domingo, 8 de dezembro de 2013

Comentário

(Terceira versão, parcialmente revisada)

A secretaria geral nacional do Partido dos Trabalhadores divulgou, recentemente, três textos que servirão de base aos debates do V Congresso Nacional do PT.
O primeiro destes documentos é a Convocatória do V Congresso, datada de 8 de dezembro de 2012. O segundo documento é uma Resolução política do Diretório Nacional do PT, de 29 de julho de 2013. O terceiro documento é uma Contribuição ao debate, escrita por Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini, que corresponde no fundamental a um texto divulgado ainda durante o PED 2013.
Curiosamente, a secretaria geral não divulgou, como um dos subsídios ao debate congressual, a tese apresentada pela chapa que venceu o PED. Como veremos adiante, não se trata de um lapso.
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O V Congresso do PT foi solenemente convocado, há um ano, em dezembro de 2012. Mas desde o debate que resultou na aprovação da Convocatória, ficou clara a existência, na direção nacional do Partido, de pelo menos duas posições distintas a respeito.
A ampla maioria, senão toda a direção nacional reconhecia a necessidade de um debate estratégico e programático de fundo. Ao mesmo tempo, reconhecia existir uma contradição entre as necessidades da luta política imediata, por um lado, e as diretrizes mais estratégicas e programáticas que poderiam ou deveriam emergir do Congresso.
Num primeiro momento, como se pode perceber na leitura da Convocatória, prevaleceu a ideia de resolver esta contradição, elevando e corrigindo nossa tática de acordo com as necessidades de nossa estratégia e programa.
Num segundo momento, como também se pode perceber na leitura da Contribuição, prevaleceu outra ideia: a de controlar o escopo dos debates congressuais, para que eles não prejudicassem nosso desempenho na disputa eleitoral de 2014.
Esta polêmica, entre duas visões acerca da relação entre tática e estratégia, entre eleições e programa, apareceu de diversas formas.
Por exemplo: qual deveria ser o documento base do V Congresso? A tradição manda que seja o texto apresentado pela chapa mais votada ou, se nenhuma chapa tiver maioria absoluta, que seja aquele texto que venha a ser aprovado pela maioria de delegados e delegadas.
A comissão do Congresso (coordenada por Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini) optou por outra solução: a elaboração de um documento de Contribuição, que deveria ser debatido pela Executiva Nacional, pelo Diretório Nacional, depois em seminários abertos, num processo simultâneo ao PED. E, após o PED, a Contribuição seria refeita, incorporando as contribuições das teses apresentadas ao debate. Ou sendo incorporada pela tese vencedora.
Essa solução adotada pela comissão do Congresso foi um compromisso entre distintas posições, especialmente entre as que sustentavam caber à base do Partido debater e votar o que será deliberado pelo Congresso, versus as que advogavam que o PED não é, ao menos neste momento, espaço adequado para um debate programático e estratégico de fundo. Posição que, se verdadeira, deveria nos levar a um questionamento mais sério sobre o PED e sobre os mecanismos democráticos pelos quais o PT elege suas direções e os delegados que, ao fim e ao cabo, definem a linha partidária.
Seja como for, os debates previstos pela comissão do Congresso nunca ocorreram. E os debates do PED deixaram muito a desejar, ao menos do ponto de vista programático e estratégico. E, salvo engano, o documento agora distribuído como Contribuição ao V Congresso é basicamente o mesmo produzido e distribuído, aos membros da comissão e da direção, antes do PED.
A chapa “Partido que muda o Brasil”, que recebeu a maioria absoluta dos votos no PED, abriu mão de sua tese em favor da Contribuição. De nossa parte, é claro, perguntamos por qual motivo tal chapa não adotou oficialmente a Contribuição desde o início do PED. Neste caso, ela poderia ter sido apresentada e debatida pelos filiados e filiadas ao longo do PED. Cabe aos signatários responder, mas o fato é que o V Congresso vai debater um documento com certo déficit de legitimidade.
Este problema seria secundário, se a Contribuição estivesse à altura dos desafios postos frente ao PT, ao governo Dilma e a classe trabalhadora brasileira. Infelizmente, como buscaremos demonstrar a seguir, não é o caso. A Contribuição é um documento totalmente aquém das necessidades táticas e estratégicas do PT. E é assim, entre outros motivos, porque a maioria da nova direção nacional decidiu “não mexer em time que está ganhando”.
Como diz a Contribuição: “No ano de 2014 a ação do PT estará concentrada na reeleição da companheira Dilma Rousseff à presidência da República, na expansão de suas bancadas no Senado Federal, na Câmara de Deputados e nas Assembleias Legislativas. Da mesma forma, terá papel central o aumento do número de seus governadores. Claro está que todos estes embates eleitorais exigirão a consolidação, ampliação e qualificação de nossas alianças políticas, essencial não só para vencer as eleições como para o exercício futuro dos governos em nível nacional e estadual. Ainda que as questões programáticas em jogo nas eleições de 2014 não possam ser separadas totalmente de uma política de longo prazo do partido, é necessário evitar que esses temas, de natureza estratégica, se sobreponham e confundam o debate eleitoral do próximo ano”.
Segundo nossa interpretação, o trecho acima reproduzido quer dizer o seguinte: não estamos seguros de que a tática para 2014 ajude a política de longo prazo do Partido, mas estamos convictos de que debater agora certos temas de longo prazo pode dificultar nosso desempenho eleitoral. Logo, melhor não misturar as duas coisas.
Esta opção política da maioria da direção nacional do nosso Partido --opção totalmente legitimada pelo resultado globalmente “continuísta” do PED 2013-- pode ter vários desdobramentos, inclusive “dar certo” (nos limites do que ela se propõe). Ou seja: pode ser que tenhamos condições de primeiro ganhar a eleição presidencial em 2014 e depois debater os desafios de médio e longo prazo.
Mas há três variantes alternativas, que nos preocupam.
Na primeira delas, podemos perder as eleições presidenciais, entre outros motivos porque não percebemos a necessidade de mudar a tática e a estratégia adotadas até aqui.
Na segunda delas, podemos ganhar as eleições presidenciais e fazermos um segundo governo coerente com a tática adotada para ganhar as eleições 2014, mas aquém das necessidades estratégicas, o que terá consequências profundamente negativas até 2018 e em 2018.
Na terceira delas, podemos ganhar as eleições. E, passadas as eleições presidenciais, tentarmos fazer um “giro” na atuação do governo e do Partido, mas sem ter construído, durante o processo eleitoral, algumas das bases políticas necessárias para tal.
Para o bem do Partido, esperamos que a maioria da direção nacional esteja certa e que seja possível, primeiro vencer, depois debater as alterações programáticas e estratégicas, e em seguida implementar as mudanças na política partidária.  A favor desta hipótese está o fato da história já ter mostrado várias vezes, que “sorte” e “juízo” as vezes se combinam de forma inusitada.
