Em pleno domingo de “carnaval”, recebi de várias pessoas um texto de Valério Arcary intitulado “As sete vidas do PT e os três corações dos trostskistas”.
O texto pode
ser lido na íntegra ao final ou neste endereço: https://revistaforum.com.br/rede/as-sete-vidas-do-pt-e-os-tres-coracoes-dos-trostskistas-por-valerio-arcary/
Neste texto,
Valério dá prosseguimento à uma polêmica aberta a partir do que ele escreveu acerca
do aniversário de 41 anos do Partido dos Trabalhadores.
Quem quiser ler
ou reler a tal polêmica busque aqui: http://valterpomar.blogspot.com/2020/12/valerio-arcary-e-as-sete-vidas-do-pt.html
No texto
publicado no domingo de Carnaval, Valério concorda que “a história do PT é
incompreensível sem destacar o papel que a esquerda do PT, em suas diferentes
componentes, cumpriu, mesmo quando foi derrotada, porque contribuiu para evitar
uma desfiguração do caráter de classe do partido”.
Mas
considera “menos convincente” o argumento segundo o qual “apesar de tudo, o PT
continua sendo um partido em disputa”.
A rigor, Valério
Arcary não discorda propriamente do fato (afinal, não há como negar que exista
uma disputa no PT); do que ele discorda é que “a luta pela regeneração do PT é
a melhor hipótese para pensarmos a reorganização da esquerda brasileira”.
Registro com
felicidade o termo “menos convincente”. Noutros tempos e noutros textos, a
negativa seria mais rotunda, digamos assim.
Tenho a
impressão que a cautelosa crítica de Valério está relacionada a autocrítica que
ele faz acerca do erro cometido pela Convergência Socialista em 1992 e pelo
PSTU em 2013. Cito a seguir os trechos que me chamaram a atenção:
-1992: “Estávamos
errados, por duas razões. A primeira era a expectativa de que a luta pela
derrubada do governo Collor era a antessala de uma crise de regime com a
precipitação de uma situação pré-revolucionária (...) A segunda era a aposta de
que existiria um espaço político para uma construção independente exterior ao
PT, prevendo que a direção lulista poderia vencer as eleições de 1994 que,
tampouco, se confirmou”.
-2013: “a
campanha pelo Fora Todos (...) se inspirava na ideia que uma situação
pré-revolucionária tinha se aberto, e que a experiência de massas dos grandes
batalhões da classe trabalhadora com a liderança lulista, depois de treze anos
no governo, seria irreversível. Estávamos errados. (...) as eleições de 2014 e
a inversão geral desfavorável das relações sociais e políticas de força, após a
derrota diante da ofensiva do impeachment em 2016, confirmaram que a
experiência com a liderança do PT era incompleta, embora mais acentuada na
juventude (...)”
Notem que
nos dois casos, havia uma expectativa de que um ambiente de grande ascenso das
lutas tornaria possível superar o PT pela esquerda. Nos dois casos, a superação
não ocorreu.
Pergunta absolutamente
contrafactual: se soubessem que teria sido este o desfecho, os amigos da CS
teriam assim mesmo saído do PT? Ou teriam apostado na hipótese “menos convincente”?
Outra pergunta:
se num momento de ascenso das lutas não foi possível (para uma outra esquerda) superar
o PT, por quais motivos e com quais consequências seria possível fazê-lo num
momento de descenso das lutas?
Voltando ao
texto de Valério, ele afirma que “os dois grandes erros têm uma explicação comum”:
“uma educação marxista de recorte, perigosamente, determinista ou objetivista”.
E engata nesta explicação uma digressão sobre os as “três paixões” que os trotskistas
teriam em seu “coração revolucionário”. E conclui afirmando que “os princípios
são indispensáveis. Mas o mundo é complicado, e a vida é dura. Os princípios
não são o bastante. E estamos tão divididos, e ainda é tão grande a nossa
solidão política que é muito fácil ceder às pressões poderosas que nos cercam. Não
há gênios entre nós. Sejamos pacientes uns com os outros”.
