segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Sobre alguns erros do Partido, na questão das Mesas

A pandemia está matando. Mas a vacinação está demorando. O desemprego está crescendo. Mas o auxílio emergencial acabou. A economia está indo ladeira abaixo. E frente a isso, o que fez o Congresso Nacional?

Interrompeu seu recesso para debater os assuntos que afligem o povo? Não. O Congresso seguiu em recesso, exceto no que diz respeito a eleição das Mesas Diretoras e dos presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente.

E como o que é ruim sempre pode piorar, o resultado da eleição não foi bom para o povo brasileiro. Tanto no Senado quanto na Câmara foram eleitos presidentes apoiados por Bolsonaro.

Vale ressaltar que no Senado, a bancada petista votou no presidente eleito, Rodrigo Pacheco do DEM. Argumento? Entre outros, Pacheco seria um garantista. Aliás, o ex-líder do PT no Senado disse ser fake new que o PT votou na candidatura apoiada por Bolsonaro. Segundo Rogério, foi Bolsonaro que votou na candidatura apoiada pelo PT. Digamos que a verdade possa ser expressa assim: o PT e Bolsonaro votaram no mesmo nome. Dou um biscoito para quem adivinhar a que eleitor Pacheco é mais agradecido, será mais fiel, se ao PT ou se a Bolsonaro...

No caso da Câmara, entretanto, não há disfarce. Baleia teve 145 votos. Lira (PP) teve 302 votos. Vitória acachapante no primeiro turno do candidato bolsonarista. Vitória construída com muito dinheiro, muitos cargos e igualmente com política. Afinal, se a maioria do Congresso apoiou e apoia as politicas de Bolsonaro, por qual motivo mesmo haveria de derrotar seu candidato? Alguém acha que este povo da direita se preocupa de verdade com a democracia? Com as ameaças do neofascismo?

Mas na vitória de Lira também teve requintes de crueldade. Tipo o DEM declarar neutralidade, deixando Rodrigo Maia com a brocha na mão. Tipo Artur Lira, já eleito presidente, cancelar os nomes eleitos pelo bloco de Maia, com o argumento de que a inscrição foi feita fora do prazo. Aliás, que coisa inacreditável, deixar para inscrever no último segundo um ofício que poderia ter sido inscrito horas antes. E se tivesse sido inscrito horas antes, não haveria “problema técnico” que impedisse a inscrição.

Outro requinte de crueldade: vários partidos aliados do PT no tal bloco de Maia conspirando abertamente para excluir o PT da Mesa. Ou ainda: o PT agradecer a Lira por ter reaberto o processo, sendo que no processo anterior (cancelado por Lira) o PT tinha a primeira secretaria e no novo processo (readmitido por Lira) o PT passou a ter a segunda secretaria. Tipo: obrigado por pisares em minha cabeça.

O fato é o seguinte: SE a tática adotada pela bancada petista foi correta, deu tudo errado. E se a tática foi errada, então deu muito errado, errado mesmo. Nós da tendência petista Articulação de Esquerda sempre deixamos claro a nossa posição. Que era melhor ter um bloco de oposição e uma candidatura de oposição. Que no limite era melhor o PT sair só ou em aliança com o PSOL, mas tendo uma candidatura petista à presidência. Que era um erro participar do bloco do Maia. Que era um erro apoiar Baleia. E que era inaceitável apoiar Lira.

Pois bem: não temos provas, mas temos convicção de que alguns parlamentares petistas votaram em Lira. Quantos? Algo entre 2 e 10. Fizeram isso secretamente. Embora algumas digitais tenham aparecido depois, na eleição suplementar, em que a direita escolheu quem seria o nome do PT na Mesa.

Além disso, Baleia se demonstrou um péssimo candidato. Ou melhor: se demonstrou um... Baleia Rossi. Golpista de 2016, pró prisão de Lula, eleitor de Bozo no segundo turno de 2018 e acima de tudo um adepto das políticas neoliberais. E sem compromisso com o impeachment. Apoiar alguém assim já é ruim. Apoiar alguém assim e perder é péssimo. Apoiar alguém assim e ter uma votação tão baixa, é escandaloso.

