segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Algumas precisões

A Rede Brasil Atual publicou, no dia 5 de outubro, um texto a partir de uma entrevista feita comigo.

O texto publicado pela RBA está aqui: http://www.redebrasilatual.com.br/eleicoes-2014/dirigente-do-pt-diz-que-falta-de-reformas-politica-e-da-comunicacao-explicam-eleicoes-7238.html

A partir dele, produzi o que segue.
Não há motivo para surpresa, nem com a votação de Aécio Neves, nem com a realização de segundo turno.

Só ficou surpreso quem subestimava os adversários, achava que fossem "anões políticos".

Desde as eleições municipais de 2012 havia ficado claro que a disputa presidencial de 2014 tendia a ser resolvida no segundo turno. Como, aliás, ocorreu em 2002, 2006 e 2010.

Por qual motivo a tendência era esta?

Por três fenômenos combinados: a) a maioria do grande empresariado está operando para nos derrotar; b) consolidou-se nos setores médios um violento sentimento antipetista; c) na classe trabalhadora, cresceu um setor que tem dúvidas e desconfianças contra nós.

Estes três fenômenos estiveram cada vez mais evidentes ao longo de 2013 e em 2014, seja na "greve de investimentos", seja nas manifestações de junho, seja no movimento "não vai ter Copa".

Entretanto, não devemos avaliar negativamente as manifestações de junho de 2013. Tampouco devemos achar que a Copa estava/está acima de qualquer crítica. Especialmente nas manifestações de junho, havia uma disputa, na qual o Partido e nossos governos deveriam ter atuado com mais, digamos, ênfase e eficácia.

Aliás, nos últimos anos, o Partido não tem conseguido conquistar os votos da juventude trabalhadora.  Juventude que poderia estar em sua maioria entusiasmadamente conosco se, entre outras ações, tivéssemos adotado outra política de comunicação, se tivéssemos alterado o currículo dominante nas escolas e se tivéssemos uma política cultural mais forte.

Na ausência destas e de outras ações, não devemos nos espantar com o “contraste” entre certas bandeiras presentes nas manifestações de junho de 2013, vis a vis a eleição de conservadores de quatro costados para o Congresso Nacional.

Algo parecido aconteceu nos anos 1990: quem não lembra, pesquise quem venceu as eleições em São Paulo logo após o movimento pela ética na política? Movimentos de massa que amedrontam o estabelecimento, mas não tem organicidade nem direção política à altura, muitas vezes são seguidos de uma ressaca reação conservadora.

Do ponto de vista eleitoral, entretanto, é correto perguntar: não estaria em curso uma guinada conservadora e se esta guinada não ajudaria o Aécio Neves a se eleger?

O aumento do conservadorismo é real. Mas qual sua origem?

Ele é produto de uma combinação de fatores: a) uma reação até certo ponto espontânea de parcela dos setores médios, especialmente contra sua perda de status; b) uma ação deliberada da direita partidária, do oligopólio da mídia; c) no período mais recente, o reforço vindo também de parcelas majoritárias do grande empresariado.

Esta reação conservadora poderia ter sido neutralizada pela classe trabalhadora e pelos setores médios progressistas. Mas para que conseguíssemos isso, seria necessário um esforço de democratização da mídia, uma política educacional e cultural mais ousadas, uma ação de organização e formação política mais intensa etc.

Como sabemos, entretanto, nestes últimos anos, parcelas importantes do empresariado capitalista e dos chamados setores médios giraram para a direita, mas na classe trabalhadora, que é maioria, não houve um giro equivalente para a esquerda. Se essa nova geração que entrou no mercado de trabalho agora, devido às políticas do PT, tivesse acesso a uma mídia e uma educação mais democrática, teria virado para a esquerda. Como isso não ocorreu, no jogo de vetores o que vem prevalecendo é a ideologia dos dominantes, a tal guinada conservadora.

Por este motivo, os governos, os parlamentares, os partidos e os movimentos sociais do campo democrático vão ter que fazer nos próximos 4 anos o que não fizemos nos últimos 12. Entre outras coisas, um esforço redobrado de sindicalização e organização popular, de democratização da mídia, de mudanças nos currículos educacionais e nas políticas culturais.

