sexta-feira, 12 de setembro de 2014

"Confundir e atacar"

Nas grandes redações (de revistas, jornais, rádios e televisões) há muitos profissionais sérios, honestos e competentes.

Há conservadores e direitistas que exibem estas qualidades. Gente que defende posições antagônicas às nossas, mas as defende por convicção e com argumentos.

Mas há um número importante de penas e línguas de aluguel, que em geral não se dão ao trabalho de pensar no que escrevem.

Estes mercenários (e mercenárias, pois há algumas ilustres) estão furiosos com a posição do PT acerca do Banco Central.

Vejamos um exemplo disto na imprensa de 12 de setembro, mais exatamente num texto do Valor Econômico intitulado "Um ataque inusitado à autonomia formal do BC".

Reproduzo o texto, na íntegra e em negrito, ao final.
 
Segundo o Valor, estaríamos diante de uma "discussão esotérica - a autonomia institucional do Banco Central", tema que eles reconhecem "importante, mas colocado na linha de frente dos palanques, produziu mais calor que luz e um festival de bobagens".

Claro: nenhum banqueiro, nem seus mercenários, gosta de ver seus "segredos" discutidos publicamente, na "linha de frente" dos palanques. Mas se há algum "esoterismo" na campanha eleitoral, ele não tem origem nos que defendem a candidatura Dilma Rousseff.

Segundo o Valor, "os  marqueteiros da presidente Dilma Rousseff não entraram na discussão para esclarecer, mas para confundir - e atacar. Criaram uma peça de rara desonestidade em que, no final, pérfidos banqueiros, que tomaram naturalmente o Banco Central autônomo, roubam a comida da mesa do pobre cidadão brasileiro - adverte-se que podem fazer outros males, como produzir desemprego, queda dos salários etc."

Não é patético? 

Um jornal que publica cotidianamente textos sobre a crise internacional, que sabe dos efeitos deletérios da especulação financeira sobre o emprego e os salários de dezenas de milhões de pessoas em todo mundo, considera "desonestidade" falar disto na campanha eleitoral.

Valor sabe disto. E por isto nem ao menos tenta elencar argumentos para sustentar o ponto de vista segundo os quais a especulação financeira é benéfica, ou que faz bem para o Brasil ter um oligopólio financeiro tão influente. 

Não, nada disto. O que faz Valor? Tenta "confundir e atacar".

Segundo o Valor, Lula e Dilma "mantiveram relações amistosas com a banca, um dos principais financiadores de suas campanhas". Logo, o objetivo da propaganda petista "nada tinha a ver com a proposta de autonomia formal do BC. Visavam deter no desespero a ascensão da candidata do PSB, que tem como conselheira Neca Setubal, herdeira do banco Itaú, associando a imagem de Marina à da parcela mais rica e aristocrática da elite nacional".

Divertido.

Suponhamos que seja 100% verdade que Lula e Dilma "mantiveram relações amistosas com a banca". 

Aceita esta hipótese, decorre que Dilma deveria ser a favor da independência do Banco Central? 

Ou seja, decorre que Dilma deveria ser a favor de ampliar a influência "da parcela mais rica e aristocrática da elite nacional" sobre a economia e sobre a política brasileira?

É óbvio que, mesmo que fosse aceita a premissa do Valor, dela não decorre necessariamente a defesa da independência do BC.

Argumentar que usar "bancos como espantalho não combina com o passado" é como dizer que um governo que não reduziu como podia os juros não tem o direito e o dever de lutar contra a ampliação dos juros. 

Um dos problemas da candidatura Marina reside exatamente nisto: seu programa defende ampliar a influência dos banqueiros, via independência do Banco Central.
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Ainda na linha de "confundir e atacar", Valor diz que "setores do PT" sempre "torceram o nariz para a autonomia formal do BC". 

Setores?

Mentira. Nas instâncias do PT, a proposta de independência do Banco Central nunca foi aprovada, nem mesmo proposta para debate e aprovação.. 

A verdade é: todo o PT sempre foi contra a proposta de independência do BC. 

O Valor diz que "a proposta é polêmica e há bons argumentos contrários e favoráveis a ela. A discussão é complexa. Há modelos diferentes, mas basicamente a autonomia em lei visa evitar interferências políticas na condução da política monetária, com mandatos fixos não coincidentes para os membros do BC, regras para sua destituição, escolha etc."

Este é o ponto crucial: "evitar interferências políticas". 