A votação total de Baleia Rossi (142 votos) foi pouco maior do que a bancada da oposição. Mas, claro, a bancada de oposição não é toda de oposição. No PSB, no PDT e no próprio PT, teve gente votando em Lira. Mas se a oposição quisesse ser oposição, se tivesse lançado candidatura própria, é seguro que teria uma votação superior a que Baleia teria, deduzidos os votos da oposição. Alguém pode dizer: mas nesse caso Baleia não seria candidato... Um argumento genial, que só confirma que Baleia é um candidato de ocasião. Candidato que deve estar maldizendo a hora em que foi atrás do apoio do PT. Pois no final das contas, o apoio do PT foi utilizado como argumento pela tropa de choque de Bolsonaro para tirar votos de Baleia.

Muito bem: encerrado o processo, cabe avaliar o ocorrido. Por exemplo: 1/de que valeu participar do bloco do Maia? 2/de que valeu apoiar Baleia Rossi? 3/não teria sido melhor ter um bloco da oposição e uma candidatura da oposição? 4/se tivessemos saído sozinhos, o PT teria conquistado qual espaço na Mesa?

Na hora deste balanço, além desses temas da digamos grande político, será preciso analisar dois outros assuntos, que podemos dizer que são da pequena política. O primeiro destes temas é a acusação de Lira, segundo a qual o PT teria inscrito a chapa fora da hora. O segundo destes temas é a eleição de Marilia Arraes para a Mesa.

Sobre este segundo tema, tem múltiplas versões correndo, algumas contraditórias entre si. O que sabemos? Que até sexta, 29 de janeiro, o PT ainda não havia decidido quem seria seu nome para a Mesa. Havia, é claro, nomes circulando. Mas até onde sabemos, o nome de Marilia Arraes não estava entre as alternativas cogitadas. Poderia estar? Claro que sim. Qualquer parlamentar tem o direito de apresentar seu nome, para que o Partido escolha.

Pois bem: no dia 1 de fevereiro, no dia da eleição, o nome da companheira Marilia aparece. Mas tem um problema. Marilia não apresentou seu nome para o Partido decidir. Marilia apresentou seu nome e disse que seria candidata mesmo que o Partido não a escolhesse. Ou seja, ela disse que seria candidatura avulsa.

Esta postura de Marília criava dois problemas para o Partido. Problema número 1: na eleição da Mesa, votam parlamentares de todos os partidos. Portanto, se o PT escolhe 1 nome, temos certeza de que o nome escolhido pelo partido será o nome eleito. Mas se há dois petistas disputando, é bastante provável que aconteça algo bem bizarro. A saber: que seja eleito aquela candidatura que tiver mais votos FORA do Partido. Ou seja: havendo mais de 1 candidatura, o mais provável é que caiba aos outros partidos escolher quem será o nome do PT que vai para a mesa.

Problema número 2: a bancada do PT é dividida quase que meio a meio. Uma metade é da CNB. A outra metade não é da CNB. Dado este quase equilíbrio, há bastante tempo foi feito um acordo entre estes dois blocos. O acordo estabelece uma alternância. Por exemplo: na liderança, ora o líder é da CNB, ora é de outro campo. E na Mesa, a mesma coisa. Pois bem: segundo este acordo, caberia a metade que não é da CNB indicar o nome que iria para a Mesa.

Acontece que Marilia é da CNB. Não parece, mas esta é a verdade; Marilia e Humberto Costa são da mesma tendência. Portanto, ao lançar-se candidata avulsa, caso ganhasse, Marília desfaria aquele acordo de alternância.

Por conta destes dois problemas, a situação poderia resultar no seguinte: 1/o PT indicar oficialmente um nome que não seria da CNB; 2/Marilia sair candidata avulsa; 3/Marilia ganhar graças a apoios de fora do PT; 4/Teríamos então um nome da CNB na Mesa; 5/só que nada disso teria sido por decisão do `PT, mas sim por conta dos votos obtidos fora do PT.

Levando isso e outras coisas em consideração, a CNB decidiu aceitar Marilia como candidata. Esta decisão, até onde sabemos, não foi fácil. Alguns parlamentares acusaram Marilia de estar impondo seu nome. Esta acusação é um fato, pois ela mesmo disse que manteria seu nome, mesmo que não fosse escolhida. Outros a acusaram de ter negociado isso com apoiadores de Artur Lira. Esta acusação é negada por Marilia, cabendo aos acusadores o ônus da prova. Mas o fato é que prevaleceu na CNB, no dia 1 de fevereiro, acabar o nome de Marilia. Ficando implícito que, se alguém da CNB ia para a Mesa, então a liderança iria para o outro setor da bancada.

Naquele dia, segunda-feira 1 de fevereiro, Marília foi eleita e tudo parecia tranquilo, mas Lira anulou a eleição. E na terça e quarta-feira, houve uma reviravolta.