Porém, somos de opinião que o Partido não deveria subestimar os riscos contidos na primeira variante. O grande capital, a mídia, a direita local e internacional estão fazendo um grande esforço para produzir uma “tempestade perfeita”. E nosso governo tem reagido a isto de maneira cada vez mais recuada, fazendo um grande esforço para conciliar com os interesses do grande Capital e do rentismo. Já nosso Partido tem sido excessivamente cauteloso frente aos ataques da direita e também frente às reclamações de parcelas de nossa base social. O esforço da direita e as reações defensivas a ele projetam um cenário perigoso, econômica, política e eleitoralmente falando.
Apesar da subestimação desses riscos, o mais provável segue sendo nossa vitória na disputa presidencial de 2014, com a reeleição da presidenta Dilma. ainda que no segundo turno, e ainda que com dificuldades. Neste caso da provável reeleição, cabe perguntar: ganharemos as eleições em que condições? Conseguiremos fazer um segundo mandato Dilma que seja superior ao atual?
É claro que há várias maneiras de criar, numa disputa eleitoral, as condições para um governo superior. Uma delas, a preferida por nós, é transformar a eleição num debate entre projetos políticos, como fizemos, por exemplo, no segundo turno de 2006. O que contribuiu muito para que o segundo mandato de Lula fosse melhor do que o primeiro.
Outra destas maneiras é ampliar nossa presença no Congresso, nos governos e legislativos estaduais. Uma vitória petista nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e/ou Minas Gerais pode mudar a correlação de forças políticas. Parece ser esta, aliás, a opção prioritária de setores da maioria da direção nacional: buscar uma grande vitória eleitoral, sem destacar o confronto programático.
Ocorre, porém, que certas vitórias eleitorais podem funcionar como alavanca ou, ao contrário, como peso morto, como algumas prefeituras conquistadas em 2012 estão demonstrando. E, de maneira mais geral, sem uma orientação política adequada, é difícil imaginar que a simples conquista de governos e mandatos legislativos seja solução para os problemas estratégicos de fundo que estamos enfrentando.
Reconhecemos que a maioria da nova direção nacional tem todo o direito, depois da vitória obtida no PED, de insistir na manutenção da atual tática e estratégica. Dizendo com nossas palavras, a maioria tem o direito de continuar insistindo numa postura geral defensiva e aquém das necessidades e possibilidades da conjuntura e do período histórico.
Da nossa parte, respeitando o direito da maioria implementar a política vitoriosa, exerceremos nosso direito de continuar insistindo na necessidade de um imediato giro estratégico e tático, assim como organizativo. Achamos que a conjuntura de 2014 será turbulenta, que a campanha eleitoral será muito difícil, que o PT precisa de outra postura e de outra política, para vencer, para governar e principalmente para transformar o Brasil.
Feito este esclarecimento inicial, passemos à análise da Contribuição, da Convocatória e da Resolução citadas, bem como da Tese apresentado pela chapa “Partido que muda o Brasil”. 
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A parte inicial da Contribuição traz uma série de considerações sobre a conjuntura histórica em que o PT surgiu, se desenvolveu e chegou a presidência da República. O grande defeito dessas considerações é seu caráter teleológico, como se nossa trajetória fosse um processo linear que nos conduziu à “formulação das linhas gerais com as quais os governos Lula e Dilma começaram a realizar a grande mudança pela qual o Brasil vem passando nos últimos anos”.
Acontece que o governo Lula foi e o governo Dilma é uma coalizão política e social. O que eles são ou deixam de ser não é, portanto, produto exclusivo da ação do PT, nem da classe trabalhadora brasileira. Pelo contrário, é produto do confronto entre grandes blocos político-sociais, sendo que o bloco capitaneado pelo PT é extremamente diversificado, nem sempre predominando nele as posições do nosso Partido (vide o tema da jornada de trabalho, que o PMDB fez excluir do programa de governo que apresentamos às eleições presidenciais de 2010).
Não perceber isto tem consequências políticas e teóricas muito graves. Colocar um sinal de igualdade entre o acumulado historicamente pelo partido e a resultante produzida pelo governo, é uma das muitas formas de confundir partido e governo. No caso, rebaixando as tarefas e objetivos históricos do primeiro (o Partido) aos limites do segundo (o governo).
De toda forma, a Contribuição reconhece que estamos diante de uma nova situação, produto em parte de nossa ação. Mas o texto não destaca adequadamente as principais mudanças ocorridas neste período: por um lado, as mudanças ocorridas na classe trabalhadora assalariada, que sofreu mutações geracionais e sociológicas; por outro lado, a atitude do grande Capital, que não está disposto mais a tolerar a política de “bem estar social” e de “estatal-nacional-desenvolvimentismo” insinuadas ao longo de nossos primeiros 11 anos de governo.
É principalmente a conjunção destas duas mudanças, num ambiente de crise internacional, que nos leva a concluir que estamos diante de um esgotamento da estratégia adotada pelo PT desde 1995, sendo necessário e urgente mudar de estratégia. Obviamente, a Contribuição não compartilha deste raciocínio.
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Em seguida, a Contribuição faz um resumo do que já havia sido dito na Convocatória, a exemplo da necessidade de um balanço dos mandatos Lula e Dilma. Acontece que a Contribuição já enquadra este “balanço” numa interpretação pré-concebida: a de que teria ocorrido uma “Grande Transformação econômica, social e política que mudou a cara do Brasil em 11 anos, projetando o país, de forma inédita, na cena internacional”.
Esta tese, da “Grande transformação” (Karl Polany??), é ótima como peça eleitoral, mas é péssima como paradigma de interpretação. Afinal, que “Grande transformação” foi esta, que não tocou nas estruturas mais profundas do país?
Não adotamos a jornada de 40 horas, não conseguimos os recursos orçamentários necessários para a Saúde, não fizemos a reforma política, não fizemos a reforma tributária, não fizemos a democratização da comunicação, não fizemos a reforma agrária, não fizemos a reforma urbana, não tocamos no oligopólio do capital financeiro, não colocamos na cadeira os criminosos da ditadura militar etc.
Antes que os governistas reclamem, queremos deixar claro que nós valorizamos profundamente tudo o que foi feito nesses 11 anos. Mas não queremos nem podemos perder de vista que as mudanças realmente profundas, no sentido de estruturais, ainda estão por fazer. Aliás, porque não fizemos tais mudanças profundas, corremos o risco de um retrocesso. Pior: já estamos sofrendo retrocessos em algumas áreas.
O que ocorre, talvez, é que a Contribuição padece de um problema cada vez mais comum aos escritos e “teorizações” de um setor do Partido: tomar como parâmetro o nível de consciência dos setores mais empobrecidos da classe trabalhadora. Sem dúvida, para estes setores, houve uma mudança profunda nos últimos dez anos. Mas do ponto de vista dos interesses históricos da classe trabalhadora, percebidos pelos setores mais organizados e conscientes da classe, é óbvio que as mudanças mais profundas ainda estão por fazer.