Política é luta pelo poder. Evitar "interferências políticas" no BC tem como resultado prático deixar apenas aos banqueiros e seus funcionários o poder de tomar decisões

Ou seja, o que se pretende é evitar "interferências políticas"... da maioria do povo, dos que pagam a conta.

Ou seja, evitar "interferências políticas"... é deixar que só interfiram politicamente os banqueiros e seus funcionários.

É óbvio que esta proposta só interessa a plutocracia, aos setores "mais ricos e aristocráticos da elite".

É óbvio, também, que esta proposta é indefensável publicamente.

Por isto, o mesmo Valor que falou que a independência visa "evitar interferências políticas" diz que não é bem assim, diz que na verdade as "metas e os objetivos que o BC autônomo perseguirá, à sua maneira, são determinadas fora dele, pelo Executivo com ou sem aval do Congresso. É o Executivo também que deve indicar os escolhidos para o cargo, que serão examinados e aprovados (ou não) pelo Congresso. Da mesma forma, a meta de inflação, ou de crescimento, ou ambas, podem ser fixadas pelo Executivo, ao passo que a prestação de contas costuma ser periódica e é feita ao Congresso. Assim, para que haja um festim de banqueiros com as merendas tiradas da mesa do povo na sede de um novo BC autônomo, como mostra a propaganda petista, é preciso que tudo isso seja feito com o expresso consentimento dos representantes desse mesmo povo".

Não é preciso ser muito esperto para ver que tem algo faltando nesta argumentação. 

Pois se é assim como está dito no parágrafo anterior, no que então residiria a diferença entre a situação atual (em que há alguma interferência política) e a situação que Marina deseja (em que se vai evitar a interferência política)?

Ou, dizendo de outro modo, do que têm medo os banqueiros, que os leva a tentar reforçar sua influência via aprovação da "autonomia formal" do BC?

O Valor acha "golpe baixo" dizer que esta diferença (entre o que temos hoje e a independência defendida por Marina) seria favorável aos banqueiros e prejudicial ao povo. 

Diz, também, que Marina tem dificuldade para reagir "por não se sentir à vontade com uma ideia que não era sua". 

Bom, se não era, passou a ser, pois como o próprio Valor lembra, Marina agora diz que "o país não volta a crescer e os investimentos a se revigorar se a autonomia do BC não virar lei".

Valor diz que a independência do Banco Central "não tem apelo eleitoral". 

Mentira, tem: a defesa desta proposta faz Marina perder votos. 

Por isto Valor quer tirar o assunto da pauta, quer que o tema saia da campanha eleitoral. E morre de medo que um segundo mandato Dilma quebre o domínio do oligopólio financeiro sobre a economia brasileira.

A este respeito, vale a pena reler atentamente o parágrafo final do texto de Valor.

Lá está disto: "supondo-se que [Lula] não gostasse [dos bancos], teria de ser amistoso, porque os bancos detinham boa parte da dívida mobiliária federal interna de R$ 623 bilhões, quando Lula assumiu o poder em 2003, e de mais de R$ 1,6 trilhão, quando o deixou no fim de 2010". 

Ou seja: segundo o Valor, o presidente da República tem que ser amistoso com os bancos, porque os bancos são credores do governo.

Lá também está disto: "A presidente Dilma tentou derrubar os juros, mas errou no método, aumentando ao mesmo tempo as dívidas e reduzindo a economia necessária para pagá-las. Os juros voltaram a ser o que eram antes dela chegar ao Planalto. E uma forma de ganhar alguma autonomia em relação aos bancos é não precisar tanto deles".

Ou seja: segundo o Valor, o "método" adequado é ampliar o superávit primário paga pagar as dívidas.

É isto que eles querem do segundo mandato. E é por isto que eles defendem a independência do Banco Central.

Afinal, se voce deve mil reais ao banco, o problema é seu. Mas se você deve 1 trilhão, o problema é do banco.




Segue abaixo o texto criticado.