Diante da anulação, havendo tempo para rever decisões adotadas sob pressão (alguns diziam, sob chantagem), o setor da bancada que não é da CNB solicitou que a bancada se reunisse e votasse. O incrível é que, segundo consta, isto até então não havia acontecido.

A bancada finalmente se reuniu, votou e prevaleceu, por 2 votos, a candidatura de João Daniel. João Daniel foi originalmente uma liderança do MST, que no Partido integra uma tendência chamada EPS, uma tendência minoritária que no último congresso do Partido integrou uma das chapas da esquerda petista.

Na disputa entre João Daniel e Marilia Arraes, o que fez a CNB? A quase totalidade votou em Marília. As duas exceções, dois parlamentares que são da CNB mas votaram em João Daniel, foram Guimarães e Gleisi.

E o que fez Marilia? Manteve sua candidatura como avulsa. Aqui vale a pena dizer: em nossa opinião as vezes, é correto e necessário desrespeitar a posição da maioria. Infelizmente, Marilia apoiou a decisão de compor o bloco de Maia. E também apoiou a decisão de apoiar Baleia Rossi. Nessas duas questões, ela foi fiel ao grupo que pertence. E na segunda-feira 1 de feveiro, ela foi candidata oficial a Mesa com o aval do mesmo grupo: a CNB. E na quarta feira, 3 de fevereiro,  na disputa ocorrida na bancada entre João Daniel e Mrilia, quem votou em Marília foram os parlamentares da CNB.

É importante deixar isto claro, pois muita gente acha que Marilia íntegra a esquerda do PT. Não integra. Integra a CNB. E ela decidiu se rebelar contra uma deliberação majoritária do partido, exatamente quando esta deliberação majoritária não era uma deliberação defendida pela CNB.

Ademais, não numa questão da grande política, mas na discussão sobre um cargo na mesa. E não foi só ela: também Paulo Guedes decidiu ser candidato avulso.

Na quarta-feira, 3 de fevereiro, o congresso votou de novo, para completar a Mesa. Com três candidaturas, a decisão foi ao segundo turno. E no segundo turno, Marilia ganhou. Ganhou como? Teve mais votos entre todos os parlamentares, do que João Daniel.

Ou seja: não foi o PT quem escolheu seu nome na Mesa. Foram parlamentares de outros partidos, especialmente parlamentares da direita, que escolheram quem seria o petista que estaria na Mesa. Se João Daniel vencesse, seria pelo mesmo motivo: por ter mais votos fora do Partido.

Bizarro. Mas não é o mais bizaro.

O mais bizarro é que este fato está causando mais indignação em alguns petistas, do que outro fato muito mais grave: poderíamos ter tido candidatura para marcar posição, mas escolhemos apoiar um golpista, sob o argumento de que precisávamos disputar para ganhar, mas no final das contas o golpista que apoiamos teve uma votação muito pequena.

A Comissão Executiva Nacional do PT se reuniu mais vezes para debater o tema do nome petista que iria para a Mesa, do que se reuniu para debater que candidatura a presidente nós apoiaríamos. Este “detalhe confirma que – ao contrário do que foi dito de público – a principal questão para muitos parlamentares era decidir que seria nosso nome na Mesa. Aquilo que começou errado, terminou errado. A atitude da maioria bancada (de priorizar o cargo na Mesa e de não priorizar a política) abriu margem para o voo solo de Marilia Arraes.

Em nossa opinião Marilia Arraes cometeu uma indisciplina muito grave. Tão grave, é bom lembrar, quanto outras. Por exemplo: Jaques Wagner, Vander Loubert, Zé Carlos, Zeca do PT, André Ceciliano. Ou os que apoiaram Boulos. Ou os que fizeram campanha para o candidato do PSB em Recife. Mas um erro não justifica o outro.

É provável que Marilia tenha contado com o apoio, ou com o estímulo, de outros integrantes da bancada e da direção. E é possível que tenha contado com o apoio, ou com o estímulo, de integrantes de outros partidos. Com o voto, seguramente contou.