A Contribuição, repetindo a Convocatória, diz que “o PT não tem sido capaz de construir uma narrativa de sua experiência governamental”. Mas não se pergunta por qual motivo o PT não tem sido capaz de construir esta narrativa. E uma das respostas poderia ser: por razões político-eleitorais, nosso Partido fica espremido pela necessidade de proclamar os sucessos táticos e constrangido quando se trata de apontar as deficiências estruturais, programáticas e estratégicas.
A Contribuição (nos pontos 14, 15 e 16) raciocina neste mesmo sentido que estamos apontando. E chega ao ponto de reconhecer que nosso governo é “progressista”. Não socialista. Não de esquerda. Não democrático-popular. Nem mesmo de “grandes transformações”, mas apenas progressista.
Mas mesmo aqui, em que aparentemente vai melhor, o texto que estamos criticando revela um de seus defeitos fundamentais. Nos referimos ao seguinte trecho da Contribuição: “o realismo político – que o exercício de responsabilidades governamentais exige – não pode sufocar a utopia, ficar cego e surdo às demandas que surgem na sociedade, mesmo quando elas aparecem como contraditórias”.
A Contribuição contrapõe, portanto, a “utopia” das ruas ao “realismo político” do governo. Acontece que o problema é exatamente o oposto: nosso governo tem sido tão mais “realista que o rei”, que cai seguidas vezes numa postura completamente utópica. Acha que é possível compatibilizar os interesses e as necessidades nacionais, democráticas e populares da maioria do povo, com os interesses do grande Capital e da direita.
Vemos com alguma simpatia o esforço que a Contribuição faz para “acomodar” as dificuldades do governo e do Partido. Mas o problema está mal posto pela Contribuição, pois a questão não é “governo” versus “partido”.
Quem coloca as coisas nestes termos quer ter o governo como escudo, como proteção, como pretexto para justificar suas posições: “não faço tal e qual coisa porque as condições do governo não permitem”. Quando na verdade o problema está no confronto entre duas visões estratégicas distintas, existentes dentro do Partido, duas visões entre as quais não há nem pode haver acomodação.
Vejamos um caso concreto: a questão da democratização da comunicação. Perguntamos se a postura do governo frente ao tema pode ser explicada, ou desculpada, ou compreendida, com as seguintes considerações que constam da Contribuição: “não é fácil para um Governo, sobretudo de esquerda: (1) estabelecer equilíbrio entre ação e reflexão e entre o urgente e o importante; (2) resolver as dificuldades institucionais e burocráticas que se antepõe à ação governamental e (3) entender e dar conta das novas reivindicações que surgem na sociedade”.
A verdade é que a postura do nosso governo frente ao tema da democratização da comunicação não se explica, nem se desculpa, nem se compreende por nenhuma dessas considerações. A postura do governo advém de uma visão estratégica errada, baseada na conciliação com o oligopólio da mídia. Nesta questão, aliás, a Contribuição está aquém daquilo que o próprio PT já deliberou a respeito. A direção nacional do PT que finda seu mandato dia 11 de dezembro já disse claramente claro que existe, sobre este tema, uma divergência de fundo.
O Mais Médicos já demonstrou que a correlação de forças, inclusive dentro do governo, permite fazer mais, quando se tem disposição estratégica e vontade política. Mas na ausência de uma estratégia adequada, não nos admiremos que alguns setores usem o Mais Médicos como justificativa para adiar ou não implementar o conjunto das medidas necessárias ao SUS, que não pode ser “SUS para pobres”, que não pode ser médico-centrado e que não pode receber um financiamento inferior ao necessário.
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A Contribuição faz uma crítica acerca da versão que a oposição e o oligopólio da comunicação difundem sobre os governos Lula e Dilma. Não é preciso dizer que concordamos que a direita e a mídia mentem a nossa respeito. Paradoxalmente, a Contribuição deixou de dizer algo fundamental: a tese segundo a qual os “êxitos econômicos de Lula-Dilma foram apenas continuidade do Governo FHC” foi vitaminada por setores do próprio PT.
Em primeiro lugar, pelo paloccismo, que nunca se resumiu a pessoa do ex- ministro da Fazenda. Embora seja dele, Antonio Palocci pessoa física, a primazia de, num famoso evento em Comandatuba (BA), ter apresentado nosso governo como de continuidade.
Em segundo lugar, por amplos setores do PT que namoraram (será certo utilizar este tempo verbal, perguntamos ao leitor) a ideia de uma aliança estratégica entre PT e PSDB. E isto não é algo do passado longínquo: lembremos de Fernando Pimental em Belo Horizonte, no ano de 2012, por exemplo.
Em terceiro lugar, pela recusa a golpear fundo o capital financeiro, reverter as privatizações, rever a legislação neoliberal, denunciar em tempo hábil a herança maldita recebida etc etc.
Ao contrário do que dá a entender a Contribuição, nossa defensiva no debate ideológico advém não da falta de uma “narrativa” alternativa, mas sim da falta de uma política consequente. No segundo mandato Lula, por exemplo, a inflexão desenvolvimentista foi mais poderosa e eficaz para nos tirar da defensiva, do que teria sido capaz qualquer narrativa. E as medidas adotadas recentemente pelo governo Dilma, no tocante as concessões e os juros, tornam cada vez mais difícil construir uma narrativa convincente.
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A Contribuição aponta que “desde 2003, sobretudo, temos enfrentado dificuldades em mudar o sistema político brasileiro, verdadeira camisa de força que impede transformações mais profundas e impõe um “Presidencialismo de coalisão”, que corrói o conteúdo programático da ação governamental”.
Mas atenção: temos “enfrentado dificuldades” em mudar este sistema, em primeiríssimo lugar porque não tentamos mudá-lo no momento certo, com a intensidade necessária e com a radicalidade indispensável. E optamos por tentar governar nos marcos da institucionalidade estatal herdada.
Esta opção não decorreu apenas de um cálculo “objetivo” de custo e benefício, mas também porque setores do PT e da esquerda adaptaram-se complemente a esta institucionalidade.
Isto tem conduzido a um rebaixamento também de nossos horizontes. De Assembléia Constituinte, passamos a falar de Constituinte exclusiva para tratar da reforma política. De reforma política vamos deslizando para algumas reformas. E de algumas reformas acabamos tendo que nos esforçar para evitar que eles façam contra-reformas.
O rebaixamento, é bom que se diga, é também “teórico”. Exemplo: a Contribuição diz que somos prisioneiros “de um sistema eleitoral que favorece a corrupção e de uma atividade parlamentar que dificulta a mudança, a despeito da vontade das forças progressistas”. É claro que isto é verdade. Mas o problema do sistema eleitoral brasileiro é anterior a este: ele distorce a vontade popular. Ou seja: ele não é democrático.