Um ataque inusitado à autonomia formal do BC - Valor Econômico 
A campanha eleitoral tomou rumos inusitados desde que Marina Silva, candidata do PSB à Presidência, mostrou-se com potencial para destronar o PT do poder. Uma discussão esotérica - a autonomia institucional do Banco Central - concentra por dias a fio a atenção e a agenda dos candidatos e promete ir longe. O tema é importante, mas colocado na linha de frente dos palanques, produziu mais calor que luz e um festival de bobagens.
Os marqueteiros da presidente Dilma Rousseff não entraram na discussão para esclarecer, mas para confundir - e atacar. Criaram uma peça de rara desonestidade em que, no final, pérfidos banqueiros, que tomaram naturalmente o Banco Central autônomo, roubam a comida da mesa do pobre cidadão brasileiro - adverte-se que podem fazer outros males, como produzir desemprego, queda dos salários etc.
Mas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff mantiveram relações amistosas com a banca, um dos principais financiadores de suas campanhas. O objetivo das peças eleitorais na verdade nada tinha a ver com a proposta de autonomia formal do BC. Visavam deter no desespero a ascensão da candidata do PSB, que tem como conselheira Neca Setubal, herdeira do banco Itaú, associando a imagem de Marina à da parcela mais rica e aristocrática da elite nacional.
Talvez a escolha do tema de ataque tenha surpreendido Marina. Ela não concordava com a proposta que acabou fazendo porque o ex-cabeça de chapa, Eduardo Campos, tinha se comprometido com a bandeira antes de morrer. E também porque nos governos petistas, em especial nos dois primeiros mandatos de Lula, o banqueiro Henrique Meirelles comandou o BC e dispôs de invejável carta branca. Chegou a ganhar status de ministro, livrando-se da subordinação hierárquica à Fazenda. Um governo petista usando bancos como espantalho não combina com o passado.
Setores do PT, e até mesmo do PSDB, sempre torceram o nariz para a autonomia formal do BC. A proposta é polêmica e há bons argumentos contrários e favoráveis a ela. A discussão é complexa. Há modelos diferentes, mas basicamente a autonomia em lei visa evitar interferências políticas na condução da política monetária, com mandatos fixos não coincidentes para os membros do BC, regras para sua destituição, escolha etc.
Um dos pontos fundamentais é que as metas e os objetivos que o BC autônomo perseguirá, à sua maneira, são determinadas fora dele, pelo Executivo com ou sem aval do Congresso. É o Executivo também que deve indicar os escolhidos para o cargo, que serão examinados e aprovados (ou não) pelo Congresso. Da mesma forma, a meta de inflação, ou de crescimento, ou ambas, podem ser fixadas pelo Executivo, ao passo que a prestação de contas costuma ser periódica e é feita ao Congresso. Assim, para que haja um festim de banqueiros com as merendas tiradas da mesa do povo na sede de um novo BC autônomo, como mostra a propaganda petista, é preciso que tudo isso seja feito com o expresso consentimento dos representantes desse mesmo povo.
Tudo isso a presidente Dilma e boa parte dos petistas sabem. Perplexa diante do golpe baixo, Marina Silva sacou uma "bolsa banqueiro" de duvidoso calibre para revidar. Talvez por não se sentir à vontade com uma ideia que não era sua, ela evitou desmontar os argumentos indigentes contra ela apresentados. E exagerou na argumentação, ao sugerir que o país não volta a crescer e os investimentos a se revigorar se a autonomia do BC não virar lei. Mesmos os liberais tucanos não deram prioridade ao assunto - ele não tem apelo eleitoral.
O governo Lula deu-se bem com os banqueiros, que lucraram para valer em seu governo, porque sua política econômica permitiu que milhões de pessoas que nunca haviam tomado crédito batessem às portas dos bancos. E, supondo-se que não gostasse deles, teria de ser amistoso, porque os bancos detinham boa parte da dívida mobiliária federal interna de R$ 623 bilhões, quando Lula assumiu o poder em 2003, e de mais de R$ 1,6 trilhão, quando o deixou no fim de 2010. A presidente Dilma tentou derrubar os juros, mas errou no método, aumentando ao mesmo tempo as dívidas e reduzindo a economia necessária para pagá-las. Os juros voltaram a ser o que eram antes dela chegar ao Planalto. E uma forma de ganhar alguma autonomia em relação aos bancos é não precisar tanto deles.


2 comentários:

  1. De fato os governos Lula e Dilma defenderam e operacionalizaram a autonomia do Banco Central, particularmente com o Dr. Henrique Meireles. Em uma entrevista pública a Presidenta defende a autonomia operacional do BC. https://www.youtube.com/watch?v=oLECoPGkzMc.

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  2. Alexandre Tombini, na ocasião de sua indicação ao cargo de presidente do BC explica que o banco central é operacionalmente autônomo. https://www.youtube.com/watch?v=dLRrOOC7Utc

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