Eu simplesmente
não me sinto em condições de debater neste plano das “três paixões” (saberia talvez
debater o problema dos “três corpos”, apud Cixin Liu). Sendo assim,
apenas reitero que a “aposta” que fizemos, de disputar os rumos do PT, foi de
mais utilidade para a classe trabalhadora brasileira do que os vinte anos que
gente absolutamente brilhante e pessoalmente valorosa como Valério dedicou ao PSTU.
Isto não significa que estejamos certos na aposta que fazemos agora (2021), mas
vale notar que nossa aposta nunca foi ingênua, como pode ser constatado lendo o
texto Noventa e três e os próximos anos, que está disponível
aqui:
https://www.pagina13.org.br/livro-hora-da-verdade-e-outros-escritos/
Finalmente,
acho sintomático que ao final de seu texto Valério diga que devemos ser “pacientes
uns com os outros”. Este termo, segundo o dicionário, pode significar algumas atitudes
muito diferentes. A primeiro delas envolve calma, tranquilidade e resignação. A
segunda envolve persistência e perseverança. No plano pessoal, pode eventualmente
ocorrer de ambas atitudes serem adequadas. Mas no plano político obviamente não
é assim. No caso dos que como eu militamos no Partido dos Trabalhadores, é
preciso enfrentar - pública e organizadamente – as ações escrachadas, perigosas
e malandras dos que, conscientes ou não disso, vem tentando nos converter em um
“partido da ordem”. É preciso enfrentar a resignação com que amplas parcelas do
povo toleram a merda em que estamos metidos. E é preciso enfrentar esta classe
dominante de merda, seu governo de plantão e os reservas que já estão sendo
escalados.
Resignação
zero. Persistência, perseverança e luta, contra a catástrofe que nos ameaça. Neste
sentido, concordo inteiramente com o que diz Valério acerca de sermos “pacientes uns com os outros”.
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Segue abaixo
o texto criticado na íntegra
https://revistaforum.com.br/rede/as-sete-vidas-do-pt-e-os-tres-coracoes-dos-trostskistas-por-valerio-arcary/
As sete
vidas do PT e os três corações dos trostskistas – Por Valerio Arcary
É necessária
uma bússola para não se perder na terrível pressão em que se realizam as lutas
políticas. O que é progressivo e o que é regressivo? Essa bússola não pode ser
outra, senão uma interpretação marxista da situação concreta
Por Valerio
Arcary 14 fev 2021 - 14:36
Quem a si
próprio elogia, não merece crédito.
Sabedoria
popular chinesa
O
aniversário de 41 anos do PT é um momento para voltar a pensar o lugar e a
dinâmica do partido no contexto da oposição ao governo Bolsonaro. Em resposta a
um artigo sobre a história do PT que o portal Opera Mundi atreveu a
publicação[1], Valter Pomar escreveu um texto crítico e instigante que me fez
refletir sobre o passado, e as posições que defendi ao longo dos últimos
quarenta anos[2].
Os dois
textos saíram entre o Natal e o fim do ano. Mesmo considerando que estávamos em
ano de pandemia foi um pouco extravagante, e provocou um amigo sarcástico a me
escrever uma mensagem lembrando que “Deus castiga”. Então a tréplica sai agora
durante o Carnaval, para manter o estilo.
Mas a
verdade é que os textos de polêmica de Valter Pomar são sempre minuciosos,
inteligentes e, ironicamente, divertidos. Deixando de lado o que me pareceram
filigranas ou nuances, são apresentados, essencialmente, dois argumentos
principais. Tenho acordo com o primeiro e discordo do segundo.
O primeiro é
a avaliação de que a história do PT é incompreensível sem destacar o papel que
a esquerda do PT, em suas diferentes componentes, cumpriu, mesmo quando foi
derrotada, porque contribuiu para evitar uma desfiguração do caráter de classe
do partido. Um argumento, historicamente, justo.