E não se trata apenas de falar –como a Contribuição fala acerca do Judiciário— de instituições “permeadas” por “interesses privados”. Não se trata de “interesses privados” genericamente falando. A democracia brasileira está estruturada para garantir o predomínio dos interesses do grande Capital. E tanto isto é verdade que, à medida que os trabalhadores furaram o bloqueio eleitoral, foram crescendo as “medidas de contenção”. O preço das campanhas subiu, a compra de votos retornou, os meios de comunicação converteram-se em partido, a política foi judicializada, o judiciário se encastelou ainda mais etc etc.
Precisamos entender que é disto que se trata: de quebrar o caráter de classe do Estado, de construir uma democracia popular. Ou entendemos isto, ou continuaremos vivendo aquela situação que alguém resumiu assim: enquanto a gente vai de Woodstock, eles vêm de Al Capone.
Neste sentido, as considerações da Contribuição não são erradas, são insuficientes, são parciais: o problema central da reforma do Estado, por exemplo, não está em “remover os obstáculos burocráticos que criam empecilhos para o avanço mais rápida dos grandes projetos de infra-estrutura”;  e o problema central da comunicação não está em desenvolver “instrumentos de comunicação social que pudessem contra-arrestar a permanente ofensiva conservadora dos grandes proprietários de jornais, rádios e televisões”.
Quanto a este último tema, é claro que compartilhamos plenamente da ideia segundo a qual tanto o governo, quanto o Partido, devem desenvolver seus instrumentos próprios de comunicação. Mas o "problema central" só será resolvido quando quebramos o oligopólio, através de uma Lei da Midia Democrática.
E a questão, mais uma vez, é: isto não foi feito, ao longo destes onze anos, não apenas devido à oposição da direita, mas também devido a uma opção de setores da esquerda. Opção cujo equívoco consiste, no fundo, em ter acreditado ser possível fazer uma “transição” econômico-social sem realizar uma “reforma político-institucional”.
Falando de outra maneira, um pedaço da esquerda brasileira acredita que o problema está em reformar as “instituições políticas”, quando na verdade nosso desafio está em construir uma democracia popular.
Abordagem que, como está claro, não é compartilhada pela Contribuição, que finaliza suas reflexões sobre as “instituições” falando de passagem sobre as mobilizações ocorridas em junho de 2013, assim como sobre a “atração de parte do eleitorado tradicionalmente petista” por candidato conservadores e discursos populistas de direita.
Os dois fenômenos revelam que parte da nossa base social está descontente, manifestando este descontentamento em dois sentidos diferentes: “pela esquerda” e “pela direita”.
A Contribuição afirma que “sem compreender plenamente o alcance e os limites das mudanças realizadas e o que estão pensando e sentindo os novos atores sociais será impossível superar as dificuldades do momento”. E conclui (ponto 35) dizendo que “não se trata de converter o Partido e o Governo em uma academia, mas de atribuir à reflexão política e econômica a importância decisiva que ela tem para uma ação transformadora”.
Que a Contribuição tenha sentido a necessidade de vestir a carapuça e proteger-se da crítica de “academicismo” é bem revelador do ambiente pragmático, taticista, empirista, que predomina em certos meios. Mas o essencial precisa ser repetido, com palavras mais claras: sem compreender como se dá a luta de classes no Brasil e a luta entre Estados no mundo, seremos derrotados. E, infelizmente, a julgar pelos textos submetidos ao debate, nosso V Congresso não dará nenhum passo novo neste sentido.
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A partir do item 36, a Contribuição passa a falar de “um mundo em transição”. Não vamos nos deter neste ou naquele detalhe da descrição necessariamente genérica e superficial que o texto faz da situação mundial, desde 2008.
O essencial, em nossa opinião, é destacar as principais variáveis em jogo: a crise do capitalismo, o declínio dos Estados Unidos, o deslocamento geopolítico do centro dinâmico do mundo, a instabilidade generalizada e, neste contexto, a integração regional como decisiva para o sucesso da estratégia que defendemos para o Brasil.
A questão é: a política externa do governo brasileiro e a política de relações internacionais do PT, por razões diferentes, não estão à altura desta situação internacional.
Isto vem sendo dito, especialmente desde 2011, pela própria secretaria de relações internacionais do PT: observando o conjunto da obra, tanto a política externa do governo brasileiro, quanto a política de relações internacionais do Partido dos Trabalhadores são globalmente positivas. Porém, especialmente a partir de 2011, vem se acumulando problemas.
Alguns reputam estes problemas às diferentes posturas do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma frente aos temas internacionais; outros citam as mudanças ocorridas no Itamaraty; outros falam das mudanças na conjuntura global. Certamente há um pouco de verdade nisto. Mas o essencial, na nossa opinião, é algo mais simples: assim como ocorreu no plano interno, também no plano internacional vem ocorrendo um esgotamento de nossa estratégia.
Isto fica claro, por exemplo, no terreno da integração regional: sem alterar qualitativamente o papel do Estado em nosso país, sem criar os meios que nos permitam fazer um forte investimento público na região, sem impor um alto nível de controle sobre as empresas privadas que possuem sede no Brasil e atuam internacionalmente, o Brasil não criará as condições necessárias para que integração avance.
A integração regional, combinada com a expansão dos investimentos em infraestrutura no Brasil, assim como a ampliação do consumo interno de bens públicos (e não apenas privados), é a chave para retomar o dinamismo e o crescimento acelerado que o Brasil precisa.
Avançar na integração é essencial, também, porque na conjuntura internacional em que estamos, quem não avançar, retrocederá sob os golpes do inimigo.
E nesta palavra –“inimigos”—talvez esteja resumido o tema “teórico” mais decisivo para o debate sobre o mundo moderno: salvo engano de nossa parte, a Contribuição não utiliza o termo imperialismo. Arrodeia, mas não fala. E a questão é: sem compreender a natureza do imperialismo, não compreenderemos nada sobre o momento internacional que vivemos.
As ilusões no que seria Obama, por exemplo, estão relacionadas com a incompreensão da natureza do imperialismo. O mesmo vale para a insólita afirmação acerca do “caráter errático da posição do EUA no mundo”.
A Contribuição não fala em imperialismo, mas lembra que “o capitalismo, quando não sofre pressão das esquerdas, tende a mostrar sua face mais cruel”. Eis aí uma questão que o V Congresso do PT deve responder: neste mundo em transição, qual nosso horizonte? Fazer pressão sobre o capitalismo, para que ele seja menos cruel?
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O capítulo que trata dos “desafios programáticos” abre “reiterando que a orientação programática do Quinto Congresso do PT não se confunde com o enfoque que deve ter o Programa de nossos candidatos nas eleições de 2014”.
Como já dissemos antes, esta maneira de colocar o problema pode resultar numa dissociação entre tática e estratégica, entre programa eleitoral e programa geral. No limite, converteria a resolução do V Congresso num exercício academicista, sem nenhuma incidência prática. Afinal, somos um partido que disputa eleições, que governa o Brasil. Nossas resoluções programáticas, especialmente aquelas que explicitam “os principais desafios do partido, em uma perspectiva mais duradoura”, devem sim iluminar, orientar, incidir sobre o enfoque com que nosso Partido vai atuar, por exemplo, nas eleições 2014.