Esta situação é um dos efeitos colaterais da estratégia de mudança sem ruptura. Mudança sem ruptura parece para muita gente uma boa coisa. Mas ela tem um pressuposto: fazer concessões aos inimigos. A conta só fecha se, com o passar do tempo, os inimigos deixarem de ser tão inimigos. Mas o que ocorre na vida real? Na vida real, apesar das concessões, os inimigos se tornaram ainda mais inimigos. E graças as concessões que fazemos/fizemos, eles não apenas mantiveram, como também ampliaram os meios de que dispõem para agir contra nós. Ao mesmo tempo, certas concessões que fazemos/fizemos dividem nosso campo,  nos impedem ou pelo menos reduzem nossa capacidade de ganhar amigos e fortalecer nosso lado. Moral da história: tendência ao fortalecimento deles e enfraquecimento nosso. Alguma hora vai parar de funcionar, simples assim.

Por tudo isto é que insisto: não podemos mais esperar para fazer a reforma do sistema político, nem para democratizar a comunicação. Isto não nos impedirá de ganhar estas eleições presidenciais de 2014, mas se isso não for tratado, daqui até 2018 tende a se tornar um problema incontornável.

Vamos ganhar a eleição presidencial, com um Congresso mais complexo (digamos assim) do que o atual. Mas existe muita coisa que poderia ter sido feita e que pode ser feita em termos de democratização da mídia, independente da aprovação ou não da Lei da Mídia Democrática. Assim como há muita coisa que pode ser feita em favor da reforma política, independente ou em paralelo a tramitação institucional das propostas a respeito.

O fato de não termos conseguido realizar uma reforma política, nem a democratização da mídia, criou uma contradição: continuamos ganhando a eleição presidencial, mas naquele terreno onde as deformações do sistema político-eleitoral são mais evidentes, que é o Congresso, a gente começa a ter queda na nossa representação.

Por isto nossa bancada reduziu em números absolutos. Claro que a queda na representação parlamentar federal está concentrada em estados como São Paulo e Pernambuco, mas isto é a materialização de um problema mais geral, a saber: entre 1994 e 2002, nós avançamos no terreno institucional, tanto nas presidenciais, quanto nos parlamentos, quanto nos governos estaduais. Entre 2002 e 2010, nós oscilamos para cima e para baixo, mas mantendo o mesmo patamar. Já entre 2011 e 2014 começou um movimento de redução de nossa presença institucional, que fica evidente agora. Ou seja, até então estávamos batendo no teto. Agora, começamos a cair.

Contudo, esta onda conservadora não vai favorecer Aécio no segundo turno. Na verdade, ela já favoreceu Aécio no primeiro turno. Ele não será mais favorecido no segundo turno porque --como aliás demonstram as pesquisas-- o povo é majoritariamente progressista no terreno da política econômica e social.
Sabendo disto, Aécio vai tentar fazer dois movimentos.

Por um lado, vai tentar colocar o debate sobre a corrupção no centro da pauta; por isto nós --sem fugir do debate sobre a corrupção-- devemos colocar as políticas econômicas e sociais no centro da pauta.

Por outro lado, Aécio vai tentar “dourar a pílula” de seu programa, vestir seu neoliberalismo com as vestes da “nova política”. Para atingir tal objetivo, ele busca desesperadamente do apoio de Marina Silva e do PSB, pois desta forma ele pretende neutralizar parte dos efeitos negativos da herança tucana. Por isto, sem deixar de fazer a comparação entre o que fizemos e o que fizeram os tucanos, nós devemos ser capazes de apresentar um programa convincente acerca do que faremos, acerca do que será o segundo mandato Dilma.

Pelas razões apontadas, é claro que um segundo turno com Aécio é melhor para o PT do que uma disputa com Marina. É muito menor a chance das pessoas se iludirem com as propostas de Aécio: ele é um playboy, representante do capital e dos setores da elite. É jogo mais claro, o que não significa jogo mais fácil. São dois projetos distintos para o país, que vão se enfrentar pela sétima vez desde 1989.