E o que diz Marilia Arraes disso tudo? Marilia apresentou outra versão, em uma nota oficial que está disponível nas redes sociais. Reproduzimos a seguir alguns trechos desta nota: “Na manhã da quarta-feira, numa reunião às pressas, na hora do início da votação, o PT decidiu alterar a orientação inicial, pela qual eu havia sido indicada como candidata oficial do partido à Segunda Secretaria. Foi realizada uma eleição interna, cujo resultado foi uma demonstração clara de que - diferentemente do que querem fazer parecer algumas instâncias do partido - não havia nenhum consenso para a substituição de meu nome. Obtive 22 votos e o deputado João Daniel, 24 votos. Assim, em cima da hora, o partido retirou o apoio oficial à minha candidatura e eu resolvi disputar a eleição de forma avulsa. Fui para uma disputa dura, de forma clara, defendo os princípios democráticos e sem nenhum atropelo às normas e regimento da Câmara Federal. O mesmo fez o colega Paulo Guedes, que estranhamente alguns integrantes do PT esquecem de citar ao dispararem ameaças de retaliações/punições contra meu nome. Concluída a votação, recebi 172 votos, João Daniel teve 166 e Paulo Guedes, 54. A disputa seguiu para o segundo turno. O resultado final, 192 votos para minha candidatura e 186 para o colega João Daniel. São somente 24 votos de diferença! (...) Tentar transformar uma disputa legítima, legal e ética em algo impróprio, indevido, ameaçador não é uma atitude saudável ou democrática. A Segunda Secretaria da Câmara Federal é ocupada pelo PT, por uma deputada que jamais se posicionou contra o que realmente importa: os ideais de justiça social defendidos pelo nosso partido. Agora, me pergunto, que relevância isso tem para o cenário de caos que vive o nosso país?”

Em nossa opinião, há – para ser suave – várias imprecisões no texto de Marília. Mas o mais grave é que ela parece não perceber que sua atitude “atropelou” uma regra básica da vida partidária. A saber: que quem decide sobre o Partido, é o próprio Partido. Não os demais partidos. Da mesma foram como denunciamos como antipartidária a atitude dos setores do Partido que buscaram apoio no PSB, para vencer o PED 2019 e assim tentar bloquear a candidatura a prefeita de Marília Arraes, também denunciamos a atitude de permitir que os demais partidos decidam quem nos representará na Mesa da Câmara.

Por outro lado, Marília tem razão no seguinte: esta questão da Mesa é um detalhe menor. O grave é a dupla vitória de Bolsonaro. Vitória no Senado e na Câmara. Vitória eleitoral e política. A vitória eleitoral era em nossa opinião o mais provável desde o início. Mas a vitória política, não necessariamente. Acontece que a incorreta tática adotada pela maioria da bancada na Camara e a desastrosa tática adotada pela totalidade da bancada no senado ajudaram na vitória política obtida por Bolsonaro.

Se a bancada tivesse colocado a política em primeiro lugar, a história teria sido muito diferente. Mas a maioria da bancada escolheu o caminho do atalho. Tentar conseguir um cargo melhor na Mesa através de um bloco com um pedaço da direita e, de troco, derrotar Bolsonaro. Ou tentar derrotar Bolsonaro e, de troco, conseguir um cargo melhor na mesa.

Acontece que a esperteza, quando é demais, acaba engolindo o esperto. E foi isso o que aconteceu. Pois bem: qual o impacto disto tudo para o impeachment? Na prática, nenhum. Pois se Baleia fosse vencedor, ele faria como Arthur Lira fará: não tramitar o pedido, assim como antes deles Maia não tramitou. Quem argumentou que votar em Baleia ajudaria no impeachment, estava embrulhando em papel de presente o pretendido cargo na mesa.

O impeachment pode sair? Pode. Podia sair com Baleia, poderá sair com Lira, se for atendida uma condição fundamental: pressão popular. Sem mobilização popular, não tem impeachment, nem direitos do Lula, nem 2022.

Tanto as eleições municipais de 2020 quanto a eleição das Mesas confirmaram que – ao menos na atual situação histórica-- não será por caminhos eleitorais e institucionais, muito menos através de alianças com setores da direita, que a esquerda derrotará Bolsonaro.

Ou mudamos a correlação de forças na sociedade, em particular na classe trabalhadora, ou a disputa institucional continuará sendo decidida em favor da direita (bolsonarista raiz ou bolsonarista eventual, centrão raiz ou centrão gourmet).

Ninguém gosta de derrota. Mas já que fomos derrotados, vamos pelo menos tirar alguma lição do ocorrido, a começar pela máxima do Barão: “de onde menos se espera, daí é que não sai nada”. Insistir em aplicar uma estratégia superada só vai produzir novas derrotas.

Esperamos que a direção do PT convoque, mais cedo que tarde, um encontro nacional que sirva para debatermos e aprovarmos uma nova linha política, adequada aos "tempos de guerra" que estamos vivendo.

 

 

 

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