O mais grave é que, ao ler os itens 53 a 70, não encontramos absolutamente nada que não possa ser dito por nossas candidaturas, em 2014. Recomendamos a cada delegado e delegada que leia atentamente e reflita se não é verdade isto, ou seja, que o alerta de “não confundir” é, além de errado, totalmente desnecessário.
Até porque se excluiu, dos desafios programáticos, o tratamento do socialismo, que foi convenientemente remetido para outro item. O que não deixa de ser curioso, pois como o PT é um partido socialista, seu programa deve estar organizado por esta perspectiva.
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No capítulo que fala da “situação e perpectivas do PT”, há novamente um conjunto de considerações históricas, escritas naquilo que um conhecido intelectual brasileiro brincou ser “um grande passado pela frente”, do qual sempre nos orgulharemos, hoje ou daqui há 100 anos, mas que muitas vezes serve para dissimular as imensas dificuldades do presente e do futuro.
De toda forma, a Contribuição reconhece que “um certo afastamento do partido em relação a suas bases originais e àqueles novos segmentos que foram sendo beneficiados pelas políticas aplicadas por petistas em seus governos”; que “governantes e parlamentares do PT, pressionados por seus afazeres institucionais, ganharam exagerada autonomia em relação à atividade partidária”; que “sindicalistas e dirigentes de organizações sociais nem sempre acompanharam as mudanças por que passaram seus movimentos”; que “esses e outros fatores contribuíram para certa burocratização do partido e consequente perda de importância de suas direções junto aos governos”.
O que espanta nesta descrição não são os fatos, que aqui são resumidos de maneira asséptica. O que espanta é a “naturalização” do processo: o Sol nasce, a Lua nasce, os dias passam e os partidos, com o passar do tempo, se burocratizam.
Esta visão “naturalista” omite que os processos ocorridos em nosso Partido foram produto de uma intensa luta política, dentro e fora do Partido e dos movimentos sociais, entre diferentes correntes de opinião, no contexto de uma dura luta de classes.
Não temos dúvida alguma de que os autores da Contribuição sabem disto. Mas ao omitir isto de sua análise, estimulam uma leitura incorreta do ocorrido. Por exemplo: não é fato que os governantes tenham ganho autonomia frente ao Partido, por estarem “pressionados por seus afazeres institucionais”. Não se tratou, nunca, de um problema de “agenda”, de “tempo”. Há uma concepção envolvida, segundo a qual o governo é superior, historicamente falando, ao Partido. Sem colocar os problemas nestes termos, ele não terá solução.
Poderíamos dar outros exemplos, mas nos foquemos no tema decisivo, que a Contribuição resume assim: “Perdemos capacidade de análise das conjunturas e das perspectivas de médio e longo prazos de evolução do país e do mundo. O PT deixou de ser aquele “intelectual coletivo” que se espera deva ser um partido de esquerda. Afastou-se do socialismo, não por negá-lo, mas por ser incapaz de pensá-lo de forma criativa”.
Não há dúvida de que o PT afastou-se do socialismo. Mas não é verdade que o problema tenha sido “incapacidade” de “pensá-lo de forma criativa”. O problema é que amplos setores do PT abandonaram a idéia de construir uma sociedade socialista e conformaram-se com administrar, com doses maiores ou menores de reforma, a sociedade capitalista. E alguns ainda tem o desplante de chamar isto –uma administração melhorista-- do socialismo realmente possível.
Certamente precisamos de criatividade. Mas o problema é anterior a este: para que sejamos criativamente socialistas, é preciso ser socialistas primeiro. E uma parte do PT precisa ser ganha para o socialismo.
Como os autores da Contribuição, confiamos que o PT tem potencial para recuperar seus melhores atributos. Porém, não concordamos com o excessivo otimismo contido na seguinte frase: “É um partido democrático, capaz de conviver com as diferenças internas”. Esta frase não condiz com o que temos visto, nos últimos anos, em que a democracia partidária tem sido progressivamente degenerada pelo abuso do poder econômico, pela influência de máquinas parlamentares e governamentais, por práticas que condenamos nas eleições burguesas.
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Quando fala do socialismo, a Contribuição aborda-o sob título “referentes político-ideológicos: perspectivas atuais do socialismo”.
Os parágrafos 71 a 73 resumem, de maneira mais superficial, um raciocínio que está presente num texto escrito no início dos anos 1990 por Marco Aurélio Garcia, segundo o qual o PT seria “pós”: “pós-comunista”, “pós-socialdemocrata”. E, claro, pós-neoliberal.
Não vamos nos deter, aqui, em criticar este raciocínio. Basta chamar atenção para um detalhe digamos “linguístico”: por qual motivo colocar num mesmo “pacote” comunismo, socialdemocracia e neoliberalismo, frente aos quais o PT seria “pós”?!   Por qual motivo não dizer que somos antineoliberais? Voltaremos a isto noutra oportunidade, pois neste detalhe esconde-se um mundo de considerações.
A Contribuição afirma que “acossados pelas tarefas de Governo e pelas vicissitudes da luta política, não fomos capazes, no entanto, de inserir as transformações que realizamos em uma estratégia de longo prazo, que pudesse apontar para uma efetiva renovação do socialismo no século XXI”.
Como já apontamos antes, a Contribuição dissimula o fundo do problema. É verdade e é muito importante que o texto reconheça que não fomos capazes de inserir o que fizemos, entre 2003 e 2013, em uma estratégia socialista.
Mas isto não ocorreu por acaso, não foi por falta de tempo, não foi porque estávamos acossados por tarefas e pelos inimigos. A dissociação entre nossa tática na última década e uma estratégia socialista ocorreu porque, nestes anos todos, predominou no Partido outra estratégia, uma estratégia que não tinha como objetivo “uma efetiva renovação do socialismo no século XXI”.
A Contribuição deveria falar claramente que está colocado é mudar a estratégia do PT, é voltar a assumir uma estratégia que tenha como objetivo o socialismo. E esta necessidade está colocada porque a realidade da luta de classes no Brasil está mostrando os limites do melhorismo, os limites do progressismo, os limites do reformismo de baixa intensidade, os limites da social-democracia num país capitalista periférico.
Mas só teremos êxito em enfrentar este desafio, só teremos êxito de reconstruir uma estratégia socialista, se entendermos que o caminho socialista é uma resposta para os problemas que estamos vivendo hoje, aqui e agora.
Na nossa opinião, a maneira tímida com que a Contribuição trata do assunto, quase pedindo desculpas pela impertinência em colocar este problema (o socialismo) num momento pré-eleitoral, deve-se a incompreensão deste “detalhe”: a solução para nossos problemas táticos passa pela adoção de “soluções socialistas”.
