!!O RESTO è PICARETAGEM DE DIREITA TRAVESTIDO DE MANUELA E BOULOS!
ResponderExcluirO Foda é que nos duzentos anos de Marx "uma certa esquerda asseptíca", esquece Lênin, Stálin, Mao Tse tung, Fidel, Ho shi Minh etc....
ResponderExcluirOs que fizeram!...
ResponderExcluirÉ lamentável que as forças de esquerda no Brasil, ainda não entenderam a sabedoria do velho Mao: "Os inimigos de nossos inimigos são nossos amigos".
ResponderExcluirNeste momento temos que ter absoluta clareza de quais são nossos inimigos e nossos amigos. Traçar uma estratégia e definir uma tática para derrotar os inimigos do povo brasileiro. Estamos em Guerra.