quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Antes tarde, do que tarde demais

A prisão de Dirceu, Genoíno e Delúbio resume, de maneira exemplar, certos dilemas estratégicos da esquerda brasileira.

A prisão foi realizada antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) analisar os embargos apresentados pelos três. O processo não transitou em julgado.

Mesmo concluído o processo, a pena deveria ser cumprida em regime semi-aberto. Mas a ordem de prisão omitia isto, motivo pelo qual começaram a cumprir pena em regime fechado.

Os três foram transferidos de avião para o presídio da Papuda, em Brasília. O adequado teria sido ficarem desde o início em local próximo a sua moradia e familiares. No caso de Genoíno, cujo estado de saúde é grave, o correto teria sido a prisão domiciliar. [Aliás, o Estado e a administração da Papuda têm o dever de proteger a vida de Genoíno. Com ou sem autorização de Joaquim Barbosa, deve transferir imediatamente o preso para onde possa receber cuidados médicos adequados.]

Arbitrariedades judiciais e policiais são cometidas usualmente contra a maior parte da população carcerária. Assim, o ocorrido deve nos fazer lembrar o quanto ainda deve mudar este país, para que o sistema judicial e prisional não trate as pessoas de acordo com sua posição de classe.

Entretanto, a arbitrariedade aplicada a “petistas ilustres” não é prova de que a justiça é "cega", mesmo quando injusta. Casos similares e recentes comprovam o contrário. Pessoas acusadas de crimes similares, mas pertencentes a outros partidos, estão recebendo tratamento privilegiado.

Por isto, independentemente da opinião que tenhamos sobre cada um deles, sobre o que fizeram ou deixaram de fazer, sobre se mereciam ou não algum tipo de punição, a verdade é que foram julgados, apenados, condenados e presos desta forma por serem petistas, porque isto permite atingir o Partido dos Trabalhadores.

Toda a Ação Penal 470 foi marcada pela ilegalidade. As mais graves são o julgamento em uma única instância, a condenação por crime não comprovado, uma aplicação aberrante do chamado “domínio de fato”, a tolerância frente a casos similares praticados pelo PSDB, a definição de penas em clima de loteria, o caráter espetacular do julgamento, assim como o objetivo explícito e assumido de prejudicar politicamente o Partido dos Trabalhadores.

Isto ocorreu sob a batuta de procuradores gerais da República e de uma maioria absoluta de ministros do STF indicados durante os governos Lula e Dilma. Portanto, apesar de seu papel destacado, Joaquim Barbosa não é o único responsável pelas violências jurídicas cometidas no processo.

Dizendo de outra forma: as ilegalidades cometidas durante a Ação Penal são de responsabilidade, direta e indireta, parcial ou total, de muitas autoridades, inclusive daquelas indicadas pelos governos Lula e Dilma. E no caso destas, não se trata de equívocos isolados: há um “método” nas indicações, bem como na conduta (ou falta de conduta) do Ministro da Justiça e da Polícia Federal. 

Ao indicar pessoas de direita, ou suscetíveis à pressão da direita, o governo facilita aos setores conservadores disfarçar o caráter de classe e o caráter partidário de seus atos. E há setores do governo que acreditam que isto é “republicanismo”, ou seja, convertem seus erros em virtude.

Infelizmente, não se trata de raio em céu azul. Cumprir, sem nem ao menos questionar, uma ordem de prisão redigida de forma perversamente ilegal, não tomar atitude pública e firme em defesa dos direitos humanos dos presos, é coerente com um conjunto de atitudes (e falta de atitudes) de nossos governos na área da segurança, dos direitos humanos e da justiça.

A Ação Penal 470 teve origem, desde a entrevista do então deputado Roberto Jefferson, no consórcio entre a direita demotucana e o oligopólio da comunicação, cabendo a este último o papel de cérebro, de direção estratégica.

Porém, a atitude do governo Lula e do governo Dilma frente à mídia manteve no fundamental o status quo ante, numa atitude que um companheiro denominou de "sadomasoquismo político".

Já o Partido dos Trabalhadores, principal vítima dos ataques da mídia, adotou desde o princípio de 2013 uma retórica mais dura, todavia sem provocar inflexão na postura governamental, nem mesmo na política de comunicação do próprio partido, que é de uma fragilidade patética.

Toda a AP 470 foi construída em torno de uma tese: a de que teria ocorrido compra de votos. Nada, absolutamente nada, foi comprovado a respeito. E tudo, absolutamente tudo, foi comprovado acerca do caráter pernicioso do financiamento empresarial privado das campanhas eleitorais.