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O último capítulo da Contribuição fala do “momento atual e seus desafios”. Começa dizendo uma verdade incompleta: “o 5º. Congresso do PT realizar-se-á em uma conjuntura política excepcional, marcada pelo renascimento de manifestações sociais, como as ocorridas em junho deste ano. A nova situação criada no país a partir dessas mobilizações e as soluções concretas que formos capazes de apresentar e realizar terão influência sobre a estratégia mais geral do Partido e do Governo e, de forma especial, sobre as eleições de 2014”.
Trata-se de uma verdade incompleta, pelo seguinte: a nova situação criada no país deveria ter influência sobre nossa estratégia e sobre nossa tática. Mas os debates do PED, o comportamento da direção nacional do PT, de setores importantes da nossa bancada e de nosso governo mostram outra coisa: que as chamadas lições de junho não foram adequadamente compreendidas.
Concordamos com a Contribuição quando diz que “parte da sociedade, inclusive aquela beneficiária das transformações dos últimos anos, está insatisfeita com o ritmo – que considera lento – das mudanças e não vê alternativas para suas demandas nos políticos e nas instituições atuais”. E concordamos, também, com outras análises feitas neste capítulo pelo texto.
Mas falta algo fundamental: em todo o texto, inclusive neste ponto, a Contribuição não aponta que houve uma mudança qualitativa na postura do grande Capital frente ao nosso governo e frente as mudanças que fizemos no país.
A Contribuição não indica que por trás da oposição e da mídia oligopolizada, está o grande Capital. A chave de nossa vitória, não apenas da vitória eleitoral, mas da vitória na ação de governo e na ação de transformação da realidade brasileira, está em derrotar o grande Capital.
Na nossa opinião, isto passa hoje por isolar e golpear a fração dominante do grande Capital, a saber, o setor financeiro. Acontece que o governo Dilma não tem uma postura adequada a este respeito. Iniciou mal, em 2011. Depois fez uma ofensiva contra as taxas de juros e a ganância do setor bancário-financeiro. Mas ultimamente recuou. Ao recuar, permitiu que a fração financeira do grande Capital coesionasse o conjunto da burguesia, em torno de seu programa, que como a Contribuição aponta, é o programa das oposições, o programa do retrocesso. Pior: como a postura do governo é recuada, setores da oposição fazem demagogia a respeito, aumentando a confusão política.
Este é o tema ao redor do qual giram os demais. Por exemplo: qual o programa para 2015-2018? Qual a sustentabilidade econômica de um programa de crescimento com mudanças sociais mais profundas? Qual o discurso de campanha? Qual a política de alianças? (tema sobre o qual a Contribuição mantém um praticamente silêncio para lá de constrangedor, só equiparável ao que não é dito sobre a AP470).
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A Contribuição conclui propondo como “aprofundar o debate do quinto congresso”. De nossa parte, a questão essencial a debater é a seguinte: a luta de classes no Brasil entrou em uma nova etapa. Quem não compreender isto e não agir em conformidade, será atropelado, não importando se antes das eleições, durante as eleições ou depois das eleições.
Esperamos e buscaremos contribuir para que a primeira etapa do Congresso, realizado pouco antes do aniversário de 50 anos do golpe militar de 1964, leve isto em consideração.
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Junto da Contribuição, a secretaria geral nacional distribuiu a Resolução sobre a situação política, aprovada pelo Diretório Nacional do PT no dia 29 de julho de 2013.
Esta resolução foi produto de um confuso processo, que resultou na votação, pelo Diretório Nacional, entre dois textos muito parecidos, mas distintos em alguns aspectos fundamentais. Não há espaço, aqui, para explicar novamente estas diferenças, que já detalhamos noutro momento.
O importante é dizer que o documento afirmava que a “condução de uma nova etapa do projeto popular exige retificações na linha política do PT e do governo, que se reflitam na atualização do programa e na consolidação de estratégia que expresse a radicalização da democracia”. Além disso, o documento detalhava várias medidas programáticas, além de conter propostas como um documento para ser distribuído no 7 de setembro e a oferta de asilo ao ex-agente da CIA Edward Snowden.  Em vários sentidos, o documento do Diretório é mais concreto e mais avançado que a Contribuição.
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O mesmo pode ser disto da Convocatória do quinto Congresso, aprovada em dezembro de 2012. O parágrafo a seguir, por exemplo, é muito superior a Contribuição, quando fala da combinação entre tática eleitoral e estratégia geral:

“(...) um partido comprometido com a transformação socialista e democrática da sociedade brasileira, sem descuidar das importantes tarefas que lhe são impostas pela conjuntura, deve erguer o olhar, mais além do cotidiano, e ocupar-se também dos problemas de dimensão estratégica que tem pela frente; aqueles de cujo enfrentamento depende o futuro do país. Trinta e três anos após sua fundação e passados dez anos do início do Governo Lula, o PT vive um desses momentos. Nosso partido tem uma dupla e complexa tarefa: apoiar os Governos que ajudou a eleger, mantendo sobre eles uma permanente e generosa vigilância crítica; e atuar na sociedade para alterar a correlação de forças, para tornar possível avançar em direção aos nossos objetivos históricos e estratégicos. O exercício dessas duas tarefas nos impõe uma reflexão que reconstitua nossa trajetória e projete um caminho de transformações para o futuro. É chegada, assim, a hora de convocar um novo Congresso – o 5º. Congresso do Partido dos Trabalhadores para fevereiro de 2014, ano no qual disputaremos, uma vez mais, a Presidência da República, as eleições para a Câmara, Senado, Governos e Assembleias estaduais. Mas, para vencer esses pleitos, teremos de disputar também os corações e as mentes dos brasileiros. Teremos de apontar para o futuro”.
A Convocatória também é superior à Contribuição, quando fala das classes sociais no Brasil:

“(...) a formação de novas classes ou segmentos sociais não é expressão única da incorporação de novos setores aos mercados de trabalho e, principalmente, ao de consumo. Uma classe social não se define apenas, nem principalmente, por sua capacidade de consumir produtos que antes lhes eram inacessíveis. As classes sociais não se encaixam no abecedário no qual são segmentadas nas pesquisas de mercado e/ou eleitorais – A,B,C ou D. A mobilidade social que experimentamos implica também mudanças de valores, demandas imateriais, em exigências novas em relação àquelas do passado, sobretudo em uma sociedade que passa por acelerada transformação como a brasileira. Os principais beneficiários das transformações ocorridas no país somente se identificarão com as forças políticas que as produziram a partir da ação coletiva e da compreensão partidária deste fenômeno. Diferentemente de uma visão economicista vulgar, a consciência de classe se constrói. Não entender isso pode significar que os principais beneficiários das transformações ocorridas no país não sejam capazes de reconhecer-se e identificar-se com as forças políticas que produziram essas mudanças. Diferentemente de uma visão economicista vulgar, a consciência de classe se constrói também – e talvez, sobretudo – no entrechoque de culturas e de ideias e na ação coletiva. Hoje, as ideias e a cultura dominantes expressam ainda, e predominantemente, os valores dos que até agora controlaram o Estado, os meios de comunicação e todos os aparelhos vinculados à produção e à reprodução da cultura. A reflexão sobre esses temas pelo PT, mais do que um exercício intelectual necessário, é uma exigência política inadiável.”