O segundo é
que, apesar de tudo, o PT continua sendo um partido em disputa. Essa linha é
menos convincente. Pode ser argumentado que uma luta só termina quando acaba,
mas parece difícil de acreditar, quando a aposta repousa em uma expectativa,
essencialmente, voluntarista, mas de inspiração dialética hegeliana (tese,
antítese, síntese) de que a luta pela regeneração do PT é a melhor hipótese
para pensarmos a reorganização da esquerda brasileira.
Mas além
destes tópicos, Valter não deixou escapar uma crítica à minha trajetória
centrada em duas avaliações históricas, o que me oferece a oportunidade de uma
saudável autocrítica e um esclarecimento.
Escrevo
estas linhas por duas razões. Primeiro, porque valorizo muito debates honestos
que são aqueles em que respeitamos o que os outros escrevem, e descartamos o
recurso fácil de exagerar, caricaturizar, ou falsear o que os outros pensam.
Aprecio a diplomacia em discussões porque não vejo razão alguma para a aspereza
pessoal, ou os argumentos ad hominem: a desqualificação pessoal do outro,
quando estamos engajados em uma polêmica de ideias. Justiça se faça, as linhas
de Valter Pomar foram duras, mas honestas. Um debate não é mais honesto,
somente, porque é mais diplomático.
Segundo,
porque venho refletindo sobre os meus erros, e acredito que as duas críticas
que Valter sublinhou são, em grande medida, corretas. Nunca tive simpatia por
aqueles que insistem em uma teimosia obtusa. A romantização de nossas
trajetórias é uma idealização infantil. Ninguém é infalível. Admitir os erros
não diminui a nossa militância, ao contrário, estimula a confiança. O esforço
de ter uma atitude autocrítica é educativa.
Indo ao
ponto deste texto. Valter me recorda que a Convergência Socialista errou ao
considerar que a crise aberta em 1992, com a explosão do movimento estudantil
na campanha pelo Fora Collor, seria uma onda revolucionária forte o bastante
para abrir condições para a afirmação de uma organização revolucionária com
influência de massas, ainda que minoritária. Existiram variadas posições, com
distintas mediações na CS sobre o tema, mas não importa. Estávamos errados, por
duas razões.
A primeira
era a expectativa de que a luta pela derrubada do governo Collor era a
antessala de uma crise de regime com a precipitação de uma situação
pré-revolucionária, muito inspirada na crise do final do governo Alfonsín que,
evidentemente, não se confirmou. A segunda era a aposta de que existiria um
espaço político para uma construção independente exterior ao PT, prevendo que a
direção lulista poderia vencer as eleições de 1994 que, tampouco, se confirmou.
A
perspectiva se inspirava em uma elaboração de Leon Trotsky dos anos trinta,
apoiado na tradição da III Internacional, que, resumida “brutalmente”,
considerava insustentável regimes de democracia liberal duradouros, com
alternância de poder, em países da periferia do capitalismo. Mesmo em um país
como o Brasil que tem uma localização semiperiférica peculiar no mercado
mundial e no sistema de Estados, um híbrido. Esse prognóstico foi confirmado,
para o essencial, até o final dos anos oitenta, mas demonstrou-se equivocado
após 1989/91 com a restauração capitalista e o fim da URSS. A subestimação do
significado desta derrota histórica, em escala internacional, foi fatal.
Com a
perspectiva de hoje, mais de trinta e cinco anos depois, depois de oito
eleições presidenciais, é incontroverso que a classe dominante brasileira
conseguiu uma relativa estabilização do regime democrático-liberal. O que
permanece perturbador e até intrigante é que, depois do golpe institucional de
2016 e da eleição de um neofascista, no contexto de uma dinâmica de
recolonização primário-exportadora, após a depressão mundial pós crise de 2008,
o regime permanece, em algum grau, ameaçado por uma chantagem bonapartista.
A segunda é
uma crítica à evolução política do PSTU na crise aberta após as jornadas de
Junho de 2013 que culminou com a campanha pelo Fora Todos. Ela se inspirava na
ideia que uma situação pré-revolucionária tinha se aberto, e que a experiência
de massas dos grandes batalhões da classe trabalhadora com a liderança lulista,
depois de treze anos no governo, seria irreversível. Estávamos errados.