Aqui, mais uma vez, está presente o já citado “método”, que explica grande parte dos prejuízos causados, ao PT, pela influência concedida a Marcos Valério, um dos operadores do caixa dois tucano nos anos 1990. Os fatos mostraram a imensa ilusão de classe cometida por quem acreditou que “se eles fazem, também podemos fazer”.

É verdade que a crise iniciada em 2005 teve, como um saldo positivo, fortalecer a convicção, dentro do PT e de amplos setores da sociedade brasileira, de que é necessário eliminar totalmente o financiamento empresarial privado das campanhas eleitorais.

Mas mesmo aí, o “método” se fez presente: o papel lamentável cumprido pelo deputado Candido Vaccarezza, admoestado mas nunca punido pelo Partido, mostra a inconsequência com que muitos defendem a reforma política. Inconsequência que é diretamente proporcional ao grau de dependência (e acomodação) de tantos frente ao financiamento empresarial privado.

Olhando-se de conjunto, o processo como um todo, inclusive a prisão de Dirceu, Genoíno e Delúbio, resultam de um duplo movimento: por um lado, da ação combinada da direita partidária, do oligopólio da mídia e de seus tentáculos no aparato judicial-policial; por outro lado, de um conjunto de ações, opções, omissões e erros cometidos pelo PT e aliados de esquerda.

É importante perceber que a ação da direita parece ter grande respaldo popular, inclusive entre eleitores de Lula, Dilma e do PT. Há vários motivos para isto, alguns já citados, outros não, que levam parcela importante do povo brasileiro a considerar o PT “tão corrupto” quanto os demais partidos, opinião que provoca mais danos sobre nós petistas do que sobre os outros.

Esta visão incorreta sobre o PT ajuda a alimentar uma brutal ofensiva ideológica da direita, que tem como alvo não apenas o petismo, mas a esquerda, as liberdades civis e democráticas em geral. [A chamada judicialização da política é uma das expressões desta ofensiva.]

Não é fácil reagir a isto. Mas é preciso reagir e já. E a primeira maneira de reagir é compreender como foi que chegamos a este ponto, quais ações, opções, omissões e erros foram cometidos individualmente, por setores ou pelo conjunto do petismo.

Setores do PT acreditam que tudo teria sido diferente, caso o Partido tivesse adotado uma postura distinta em 2005, inclusive afastando-se completamente dos que cometeram erros. Certamente teria sido diferente. Mas não foi esta a opção da então e novamente atual maioria do Partido. Delúbio Soares, por exemplo, foi expulso e depois reintegrado ao Partido. Portanto, o conjunto do PT não pode agir, agora, como se tivesse tomado outra atitude em 2005. Isto vale muito especialmente para os que integravam então e integram novamente a maioria partidária: seus atos precisam ter alguma consequência com a opção que adotaram em 2005.

Setores do PT agem como se a prisão de Dirceu e Genoíno constituísse um “acidente de percurso”. Assim como as manifestações de junho, as sabotagens e rupturas na base aliada, o pequeno crescimento do PIB e a greve de investimentos do grande Capital seriam “pontos fora da curva”. Nós pensamos o contrário: a prisão de Dirceu e Genoíno faz parte de uma tragédia anunciada. Pois, de um certo ponto de vista, ambos simbolizam uma estratégia baseada em concessões aos inimigos. Concessões que para muitos pareciam acertadas, quando o inimigo aparentemente recuava. Mas agora está claro que recuaram para melhor saltar, sobre nós, com uma fúria brutal.

Setores do PT parecem acreditar que nada disto terá implicações eleitorais. Não acreditamos nem um pouco nisto. E mesmo que não tivesse implicações eleitorais, certamente enfraquece o PT. Cabendo perguntar: como será um segundo mandato Dilma, com um PT enfraquecido? Qual a chance de realizarmos reformas democrático-populares, construirmos uma hegemonia de esquerda, acumularmos forças em direção ao socialismo, com um PT enfraquecido?

Setores do PT concentram sua energia em denunciar a ilegalidade das prisões e da AP 470, prestando solidariedade aos presos e buscando inclusive maneiras de anular o julgamento. Sem prejuízo de tudo o que se pode e deve fazer neste sentido, temos que entender que a prisão de dois ex-presidentes do Partido é, na melhor das hipóteses, uma metáfora do que nos aguarda, a todos e a todas nós, se o PT não mudar seu “método” de fazer política. Mais precisamente, precisamos mudar de estratégia.

Para quem ainda não percebeu, acabou o tempo em que um “mau acordo” parecia melhor do que uma “boa luta”. Já há tempos, uma boa luta não é apenas melhor, é a única alternativa. Não foi esta a conclusão do PED. Tampouco parece ter sido este o tom da resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT, dia 18 de novembro de 2013.