Outro trecho em que a Convocatória é superior está nos trechos que reproduzimos a seguir:

“(...) Uma das particularidades da sociedade brasileira, apontada e criticada pelos grandes pensadores que se dedicaram a analisar nossa formação social, é a de termos realizado as grandes transformações econômicas, sociais e políticas de nossa história por meio da conciliação. A Independência não foi resultado de um processo de libertação nacional, como no resto da América Latina, mas do acordo com a metrópole colonial. O fim da escravidão, apesar das revoltas negras e do Abolicionismo, resultou de um ato tardio da Coroa, que deveria ter ocorrido muitas décadas antes. O advento da República não configurou uma ruptura significativa na sociedade. A partir de 1930, a despeito das profundas mudanças processadas na era Vargas, foram preservados os interesses do latifúndio. O fim da ditadura, nos anos 80, não decorreu das reclamadas eleições diretas pela sociedade, mas de um acordo entre a maioria da oposição e segmentos que haviam dado sustentação ao regime militar. Alguns procuraram ver, também, no período pós-2003 a persistência desse viés conciliador. Creditaram o êxito do Governo Lula à sua capacidade de incluir milhões de pobres e miseráveis, proteger e expandir o emprego e a renda dos trabalhadores, mas, ao mesmo tempo, de beneficiar o capital financeiro, o agronegócio e os monopólios da mídia, além dos grupos do capital produtivo. No plano político-institucional, como expressão das distorções do sistema político, impôs-se a constituição de um bloco mais amplo de partidos - de esquerda e de centro – para dar sustentação parlamentar ao Governo. Essa percepção pode encobrir, no entanto, questões cruciais. A expansão da renda dos trabalhadores e a inclusão de dezenas de milhões de homens e mulheres ao mercado de bens de consumo de massas, embora não tenham estimulado o desenvolvimento sem ameaçar o capitalismo, sofreu e sofre uma oposição brutal de setores das classes dominantes. Oposição que recrudesceu, sobretudo quando sobreveio a crise global. A verdade é que os donos do poder não aceitam essa irrupção de pobres na vida social e política do país”.
“Certamente também porque temem as reformas estruturais, como a tributária, agrária e política. O êxito de um nordestino, sem educação formal, como Presidente da República e sua gravitação internacional era inaceitável para setores da sociedade que se acostumaram a dirigi-la a partir de seus preconceitos e segundo suas normas hierárquicas. Era plenamente “normal” que o poder fosse exercido por doutores, banqueiros, grandes proprietários. Passou a ser “intolerável” que sindicalistas, dirigentes de movimentos populares, intelectuais críticos pudessem participar da condução da República, vencendo três vezes a Presidência da República, duas com Lula e uma com Dilma, a primeira mulher a dirigir a República no Brasil”.
“A história do século XX e dos primeiros anos deste século mostra como as classes dominantes e seus aparelhos reagem contra governos que vão na contramão de seus interesses particulares. Vargas suicidou-se para deter insidiosa campanha de forças políticas, meios de comunicação e outros agentes inconformados com sua política nacionalista e de fortalecimento do Estado. Dez anos depois, por razões semelhantes, esses mesmos atores se reuniriam para derrubar o Governo João Goulart e impor vinte anos de ditadura ao país. No período que antecedeu as eleições de 2002 desencadeou-se uma campanha de medo com o objetivo de impedir a eleição de Lula para a Presidência. A partir de 2003, de forma intermitente, tratou-se de anular os notórios êxitos do Governo, com campanhas que procuravam ou desconstruir as realizações do Governo Lula (o que havia de bom era apresentado apenas como o resultado da herança de FHC) ou tachá-lo de “incapaz” e “corrupto”. Sabe-se que denúncias sobre corrupção sempre foram utilizadas pelos conservadores no Brasil para desestabilizar governos populares, como os já citados casos de Vargas e Goulart. Grandes episódios de corrupção – a votação da emenda da reeleição de FHC, os turvos processos de privatização nos anos 90 ou o Governo Collor, para só citar alguns exemplos notórios – nunca mereceram uma investigação que levasse seus responsáveis à punição pela Justiça. Essa constatação não pode, no entanto, eludir o tema da corrupção de nossas preocupações. O repúdio ético e moral que esse fenômeno provoca tem de incitar, porém uma reflexão mais abrangente. A corrupção vence onde persiste um Estado vulnerável a pressões de grupos e corporações e onde o sistema político não permite a clara expressão da vontade popular. Onde a República é fraca. Nos últimos dez anos, as denúncias de malfeitos no Brasil se viram beneficiadas pela absoluta liberdade de imprensa reinante, pelo funcionamento livre e independente dos poderes da República, em particular pela ação de organismos do Executivo como o Tribunal de Contas da União, a Controladoria Geral da República, a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal, todos eles revalorizados, funcional e materialmente, pelos nossos governos”.
Lendo isto tudo, que está na Convocatória mas não está na Contribuição, cabe perguntar: por qual motivo o texto mais recente é pior, mais fraco, do que o texto original?
Sobre o tema do socialismo, por exemplo, o texto da Contribuição diz o seguinte:
“(...) A dissolução da União Soviética e do chamado “campo socialista”, a deriva da Socialdemocracia, os rumos seguidos pela República Popular da China, para só citar alguns fenômenos maiores das últimas décadas, lançaram uma profunda incerteza sobre o ideário socialista. Nascido nos anos em que essa crise começou a se fazer mais evidente e herdeiro de tradições democráticas e libertárias, o PT resistiu aos descaminhos desses projetos socialistas, não sendo constrangido pela aparentemente irresistível ascensão do neoliberalismo ou pelo proclamado “fim da História”. Ao contrário, fizemos a História andar em nosso país. Mas, ainda que tenhamos dado respostas práticas e alternativas aos desafios do presente, não fomos capazes de construir nem mesmo um esboço de um novo e abrangente ideário de esquerda – socialista e democrático – que pudesse abrir perspectivas àqueles que sofrem a orfandade de uma generosa utopia, sobretudo naquelas partes do mundo onde a crise econômica e social ceifa esperanças; onde a política é substituída por arranjos tecnocráticos, que produzem desilusão e impotência. Dar, pelo menos, alguns passos para reinstaurar o socialismo como horizonte político, ajudar a reconstruir uma cultura política de esquerda, aí estão tarefas a que devemos nos dedicar em nosso Congresso”.
Isto tudo é dito no documento aprovado no dia 8 de dezembro de 2012. Depois veio a crise de junho, o PED, e a Contribuição resultante é aquém da Convocatória inicial.