Falando em tese, seria mais difícil ganhar um segundo turno contra alguém que já fez parte do governo, da base aliada, do PT. Vale reconhecer, entretanto, que Marina cometeu o erro (do ponto de vista dela, é claro, pois para nós foi um "favor") de ter se "convertido" muito explicitamente e muito rapidamente, mostrando que a suposta terceira via não era mais do que um sucedâneo da segunda via, da via tucana, neoliberal.

No segundo turno, os votos recebidos por Marina vão se dividir. O eleitorado dela é composto de vários segmentos: uma parte vem desde 2010, que é de gente que não é tucana mas está insatisfeita com o PT; tem uma parte que ela agregou nessa reta final, que é de gente de direita que viu nela uma chance de derrotar o PT e voltou para o Aécio; tem uma parte que é progressista e quer mudança etc.

Neste contexto, qual efeito terá a votação do estado de São Paulo? Minha opinião é que a vantagem que Aécio obteve no primeiro turno em São Paulo não impede nossa vitória presidencial no segundo turno. 

Entretanto, pensando não apenas no segundo mandato da Dilma, mas também no desafio de mudar profundamente o país, o quadro de São Paulo é muito grave.

O governo de Alckmin é um governo de m..,.mas ainda sim um setor do eleitorado vota nele. Por qual motivo isto ocorre? Na minha opinião, por vários motivos, nenhum deles misterioso.

Um destes motivos é: em São Paulo concentra-se o grande empresariado que está operando para nos derrotar; concentram-se, também,  os setores médios antipetistas; concentra-se, ainda, o setor da classe trabalhadora que tem dúvidas e desconfianças contra nós. Aliás, quem gosta de falar que vamos transformar o Brasil num país de classe média deveria olhar para São Paulo para perceber o risco que isto significaria, se fosse verdade.

Outro dos motivos é: durante décadas, São Paulo beneficiou-se do atraso relativo do restante do país. Nós, desde 2003, estamos trabalhando para tirar o conjunto país do atraso. Para superar o atraso, é preciso dar mais a quem foi historicamente prejudicado. A elite paulista reage a isto da mesma maneira como certos setores médios reagem a melhora de vida das camadas populares: consideram isto uma perda de status. Alguém já disse, creio, que o regionalismo de São Paulo é nossa questão meridional.

Um terceiro motivo sobre o qual prefiro falar depois de 26 de outubro é o comportamento do PT em geral, mas especialmente no estado de São Paulo. A esse respeito, deixo registrado para comentários posteriores a não eleição do deputado Candido Vaccarezza.

Por fim, vamos ganhar o segundo turno da eleição presidencial. Para isso, devemos: a) recuperar cerca de 4 milhões de eleitores que perdemos em comparação com 2010; b) atrair a parcela progressista do eleitorado de Marina; c) atrair parcela dos votos não válidos do primeiro turno; d) tentar manter neutros os demais segmentos.

Tomando como base as pesquisas de primeiro turno, consideramos que no fundamental estes votos que perdemos são: a) socialmente, de jovens trabalhadores; b) residentes nos grandes centros urbanos; c) e de pessoas com simpatias à esquerda.

Para ganhar aqueles setores, será preciso manter a linha geral de campanha. A saber: mobilização máxima, politização máxima e máxima polarização programática. Não basta a comparação de governos. Será preciso apresentar propostas programáticas claras, que apontem o sentido geral do novo ciclo que se pretende abrir no segundo mandato Dilma com "mais mudança". É o caso da reforma política, através de uma Constituinte exclusiva; da democratização da comunicação; da reforma tributária progressiva; das 40 horas de jornada; da revisão do fator previdenciário; da criminalização da homofobia; da revisão dos índices de produtividade agrária.


Paradoxalmente, se mantivermos esta linha, estaremos criando as condições não apenas para a vitória, mas também para um segundo mandato mais avançado, mesmo que em condições mais difíceis.

Um comentário:

  1. quando a possibilidade de derrota se materializa, fica muito claro o quanto os avanços conquistados até aqui são frágeis e de manutenção quase q totalmente dependente de vitórias eleitorais do pt

    espero q vc esteja certo, q é possível fazer mudanças estruturais mesmo com esse congresso e q tenha gente dentro do governo q ainda ouça a esquerda do pt

    abraço

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