A defensiva eterna não é capaz de derrotar uma ofensiva e não há tática vitoriosa nos marcos de uma estratégia superada: espero que seja esta a tônica dos debates no V Congresso do Partido, em dezembro de 2013. Pois a melhor resposta que podemos dar a todo o processo que resultou nas prisões é mudar a política do Partido. Antes tarde, do que tarde demais.

Valter Pomar, 20 de novembro de 2013
[versão revisada]













8 comentários:

  1. Tem gente da CNB até se escondendo.

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  2. Lucida analise das partes e do conjunto da opera. Avante companheiro! Em defesa do PT democrático, socialista e revolucionário.

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  3. Desde 2001, quando ocorreu o primeiro Processo de Eleição Direta (PED) no PT vejo e ouço denuncias dos grupos minoritários a respeito de compra de votos nos PED’s pelo grupo majoritário. Então, em 2005, quando ocorreu a suposta compra de votos de aliados, no chamado “mensalão”, fiquei com uma profunda dúvida se não estava se reproduzindo o micro no macro. Tanto que em 2005 postei em meu site uma crônica chamada “A CRISE NO PT E SEUS CULPADOS”, no qual, defendo a tese de que a punição dos envolvidos nessa suposta compra de votos de “aliados” era uma questão de método. Pois, seguindo-se Hegel, pune-se o todo e, seguindo a Marx, pune-se a parte. A direção partidária, inicialmente, optou pelo hegelianismo, no qual o todo deveria ser culpado pelo erro da parte. E agora, no “frigir dos ovos”, a parte está sendo punida e o “Espírito Absoluto” se cala. Penso que o que aconteceu foi que tentamos fazer os que os de 2 patas vinham fazendo há 500 anos. Porém, somos de 4 patas (vide Revoluções do bichos de George Orwell). A tática de alianças empregada pelo Zé Dirceu foi a já apontada por Lenin, que afirmou que, deve-se fazer aliança com os adversários mesmo sabendo que, na próxima esquina, separar-se-á. Porém, ele adverte, que se deve tomar cuidado para não levar facadas pelas costas. Esse foi o erro cometido por pelo Zé Dirceu, trouxe para dentro de suas trincheiras a elite que ele chamara de “prostituta” e quando viu estava tomando tiros pelas costas e deu no que deu. www.acslogos.com

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    1. Olá, Companheiro Antoninho! Li supra o resumo por você mesmo do seu artigo em seu blog, artigo que me recomendara antes da exposição do Válter em Curitiba sobre o PED, a que você assistiu em 31/10 p.p. Parece razoável sua avaliação e acho que nas linhas gerais converge com a exposta pelo Válter no artigo em tela. Vou postar seu comentário em nossas listas de discussão. Abraços

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    2. Olá camarada Júlio Cezar! Você sabe por que a Direção do PT (“Espírito Absoluto”) se cala? Cala-se porque para defender os quadros do PT, por uma questão de equidade, deve também defender os demais envolvidos no episódio, inclusive o delator Roberto Jefferson. O que seria uma profunda incoerência. O Pomar tem razão, essa era uma tragédia anunciada que, para mim, fora anunciada no PED de 2005. Saudações Petistas!

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  4. Quando eu era criança jurava de pés juntos que os jovens que lutavam contra a ditadura eram terroristas, certeza que virou pó e que me fez admirar Genonino, Dilma, Lula e tantos outros "terroristas". No futuro não será Genoino que sofrerá esculachos. Não podemos esquecer do mensalão como quer a elite.

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  5. Valter Pomar, você deve ser do partido dos trabalhadores em que eu acreditava. Um partido que não iria se aliar a ¨Sarneys¨, ¨Collors¨, ¨Calheiros¨ e toda essa corja da qual sempre o PT queria distância. Com uma visão totalmente equivocada o ¨seu¨ partido ( pois não votarei novamente nele ) se perdeu e começou a fazer um tipo de ¨politica¨ da qual eu nunca pensei que fosse capaz; com troca de ¨gentilezas¨com qualquer um que pudesse apoiar o partido.

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  6. Pela primeira vez, em muitos anos, voltarei a votar no PT, mas por absoluta falta de opção e na esperança que alguma coisa das políticas sociais seja aprofundada ou, ao menos tenha continuidade. Os resultados do PED 2013 foram um balde de água fria na esperança que eu tinha de que o PT tomasse o rumo de volta às origens. A manutenção da política atual de alianças, de silêncios inexplicáveis, de indefinição ideológica, há de ser o fim do PT que um dia conhecemos.

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