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Para concluir, faremos alguns comentários sobre a Tese apresentada pela chapa “O Partido que muda o Brasil”, vencedora do PED 2013.
O que mais chama nossa atenção, no início mesmo da Tese, é a visão sobre o alcance das mudanças feitas pelos governos Lula e Dilma. Segundo a tes, foram “mudanças estruturais” que modificaram “os padrões de acumulação do capitalismo brasileiro na medida em que a histórica manutenção da miséria e das condições de exploração do trabalho, funcionais a esse padrão, estão sendo transformadas”.
Como já tivemos a oportunidade de dizer, a não ser que banalizemos o significado do termo “mudança estrutural”, não se pode dizer que elas tenham sido realizadas pelos governos Lula e Dilma.
Igualmente, salvo por incompreensão do que significa a expressão “padrões de acumulação do capitalismo brasileiro”, é totalmente incorreto dizer que eles tenham sido modificados ao longo destes 12 anos.
O que ocorreu, isto sim, é que estamos lentamente tirando o “bode neoliberal” da “sala apertada” do capitalismo brasileiro. Isto faz a sala parecer mais arejada, mas a verdade é que estamos voltando aos parâmetros existentes nos anos... 1980, quando criamos o PT.
Infelizmente, no afã de qualificar as mudanças positivas feitas nos últimos 12 anos, a tese “Partido que muda o Brasil” exagera tanto nas velas que corre o risco de por fogo na igreja.
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A tese incorpora vários trechos da resolução do Diretório nacional já citada anteriormente. E introduz, sobre o tema da reforma política, um trecho muito interessante, que reproduzimos a seguir:
“(...) Uma vez mais, setores do parlamento brasileiro antepõem obstáculos à realização da reforma política. É imprescindível colocar novamente no centro do debate a questão da soberania. Quem deve eleger seus representantes: o povo ou o poder econômico? O custo tenham maioria crescente das campanhas e os padrões atuais de financiamento privado afastam, cada vez mais, das eleições as lideranças populares e permitem que as representações dos diferentes interesses do poder econômico. Constrangem, por outro lado, os partidos de esquerda que têm dependido desse tipo de financiamento de maneira crescente”.
É no mínimo curioso que esta Tese tenha sido apoiada pelo deputado federal Candido Vaccarezza, legítima expressão dos setores que obstaculizam a reforma política e que representam dentro do PT, a influência perniciosa do financiamento privado empresarial.
A Tese também traz uma reflexão interessante sobre a necessidade de “democratizar as comunicações e ampliar a liberdade de expressão no Brasil (...)A estrutura da comunicação hoje não reflete a pluralidade e a diversidade cultural e política brasileiras. Isso fragiliza e serve de negativa à própria democracia, já que estabelece dois tipos de liberdade: uma, para os que podem exercitar livremente sua capacidade de expressão, inclusive com apoio do Estado, via concessões, inibição à comunicação comunitária e permissão para propriedades cruzadas; outro, a liberdade de expressão do cidadão comum, muito mais restrita e, geralmente, de caráter passivo”.
Novamente, nos chama a atenção que esta Tese recebeu o voto do ministro Paulo Bernardo, conhecido por suas críticas a posição do PT na área da comunicação, críticas expostas em entrevista que Paulo Bernardo concedeu a revista Veja.
A Tese traz ainda um conjunto de pontos programáticos e chama o PT a enfrentar “de uma só vez os riscos de excessiva burocratização e vinculação dos seus quadros com os aparelhos de Estado e o descolamento da militância partidária das forças vivas de nossa sociedade”.
De conjunto, trata-se de um texto superior ao da Contribuição, embora evidentemente cause espécie a Tese não diz sobre a política de alianças, sobre a AP 470 e sobre as debilidades do nosso governo.
Um comentário final: no item 17 é dito que “o Processo de Eleições Diretas (PED) no PT constitui-se, nesse momento, em uma grande oportunidade de análise e compreensão da conjuntura”. E no item 18 é dito que o “PED prepara o debate do 5º Congresso que tem a inadiável tarefa de apontar um horizonte de transformações estratégicas para o país”.


Portanto, debateríamos “conjuntura” com a base e “estratégia” no Congresso: a vida está sendo um pouco diferente deste roteiro. Mas como a vida é viva, faremos um esforço para que o V Congresso aprove resoluções mais avançadas do que as contidas na Contribuição, na Tese, na Resolução e na Convocatória
Este esforço significa dar continuidade ao que defendemos ao longo de todo o processo de eleição direta das direções petistas: que o PT precisa mudar de estratégia, mudar a tática para 2014 e mudar o funcionamento partidário.
A atual estratégia do PT é baseada na ideia de mudança através de políticas públicas. Defendemos que o PT adote uma estratégia de mudança através de reformas estruturais.
Salvo engano, nenhum petista se opõe às reformas estruturais. Todos parecem defender a reforma tributária, reforma política, lei da mídia democrática, reforma agrária, reforma urbana, 40 horas, universalização das políticas públicas etc.
Assim parece, mas não é exatamente verdade. Alguns setores do PT se opõem a tais reformas, como vimos por exemplo toda vez que houve chance real de aprovar a reforma política. Outros setores defendem tais reformas, mas são contra adotar uma estratégia de mudança baseada nelas.
Os que pensam assim parecem acreditar que será possível continuar melhorando a vida do povo, continuar ampliando a democracia, continuar afirmando a soberania nacional, continuar avançando na integração regional, sem fazer reformas estruturais.
Nós, pelo contrário, achamos que a estratégia de melhorar a vida do povo apenas ou principalmente através de políticas públicas entrou numa fase de “rendimentos decrescentes”. A comparação entre o segundo governo Lula e o primeiro governo Dilma é uma das provas disto.
Os problemas da saúde pública, por exemplo, exigem um salto na capacidade de financiamento. O mesmo pode ser dito de outras questões, como o transporte público. Visto de conjunto, a “sustentabilidade” das políticas públicas universais exige reforma tributária e uma mudança radical no serviço da dívida pública.
Mas como viabilizar isto, se o Congresso seguir majoritariamente composto por representantes do grande empresariado? E como ter sucesso na batalha da reforma política, sem derrotar o oligopólio da mídia?
E como viabilizar estas e outras reformas estruturais, se nossas bancadas, governos, aliados políticos e sociais não organizarmos nossa atuação em função disto? Se não formos para as eleições de 2014 com o propósito de reeleger Dilma em condições dela realizar um segundo mandato superior, marcado pelas reformas estruturais? Se nosso Partido não for capaz de uma atuação militante em favor destes objetivos?

Seja para ganhar as eleições de 2014, seja para continuar mudando o país, seja para construir um caminho para o socialismo, o PT precisa adotar uma estratégia democrática e popular, por reformas estruturais. Esta é a principal tese que defendemos no PED e defenderemos no Congresso do Partido dos Trabalhadores.


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