A situação
aberta pelo que existia de impulso progressivo nas Jornadas de Junho se fechou
em fevereiro de 2014. A potência das jornadas de junho tinha sido exagerada.
Tão ou mais grave, as eleições de 2014 e a inversão geral desfavorável das
relações sociais e políticas de força, após a derrota diante da ofensiva do
impeachment em 2016, confirmaram que a experiência com a liderança do PT era
incompleta, embora mais acentuada na juventude. Mas, desta vez, a luta política
teve outro desenlace, e a ruptura com o PSTU foi uma autocrítica.
Os dois
grandes erros têm uma explicação comum. Ela remete a uma educação marxista de
recorte, perigosamente, determinista ou objetivista. Os trotskistas têm três
paixões em um coração revolucionário. Consideram a luta pela igualdade
indivisível da luta pela liberdade. Seu programa é a revolução mundial. São
igualitários, libertários e internacionalistas.
O
compromisso com o igualitarismo explica a confiança na luta da classe operária,
trabalhadores, juventude, mulheres, negros, LGBT’s e todos os povos oprimidos.
O
engajamento libertário explica o entusiasmo com as formas mais avançadas de
auto-organização popular, o impulso de experiências de democracia direta
participativa e plural, os reflexos antiburocráticos, a defesa das liberdades
democráticas.
O
internacionalismo explica a solidariedade com as lutas em escala mundial, as
campanhas contra o imperialismo e as guerras, o combate ecossocialista contra o
aquecimento global, a necessidade da revolução anticapitalista.
Acontece que
alimentar três paixões no mesmo coração não é simples. É necessária uma bússola
para não se perder nas condições de terrível pressão em que se realizam as
lutas políticas. O que é progressivo e o que é regressivo? Essa bússola não
pode ser outra, senão uma interpretação marxista da situação concreta. Mas não
é simples.
A paixão
obreirista pode levar a expectativas infundadas na disposição de luta imediata
da classe trabalhadora, ou seja, uma esperança de que a relação social de
forças evolua, rapidamente, para melhor. A paixão libertária pode ser
contaminada por idealizações democráticas. Direitos nunca são absolutos, porque
estão sempre limitados por outros direitos. São sempre relativos. A experiência
do processo venezuelano é plena de lições. A paixão internacionalista pode ser
corrompida pelas pressões geopolíticas do campismo.
Os
princípios são indispensáveis. Mas o mundo é complicado, e a vida é dura. Os
princípios não são o bastante. E estamos tão divididos, e ainda é tão grande a
nossa solidão política que é muito fácil ceder às pressões poderosas que nos
cercam.
Não há
gênios entre nós. Sejamos pacientes uns com os outros.
Excelente debate entre duas lideranças de esquerda e socialistas Dois caminhos estão expressos nestes textos um defende e acredita na disputa dos rumos do PT para uma política de esquerda militante e socialista outro aposta suas fichas na organização e fortalecimento do PSOL depois de uma forte autocrítica no seu engajamento na construção do PSTU
ResponderExcluirAo fim e ao cabo, fica ao que parece, da leitura do texto Arcari, uma margem para pensarmos que há naqueles que saíram do PT para fazer a revolução, a constatação de que não parecem perceber que a revolução no Brasil ainda se ancora apenas no plano da utopia e que é mais provável chegar a ela passando pelas mudanças "reformistas" do PT do que começando do zero a cada erro. Eu admiro a militância e a persistência dos que permanecem no PT mais do que daqueles que debandam porque se sentem mais revolucionários. Ainda bem que há espaços para a existência das diferentes opções
ResponderExcluirNão precisam se preocupar que os partidos da ordem nunca vão deixar o PT ser um “partido da ordem”, mesmo que ele queira. Os partidários da ordem, apesar das odes ao Mercado, odeiam competição, o negócio deles é o monopólio mesmo.
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